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A DEFESA DOS INCONFIDENTES

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A DEFESA DOS INCONFIDENTES
Justiça ainda que tardia a um digno advogado.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
O presente trabalho se propõe a analisar a profícua atuação do advogado de defesa dos inconfidentes mineiros na conjuração que idealizaram entre 1788 - 1789, o qual foi injustiçado pela história.
A DEFESA DOS INCONFIDENTES: JUSTIÇA AINDA QUE TARDIA A UM DIGNO ADVOGADO.
Resumo:  O presente trabalho se propõe a analisar a profícua atuação do advogado de defesa dos   inconfidentes mineiros na conjuração que idealizaram entre 1788 - 1789, cuja descoberta após delação de alguns dos participantes resultou em duas Devassas levadas a cabo na Capitania de Minas Gerais e na do Rio de Janeiro. Quando do julgamento iniciado em 1791 e finalizado em abril de 1792, foi nomeado como defensor dos réus o carioca José de Oliveira Fagundes, advogado, do Partido da Santa Casa de Misericórdia, o qual através de uma atuação exemplar foi fundamental para a comutação da pena de morte para a de degredo, de vários dos réus. A história infelizmente não fez justiça a este personagem importante do levante contra a Coroa Portuguesa, conhecido como a Inconfidência Mineira.
  
Sumário: INTRODUÇÃO. 1.A INCONFIDÊNCIA MINEIRA. 2.O ALFERES JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER-TIRADENTES. 3.O PROCESSO “AUTO DE DEVASSA”.4.A ATUAÇÃO DO ADVOGADO JOSÉ DE OLIVEIRA FAGUNDES NA DEFESA DOS INCONFIDENTES. 4.1.Uma análise preliminar dos momentos finais do julgamento. 4.2.Os argumentos iniciais do advogado José de Oliveira Fagundes em defesa dos inconfidentes. 5.ABORDAGEM GERAL INDIVIDUALIZADA DA DEFESA DOS RÉUS. 6.A DEFESA DE TIRADENTES. 7.O ACÓRDÃO DA SENTENÇA DO TRIBUNAL DE ALÇADA E OS EMBARGOS FINAIS DO ADVOGADO.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
 
