Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Para Olgária Matos Plutarco, em “Vida de Péricles” (1958, p. 390), ao descrever as vicissitudes da prodigiosa empresa arquitetônica e urbanística de remodelação da acrópole de Atenas, exprime a ventura e a magnificência do feito como um cancela- mento do tempo consumado pela beleza. “Nas obras de Péricles”, expõe o autor, “floresce como que uma juventude perene; essas se conservam à visão indenes ao tempo, quase possuem infuso um ar sempre fresco e uma alma que não conhece velhice”. Pronunciadas há mais de cinco séculos do empreendimento, tais palavras ganham tom e intensidade singulares. A fórmula, todavia, não era inédita. Para aquém da sistematização helenística da “doutrina das ordens arquitetônicas”, da analogia entre a beleza dos corpos e a dos templos perquirida pelos arqui- tetos na Grécia clássica, a exaltação da eterna juventude dos corpos belos, “flor que não murcha”, arraigava-se em pleno no mais longevo solo do mito. Jean- Pierre Vernant tem estudado o sentido estético, prioritário, com que os anti- gos dirigiram seus olhares para o corpo do herói morto em combate. Último fulgor da juventude, no momento mesmo em que vêm apagadas todas as manifestações vitais – o vigor, o poder, a força –, na beleza do corpo resplende a “presença divina”, fundamental à experiência religiosa mítica. Como pon- dera o filósofo, o antropomorfismo dos deuses não significa que fossem con- cebidos “à imagem do corpo humano”; para os gregos, pelo contrário, A arquitetura, o corpo e o espelho sobre a beleza e o tempo na arte do Renascimento e em nossos dias* Mário Henrique Simão D’Agostino *Este estudo teve ori- gem na pesquisa Os lu- gares da cidade, sob coor- denação da professora Lucrecia D’Alessio Fer- rara da FAU-USP. Tempo Social – USP114 A arquitetura, o corpo e o espelho [...] em todos os seus aspectos ativos, em todas as componentes do seu dinamismo físico e psíquico, o corpo do homem remete ao modelo divino como nascente inexaurível de energia vital, cujo fulgor, quando brilha por um instante sobre um mortal, a ilumina com um fugaz reflexo de um pouco daquele esplendor que emana constantemente do corpo dos deuses1. Corpos de extraordinária beleza, templos esplêndidos, os gregos os custodiaram no sólido duradouro – aere perennius, marmore perennius. Primigênio, o kouros arcaico; estátua fúnebre que não consiste propriamente em uma imagem do jovem guerreiro, mas em um duplo do morto. Perpetuado na pedra, nesse monumento que mantém sempre acesa a sua fama eterna, ele não pode ser admirado senão como um corpo sem vida, uma forma inerte, uma “ausência na presença”2. Sob o alvor da Grécia clássica, adstritos ao valor da imagem como representação (e não mais, cabe reiterar, um duplo do ser – divino ou mortal), os escultores almejam seres vivos, insuflando vida, por assim dizer, em suas estátuas. E malgrado o desterro das artes imitativas propugnado por Platão, também ele, em diferentes circunstâncias, evocará o lume, fascínio e plenitude ínsitos na visão do belo. “A Beleza” – lê-se no Fedro – “pudemos vê-la em todo seu esplendor [...]. Aqui, temo-la surpreen- dido, resplandecendo em sua mais luminosa clareza, pelo mais clarividente dos nossos sentidos” (Platão, 1991, pp. 866-867 [250b-d]). No Banquete, o liame entre o belo e a imortalidade faz-se preeminente. Cabe, por ora, assinalar um tópos que, sobretudo a partir desse diálogo, será recorrente nas indagações sobre a arte e o tempo. Se o amor da Beleza, fala o filósofo pela voz de Diotima, é desejo do bom, “não apenas de tê-lo, mas de tê-lo sempre”, se o objeto do amor é a “posse constante do bom”, então ele não é propriamente amor da beleza mas “da geração e da parturição no belo”. Ação que lhe permite possuir constantemente o bom, só assim ele alcança o bem maior da imortalidade, pois “é desse modo que tudo o que é mortal se conserva [...]