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Henri Wallon

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Henri Wallon nasceu em 1879, em Paris, na
França, e morreu em 1962. Era médico, filósofo,
político e psicólogo, tudo isso sob forte convicção
marxista. Por causa de sua formação como médico ele
pôde trabalhar nas frentes de guerra (Primeira Guerra
Mundial) tratando de pacientes com problemas
neurológicos, quando se dedicou ao estudo da influência
dessas lesões sobre os processos psíquicos. Dedicou,
posteriormente, bastante tempo no trabalho com
crianças portadoras de alguma deficiência mental e à
psicopatologia geral, mas com ênfase na infância.
Sempre dedicou grande parte do seu interesse pela
educação e desenvolveu, durante muito tempo,
pesquisas em Psicologia do Desenvolvimento sob uma
orientação marcadamente interacionista.
Fazia parte de seus estudos sempre uma atitude
comparativa, e esse se tornou um traço dialético de seu
método. Pois, para ele, sempre se pode conhecer pelo
contraste, no campo da psicologia, pelo contraste entre o
normal e o patológico, o que implica buscar
semelhanças e diferenças. Mas essa não era a sua única
forma de investigação da psicologia do desenvolvi-
mento. De fato, notou que o grande tema desse tipo de
estudo deve ser a consciência, a qual pretendeu estudar
desde a sua origem, sua origem biológica. Em todo
caso, a consciência não é um fator puramente orgânico,
mas sofre o efeito forte também de fatores sociais.
Assim, essas duas classes de fatores devem acompanhar
o entendimento de cada um dos momentos da evolução
do psiquismo infantil
Em seu estudo da psicologia da criança,
Wallon percebeu que um conjunto de processos sempre
estava em interação para produzir certas configurações
que caracterizavam o psiquismo em diversos momentos.
Principalmente três processos constituíam essas
configurações: cognitivo, afetivo e motor. Embora
distintos, não são fenômenos separados, mas é
justamente a forma de sua relação, de suas
determinações recíprocas que oferece inteligibilidade ao
psiquismo em cada um dos estágios pelos quais ele
descreveu a evolução psicológica.
Wallon descreveu a evolução do psiquismo em
cinco estágios: a) impulsivo emocional – 0 a 1 ano; b)
sensório-motor e projetivo – 1 a 3 anos; c) personalismo
– 3 a 6 anos; d) categorial – 6 a 11 anos; e) puberdade e
adolescência – 11 anos em diante. Em todo caso, como
o próprio Wallon afirma, a estrutura orgânica e
fisiológica de cada pessoa sofre os efeitos dos
determinantes sociais de sua época, de modo que cada
um destes estágios deve necessariamente varias com o
contexto social, cultural e histórico.
1
Texto baseado na leitura de Mahoney, A. A. & Almeida, L. R.
(Orgs.). (2000). Henri Wallon: psicologia e educação. São Paulo:
Edições Loyola.
Os estágios que ele apresentou são
configurações, presididas pela predominância de um
conjunto específico e interesses diretamente relacio-
nados às características do contexto das crianças. Esses
contextos produzem as características que serão
dominantes em cada um dos estágios, assim como o
modo como cada estágio preparará o surgimento de um
estágio seguinte. Para o estudo do desenvolvimento
psicológico, portanto, é necessário reconstruir esse
percurso evolutivo em que o organismo e a sociedade se
influenciam mutuamente, para produzir o psiquismo de
cada época, dialeticamente.
O primeiro estágio é uma fase de exploração do
próprio corpo e das diversas formas e possibilidade do
sentir. No segundo, em função das descobertas
realizadas anteriormente, surgem emoções organizadas
e melhor definidas, as quais se tornam em padrões
comunicativos. No terceiro, as condições estão dadas
para uma exploração organizada do mundo exterior, em
que se constroem o domínio sobre a atividade e relações
claramente objetais. Mais uma vez, sob as condições
oferecidas pelo estágio anterior, o quarto estágio é
aquele em que a pessoa explora os termos de sua própria
interioridade, em oposição ao objeto exterior,
desenvolvendo as condições de ordenamento de sua
própria subjetividade por meio do contraste. No quinto
estágio, quando as categorias fundamentais de eu e de
outro estão sedimentadas, o organismo se dedica a
produção, ou construção, de outras categorias mentais
pelas quais pretende assimilar o mundo propriamente
dito. Por fim, com toda a variedade de recursos
cognitivos e afetivos até aqui conquistados, a pessoa
está em condições de voltar a explorar a sua própria
subjetividade nos termos de uma identidade autônoma,
pela qual também poderá transformar sua relação com o
mundo exterior.
Pelo estudo dessa seqüência específica de
estágios, Wallon observa a recorrência de certos
processos, os quais ele toma como leis da evolução
psicológica. A primeira dessas leis diz respeito ao fato
de que a um processo em que o organismo se volta para
si mesmo – para conhecer a si mesmo, por exemplo –,
segue-se sempre um processo em que o organismo se
volta para fora de si – para conhecer o mundo, por
exemplo. Essas duas orientações estão em constante
alternância e a isso ele denomina lei da alternância
funcional. Conectada a essa primeira lei, a segunda diz
respeito à observação de que uma ou outra dimensão
funcional do psiquismo se faz predominante em cada
um desses momentos e alternância: ora o que predomina
é a dimensão motora da atividade da pessoa, ora é a
dimensão afetiva, ora é a dimensão cognitiva. A isso ele
chama lei da predominância funcional.