INTRODUÇÃO.
Este artigo tem por objetivo analisar a defesa dos inconfidentes mineiros no processo em que responderam pelo crime de “lesa majestade”, defesa esta conduzida por um advogado brasileiro, educado em Coimbra, cujo nome, José de Oliveira Fagundes, onde quer que seja mencionado muito provavelmente passará em branco.
Em 18 de Abril de 1792, oito juízes julgaram 29 réus no julgamento da Inconfidência Mineira. A história reservou lugar de honra para Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, tendo sido este o único condenado a sofrer pena capital, fato que o tornou um mártir da nação e seu patrono cívico máximo.
No entanto, é pouco conhecido pelos brasileiros- exceção é claro daqueles mais afeitos a um estudo histórico aprofundado- o desenvolvimento de todo o processo penal ao qual foram submetidos os réus, desde o momento de suas prisões até a sentença, a qual somente foi proferida quase três anos após o encarceramento dos acusados, os quais permaneceram por todo este tempo reclusos e incomunicáveis não apenas entre si, mas também com o mundo exterior.
Se houve crime, prisão, acusação, enfim um processo penal, ainda que no Brasil colonial, haveria certamente defesa. Coube esta ao carioca José de Oliveira Fagundes que diante de uma tarefa para a qual o adjetivo “hercúlea” seria o mais adequado; honrou a profissão de advogado.
A despeito das evidentes diferenças do direito da época em comparação com o atual e a lei vigente na colônia diante de um crime contra o seu Soberano, posta em contraste com a atualidade de um Estado Democrático de Direito; podemos até conjecturar que não houve crime, posto que não foi tentado e tampouco consumado. As provas foram essencialmente testemunhais no sentido de que os réus se reuniram e nestes encontros tramaram contra a Coroa Portuguesa uma revolução. A prova material era frágil.  Não foram nem mesmo permitidas testemunhas de defesa. Onze dos inconfidentes foram condenados à morte, mas, em audiência no dia seguinte, foi lido decreto da Rainha pelo qual todos, à exceção de Tiradentes, tiveram a pena comutada .
As limitações que foram impostas ao advogado Fagundes conforme iremos abordar no decorrer deste trabalho, mostram-se desanimadoras em paralelo com o direito atual, fato que não o impediu de atuar dignamente para com os réus, e frise-se, fora nomeado, uma vez que todos os bens dos acusados estavam bloqueados e/ou seqüestrados.
Comungamos com aqueles que reputam este como o maior julgamento já realizado no Brasil em todos os tempos, a despeito de boa parte da imprensa  ter dado este “título” ao julgamento atual da AP 470 no STF, conhecido como “mensalão”, desde  o início em 2012 . Os inconfidentes foram julgados por conspirarem para derrubar um governo que oprimia o Brasil, ou seja, ainda que fosse crime previsto na legislação vigente (Ordenações Filipinas), não obstante haver interesses pessoais envolvidos no movimento , o motivo era nobre e o benefício maior resultaria em favor da pátria. Ao contrário do “mensalão”, onde houve crime consumado com farta presença de prova material de uma conspiração dos réus contra seu próprio país, e não apenas um, mas, vários crimes ficaram evidenciados. O “título” mais apropriado a nosso ver para o julgamento da AP 470, não é o de “maior julgamento da história do Brasil”, mas bem poderia ser o de “o mais suspeito”, por conta das manobras e nomeações políticas de Ministros do STF, os quais “passaram por cima” do Acórdão original desfigurando-o grandemente, trazendo novamente descrédito do povo para a atuação da justiça com relação aos políticos e os “colarinhos brancos”.
Terminado este parêntese, antes de adentrarmos no processo e na atuação do advogado dos conjurados, um profissional injustiçado pelo esquecimento, faz-se mister que penetremos ainda que de forma resumida, no pano de fundo do movimento dos inconfidentes de Minas Gerais,o qual, levou ao indiciamento dos réus.
A INCONFIDÊNCIA MINEIRA.
A Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira, com boa base de acerto, deu seus primeiros passos adultos enquanto movimento revolucionário e libertador, nos idos de 1780, tendo como catalisador a atuação de alguns governantes da capitania, como ficou claro com a chegada em 1783, para assumir o posto de novo governador da Capitania de Minas Gerais, D. Luís da Cunha Meneses, vindo de ser governador da Capitania de Goiás onde adquiriu a fama de tirânico e despótico. O bastão lhe seria passado pelo Capitão-General,o austero, porém, estimado em Vila Rica, D. Rodrigo José de Menezes, sendo este merecedor do respeito de seus administrados que o tinham como verdadeiro estadista das Minas Gerais .
Em pouco tempo o novo mandatário fez jus á fama que o precedia quando no dia imediato a sua posse removeu da função de Secretário do Governo o Dr.Cláudio Manoel da Costa, um dos homens mais cultos que serviam a Capitania em Vila Rica  que por sua competência e dedicação servira aos três governos anteriores ao de Cunha Meneses. Tal substituição houvesse tido como motivo uma renovação, em geral bem aceita quando o que se espera com tal medida é um avanço, com o fito de melhorar e progredir como sói normal a um novo governo; logo se revelou não ser o motivo, quando passou o novo governante a ter como seu braço direito o Coronel de Auxiliares José Romão Jeunot, amiúde freqüentador noturno de tabernas, a beber e cantarolar preparando-se para as freqüentes noites nos bordéis, e por vezes acompanhado pelo seu mandatário.
O governador substituído, D. Rodrigo José de Menezes, já ciente do declínio da produção aurífera na Capitania de Minas Gerais, em sua proficiência como governante hábil e ciente das necessidades da terra, durante sua administração não se intimidou em enviar carta á Rainha Dona Maria I , expondo a real situação dos problemas enfrentados na produção do precioso metal que gerava o quinto  para Portugal, rogando á mandatária máxima que providências fossem tomadas no intuito de amenizar o problema. Jamais obteve resposta da Rainha. O resultado de sua audácia foi ser removido para a Capitania de São Paulo, após apenas três anos de governo quando o normal eram cinco. Ao que tudo indica vítima de inveja do Ministro da Marinha e Ultramar, o representante máximo da Rainha para a colônia.
Aberto estavao caminho para a cobrança da “derrama”  na capitania .Cunha Meneses mostrou-se incapaz, ao contrário de seu antecessor de entender que o declínio da produção de ouro se devia ao esgotamento das jazidas e não como ele concluiu do alto de seu despotismo, ser o contrabando  a razão da escassez do metal nobre.
O iluminismo  já há algum tempo despertava em um grupo de intelectuais brasileiros, anseios de uma pátria livre da dominação portuguesa. A classe mais destacada de Minas Gerais, composta por proprietários rurais, clérigos, intelectuais e alguns militares;  os quais atingidos pelas situações relatadas acima já não conseguiam esconder ainda que veladamente entre quatro paredes, sua insatisfação com o domínio de além- mar sob o qual o Brasil e a sua Minas Gerais estavam submetidos. Não tardou para que as reuniões conspiradoras tivessem início. 
Voltando ás reuniões revolucionárias que ocorriam principalmente em Vila Rica, conforme dito alhures, os participantes constituíam a nata intelectual das Minas Gerais, entre os principais: o Contratador Domingos de Abreu Vieira, os padres José da Silva e Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues da Costa e Carlos Correia de Toledo e Melo, o Cônego Luís Vieira da Silva, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, este um Desembargador, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, o Capitão José de Resende Costa e seu filho José de Resende Costa Filho, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Pisa e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de "Tiradentes", sendo este último conforme se verá adiante , um participante que não era considerado da elite nem intelectual, tampouco política, haja vista, fosse um alferes militar, o equivalente a um subtenente, ou seja um ajudante subalterno em seu regimento.
A conjuração tinha por objetivo eliminar o domínio português sobre Minas Gerais, tornando esta capitania um país independente. Não era intenção única dos inconfidentes libertarem toda a colônia brasileira, já que não havia ainda uma identidade nacional formada. A pretensão era estabelecer em Minas uma República, inspirada pelas idéias iluministas da França e da Independência dos Estados Unidos da América. Vale destacar, uma vez que confusões são em geral observadas a respeito, não haver no movimento um consenso quanto a libertação dos escravos, já que muitos dos participantes do levante eram dependentes dessa mão-de-obra ( o próprio Tiradentes possuía ao menos uma escrava) não se pode dizer que opiniões e discussões não foram levantadas sobre a questão, mas diante do propósito principal, a independência, a escravidão, não obstante ser visto como um mal era tida como necessária.
Tampouco podemos deixar- a bem da verdade histórica em face do caráter científico proposto neste trabalho- de apontar o ufanismo que aflorou quando da chegada da República com seus reflexos até hoje, de imputar aos inconfidentes um heroísmo a toda prova. A verdade dos fatos não condiz com tal euforia. Uma das razões, provavelmente a principal, para conspirarem contra a Coroa tinha muito mais a ver com motivos e preocupações pessoais do que com uma ânsia virtuosa pela liberdade da colônia, principalmente Minas Gerais. Todos os envolvidos viam a liberdade e um Estado Soberano também como uma saída ou para dívidas que tinham para com a Fazenda Real, ou para insatisfação com preterimentos em posições políticas e/ou promoções, e alguns até mesmo de se livrarem de investigações por motivo de contrabando de diamantes, entre outras questões .
De forma alguma, tais constatações históricas, visam macular as merecidas homenagens prestadas até os dias de hoje  a tais homens, uma vez que ninguém poderá tirar dos mesmos o fato de terem iniciado a idéia de independência do Brasil, fossem quais fossem os motivos. Por outro lado, no momento em que analisarmos a descoberta do movimento e as prisões, o que se verá é um “ cada um por si”, onde não faltaram acusações recíprocas, tentativas de convencer o então Governador Visconde de Barbacena, de que eram fiéis súditos da Coroa e não sabiam de onde provinha tamanho disparate de que estavam envolvidos em conspiração. Em comum se constata um fato: Joaquim José da Silva Xavier foi apontado pela quase totalidade dos acusados de ser o responsável pela propagação daquelas idéias subversivas que lhes eram imputadas sem fundamento. E, conforme trataremos adiante, o alferes, conhecido como Tiradentes, foi verdadeiramente o nome ímpar do levante, cujo comportamento durante todo o tempo em cativeiro e no processo o destacou de todos os demais.
Voltando á análise dos fatos históricos mais relevantes da Inconfidência Mineira concluiremos esta parte, abordando o malogro do movimento. É sabido que o levante não chegou a ser iniciado, uma vez que o plano foi descoberto antes de sua deflagração. O historiador inglês Kenneth Maxwell aponta como principal razão, a suspensão  da derrama  ordenada pelo governador Visconde de Barbacena, motivada segundo Maxwell pela condição econômica de Minas, fato que teria feito tanto o Ministro Melo e Castro, bem como a Rainha, a alertar Barbacena do descontentamento e resistência que tal medida poderia causar.
Se considerarmos que o ofício de Barbacena á Câmara de Vila Rica anunciando a suspensão da derrama deu-se na data de 14 de março de 1789 e a denúncia verbal a respeito da conspiração que estava em andamento, feita pelo Cel. Joaquim Silvério dos Reis  ao governante foi em 15 de março, ou seja, um dia após a ordem de suspensão, somos facilmente levados a concordar com Maxwell (uma vez que a participação de Joaquim Silvério na conjuração se devia em razão de seu débito com a Fazenda Real) que o traidor vendo que o estopim que iniciaria a revolução não fora acesso, aproveitou  uma oportunidade, melhor e menos perigosa de fugir da dívida, revelando a trama que estava em andamento e ser recompensado com o perdão de seu débito como reconhecimento de sua lealdade á Coroa .Fracassada a revolução antes mesmo de ter início, começaram as prisões. No Rio de Janeiro, Tiradentes e o delator Joaquim Silvério dos Reis, foram os primeiros a serem detidos.
Em seguida um dos primeiros a serem encarcerados em Minas Gerais foi o advogado e poeta Cláudio Manoel da Costa. As circunstâncias em torno desta prisão se configuram no maior mistério envolvendo o movimento. Cláudio Manoel era o mais ilustre e famoso dos inconfidentes e também o mais rico. Existem muitas dúvidas sobre a assinatura em seu depoimento tomado em 2 de julho de 1789, já que dois dias depois o mesmo foi encontrado morto em sua cela. Após o exame do corpo em 04 de julho foi atestado que o mesmo se enforcara. A suspeita de que o advogado fora assassinado não pode ser desconsiderada tendo vista alguns acontecimentos. Em carta enviada para Lisboa em 11de julho o Governador em nenhum momento mencionou a morte de Cláudio Manoel, embora tenha tecido comentários sobre seu depoimento.