. É por esse meio, Sócrates, que o mortal participa da imortalida- de” (Platão, 1966, pp. 162-164 [205a-206e e 208b-c]; 1991, pp. 587-588). Geração nos corpos, geração na alma, sutil jogo de espelhamentos. Os pais se vêem no semblante dos filhos, perpetuam-se neles, no outro de si como um si mesmo. Têm-se assim em um elo de reciprocidades, já anunciado na correspondência de olhares entre os amantes: “no seu amante, como em um espelho, é a si mesmo que ama [...], tendo nele um contra-amor que é uma imagem refletida do amor” (Platão, 1991, pp. 869-870 [255d])3. Em um e outro, o “mesmo” não significa o igual como idêntico a si. Ver-se no outro, ter-se no e pelo outro, jamais implica igualá-lo absolutamente a si. Na arte erótica platônica, a simetria não anula a alteridade. Especulações similares 1. Vernant (2000, p. 13), “Mortali e imortali: il cor- po divino”. 2. Cf. Vernant (2001), es- pecificamente item 1, “Eídõlon: dal doppio all’immagine”. 3. Cf. Vernant, “Uno, due, tre: Eros”, em que o au- tor comenta: “a relação amorosa constitui para cada indivíduo, no lance que o conduz para um outro de si, a experiên- cia da própria incomple- tude, enquanto atesta a sua impossibilidade de li- mitar-se a si mesmo, de contentar-se com aquilo que é, de possuir a pró- pria particularidade, a própria unidade indivi- dual, sem buscar desdo- brar-se no outro e por meio do outro, objeto do desejo amoroso” (2000, p. 139). 115abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino convêm aos rebentos da alma. Na inteligência e demais virtudes, cujos pro- genitores “são todos os poetas criadores e todos aqueles artesãos que se diz serem inventivos”, persegue-se por igual o imperecível. “Todo homem pre- feriria ter filhos de tal índole a tê-los humanos, se dirige os seus olhos a Homero, a Hesíodo ou aos demais bons poetas e contempla com inveja que descendência têm deixado de si mesmos, que lhes propiciam imortal fama e recordação, sendo eles mesmos o que são” (Platão, 1966, p. 170 [209d-e]; 1991, p. 588)4. Pela educação, artes, política, ciência, filosofia, enfim, os ho- mens progridem nos diferentes estádios da ascese à Beleza em si. Entre “filhos mais belos e mais imortais”, junto a Hesíodo e Homero as gerações vindouras reúnem arquitetos e suas criações. Filhos de venerável estirpe, corpos de eterna juventude... Essas duas imagens constituem o áxis em torno do qual orbitam idéias superlativas para a moderna concepção de arte (e arquitetura) inaugurada no Renascimento. A beleza e o mármore Que coisa é a beleza? Não é luz nem noite. É crepúsculo, um parto do verdadeiro e do não verdadeiro. Uma coisa intermediária. GOETHE Em seu tratado De re aedificatoria, Leon Battista Alberti ([1452] 1989) con- cebe a beleza como uma correspondência tal entre as partes e o todo que nada pode ser acrescentado, subtraído ou alterado sem comprometer a unidade do conjunto5. Na visão do belo assim acolhida (temo-la na letra de Filarete, Francesco Di Giorgio, Leonardo, Palladio e tantos mais) rutila a imagem da perfeição. O arquiteto admira nas grandes obras “uma excelência ou perfei- ção de natureza que estimula o espírito e é subitamente advertida”; como ele, seus sucessores aditam o epíteto “divina”. Por igual inferência, o Renasci- mento comparte com os antiqui o desejo de salvaguardar a beleza da caduci- dade das coisas, reconhecendo na imitação (mímesis) sua principal arma. Do recurso ao expediente Vitrúvio (1997) fornecia o testemunho. No Livro IV do De architectura, ao advertir os contemporâneos contra os abusos de orna- mentação, descrevendo detalhadamente a origem lígnea de cada elemento do templo dórico, ultima: Desses elementos, e da obra de carpintaria, os artífices com as suas esculturas (scalpturis) nas lapídeas e marmóreas edificações dos sacros templos têm imitado as disposições, e têm ajuizado que se devesse seguir tais invenções (Vitrúvio, 1997, Livro IV, 2, 2-3, p. 377). 