Essas duas leis sempre estão intimamente
relacionadas, pois quanto à primeira lei, a de uma
alternância entre processos centrípetos e centrífugos, a
orientação centrípeta sempre se associa à predominância
da dimensão afetiva, e a orientação centrífuga sempre se
associa à predominância da dimensão cognitiva. Do
mesmo modo, tanto a dimensão afetiva como a
2
Hugo Matias Anotações para aula de Psicologia Sócio-Interacionista agosto de 2009
dimensão cognitiva, sempre se realizam sob uma forma
ou outra de atividade motora. Isso revela uma terceira
lei desse processo de evolução psicológica, que é a lei
da integração funcional. Corresponde ao fato de que as
três dimensões funcionais sempre estão presentes e têm
a sua importância em cada um dos estágios, mas
hierarquizadas de uma forma particular, e a sua
sucessão sempre implica a complexificação dos
processos psíquicos.
Por exemplo, podemos observar que, enquanto
que inicialmente essas dimensões da atividade psíquica
produzem respostas indiferenciadas, com o tempo elas
vão se tornando mais organizadas, ganhando relativa
autonomia, e, então, passam a produzir respostas
diferenciadas. Assim, as respostas afetivas se tornam
mais precisas, assim como as respostas cognitivas e as
motoras, e, na medida em que se diferenciam se tornam
também mais articuladas, coordenadas e integradas. A
tendência dominante em todo o processo de evolução
psicológica é do sincretismo funcional em direção a
diferenciação funcional. O organismo está cada vez
mais adaptado às exigências do mundo, cada vez mais
apto a dar respostas mais específicas às demandas
sempre mais variadas.
Como exemplo disso, a dimensão motora da
atividade é, inicialmente, confusa e atrapalhada, se
tornando cada vez mais precisa, os movimentos são
cada vez mais finos e mais adequados à resposta
necessária. A dimensão afetiva, inicialmente, concerne a
uma experiência de sensibilidade difusa e desorgani-
zada, que, no entanto, vai se tornando, pouco a pouco,
mais definida, produzindo emoções diferenciadas. A
dimensão cognitiva, também inicialmente confusa e
desordenada, pouco a pouco produz a diferenciação de
processos coesos, como sistemas de crenças e de proce-
dimentos cognitivos, que garantirão a sobrevivência das
características culturais de um grupo de uma geração
para outra, assim como a sua evolução.
Ao mesmo tempo em que essas leis presidem a
seqüência dos grandes estágios do desenvolvimento
psicológico, também presidem a seqüência das
pequenas modificações no interior de cada umdos
estágios. Essas leis dão unidade estrutural e funcionam a
um fenômeno emergente, integral e total que é a pessoa.
Na pessoa, nenhuma das dimensões do psiquismo pode
ser separada das outras, pois toda resposta em uma
dessas dimensões produz necessariamente efeito das
demais. Por exemplo, toda atividade motora desenca-
deia processos afetivos e cognitivos e é também por eles
desencadeada, assim como não há nenhuma resposta
afetiva que não guarde conteúdo cognitivo e não se
manifeste na dimensão motora, do mesmo modo que
não há fenômeno cognitivo impregnado de carga afetiva
e que não esteja relacionado a alguma disposição
comportamental.
A pessoa, como fenômeno integral é a razão da
interdependência de todas as dimensões funcionais do
psiquismo, ao mesmo tempo em que é resultado dessa
mesma interdependência. Assim, mais uma vez, esta-
mos diante de um princípio dialético de análise do de-
senvolvimento psicológico. O método empregado por
Wallon para essa análise implica a idéia de investigação
genética – isto é, como a criança se transforma no
adulto? Como surgem os processos que presidem tal
transformação? – e, ao mesmo tempo, foi fortemente
influenciado pelo materialismo dialético marxista. Ele
denominou seu método de análise genética comparativa
multifuncional2
.
As comparações feitas por Wallon, já parcial-
mente aludidas, concernem às semelhanças e diferenças
entre o normal e o patológico, entre a psicologia da
criança e a do adulto, entre crianças de diferentes ida-
des, entre o pensamento contemporâneo e o primitivo,
entre a psicologia humana e a animal, etc. os termos
dessa comparação sempre são multifuncionais, isto é,
envolve fatores orgânicos, sociais, históricos, etc. Por
fim, a base necessariamente comparativa de seus
estudos diz respeito ao fato de que, para Wallon, é
preciso conceber a pessoa como uma totalidade em
constante processo de transformação.
Desse modo, o fundamento do método é
comparativo em função de que não se podem isolar
partes do psiquismo para o seu estudo, não se pode
dissecar o psiquismo, pois é preciso apreendê-lo em seu
curso de mudança contínua. Além do mais, a
individualidade caracteriza o fenômeno humano, a
pessoa, descrita como uma síntese dinâmica desse
conjunto de fatores em interação. A pessoa consiste em
um fenômeno emergente, sempre em crise e sempre
tendo de arranjar solução ad hoc para os seus conflitos,
e isso é a determinante de seu processo evolutivo. Por
todos esses motivos, a comparação é o caminho mais
adequado ao estudo genético do psiquismo.
2
Já vimos o sentido de cada um dos elementos de seu método: o
significado do genético – concerne à busca pela origem dos processos
de suas transformações –, do comparativo – importância para a idéia
de contraste, ou da dialética entre semelhança e diferença – e do
multifuncional – integração dinâmica entre cognição, afetividade e
motricidade.

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