A pergunta que permanece até hoje é se o advogado e poeta, que já era idoso, realmente teria se suicidado. Haveria um motivo forte para que fosse assassinado? Não nos esqueçamos que alguns dias após sua prisão e morte chegava a Vila Rica a comissão enviada pelo Vice-Rei para assumir a jurisdição sobre a Devassa; portanto, se algo no depoimento de Cláudio em 02/07 não podia vazar, o mesmo teria de ser eliminado e seu depoimento falsificado. Ora, o ilustre advogado sabia muito sobre os conjurados, e até então fora interrogado pelo escrivão Manitti, escolhido para a função pelo Governador Visconde de Barbacena. Com a chegada da Comissão do Vice-Rei, novo interrogatório iria acontecer, o que leva á pergunta: Cláudio Manoel poderia fazer alguma revelação para os enviados do Rio de Janeiro- os quais não estavam sujeitos ao Governador Barbacena- que deveria ser evitada a qualquer custo? Kenneth Maxwell argumenta que o poeta não seria assassinado sem a concordância do governador, e chama atenção para o fato de que em seu depoimento Cláudio declarara que ouvirade Tomás Antônio Gonzaga que o Capitão-General Visconde de Barbacena dissera que estaria na linha de frente em caso de uma revolta. Maxwell conjectura se tais palavras seriam um chiste entre Cláudio e Gonzaga, mas acentua que o comportamento de Barbacena em várias situações não escapa a um exame acurado; principalmente por não ser incomum que revoltosos coloniais em geral acreditavam que os governadores das províncias ou capitanias optassem por apoiá-los a fim de se tornarem de governadores em chefes de um estado soberano. Dúvida não há de que Cláudio Manoel da Costa conhecia os segredos dos inconfidentes e estava propenso a revelá-los. A propósito a história oficial da morte do poeta não mereceu crédito nem mesmo á época, pois foi rezada missa pelo falecido, o que era negado aos suicidas, e a despesa foi coberta pela Real Fazenda .
O ALFERES JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER TIRADENTES.
Tendo sido Tiradentes  o único a ser sentenciado á morte e no decorrer de todo o processo contra os inconfidentes o personagem mais intrigante entre os réus; entendemos que se faz necessário uma análise histórica inoculada de culto ao mito no sentido de trazer á tona a figura humana deste personagem para uma maior compreensão do que o levou a se destacar entre os demais condenados.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu na Fazenda do Pombal, entre as vilas de São José (hoje Tiradentes) e São João del Rei, nas Minas Gerais, no ano de 1746. O mês e o dia são incertos. O pai era português e a mãe brasileira. Tinha seis irmãos. Ficou órfão de mãe aos nove anos e de pai aos onze ou quinze. Foi Criado desde então por um padrinho cirurgião, com quem aprendeu noções práticas de medicina e odontologia. Chegou a trabalhar como dentista prático, origem do apelido Tiradentes. Sabe-se que era hábil neste ofício. Como é comum se dizer de quem exerceu várias atividades, “fez de tudo na vida”: tentou a mineração, foi tropeiro e mascate (ocupações que o levaram a conhecer melhor as Minas Gerais, a Bahia e o Rio de Janeiro) e acabou sentando praça no Regimento de Dragões (cavalaria) das Minas Gerais.
No posto de alferes, foi designado para algumas missões importantes: comandou a patrulha do Caminho Novo, por onde transitavam ouro e diamantes para o Rio de Janeiro, e chefiou a guarda da Viscondessa de Barbacena quando ela foi a Vila Rica. Mas nunca passou de alferes. É possível que o fato de não ser português nato tenha pesado contra ele, pois as autoridades portuguesas só tinham confiança plena nos portugueses puros. Verdade é que foi preterido quatro vezes nas promoções, o que foi contado como um dos motivos para se juntar a conjuração.
Tiradentes sonhava com passos maiores que os de uma carreira militar. O alferes, tinha um espírito ao mesmo tempo sonhador e prático, interessava-se por diferentes artes, entre elas a engenharia e a mineralogia. Projetou, por exemplo, o abastecimento de água para o Rio de Janeiro, mediante a canalização dos rios Andaraí e Maracanã. Para muita gente, eram projetos de louco,por causa deles foi certa vez vaiado ao entrar num teatro do Rio (o projeto, porém, seria executado no reino de D. João VI). Projetou também armazéns e um trapiche para embarque de gado, também no Rio. Imaginava ainda, a possibilidade de instalar em Minas uma fábrica de ferro.
Da sua vida pessoal, pouco se sabe. Já aos 35 anos, namorou uma mulher do arraial do Tijuco (atual Diamantina), sobrinha de um companheiro de conspiração, o padre José da Silva de Oliveira Rolim. O padre chegou a pedir a mão da sobrinha em casamento para Tiradentes, mas o pai já a concedera a outro pretendente. Sabe-se também que durante pouco menos de um ano, Tiradentes teve uma ligação amorosa com uma viúva da região de Vila Rica, Antônia Maria do Espírito Santo. É fato que os dois tiveram uma filha a quem deram o nome de Joaquina.
José Álvares Maciel, um dos inconfidentes, de volta após estudar na Europa, foi quem deu a Tiradentes uma compilação de leis da nova república norte-americana, cujo exemplar  em francês estava sempre com o alferes, que com freqüência procurava alguém que lhe traduzisse. O fato do alferes não estar entre aqueles considerados intelectuais no movimento levou alguns destes a não virem com bons olhos a participação do militar no plano, nem tanto por sua função, mas principalmente por considerarem-no iletrado. Outro ponto que incomodava era a característica de não se conter ao falar das idéias revolucionárias, propagando-as em alto e bom tom onde quer que fosse. Talvez ai resida a razão pela qual, os primeiros interrogados e testemunhas o apontarem como o cabeça do levante.
Preso em 10 de maio de 1789 no Rio de Janeiro, em nenhum momento tentou imputar a culpa a outrem  mas assumiu total responsabilidade pelo malogrado plano. Os historiadores são unânimes em seus relatos de que Tiradentes se comportou com destacada bravura, tanto durante o processo quanto durante a execução. Sua sentença foi cumprida observando-se todo o seu rigor no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792.
O PROCESSO “AUTO DE DEVASSA”.
O Auto de Devassa consistia em uma ordem criada no século XVIII pela rainha D. Maria I, a fim de investigar por documentos escritos, obras de arte, e testemunhos, hábeis aprovar que uma pessoa era um inconfidente (falta de fidelidade para com o Soberano).Foi o processo utilizado na Inconfidência Mineira, na qual todos os integrantes foram “devassados” em busca destes indícios e provas de que os mesmos expressavam idéias separatistas, portanto, crime de traição contra o Reino de Portugal.
A Devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino (em vigor na época as Ordenações Filipinas), de natureza criminal, com características de inquisição, ou seja, não garantia o direito de defesa e de contraditório da mesma forma como acontece hoje no ocidente. O julgador e o acusador se confundiam neste rito processual.
Evidentemente, havia regras estabelecidas e claras nas ordenações, terminando sempre com a sentença do juiz ou tribunal. Os autos desse processo eram chamados de "Autos de Devassa".
A primeira Devassa para se apurar o premeditado crime de rebeldia foi instaurada no Rio de Janeiro através de uma Portaria do Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Souza (tio do Visconde de Barbacena, governador da capitania de Minas Gerais) datada de 07/05/1789, tendo sido designados para atuar no processo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres da Relação  do Rio de Janeiro, como juiz, e o Ouvidor Marcelino Pereira Cleto, para escrivão. Foi lavrado o Auto de Corpo de Delito no dia 11 de maio, contendo uma denúncia escrita pelo Cel. Joaquim Silvério dos Reis  e de outra cujo autor fora o ajudante João José Nunes Carneiro.
Um conflito de jurisdição se apresentaria logo de cara no processo, haja vista, que não obstante ter o governador Barbacena mandado efetuar várias prisões,foi apenas em 12 de junho que determinou a portaria para a instalação de uma Devassa na capitania de Minas Gerais. Vê-se, portanto, logo no início, uma falha jurídica com a abertura de dois inquéritos contra os “rebeldes”.
Começava um desentendimento entre tio e sobrinho, ambos querendo “mostrar serviço” para a Corte de Lisboa. Este conflito traria graves conseqüências para os acusados conforme veremos mais adiante. O Vice-Rei Luís de Vasconcelos vendo que não teria a boa vontade do governador Visconde de Barbacena em fornecer todos os documentos e informações necessárias para um andamento correto da investigação aberta no Rio, decidiu enviar a Minas dois dos encarregados da Devassa aberta pelo Vice-Rei, para que estes completassem as diligências e pudessem reunir em um único processo o material investigativo contido na Devassa mineira.
Não obtiveram sucesso. Um dos enviados, o Desembargador Torres, teve vários desentendimentos com o Visconde de Barbacena, que relutava em acatar as ordens do Vice-Rei. Retornaram ao Rio em 27/06/1789 chegando na Capital em 12/10.
O imbróglio estava longe de acabar, em 11/02/1790,Barbacena enviou uma cópia dos autos da Devassa de Minas Gerais diretamente para o Ministro de Portugal, Martinho de Melo e Castro, e não apenas esta, mas fez seguir outra através da Bahia (temendo o risco da anterior ser retida ao tentar ser despachada no Rio) no dia 20 do mesmo mês. Acompanhando as cópias seguia um ofício com críticas severas á Devassa do Rio de Janeiro. O Vice- Rei Luís de Vasconcelos e Souza, não só também enviou cópia da Devassa aberta no Rio de Janeiro, mas foi pessoalmente expor sua investigação na Corte, já que havia passado o cargo de Vice-Rei para o Conde de Resende.
Tendo recebido os documentos das duas Devassas sobre a inconfidência das Minas Gerais, o Ministro Melo e Castro tomou ciência do conflito jurisdicional resultante da abertura de dois inquéritos sobre o mesmo crime. Tomou então a decisão de enviar ao Brasil um Tribunal para representar a Casa da Suplicação  (mais alta corte do Reino de Portugal). Foi enviado para cá pelo ministro português, o chamado Tribunal de Alçada, para o qual foram designados como Chanceler o Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, e como juízes-adjuntos, os Desembargadores da Suplicação, Dr. Antônio Diniz da Cruz e Silva, agravante e Antônio Gomes Ribeiro, agravista. Os referidos magistrados chegaram ao Rio em 24 de dezembro de 1790. No início de 1791 se completou o número de juízes com ministros da Relação do Rio de Janeiro.
A vinda do Tribunal de Alçada para o Rio, colocando fim ao conflito de jurisdição entre a Devassa de Minas Gerais e a da Capital do Vice-Reino do Brasil, não só resolveu a questão como também selou a sorte dos réus, pois o Conselheiro Vasconcelos Coutinho portava com ele duas Cartas Régias, assinadas pela Rainha D. Maria I, com datas de 17/07 e 15/10 de 1790. Uma destas cartas continha instruções de como deveria ser conduzido o julgamento para os réus integrantes do Clero, cujas sentenças deveriam permanecer em segredo, até que a Rainha tomasse uma decisão final. A outra, já continha a clemência para os inconfidentes que viriam a ser condenados á morte, mas que não tivessem sido cabeças ou instigadores do levante, reservando-se a sentença de morte apenas a quem encabeçara e promovera a rebelião.
Após inteirar-se completamente dos fatos o Chanceler determinou ao Visconde de Barbacena que efetuasse a prisão de mais alguns suspeitos em vários cantos da Capitania de Minas Gerais, os quais foram conduzidos ao Rio no final de maio de 1791. Em seguida a isso, o julgamento dos réus se desenvolveu, sendo que alguns dos acusados foram submetidos a longas e repetidas reinquirições.
Os principais acusados, entre eles Tiradentes (estava recluso no Presídio da Ilha das Cobras), foram transferidos das prisões onde estavam, para a Cadeia da Relação e do Hospital da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Largo da Carioca, alguns poucos foram levados para o Forte da Conceição.
No dia 31/10/1791, o Tribunal de Alçada nomeia como defensor dos réus o advogado Dr. José de Oliveira Fagundes, da Santa Casa de Misericórdia[41] , portanto, um defensor público.
A ATUAÇÃO DO ADVOGADO JOSÉ DE OLIVEIRA FAGUNDES NA DEFESA DOS  INCONFIDENTES.
UMA ANÁLISE PRELIMINAR DOS MOMENTOS FINAIS DO JULGAMENTO.
O crime de lesa majestade estava previsto nas Ordenações Filipinas em seu livro V, Título VI:
“Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que ele de tão grave e abominável crime, e que os antigos sábios tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com ele conversam, assim que ele será apartado da sociedade: assim o erro da traição condena o que a comete, e empece e infama aos de sua linhagem, posto que não tenham culpa.”
A lei descrevia vários casos em que o crime podia ser tipificado, entre estes o 5º incluía a inconfidência:
 