4. Sobre o “amor criativo” e a inexistência nadou- trina platônica das idéias de “um posto para uma estética autônoma, uma ciência da arte” (Cassirer, 1998, pp. 46-47). 5. Cf. Alberti ([1452] 1989, livro VI, cap. 2, p. 235; livro IX, cap. 5, p. 453). Sobre a difusão no Renascimento da con- cepção albertiana de be- leza (concinnitas), ver Pa- nofsky (1985c). Tempo Social – USP116 A arquitetura, o corpo e o espelho Como o estatuário que esculpi na pedra a beleza dos corpos, o arquiteto, “transpondo” em material mais duradouro as disposições dos primeiros tem- plos, não almeja um simulacro ou engano dos olhos, pretende fazer justiça à realidade sagrada e atemporal da beleza. Se se deve falar em simulacro, ele não reside propriamente na contrafação em pedra de algo que ela não é – o madeiro, o corpo belo –, mas na ilusão de, pelo espelho lapídeo, o artista salvar definitivamente a beleza sensível do transitório das coisas deste mundo. “Tudo tem sua vez e hora...” Ainda assim, desde Palamedes, mítico inventor das letras e das senhas (e, por elas, da voz post-mortem da epístola testamental), a “arte de duplicar”, com seus diferentes gêneros de cópia, sempre foi e será um ardil contra a extinção no tempo. Na tradução do De architectura feita por Cesare Cesariano (1521), à cita- ção acima acompanha o comentário: Questa ratione há in si uma Philosophica consideratione: cum sai tute le cose del mundo se tegano: vel si protegano luna per laltra: ideo ob hanc causam habemus sempiternum esse mundum (Cesariano, [1521] 1981, Liber Quartus, C. XLVIIIv). Há tempos essa interpretação era compartilhada pelos arquitetos do Re- nascimento. Antonio Averlino, dito Il Filarete, dedica ao tema um bom nú- mero de páginas do primeiro livro de seu tratado. Após a clássica assimilatio entre arquitetura e corpo humano, tronco das precisões da proporção, o au- tor exorta o interlocutor a identificar literalmente o edifício com um ho- mem vivo. Tal como o homem, observa Filarete, o edifício necessita de ali- mento para viver; caso contrário, adoece e morre. O enfermo debilita-se e emagrece, o edifício doente apodrece e rui. Sem os devidos cuidados e a contínua manutenção, o corpo vivo, a pouco e pouco, falece. Que isto seja verdadeiro – conclui o arquiteto – considere Roma, onde se vê aqueles edifícios que com maior razão deveriam ser eternos, e porque não tive- ram alimento, ou seja, não foram mantidos, estão arruinados (Filarete, [c.1460] 1972, Livro I, p. 30). Segue uma longa lista de indagações sobre os grandes edifícios do passado então desaparecidos (palácio maior, campidoglio, palácio de Nero, palácio e teatro de Otaviano, entre outros), na qual o arquiteto invoca reiteradamente a fórmula interrogativa dove è (onde está?). Como notou Liliana Grassi, tal recurso retórico remete ao motivo bíblico do Ubi sunt, relacionado à temáti- ca da caducidade das coisas, do tempo, da morte; entretanto, no contexto em que Filarete o emprega, o propósito não é despertar pessimismo e desilusão 117abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino diante do mundo, e sim o oposto, zelo pelos “valores da eternidade e da fama, ambos perseguidos com um correto modo de construir”6. Aquelas obras admiráveis, guardadas na memória graças aos escritores, sobreviveriam caso não caíssem no descuido. De fama eterna, jazem irremediavelmente ausentes. Mas a ilação não se transmuta em desolação: venerando o antigo, o arquiteto alenta obras perenes, obras com uma vida tão longa quanto a sua fama. Não era nova a imagem das ruínas como um “corpo morto”. Que se recor- de a Ruinarum descriptio urbis Romae (1452), de Poggio Bracciolini, na qual os monumentos decrépitos são comparados ao esqueleto despojado de suas car- nes. Aqui, como alhures, recobram ânimo as palavras indignadas de Petrarca perante as ruínas de Roma, evocadoras de um “passado de grandeza” e um presente “deplorável”7. Nas ilustrações de seu Triumphus temporis, feitas em fins do Quattrocento e no Cinquecento, a imagem alada do deus Chrónos-Krónos, devorador dos próprios filhos – uma invenção do Renascimento que aí figu- ra pela primeira vez –, guia o cortejo, armada com sua foice funesta, em meio à arquitetura em ruínas (cf. Panofsky, 1985b, pp. 104-105). Mas a aguçada sensibilidade com respeito à ação do tempo e à distância que separa o presen- te da Antigüidade não sega a perspectiva: “Quem duvida que Roma poderia levantar-se de novo, bastando para isso conhecer-se a si mesma?”8 Edifícios admiráveis, dignos de fama... Como bem advertiam Vitrúvio e Alberti, para abraçar a fama obras duradouras não bastam9. Filarete ([c.1460] 1972, Livro I, p. 30): Se dos grandes homens fica a fama, no caso do edifício temos quase um efeito similar: ao seu modo, um pelo outro rende a nós longa fama deles, tal como pelos escritos temos notícia de muitos homens dignos de grande fama devido às gran- des coisas que fizeram, isto é, os grandes edifícios que empreenderam; a fama do edifício se deve à sua magnitude e beleza, assim como do homem, pelas grandes e belas coisas que tem feito, permanece a fama. Sempiterna a beleza dos edifícios, eterna a fama! A citação é notável, seja por reenviar-nos ao commento de Cesare Cesariano, seja pela vertigem a que submete o leitor com o jogo de intercâmbios entre os termos edificio (edifí- cio), lettere (escritos) e grandi signori (grandes homens). Em síntese, as pedras do edifício são similares às da escrita: guardam viva a fama dos homens que o erigiram – comitentes e arquitetos; ainda mais, conservam-na mesmo quando desconhecemos quem foram os edificadores. Um pelo outro deliba de igual éter: espelho da beleza e lápide que fala aos pósteros a grandeza dos seus. É esse o fascínio que as obras antigas exerceram sobre os primeiros humanistas. Registros vivos de um passado de glória, dos grandes aconteci- 6. Nota de Grassi em Fi- larete ([c.1460] 1972, li- vro I, p. 31); ver também “Introduzione”, pp. XX- XXI e XXXVI-VII. 7. Ver Panofsky (1981) [a carta de Petrarca (1997, II) foi originalmente ci- tada por Mommsen]; Garin (1975, cap. IV e V). A recorrência à imagem chega até Rafael, que na Carta a Leão X lamenta sobre “o cadáver desta nobre cidade, um tempo rainha do mundo, hoje espoliada e destroçada as- sim miseravelmente”; ver Choay (1995, p. 43). 8. Petrarca (1997, II; ver infra o significado da “imi- tação dos antigos” propos- ta pelo escritor), apud Pa- nofsky (1981, p. 39). 9. Cf. Alberti ([1452] 1989), livro II, Proem.; Vitruvio (1997), Livro III, Proem., 3, e, sobretu- do, Livro VI, Proem., 5. Tempo Social – USP118 A arquitetura, o corpo e o espelho mentos relatados nos escritos, e, sobretudo, de um modo de vida exemplar (a virtù antiga), suscitam, nos alvores do Renascimento, um interesse “quase não visual” (Krautheimer) pelas obras em si. São fundamentalmente um extraor- dinário livro de pedras. Nicolau V pontua Roma com escritos fixados sobre os monumentos, conferindo à cidade a alcunha de “o Livro Sagrado dos pobres” (Biblia pauperum). A prevalência da literatura na aproximação às obras pretéritas não furta das últimas, porém, a primazia sobre a primeira. Manuel Chrysolaras justifica em pormenor a superioridade dos vestigia sobre as litterae. Na Comparação da antiga e da nova Roma (1411), o autor ressalta o quanto as contribuições de Heródoto e outros historiadores não se equiparam às dos monumentos: sobre a capacidade de informação acerca do passado, seus rele- vos e esculturas, registrando as guerras e os prisioneiros, os festivais, altares e ofertas votivas, “mostram como as coisas eram nos