“... O quinto, se alguém fizer conselho ou confederação contra o Rei ou seu Estado, ou tratar de se levantar contra ele, ou para isso der ajuda, conselho ou favor...”
E no mesmo livro, logo após a tipificação, a pena era estabelecida:
 
“... E em todos estes casos, e cada um deles, tem-se como cometido crime de Lesa Majestade, e havido por traidor o que os cometer.
E sendo o cometedor convencido por qualquer um deles, será condenado que morra morte natural[42]  cruelmente[43] ; e todos os seus bens, que tiver ao tempo da condenação, serão confiscados para a Coroa do Reino, ainda que tenha filhos, ou outros descendentes, ou ascendentes, nascidos antes ou depois de terem cometido tal malefício... E sendo tal crime notório, serão seus bens confiscados por este mesmo feito sem outra alguma sentença...”
Uma vez concluída a Devassa, todos os inconfidentes seriam acusados e julgados por este odioso crime contra o Reino e sua Rainha.
A vista dos Autos foi aberta ao advogado de defesa na data de 02/11/1791. Foram dados 21 dias de prazo para a defesa de 29 réus, os quais estavam presos e incomunicáveis havia mais de dois anos. Após assinar o Termo de Juramento, levou consigo os sete vastos volumes com os interrogatórios, e no dia 23/11, após muita dedicação e estudo, entregava seus Embargos de Defesa compostos de 121 itens. Já no ano seguinte, 1792, em 17/04, os onze inconfidentes que seriam condenados á pena capital foram reunidos no Oratório da Cadeia da Relação para ouvirem a leitura do Acórdão da Alçada. Lá estavam: o Alferes José Joaquim da Silva Xavier, O Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, o Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, o Capitão José de Resende Costa e seu filho de mesmo nome, O Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira acompanhado de um escravo chamado Nicolau, os doutores Domingos Vidal de Barbosa Laje e José Alvares Maciel, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes e o cirurgião Salvador Carlos do Amaral Gurgel.
A lavratura do Acórdão iniciou-se nas primeiras horas da manhã do dia 18, ocupando os Juízes da Comissão por 18 horas, sendo a sentença assinada somente ás 02:00 horas do dia seguinte. Em seguida o Escrivão Desembargador Rocha intimou os referidos réus da sentença de morte. Houve choro, acusações mútuas e desespero geral, com uma única exceção: Tiradentes se manteve impassível. Ato contínuo, abriu-se vista dos Autos ao defensor na madrugada do dia 19 de abril, com prazo de um dia para os embargos. Novamente, após um trabalho extenuante José de Oliveira Fagundes entrega o recurso no dia 20. São rejeitados. Intimam-se os réus da rejeição. José de Oliveira Fagundes fez um trabalho notável nos embargos dos condenados à morte, destacando a confissão dos réus, e o fato de que mesmo o Tribunal do Santo Ofício[44]  entendia a confissão como atenuante da pena máxima. Requereu a transformação do enforcamento em prisão perpétua para todos, inclusive para Tiradentes, com alegações pertinentes e inteligentes. Conclusos os Autos com o recurso, foi este rejeitado pela Alçada por sua matéria, e determinando-se o cumprimento da sentença embargada. Num esforço último, prova de sua dedicação á defesa dos réus, o competente advogado requereu um novo pedido de vista e, na meia hora que lhe deram, preparou os Segundos Embargos, em oito itens, por via de restituição de presos e miseráveis (o apelo final). Rejeitados.
Com um suspense proposital, a fim de castigar mais os réus, é trazida aos autos A Carta Régia de clemência - completamente desconhecida pelos réus-enquanto os mesmos continuavam lamentando sua sorte, em completa ausência de heroísmo. Repita-se, o Alferes José Joaquim da Silva Xavier, permaneceu em silêncio e resignado com o destino que o aguardava. Lê-se o Acórdão de rejeição dos últimos embargos da defesa dos 11 réus condenados á morte, mais lamentos e desespero. Após uma pausa com a clara intenção de torturar um pouco mais os réus, faz-se a leitura do Acórdão de clemência. Uma únicaexecução foi mantida: A de Tiradentes. Todos os demais sentenciados á pena máxima, tiveram-na convertida em degredo, fato que os levou a gritos de júbilo, abraços e louvores á Rainha, como se fosse o degredo um prêmio. Nenhum heroísmo houve entre aqueles condenados “perdoados”. Só havia um herói no recinto, O alferes. E como veremos na seqüência, um responsável por aquele livramento: o advogado José de Oliveira Fagundes.
Tiradentes, sem o benefício da clemência real, foi enforcado[45]  ao meio dia do dia 21 de abril de 1792, após um cortejo que saiu da Cadeia da Relação ás 08:00 horas da manhã.
Três dias após a execução, prosseguiu o processo com a intimação dos demais réus na Cadeia da Casa Forte do Castelo. Em 02/05, O advogado Fagundes apresentou um extenso recurso de embargos com relação á nova pena de degredo, logrando uma aceitação parcial dos mesmos, com a mudança do local de degredo de uns e a redução da duração da pena de outros. José de Oliveira Fagundes, brasileiro, advogado, exerceu com competência, inteligência, dedicação, ética e honestidade o árduo mandato que lhe fora outorgado pela Alçada Régia, não se justificando, portanto, o esquecimento de seu nome na história da Inconfidência Mineira.
              4.2. OS ARGUMENTOS INICIAIS DO ADVOGADO JOSÉ DE OLIVEIRA FAGUNDES  EM DEFESA DOS         INCONFIDENTES.
Evidentemente não é possível em um relato conciso abordar na totalidade a defesa apresentada pelo advogado. No entanto, atentos ao objetivo a que se propõe este trabalho, cumpre-nos analisar alguns pontos na peça dos primeiros embargos apresentada pelo advogado, enfocando neste tópico o intróito, e no que segue, as alegações em favor de alguns dos réus, reservando um espaço maior para sua manifestação em relação a Tiradentes, visto que foi o único a ser sentenciado á pena capital, já que embora em uma primeira condenação, a pena de morte foi imputada a onze dos reús; somente o alferes, não foi beneficiado com a clemência da Rainha. Tal benesse, como vimos, estava em uma das Cartas Régias que foram trazidas pelo Tribunal e foi comunicada um dia após a leitura da sentença.
O fechamento dos Autos para a defesa e a abertura de vista, foi assim redigida[46] :
TERMO DE CONCLUSÃO.
Aos vinte e cinco dias do mês de outubro do ano mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas de minha residência, fiz autos conclusos ao Desembargador Conselheiro Chanceler desta Relação, Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Juiz da Comissão, com as duas Devassas, e seus correspondentes autos, tudo apenso; e para constar, fiz este termo; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi.
Com as Devassas,
e mais Autos apensos.”
CONCLUSOS
Hei por findas as diligências jurídicas para conclusão das devassas, e os réus conteúdos na certidão de fls. 14 por pronunciados. Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1791.
TERMO DE DATA
Aos vinte e cinco dias do mês de outubro de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas de residência do desembargador Conselheiro Chanceler desta Relação, Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Juiz desta Comissão, aí pelo dito Conselheiro me foram dados estes Autos com o seu despacho posto neles, para se cumprir e guardar; como nele se contém: do que para constar, fiz este termo; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi.
 
RIO DE JANEIRO- 26/10/1791- Indicação de Desembargadores para Juízes da Devassa.
Ilmo. E Exmo. Senhor.
Em observância das ordens de Sua Majestade proponho a Vossa Excelência para Juízes das Devassas tiradas sobre a conjuração da Capitania de Minas, os Desembargadores José Antônio da Veiga, João de Figueiredo e João Manoel Guerreiro de Amorim Pereira: e para rondas para desempates sendo precisos: Primeira vez, Desembargadores Tristão José Monteiro e Antônio Rodrigues Gaioso. Segunda, os Desembargadores José Feliciano da Rocha Gameiro e José Martins da Costa. Terceira, os Desembargadores José Soares Barbosa e Antônio Luis de Souza leal. Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1791.
Sebastião Xavier de Vaslos . Cout.º
Vendo a acertada nomeação que fez o Senhor Conselheiro Chanceler e Juiz da Alçada da Conjuração de Minas, a confirmo, e se passem as ordens necessárias aos Ministros nomeados. Rio, 27 de outubro de 1791.
           (Rubrica do Conde de Resende)[47]
 
CONCLUSOS
Acordam em Relação os Juízes da Alçada etc. em observância ás ordens da dita Senhora fazem estes autos sumários aos vinte e nove réus declarados na relação de fls. 14 verso e lhe assinam cinco dias[48]  para dizerem de feito e de direito; e lhe nomeiam por advogado ao da casa da Misericórdia José de Oliveira Fagundes, que o será também dos três réus falecidos[49]  na prisão, para o que assinará termo de curador e juramento; e concedem licença a todos os advogados[50]  que quiserem ajudar a defesa dos réus, que possam fazer as alegações que lhes parecerem, juntando-se aos autos debaixo do sinal do advogado nomeado. Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1791.(grifo do autor)
Vas.los
Gomes Ribrº
Cruz e Silva
Veiga
Figdº
Guerreiro
 
RIO DE JANEIRO, 31/10/1791-Certidão da Intimação do Acórdão.
Francisco Luís Álvares da Rocha, Desembargador dos Agravos desta Relação do Rio de Janeiro, e Escrivão da Comissão e Alçada expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, certifico que, no dia atrás declarado, passei ás Fortalezas da Ilha das Cobras e da Conceição, e ás prisões feitas no Palácio do Excelentíssimo Vice-Rei deste Estado, e nas casas da Ordem Terceira de São Francisco, todos desta cidade, e cadeias da relação onde se acham presos os vinte e nove réus, que repete o Acórdão de fls. vinte e uma verso , e expressado á fls. quatorze verso, e aí todos, e cada um deles, lhes intimei o dito Acórdão bem e inteligivelmente, e assim disseram que o ficavam entendendo, como nele se declara, do que dou fé. E para assim constar, passei a presente certidão. Rio de Janeiro, trinta e um de outubro de mil setecentos e noventa e um, e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão e Alçada a escrevi e assinei.
             Francisco Luís Álvares da Rocha
O trabalho do advogado José de Oliveira Fagundes começava em 31/10/1791, quando segundo a praxe da época prestou juramento:
 
Aos trinta e um dias do mês de outubro de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Oliveira Coutinho, do conselho de Sua Majestade, e do da Sua Real Fazenda, chanceler a Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão e Alçada expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo ai tendo o dito Conselheiro mandado vir á sua presença o advogado da Casa de Misericórdia José de Oliveira Fagundes, também nomeado para advogado e Curador dos réus deste processo lhe deferiu o juramento dos Santos Evangelhos, e debaixo dele lhe encarregou, que fielmente, e conforme os termos de Direito, patrocinasse a causa dos três reús deste mesmo processo que são falecidos, do que assinasse termo, na conformidade do Acórdão que o nomeara; e sendo pelo dito advogado recebido o juramento, debaixo dele prometeu cumprir, como lhe encarregava, e que aceitava a curatela, como lhe era encomendado, e de tudo mandou o dito Conselheiro lavrar este termo, em que assinou com o sobredito advogado e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão e Alçada, que o escrevi .
José de Oliveira Fagundes (assinatura)
 