tempos passados e quais as diferenças entre os povos”, permitindo ver os trajes que usavam, o tipo de armas e toda sorte de detalhes. Sobretudo, a prevalência dos monumentos deve-se a que “nos garantem o testemunho de tudo o que aconteceu como se fosse no presente” (cf. Loewen, 1999, pp.52-57; Smith, 1992, p. 159). No proêmio ao De re aedificatoria, Alberti repete, ao seu estilo, o argumen- to de Chrysolaras: Não é necessário dizer quanto crédito a arquitetura conferiu aos Latinos e a seu império; diremos apenas que as tumbas e, aqui e ali, tudo o mais visível do passado esplendor bastam para fazer-nos reputar verdadeiras muitas notícias dos historia- dores antigos, que de outro modo pareceriam por certo menos confiáveis. [...] Não existiu um só entre os maiores e mais sábios príncipes que não considerasse a arquitetura um dos meios mais importantes para dar lustro ao próprio nome para os pósteros (Alberti, [1452] 1989, pp. 8-9). O monumento captura no duradouro o transitório, aprisiona no perma- nente o fugaz. O que a escrita articula para a voz, ele maquina para os olhos. Mas o poder mnemônico da arquitetura é majoritariamente superior ao das letras. Por uma parte, assevera-se a sua “melhor visualização dos fatos” em comparação à literatura. Por outra, sua superioridade deve-se ao modo pecu- liar de presentificação, vale dizer, sua condição de “testemunho”. A perma- nência dos monumentos, desde sempre, faz de sua presença algo de irrepro- dutível. Únicos, como as tumbas. O tema do triunfo da fama sobre a morte por meio de obras e ações memoráveis é recorrente entre os humanistas. Na tumba de Leonardo Bruni, trabalho de Bernardo Rosselino na igreja de Santa Croce, a efígie fúnebre do secretário florentino não traz as mãos unidas sobre o corpo, como na tradição 119abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino medieval, mas as tem sobre sua Historia fiorentina, em conformidade com os sarcófagos antigos e paleocristãos nos quais “o emblema do livro significa a imortalização pela cultura”10. Os mecenas e os príncipes do Renascimento, sabe-se, ostentarão suas insígnias e seus emblemas junto às obras por eles co- missionadas, sobretudo os templos, símbolos da renovatio imperii. O mesmo Alberti dará materialidade à mais extremada expressão desses novos valores. Na igreja de San Francesco, em Rímini, concebe o frontispício como um arco triunfal tripartido, cujos arcos laterais portam os sarcófagos de Sigismondo Malatesta e de sua esposa Isotta, em evidente alusão ao triunfo sobre a morte. Na lateral do templo, outra seqüência de arcos, contendo sarcófagos com ins- crições all’antica destinados aos homens ilustres, cortesãos e humanistas da cida- de, finda por converter todo o edifício em um “grandioso panteão de heróis”11. Longevos os monumentos, sempre acesa a fama. Excelsas as belezas, mais intenso o lustro. Por ironia, a superioridade da arte edificatória sobre a escrita segreda também sua desventura: obra única, irreprodutível, e assim, fadada – tal a astúcia do tempo. Não são uniformes os meios de reprodução peculiares a cada gênero artís- tico. A cópia indefinida de um poema não macula o estilo e o conteúdo do original; com a arquitetura e demais arti del disegno é diferente12. Sedutor, aqui, interperlar o passado pela lente da Era da Máquina; que se olhe, por ora, o significado clássico. Os antigos são contumazes: é um engano considerar as belas obras como um “produto de cópia”. Os copiadores (e os falsificadores) de sempre denigrem a arte com o simiesco (e a simulação) – maior a habilidade, menor o mérito artístico; ignora-se assim o seu arcano: imitar, não copiar. Mas o que imita o artista? Somente o estulto crê que o escritor imita cegamente um único modelo, assevera Cícero na abertura do livro segundo do De inventione (Cicerone, 1998, II, 5-6). Colhendo, “dentre os insignes escritores, dignos de recordação”, aquilo que neles se tem como o melhor, o orador age de um modo similar ao famoso Zêuxis. Convidado pelos habitantes de Crotona a pintar uma imagem de Helena para o templo de Juno, Zêuxis solicitou que se colocassem à sua disposição as mais formosas virgens da cidade, dentre as quais escolheu cinco. Então, “transferindo na muda imagem da deusa” a bele- za dos exemplares viventes, excedeu em perfeição a tudo o jamais visto. [Zêuxis] – conclui Cícero – não julgava poder encontrar em um só corpo tudo aquilo que buscava para representar a beleza, pois a natureza não dá a perfeição absoluta a uma só criatura. Assim, quase temendo não ter o que doar às outras se a uma só concedesse tudo, [a natureza] oferece a cada uma diferentes qualidades, não sem acrescer alguma imperfeição (Cicerone, 1998, I, 3-4, p. 199; cf. Sabbatino, 1997, pp. 15-16). 10. Cf. Chastel, “A ‘he- roicização’ em sentido humanista tem por resul- tado uma comemoração que já não é a da santida- de cristã, nem a exaltação de puros méritos terres- tres e ‘pagãos’, mas o elo- gio da personalidade es- piritual que depende igualmente do aspecto profano e religioso da vi- da” (1982, pp. 64-65). 11. A expressão é de Rud- dolf Wittkower (1988, p. 45); no projeto original o reclamo à imortalidade era ainda maior. Nos ar- cos do frontispício fica- vam sarcófagos dos fami- liares de Malatesta e no centro do templo, sob a proteção da cúpula, o seu. As sugestões de deifica- ção e glorificação pessoal, quase se sobrepondo à destinação religiosa do edifício, não foram bem recebidas sequer pelos humanistas e artistas da época; cf. Chastel (1982, p. 354). 12. Apenas a escultura as- semelha-se à escrita. As cópias obtidas com o “esvaziado” (molde em gesso feito diretamente sobre a obra original) aproximam-se da “neu- tralidade” das cópias de um escrito, e não se iden- tificam, de todo, com “fal- sificações”. Entretanto, embora a técnica fosse conhecida desde a Anti- Tempo Social – USP120 A arquitetura, o corpo e o espelho Cônsonos pintor e orador, no De pictura (1435) Leon Battista Alberti narra o episódio de Zêuxis como paradigma do meticuloso estudo da natu- reza a que se empenha o artista, “com olhos e mente”, para bem discernir a “idéia das belezas”, reputando néscios os que “tentam granjear fama por si próprios”13. Cícero recomenda colher, entre latinos e gregos, soluções que, segundo o reto juízo, têm alcançado máxima excelência e beleza. Não se trata de simples colcha de retalhos, adverte reiteradas vezes o escritor; a uni- dade entre as partes, outrora “partículas errantes”, supõe uma ordem de coe- rência a ser alcançada, um rearranjo integral que venha a iluminar a perfeita disposição do todo. Esse argumento deu aval, no entanto, ao procedimento oposto: se a imitação prima pela ordem do todo, então a preceptística de Cícero fornece o melhor modelo. Contra o radicalismo dos ciceronianos ortodoxos e a degeneração em fórmulas repetitivas e sem élan, autores como Horácio e Sêneca, reiterando, sob nova luz, a comparação entre Zêuxis e a oratória, apressaram-se em salvar a imitatio. Com diligência, professa Horácio, o poeta compõe os seus versos seme- lhante a uma abelha matinal, a sorver néctar de muitas flores para dele verter o mel (Carmina, IV, 2, 27-32; cf. Sabattino, 1997, p. 30). Na Carta a Lucílio de número 84, Sêneca volta à imagem, precisando o desenho: tal como as abe- lhas, “errando de flor em flor a delibar as aptas ao mel”, o bem discernir aquilo que colhemos de muitas leituras, reunindo o que é comum e distin- guindo os pares (“porque as coisas bem distintas se conservam melhor”), não exime o escritor de “fundir em um único sabor as diversas libações”. A exce- lência da obra reside propriamente na capacidade de alcançar entre as partes e o todo uma consonância integral, uma unidade