RIO DE JANEIRO, 02/11/1791- Termo de Vista
Aos dois dias do mês de novembro de mil setecentos e noventa e um , nesta Cidade do Rio de Janeiro, e Casas de minha residência, continuei estes Autos com vista ao advogado dos réus, José de Oliveira Fagundes, com todos os seus apensos, como se declara no termo de folhas cinco verso, no termo de folhas dez verso, e certidão de folhas doze verso; do que para constar fizeste termo, e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão e Alçada, que o escrevi.
Com todos os seus apensos
Com vista ao advogado dos réus
Vejamos a excelente introdução proposta por Fagundes em sua peça de defesa, a qual demonstra sua capacidade e inteligência jurídica definindo como estratégia de defesa a melhor tese possível, qual seja a não consumação do crime e a impossibilidade de que fosse executado; procurando, caracterizar que o ocorrido não passou de conversas em casas e esquinas, as quais se dissipavam quando os interlocutores iam para seus lares, reputando tais diálogos como inócuos, não tendo havido jamais a mínima possibilidade de que suas idéias se tornassem reais, fato que jamais trouxera qualquer risco à Coroa. Ou seja, crime algum fora praticado que justificasse tamanho castigo ao qual foram submetidos os réus durante três anos de prisão, e muito menos era justa a mínima possibilidade de sofrerem penas tão severas previstas para o crime em questão.
 
RIO DE JANEIRO, 23/11/1791- Embargos do advogado José de Oliveira Fagundes, ao Acórdão da Comissão de Alçada.
 