que, rigorosamente falando, não se manifesta apenas no arranjo do conjunto, mas cinge cada parte com seu timbre peculiar: “de tal modo que, se aparecer qual a fonte em que bebemos, também aparecerá que o nosso escrito tem a sua originalidade independente das fontes” (Sêneca, 2001, Livro XI, 84, 3-6, pp. 603-605)14. Tal a magnificência da imitatio (e, convém frisar, seu arcano): perpetua a memória dos maiores aotê-los como modelos, mas nunca se rebaixa à cópia servil. O distintivo que dá vida à imitação, Sêneca o compara com o tipo de aparência que existe entre familiares: Ainda, se na tua obra vier a transparecer o autor que admiras e que está impresso profundamente na tua alma, desejaria que a similitude fosse aquela de um filho, não a de um retrato: o retrato é uma coisa morta (Sêneca, idem, 8-9, p. 607). Nas primeiras luzes do Renascimento, Petrarca revive esse significado maior da imitação antiga, dedicando-lhe palavras admiráveis: güidade, só se difunde no Barroco e, sobretudo, no século XVIII. Até o final do Renascimento nada se compara à incumbên- cia que Francisco I, rei da França, encarrega a Primaticcio em 1540. Ajudado pelo jovem Vig- nola, o arquiteto super- visiona a realização de moldes das “estátuas mais famosas que se via em Roma”, enviando-os à residência real de Fontai- nebleau. Segundo as pa- lavras de Vasari, Fontai- nebleau converteu-se “quase em uma nova Ro- ma”; cf. Haskel e Penny (1981). 13. Cf. Alberti ([14362] 1989, livro III, § 56, p. 132). O autor, porém, não menciona pinturas ou es- culturas como modelo, li- mitando a imitação dos antigos a ekphrasis – em particular, a inventio – na composição da história, para a qual “a companhia dos poetas e oradores traz aos pintores muito bene- fício”; cf. livro II, § 53, e III, § 53, pp. 107 e 128- 129; ver também Sabat- tino (1997, pp. 21-23). 14. Sigo mais de perto a tradução de Sabattino (1997, p. 30). 121abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino Aquele que imita deve cuidar para que o seu escrito seja semelhante, não idêntico [ao imitado], e que a semelhança não seja como a de um retrato e seu modelo, na qual quanto maior a aparência mais se elogia o artista, mas, propriamente, como a de um filho e seu pai. Neste caso, embora costume haver uma grande diferença de traços individuais, uma certa sombra e, como dizem nossos pintores, um ar per- ceptível sobretudo no rosto e nos olhos gera essa semelhança que nos recorda o pai enquanto vemos o filho, e isso de tal modo que, se ele fosse submetido à medição, comprovar-se-ia que todas as partes eram distintas; alguma qualidade aí oculta tem tal propriedade. Por isso, temos de tomar cuidado para que, quando uma coisa seja parecida, não o sejam muitas, e que o parecido fique oculto de tal forma que só a pesquisa silenciosa da mente possa captá-lo, que ele seja inteligível mais que descritível. Deveríamos, portanto, recorrer a outra faculdade e tom in- terno do homem, evitando as suas palavras. Pois um tipo de semelhança está oculto e outro patente; um faz poetas, o outro símios (Petrarca, 1997, XXIII, 19, 78-94, p. 206)15. Limiar entre sombra e luz, visível e invisível, diáfano e inefável, recordo e surpresa... São esses os limites em que se perfila a imitação, ou a beleza. Nessa divisa, Petrarca concebe o seu programa humanístico. Só aí a aeternitas do belo inscreve-se plenamente no fluir contínuo da vida. Não uma efígie muda e vazia dos olhos, refratária à ação do tempo por ceifar do mármore todo veio de vitalidade; mas uma beleza impregnante, de um silêncio loquaz, a nos dei- xar atônitos e, por assim dizer, sem ar. Uma beleza que não paralisa o presente com a feição lapídea do passado, mas o fecunda. Na latência da vida, em suma, o artista busca energia para o seu ofício. Misterioso jogo de espelhos no qual o semblante dos antecessores refulge na