Com o mais profundo respeito.
Os R.R. declarados na relação de folhas 14 verso têm legítimos e concludentes embargos ao douto e respeitável Acórdão de folhas 22 verso, pelo qual se lhes fizeram sumários os presentes autos, e se lhe mandou dizer de fato e de direito em cinco dias, e formando-os dizem com a maior submissão, e com vênia já implorada por esta e melhor via de direito.
E sendo necessário,
P. que não se havendo negado aos R.R. o direito de defesa que lhes foi concedido pelo Acórdão de folhas 22 verso, não deve também desanimá-los a rigorosa prisão em que se acham; a natureza do delito porque se lhes formou o sumário; as cruéis penas com que a lei os manda punir; o respeito com que se devem mostrar isentos das mesmas penas e delitos; e a débil inteligência do Patrono que se lhes nomeou, sem o talento necessário para tão importante defesa; porque desde já se protesta por parte dos R.R. e do Patrono, que tudo quanto se passa a ponderar é só para o fim de escusar os R.R. do crime, e mostrar quanto pede a necessidade da defesa, que eles não estão incursos nas penas que a lei impõe a tão atroz delito, e excitar os sentimentos da humanidade, que é inseparável dos Supremos Tribunais, onde preside a Majestade ou o seu alto poder.
P. que estas justíssimas causas ainda mais animam aos R.R. deste sumário, conhecendo eles a piedade de Soberania e Majestade a quem respeita o delito, e que os Augustos e Fidelíssimos Monarcas seus Progenitores, nunca perderam de vista, estimando e pregando a defesa dos criminosos, que do Sr. Dom Manuel se conta louvar muito aos Magistrados, quando estes podiam descobrir nos delitos com que escusassem os delinqüentes.
P. e ainda que pareça que os 29 R.R. deste sumário estão incursos nas penas da Ordenação Livro 5, Título 6º, e haverem cometido o erro e crime, que numera a mesma Ordenação nos §§ 5 e 6, agora, pelo que se passa a ponderar debaixo da protestação acima feita, há de parecer que alguns se acham totalmente escusos e inocentes, e de menor gravidade o delito de outros, e que todos se fazem dignos da Real piedade de Sua Majestade e dos respeitáveis Magistrados Juízes desta causa: porque;
P.e não se podendo negar a vista das Devassas e dos apensos que alguns dos R. R. tiveram a fatalidade de conversarem sem horror sobre levante e conjuração contra o real e supremo poder de Sua Majestade e contra o Estado, é também constante das mesmas Devassas e apensos, que essas criminosas e péssimas conversações se não procuram executar por meio e preparo algum, porque nem há uma só testemunha que jure ter diligenciado algum dos R.R. a execução das mesmas, nem isto se afirmou nas denúncias[51]  que se deram nesta cidade, e em Vila Rica, nem consta dos sequestros ,busca e exames exatíssimos que se fizeram aos RR., e a muitas outras pessoas, sem aparecem vestígios de preparos, nem ainda disposição para eles, não passando tudo de um criminoso excesso de loquacidade, e entretenimento de quiméricas idéias, que se desvaneciam logo que cada um desses R.R. se separavam, prova evidente de não haver deliberação de ânimo para a execução da confederação e levante porque se lhes formou o sumário.
P. que esta circunstância mostra que não houve verdadeiro conato de delito nos R.R. que assistiram ás criminosas conversações, e nos que tendo notícias delas as não delataram logo, para serem punidos na conformidade da Ordenação Livro 5, Título 6º, e mais quando na opinião dos melhores D.D. não bastam os conventículos, não se seguindo algum outro fato e malefício, como tem Agidio Boss. In tit.de crim. Laesae Majestat. Nº 29 ibi.[52]
Scias tamen quod Lice per praedicta decreta Judex Possit imponere paenam corporalem, tamen llam nunquam vidi imponiex sola unfone alio malo non secuto.[53,54]   
Farinac. De crim. Laes. Majestat. Q. 113. Inspec.4 n. 124 onde se refere a Foller in prac.crim. e conclui com Boer. Nas seguintes palavras__
Non habere Locum paenam criminis Laesae Majestatis, etiam quod congregation, sem conventicula si facta ad effectum faciendi seditionem in Civitate si seditio sequnta non fuit, nec ad aliquem actum fuit deventum.[55]
P. que manifestando-se das Devassas e apensos a falta de verdadeiro conato e não se haver seguido preparo e disposição alguma a aquelas sacrílegas e danadas conversações, é também inegável e constante das mesmas Devassas e apensos, que esses mesmos R.R., que assistiam ás ditas conversações se retiravam para suas casas e fazendas, em grande distância uns dos outros, e nelas se demoravam por muitos meses, sem promoverem o efeito das ditas conversações, que por isso mesmo se devem reputar somente por maledicência, falta de modéstia, leviandade e insânia, como em caso idêntico reconheceram os imperadores Teodósio, Arcádio e Honório, na L. Única Cod. Siquis Imperatori maledixerit nas seguintes palavras.
Si quis modestiae nescius, et pudores, ignarus, improbo, petulandi que maledicto nomina mostra crediderit lacessenda, ac temulentia turbulentus obtrectator temporum nostrorum fuerit, cum paenae nolumus subjugari, neque durumaliquid, neca sperum volumus sustiere: si ex insânia miseratione dignissimum: si ab injuria, remittendum. Unde, integris omnibus, hoc ad mostram scientiam referatur, ut expersonis hominum dicta penesemus, e utrum praetermitti, na exquiri debeant censeamus.[56]
P. que a disposição desta lei, ainda que de Direito comum, e não pátrio, é de muita circunspeção, e digna de observância no caso presente pelas circunstâncias que ficam ponderadas, não só porque estas foram omitidas na Ordenação do Livro 5, Título 6º § 5º, mas porque esta ordenação foi deduzida da lei 1ª ad legem Juliam Majestatis[57] , onde se encontram as mesmas palavras, que se transcreveram na dita Ordenação e § 6º; e quando a lei pátria dispõe o mesmo que o Direito comum, padece a mesma interpretação e limitação, para que nos casos não providenciados se recorra a ele, e as LL. Antigas, que dispuseram sobre a mesma matéria, como diz Valasc. Cons. 42. In fin., e cons. 66 nº 17 ibi__
Quia in casibus non provisis Lege Regia recurrimus as jus commune.Item quia Lex nova declaratur et Limitatur per Leges antiquas de eadem re disponentes sufragatur etiam, quia statutum disponens supere o, super quo disponit jus commune, interpretari debet secundum jus commune.[58]
Port. de donat Reg. Lib. 2 Cap. 10 n. 38 ibi__
Neque per Ordinationem exploditur interpretativo, quoe exaliarum Legumanti quarum, vel juris communis dispositione eleutur. Praesertim si Lex nova disponit de eo, super quo jus commune, quia tune interpretatur secundum jus Civile, ET recipitt Limitationes juris communis.[59]
P. e não pode obstar contra o referido a lei de 18 de agosto de 1769, que fez culpável e punível s absoluta e distinta alegação das L.L romanas, pois que não proibindo, nas falta das L.L, pátrias, e costumes legítimos, a aplicação e observância delas quando são fundadasna boas razão e equidade natural, Não se pode duvidar que estes requisitos concorrem acumuladamente na referida Lei única Cod. Siquis Imperatori Maledixerit, pois que pede a equidade, e dita a boa, que não sejam punidos com o mesmo rigor o que só pecou por palavras e o que perpetuou e consumou o delito; havendo tão notável diferença entre um e outro caso, quanto vai da palavra á obra, da potência ao ato, da cogitação à consumação, do ficto ao verdadeiro, do abstracto ao concreto, e ainda que o temerário, turbulento e imodesto se faça digno de castigo, é contudo menos execrando o seu delito, e mais digna de piedade a sua insânia e libertinagem, como tudo se conhece na Lei 7ª. § 3 ad legem Juliam Majestatis nas seguintes palavras. 
Hoc tamen crimen a judicibus non in ocasionem ob Principalis Majestatis venerationem habendum est, sed in veritate: namet persona espectanda est, na potuerit facere, etan ante quid fuerit, et na cogitaverit, et na sanae mentis fuerit, neclubricum linguae ad paenam facile trahendum est; quamquam enim temerarii digni paena sint, tamen ut insanis illis parcendum est si non tale sit delictum, quod vele x scriptura Legis descendit, vel ad exemplum Legis vindicandum est.[60]
P. e devendo-se, pelo que fica mostrado, indagar as circunstâncias em que se achavam cada um dos R.R., que assistiram aquelas danadas conversações, e ainda os outros, que tendo só notícias delas, as não delataram logo, facilmente se conhece que nenhum deles, nem todos juntos, eram capazes, pelo seu ânimo, opulência e costumes, de conseguir que se executasse o que se conversava nos conventículos por leveza, insânia e loquacidade, sem a mais leve esperança e fundamento de o verem praticado. Para assim o mostrar, faz-se indispensável falar em cada um destes miseráveis R.R, com a individualização que se requer o caso e sua defesa.”( Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, IOMG, Vol.7,pgs.143-148,Belo Horizonte,1982)
Joaquim Norberto de Souza Silva em sua História da Conjuração Mineira[61]  destaca que Fagundes bem argumentou que ainda que houvesse indícios de que os réus estavam incursos nas penas da ordenação, por suposto cometimento do delito e crime tipificados nos § § 5º e 6º do tít. 6º do liv. 5º havia firmes evidências de alguns serem inocentes ,e outros, cuja gravidade do delito era mínima, portanto, todos dignos da clemência da Rainha e dos Juízes da Alçada. Admitia o advogado que à vista das Devassas e dos apensos não podia negar que alguns dos réus tivessem de fato travado conversações, porém sem terror, sobre o levante e conjuração contra a Coroa Portuguesa. Ressaltou o advogado que era fato que as conversações se não procuraram executar por meio de preparo ou ação alguma. Não havia uma só testemunha a atestar haverem os réus diligenciado para a execução das mesmas. Não havia nada neste sentido nas denúncias tanto do Rio como de Vila Rica, nem constava dos seqüestros, buscas e exames que se fizeram aos réus e a outras muitas pessoas, sem a constatação de quaisquer vestígios de preparação para uma revolta. Não passava, pois, tudo de criminoso excesso de loquacidade e entretenimento de quiméricas idéias que se desvaneciam logo que os réus se separavam, prova evidente de que não havia deliberação de ânimo para a execução do levante.
Semelhante circunstância bem se via, segundo o advogado, não haver verdadeiro conato de delito nos réus que participaram nas criminosas práticas de questionar a soberania de Portugal, e nos que tendo notícia as não delataram logo para serem punidos, e mais quando na opinião dos melhores doutrinadores do direito, não bastavam os conventículos não seguidos de alguma ação e mal feito, era inegável e freqüente que esses réus, que assistiam às práticas, se retiravam para as suas casas e fazendas em grande distância uns dos outros, e nelas permaneciam meses sem promover o efeito das práticas sobre as quais conjecturavam. Seria então, apenas caso de se classificar tais idéias somente por maledicência, falta de modéstia, leviandade e insânia, como em caso idêntico haviam reconhecido vários outros reis. Pedia a equidade e a boa razão que não fosse punido com o mesmo rigor o que só pecara por palavras, em comparação com o que perpetrara e consumara o delito, havendo tão notável diferença entre um e outro caso, quanto ia da palavra à obra, da potência ao ato, da cogitação à consumação, do feito ao verdadeiro e do abstrato ao concreto. E ainda que o arrojado, provocador e imodesto se fizesse digno do castigo, contudo era menos grave o seu delito e mais digno de piedade a sua infâmia e libertinagem. Ficava evidente, enfim, que nenhum dos réus, nem todos juntos, eram capazes de conseguir pelo seu ânimo, riqueza e costumes, que se executasse o que se tratava nas conversas, por irresponsabilidade, insânia e loquacidade, sem a mais leve esperança e fundamento de o verem praticado.
Como podemos constatar ao analisarmos a introdução proposta por José de Oliveira Fagundes, o advogado dos inconfidentes escolheu a melhor linha de defesa possível, e não obstante, até aquele momento sua experiência era limitada a uma atuação em processos nos juízos de primeira instância, não se intimidou e ao contrário do que provavelmente o Tribunal de Alçada esperava de um advogado nomeado, atuou como se tivesse sido escolhido e sido constituído por cada um dos réus. Não estivesse já a sorte dos acusados definida nas Cartas Régias, onde nas entrelinhas a Rainha clamava pela condenação ao menos dos líderes, a absolvição seria uma possibilidade muito plausível, principalmente quando atentarmos para seus argumentos a favor de cada réu.
           5- ABORDAGEM GERAL DA DEFESA INDIVIDUALIZADA DOS RÉUS.
Procuraremos neste tópico apresentar de uma maneira geral a defesa individual dos réus, deixando momentaneamente de analisaras alegações propostas em favor de Tiradentes, as quais foram as primeiras tendo em vista ser ele o primeiro réu[62]  na denúncia. Em razão da objetividade e do caráter restrito deste trabalho iremos analisar os argumentos principais da defesa de Fagundes propostos em favor dos acusados.
Cabe de início destacar que a defesa oferecida em favor do réu Desembargador Tomás Antônio Gonzaga[63] , segundo consenso de vários historiadores teria sido elaborada em causa própria[64]  para ser desenvolvida pelo causídico nomeado, haja vista, ser advogado conceituado e com banca de sucesso em Vila Rica, e que havia antes da prisão sido escolhido como desembargador para a Relação da Bahia. Os principais argumentos giraram em torno de que vários dos depoimentos das testemunhas na Devassa ( a maioria também acusados) inclusive as referidas, as quais embora em um primeiro momento tenham apontado a participação de Gonzaga, posteriormente admitiram que indicaram a sua participação devido ao seu alto conceito com a intenção de trazer mais simpatizantes para o movimento, mas que na realidade este não havia falado em favor do levante, sendo que quando o mesmo se aproximava dos agrupamentos os demais se retiravam. O próprio Tiradentes isentou Gonzaga ao dizer que não teria dificuldade em acusá-lo uma vez que eram inimigos, mas que a verdade o obrigava a reconhecer que o desembargador não fizera[65]  parte da conjuração.
Fagundes prosseguiu com a defesa de cada réu apoiando-se sempre na melhor tese, ou seja, que as conversas e suposta organização de uma rebelião contra a Coroa, não passou de devaneios e frivolidades as quais jamais se viram diante de qualquer orquestração concreta. Enfatizou de forma bastante coerente o fato de que vários dos acusados não delataram a suposta conspiração, justamente porque não levaram de forma alguma a sério uma idéia que foi vista pelos que a ouviram como mirabolante; procurando desta forma também neutralizar a previsão na tipificação do crime de Lesa-Majestade, como incursos, aqueles que tendo notícia da traição não a denunciassem.
Sabiamente, por exemplo, argumentou em defesa de Inácio José de Alvarenga, que o mesmo sempre foi vítima de desprezo pelos demaispor conta de suas constantes sátiras e ridicularização de tal rebeldia; e que sua culpa se limitava a freqüentar aquelas rodas de conversa; no entanto jamais diligenciara ou persuadira no sentido de conduzir alguém ao movimento, e exatamente não o denunciara por julgar que eram proposições aéreas de quem não está atento á realidade. Habilmente, o advogado Fagundes citou em sua defesa doutrina adequada em Farinac q: 123. Insp.4 n. 106:
“ Ainda quando se verifica delito, sempre atende  e distingue o direito o ato remoto e próprio para exacerbar-se, ou suavizar-se a pena, porque aquele que só foi visto sair com a espada á rua, não merece o mesmo rigor com que deve ser punido, o que chegou a quebrar portas, pôs escada para subir, e praticou todos os atos próprios do crime.”
Uma questão muito importante na defesa apresentada por Fagundes aparece em suas alegações a favor do réu José Alvares Maciel quando contestou as alegações do Alferes Joaquim José da Silva Xavier que apontara Maciel como aquele que fora encarregado de providenciar a pólvora para o levante. O advogado apontou que Tiradentes loucamente fez tal afirmação e que não havia nenhuma prova de que Maciel houvesse aceitado tal incumbência, afirmando que o silêncio deste réu durante as conversas foi exatamente por conhecer a loucura e ignorância com que participavam os outros réus diante das falas do alferes; e que ele Maciel já havia conceituado o Tiradentes como mal e pobre de juízo desde a primeira vez que o encontrou.
Abramos aqui um importante parêntese para entendermos a situação de enorme dificuldade do advogado Fagundes em seu trabalho de defesa. Há que se considerar que todos os réus que defendia estavam sujeitos á pena de morte, e Tiradentes era apenas mais um entre os réus, não era como é hoje o maior herói nacional; ao contrário, naquele momento era o menos conceituado e de menores posses entre todos eles, o qual durante os quase três anos de prisão e depoimentos, fora o único que admitira ter conspirado contra a soberania da Rainha e se declarara culpado, em nenhum momento responsabilizando os demais, e mais ainda, reconhecendo ser o idealizador e cabeça do movimento, e embora tenha apontado e confirmado o nome de vários dos acusados como simpatizantes do movimento não lhes atribuiu nenhuma ação concreta. Era impossível, portanto, para o advogado Fagundes fazer a defesa daqueles réus sem colocar em maus lençóis a defesa do próprio Tiradentes, a quem também devia defender. Com tantos réus,os quais, sempre negaram a participação no crime e um único deles que o admitira, Fagundes não tinha outra alternativa, senão, procurar livrar 28 clientes que se declaravam inocentes, diante do risco de uma pena capital, sem recorrer ao fato de que um único deles chamara para si toda a responsabilidade.
Praticamente todos os réus em seus depoimentos durante o curso do processo de Devassa não economizaram em responsabilizar o Alferes Joaquim José da Silva Xavier como sendo o único propagador daquelas idéias subversivas, apontando-o como uma língua-solta na tentativa de aliciar simpatizantes de suas pretensões maléficas contra a justa soberania portuguesa sobre o Brasil. Foi, portanto, neste quadro de imensa dificuldade que Antônio de Oliveira Fagundes conduziu e apresentou a defesa de todos os réus, fechando suas alegações da seguinte forma:
“ P. que nestes termos, e nos melhores de direito, repetida a vênia implorada no princípio destes embargos, esperam os réus que se recebam e se hajam provados, julgando-se uns dos réus totalmente inocentes, e que o delito de outros merece a piedade de Sua Majestade a quem humildemente pedem perdão das suas loucuras e insânias.[66]
F.P
P.R. e cump. De J.
José de Oliveira Fagundes[67] ”
            6- A DEFESA DE TIRADENTES.
O réu Joaquim José da Silva Xavier foi interrogado por onze vezes durante o tempo de sua prisão. Nos três primeiros depoimentos negou a participação no levante e alegou que sua fuga e o fato de ter se escondido no sótão de uma casa se deveu em razão de ter notícia de estar sendo seguido a mando do Visconde de Barbacena que o queria prender por motivo que desconhecia. No quarto interrogatório sucumbiu e admitiu sua participação e papel de liderança na conjuração em razão de que por quatro vezes ter sido preterido em promoções no Regimento da Cavalaria da Tropa Paga , em que pese fosse o mais merecedor de posto acima do que tinha até então. Tenhamos em mente conforme dito alhures que o Dr. Fagundes tinha diante de si a árdua tarefa de proceder á defesa de 29 réus sujeitos á pena de morte sendo que apenas Tiradentes assumira a culpa pela inconfidência, fato este que determinou que suas alegações em favor dos outros réus, em face do exíguo tempo disponível, se desenvolvesse com uma estratégia mais trabalhada no intuito de livrá-los, ao menos da pena máxima. Considerando também como já aventado que naquele momento Tiradentes era apenas mais um réu, e confesso, quanto melhores os argumentos de defesa de Fagundes em favor dos réus, pior a situação de Tiradentes. Mesmo assim, ainda que concisos, os argumentos da defesa do Alferes foram os mais adequados e possíveis diante da enorme dificuldade da situação do mesmo e de sua admissão de culpa.
Transcrevemos[68]  a seguir o início de seu primeiro depoimento e o momento em que no quarto destes admitia a culpa, e na seqüência na íntegra a defesa inicial apresentada por José de Oliveira Fagundes em benefício de Tiradentes.
 
“ 1ª Inquirição do réu Joaquim José da Silva Xavier- Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras- 22/05/1789.
Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e dois dias do mês de maio, nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, Cidade do Rio de Janeiro, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues de Araújo, para efeito de assistir a estas perguntas, e sendo aí se procedeu a elas na forma seguinte, de que tudo para constar fiz auto. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado o escrevi.
E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural, se tinha algumas ordens, se era casado, ou solteiro, e que ocupação tinha.
Respondeu que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal, termo da Vila de São João Del Rei[69,70] , , Capitania de Minas Gerais, que tinha quarenta e um anos de idade, que era solteiro que não tinha ordens algumas, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, vi que não tinha tonsura alguma, e que era Alferes do Regimento de Cavalaria paga de Minas Gerais.
E sendo-lhe perguntado se sabia a causa de sua prisão, ou a suspeitava.
Respondeu que não.
(...)
 
“4ª Inquirição do réu Joaquim José da Silva Xavier- Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras- 18/01/1790.
 
(...) E sendo-lhe lida as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e de novo as ratificava.
Respondeu que eram as mesmas, e de novo as ratificava.
E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade, á qual tinha faltado em todo o sentido; pois negava o levante, que se premeditava fazer na Capitania de Minas Gerais, quando ele era o cabeça do motim, que convidava a todos quantos podia tão alucinadamente, que nem escolhia pessoas nem ocasião, e por isso deve dizer todas as pessoas que entravam no dito levante, e sedição, ou prestavam para ela o seu consentimento, e que comunicações havia para as potências estrangeiras, e que por vias, e também quem eram as pessoas do Rios de Janeiro, que favoreciam, ou premeditavam o mesmo levante, o que tudo ele Respondente asseverava ás pessoas que queria persuadir.
Respondeu que ele até agora negou por querer cobrir a sua culpa, e não querer perder ninguém; porém que á vista das fortíssimas instâncias com que se vê atacado,e que não pode responder corretamente senão faltando clara, e conhecidamente á verdade, se resolve a dizê-la, como ela é: que é verdade que se premeditava o levante, que ele Respondente confessa ter sido quem ideou tudo, sem que nenhuma outra pessoa o movesse, nem lhe inspirasse coisa alguma, e que tendo projetado o dito levante, o que fizera desesperado por ter sido preterido quatro vezes, parecendo a ele Respondente, que tinha sido muito exato no serviço, e que achando-o para as diligências mais arriscadas, para as promoções e aumento de postos achavam a outros...
...E declaro que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros, e em liberdade: E eu Marcelino Pereira Cleto. Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.
Torres
Marcelino Pereira Cleto
Joaquim José da Silva Xavier
José dos Santos Roiz. ` e Ar.º
Vejamos então, as alegações de Fagundes e seus argumentos de defesa em favor de Tiradentes:
 
Quanto ao Réu Alferes Joaquim José da Silva Xavier.
P. que sendo este o primeiro réu que nos patenteiam as Devassas e apensos, e o que emprestou a todos os outros miseráveis, que se fizeram vítimas do desprezo com que ou somente ouviam as sua conversações, ou mostravam concordar com elas, acha-se sem a menor dúvida provado ser conhecido por loquaz, sem bens, sem reputação, sem crédito para poder sublevar tão grande número de vassalos quantos lhe seriam indispensáveis para o imaginário levante contra o Estado, e alto poder de Sua Majestade em uma Capitania como a de Minas Gerais, cercada de outras grandes e extensas povoações, cujos habitantes e vassalos se honram do nome português e de serem legítimos descendentes dos que, na paz e na guerra, sempre foram fiéis executores das reais ordens.
P. que para bem conceituar-se a condição deste infeliz réu, e o caso que se fazia em toda aquela Capitania da lubricidade de sua língua, basta notar a indiscrição, e nenhum acordo com que, sem escolha de tempo e pessoas, e de lugar, proferia as quiméricas idéias que a sua libertinagem lhe subministrava. O pobre inventário dos bens que lhe foram achados, que forma o nº 8 dos últimos apensos da Devassa de Vila Rica, e o que consta do extrato de sua família, á fls. 1 verso do apenso 34 da Devassa da mesma Vila, dão uma cabal certeza das suas débeis forças, e que tudo quanto ele cogitava e proferia a respeito do levante era um furor do entendimento, que tinha perdido a ordem e regularidade natural, o que não deixa também de conhecer-se pela razão que a todas essas maledicências deu, nas perguntas que se lhe fizeram no apenso 1º da Devassa desta cidade, á fls.9 verso, confessando ser ele quem ideara tudo, sem que fosse movido de alguma outra pessoa, desesperado por ter sido preterido quatro vezes, parecendo-lhe que tinha sido muito exato no serviço, e eis aqui a falta de pejo e ignorância da modéstia, e leviandade, e insânia lembrada pelos imperadores Teodósio, Arcádio, e Honório na referida Lei Única Cód. Si quis Imperatori maledixerit, e eis aqui também as circunstâncias, e qualidades da pessoa, que se manda atender na Lei 7, § 3º fl. Ad Legem Majestatis, para se perdoar o temerário como insano.
A sucinta defesa apresentada por Fagundes com relação ao réu Tiradentes, a nosso ver não poderia ter sido feita de outra maneira tendo em vista tudo que já foi analisado com relação á Devassa e seu conteúdo. O advogado apelou á possibilidade mais viável de tentativa de absolvição de seu cliente, réu confesso, ou seja, alegar falta de sanidade e irresponsabilidade comum aos que vivem em devaneios. Usou seu conhecimento e técnica da melhor maneira. Joaquim José da Silva Xavier, réu confesso, no julgamento dos envolvidos na Inconfidência Mineira, teve uma defesa digna e competente.
           7-O ACÓRDÃO DA SENTENÇA DO TRIBUNAL DE ALÇADA E OS EMBARGOS FINAIS DO ADVOGADO.
Analisemos a seguir o Acórdão[71] que determinou a sentença dos inconfidentes, e os dois embargos finais da defesa, abordando apenas o trecho inicial e a referência ao réu Tiradentes, limitação que nos é imposta como já dito pela objetividade de um trabalho apresentado nos moldes de um artigo.
TERMO DE DATA
Aos vinte e três dias do mês de novembro de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas de minha residência, pelo advogado José de Oliveira Fagundes me foram dados estes Autos, com os seus embargos, por parte dos réus deste processo, os quais ficam juntados; do que para constar, fiz este termo; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão e Alçada, o escrevi.
TERMO DE CONCLUSÃO
Aos vinte e quatro dias do mês de novembro de mil setecentos e noventa e um, fiz estes autos conclusos ao Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do conselho de Sua Majestade, e Juiz desta Comissão; do que para constar, fiz este termo; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão e Alçada, o escrevi.
        Com as Devassas
e mais apensos.
CONCLUSOS
Princípio do acórdão de fls. 58 vº do Códice pág. 145 deste volume.
RIO DE JANEIRO- 18/04/1792- Acórdão dos Juízes da Devassa.
Acordam em Relação os Juízes da Alçada etc. Vistos estes autos de que, em observância das ordens da dita Senhora , se fizeram sumários aos vinte e nove réus pronunciados conteúdos na relação de fls. 14 verso, Devassas, perguntas, apensos e defesa alegada pelo Procurador que lhes foi nomeado etc. Mostra-se que na Capitania de Minas alguns vassalos da dita Senhora[72], animados do espírito de pérfida ambição, formaram um infame plano para se subtraírem da sujeição e obediência devida á mesma Senhora, pretendendo desmembrar e separar do Estado aquela Capitania, para formarem uma república independente, por meio de uma formal rebelião, da qual se erigiram em chefes e cabeças[73] , seduzindo a uns para ajudarem e concorrerem para aquela pérfida ação, e comunicando a outros os seus atrozes e abomináveis intentos, em que todos guardavam maliciosamente o mais inviolável silêncio, para que a conjuração pudesse produzir o efeito que todos mostravam desejar, pelo segredo e cautela com que se reservavam de que chegasse à notícia do governador, e ministros; porque este era o meio de levarem avante aquele horrendo atentado, urdido pela infidelidade e perfídia; pelo que não só os chefes da conjuração e os ajudadores da rebelião se constituíram réus do crime de lesa-majestade da primeira cabeça, mas também os sabedores e consentidores dela pelo seu silêncio; sendo tal a maldade e prevaricação destes réus, que sem remorsos faltaram a mais recomendável obrigação de vassalos e de católicos, e sem horror contraíram a infâmia de traidores, sempre inerente e anexa a tão enorme e detestável delito.
Mostra-se que entre os chefes e cabeças da conjuração, o primeiro que suscitou as idéias de república[74] , foi o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da Cavalaria Paga da Capitania de Minas, o qual há muito tempo que tinha concebido o abominável intento de conduzir os povos daquela Capitania a uma rebelião pela qual se subtraíssem da justa obediência devida á dita Senhora formando para este fim publicamente discursos sediciosos que foram denunciados ao Governador de Minas antecessor do atual e que então sem nenhuma razão foram desprezados como consta á fls. q4, fls. 68 verso, fls. 127 verso e fls. 22 do apenso número 8 da Devassa principiada nesta cidade; e suposto que aqueles discursos não produzissem naquele tempo outro efeito mais do que escândalo e abominação que mereciam, contudo, como o réu viu que o deixaram formar impunemente aquelas criminosas práticas julgou por ocasião mais oportuna para continuá-las com maior eficácia, no ano de mil setecentos e oitenta e oito, em que o atual Governador de Minas tomou posse do governo da Capitania e tratava de fazer lançar a derrama, para completar o pagamento de cem arrobas de ouro que os povos de Minas se obrigaram a pagar anualmente, pelooferecimento voluntário que fizeram em vinte e quatro de março de mil setecentos e trinta e quatro, aceito e confirmado pelo Alvará de três de dezembro de mil setecentos e cinqüenta, em lugar da capitação desde então abolida...
... Mostra-se que tendo o dito réu Tiradentes publicado aquelas horríveis e notórias falsidades, como alicerce da infame máquina que pretendia estabelecer, comunicou em setembro de mil setecentos e oitenta e oito as suas perversas idéias ao réu José Álvares Maciel, visitando-o nesta cidade a tempo que o dito Maciel chegava de viajar por alguns reinos estrangeiros, para se recolher a Vila Rica donde era natural, como consta a fls. 10 do apenso nº 12 da Devassa principiada nesta cidade; e tendo o dito réu Tiradentes encontrado no mesmo Maciel não só aprovação, mas também novos argumentos, que o confirmaram nos seus execrandos projetos, como se prova á fls. 10 do dito apenso nº 1 e á fls. 7 do apenso nº 4 da dita Devassa, saíram os referidos dois réus desta cidade para Vila Rica, Capital da Capitania de Minas, ajustados em formarem o partido para a rebelião, e com efeito o dito Tiradentes foi logo de caminho examinando os ânimos das pessoas a quem falava...
(...)
...Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da Tropa Paga da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão[75] , seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público será pregada em poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos[76] ,e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga ao seu dono, pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia  deste abominável réu...
(...)
Ao final do Acórdão onze réus foram condenados á morte. Fagundes então apresentou embargos contra a sentença que foram rejeitados. Contudo, conforme já relatado posteriormente foi lida a clemência da Rainha contida na Carta Régia datada em 15/10 de 1790. Apenas Tiradentes, considerado o único chefe teve a sentença mantida.
O Advogado Fagundes, portanto, insistiu em sua defesa nos embargos contra a sentença, juntamente com os argumentos em favor dos outros réus, e em derradeira tentativa quando do não recebimento da clemência Real, ofereceu os embargos por via de restituição de presos e miseráveis, o recurso extremo e último. Vejamos sua argumentação nos dois recursos. iniciando com os termos de entrega e vista dos autos ao advogado.
 
“RIO DE JANEIRO, 18/04/1792- Termo de entrega dos Autos ao Escrivão da Comissão de Alçada.
Aos dezoito dias do mês de abril de mil setecentos e noventa e dois nesta Cidade do Rio de Janeiro e Mesa da Relação, aí, pelo Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade, Juiz da Comissão e Alçada expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, me foram dados estes Autos com o Acórdão definitivo neles proferidos para o publicar, e intimar os réus nele conteúdos, de que para constar lavrei este termo; e eu Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão e Alçada, o escrevi.
Francisco Luís Álvares da Rocha, Desembargador dos Agravos, da Relação desta cidade, e Escrivão da Comissão e Alçada expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais. Certifico que li, e intimei aos réus presos Joaquim José da Silva Xavier, Francisco de Paula Freire de Andrada, José Álvares Maciel, Inácio José de Alvarenga, Domingos de Abreu Vieira, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Luís Vaz de Toledo Piza, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, José de Resende Costa, José de Resende Costa Filho, Domingos Vidal de Barbosa, o Acórdão e sentença retro; o qual li todo e inteiramente, bem e inteligivelmente, de que para constar, passei a presente, de que dou fé. Rio de Janeiro, dezoito de abril de mil setecentos e noventa e dois.
    Francisco Luís Álvares da Rocha
 
E logo pelo Procurador da Santa Casa da Misericórdia me foi pedida vista dos Autos para embargos, e os continuei com a vista pedida ao advogado da dita Santa Casa, José de Oliveira Fagundes; de que para constar, fiz este termo; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão e Alçada, que o escrevi.
    Com vista ao advogado dos sobreditos réus.
    Com todos os seus apensos.
 
RIO DE JANEIRO, 20/04/1792[77] - Embargos ao Acórdão pelo advogado dos réus inconfidentes, Dr. José de Oliveira Fagundes.[78]
Com o mais profundo respeito.
Os RR. Joaquim José da Silva Xavier,... P. e consta do sempre douto e respeitável Acórdão a fls. 58 verso et seqq.; serem os RR. Condenados a padeceram na forca morte natural para sempre, com as circunstâncias declaradas na mesma condenação, e pelos doutos fundamentos deduzidos no dito sábio Acórdão; porém falando reverente pelos direitos da defesa, pelos sentimentos da humanidade, e pela obrigação do patrocínio, há de parecer que a condenação imposta aos RR. Deve suavizar-se;porque
P. que a espontânea confissão[79]  dos RR. é atendida e recomendada em direito para não serem punidos com o mesmo rigor do que mereceriam se fossem convencidos por outras provas, e insistissem pertinazmente na negação dos fatos criminosos; doutrina esta de tão comum opinião, que ainda nos crimes de lesa-majestade de divina é observada no Tribunal do Santo Ofício[80]  como atesta Carena de offic. S. Inquis, p. 3 ttº8 nº 41, Quazzin. Defen. 33 Cap.36; in. Pr. Capie. Latro, decis. 172 nº 45 et seqq.; lib. 2º; e o vemos praticado no Tribunal da Santa Inquisição deste Reino.
P. que o fundamento desta doutrina e comum opinião consiste em manifestar-se o delito pela própria e livre confissão dos delinqüentes, que dispensa outra prova, e por esta utilidade, que recebe o público e o Fisco, e por ser a confissão do delito, e a súplica do perdão um certo gênero de defesa, são punidos com menor gravidade os voluntários confidentes, Cabal resol. Crim. Lº 56, in pr. Cert. 1 Quazzin.Defen. 33 Cap.In pr. Capie. Latrodecis. 172. N] 46. Farin. de reo confes, et convict. Q: 81 nº 172[81].
...
P. que no sábio Acórdão se reconhece á fls. 59 que há muito tempo já o réu Joaquim José da Silva Xavier falava com liberdade na matéria do levante; e a razão de ser esta sua libertinagem ouvida sempre com desprezo foi por ser conhecida a loucura deste réu , o pouco siso de que é dotado, a facilidade e soltura de sua língua, a nímia pobreza em que vivia, o geral conceito com que era reputado e havido por louco, sem discursos fundamentais, sem reflexão nas boas e más idéias que lhe ocorriam, sem séquito e amigos, porque para todos era objeto de riso, mofa e divertimento, e sendo este o verdadeiro caráter do dito réu, há de parecer, falando com toda submissão, que comutando-se-lhe a pena de morte em degredo, ou cárcere perpétuo, fica punido sem que as suas loucuras possam denegrir e macular este Estado, e conquista, onde sempre se respirou a obediência, o amor, a sujeição e fidelidade a Sua Majestade.
(...)
Notemos agora ao analisar o final destes embargos que Fagundes para livrar outros réus da pena máxima não teve outra alternativa a não ser invocar a confissão de Tiradentes, com a única esperança para o mesmo que as suas alegações sobre a insânia e loucura do alferes, fossem acatadas e o livrassem da morte.
... P. que o sábio Acórdão de fls reconhece que o 1º ideara o levante, e falara nele sem ser movido por nenhuma

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