exuberância de novos, sem roubar-lhes o lume. Se a arte mantém viva a fama dos antigos, assim o faz não tanto pelo poder de perpetuidade avistado no espelho da pedra, pela infinita reprodução da cópia ou perenidade do monumento – todos sujeitos às astúcias do tempo –, mas por semear na unicidade do vivente a presença do outro. Embora Filarete não explore as implicações da analogia entre arquitetura e literatura, foi ele quem melhor expressou, no âmbito da arte edificatória, os expedientes da imitação definidos por Petrarca – e, fato curioso, assim o fez seguindo um caminho inverso ao do literato. A este fascinava a possibilidade da semelhança no seio da diferença; ao arquiteto a manifestação da diferença até nos mais veementes zelos por semelhança. No rosto retratado por dois pintores, observa Filarete, a fidelidade ao modelo não apaga “lo stile di ciasche- duno” (Filarete, [c.1460] 1972, I, 5-20, p. 28). Não há outra imagem mais reveladora do espírito do tratado. A assimilatio vitruviana entre arquitetura e corpo humano, radicalizada pela identificação do edifício com um “corpo 15. Cf. Gombrich (1985, p. 249); o autor externa: “Não conheço outra descrição tão notável do caráter misterioso e es- quivo da aparência fisio- nômica” (p. 250). Petrar- ca escreve a carta em 1366 (ver ainda: “Cabe seguir o conselho de Sê- neca, e antes o de Horá- cio, para que escrevamos como as abelhas fazem o mel, sem colher as flores mas transformando-as em mel, de modo a fundir em um a multiplicidade e variedade, sendo este um diverso e melhor”; XXIII, 19, 94-97, p. 206). Tempo Social – USP122 A arquitetura, o corpo e o espelho vivo”, desperta o autor para a absoluta singularidade que cinge a existência de toda construção. “Jamais viste nenhum edifício que totalmente fosse um como outro, nem em similitude, nem em forma, nem em beleza” (Idem, I, 10- 15, p. 16). Singulares como os viventes, têm na variedade e dessemelhança entre os homens um exemplo a seguir16. Imitar a maniera antica, portanto, equivale a operar preceitos artísticos cujo valor reside exatamente em suas infinitas possibilidades expressivas. Restaurando (ou “inventando”) o léxico das cinco ordens – etrusca, dórica, jônica, coríntia e compósita – e a sintaxe das comodulações, a imitação dos antigos rediviva pelos arquitetos tardou a absorver plenamente a riqueza se- mântica da mímesis. I quattro libri dell’architettura, de Andrea Palladio, publicado em 1570, alude mais claramente à preceptística clássica. No último dos quatro o autor recomenda o estudo das inventioni dos edifícios antigos, para, “no mo- mento e lugar apropriados”, delas se servir o arquiteto com variedade e coe- rência, “& quanto simil variatione sia laudabile, e gratiosa” (Palladio, [1570] 1980, Livro IV, p. 4). Colhida do Ars poetica de Horácio e de outros retóricos ilustres, a orientação repõe a sentença: imitar, não copiar17. Sobre quem devolveu à arquitetura a belleza e venustà dos antigos Palladio é explícito: A arquitetura dos tempos de nossos pais, saída daquelas trevas nas quais ficou longamente como sepulta, começou a deixar-se rever na luz do Mundo. [...] Bramante foi o primeiro a iluminar a boa e bela arquitetura, que dos Antigos até aquele tempo tinha permanecido oculta [...] (Idem, IV, p. 64, cap. XVII “Del tempio di Bramante”). A confiar no testemunho, só na obra de Bramante os arquitetos consen- tem que o moderno assimilou o “modo” dos antigos ou, poderíamos dizer, a latente e inefável presença do modelo (“pai”) na cópia (“filho”), referida por Petrarca como o lusco-fusco do belo. No primeiro Renascimento, porém, mais do que os exempla a arte exalta a imitação da natureza18. Como mostrou Panofsky (1985c), esse “naturalismo” – visto como a lição maior dos antigos – consistiu o principal obstáculo para o influxo da interpretação metafísica da beleza no orbe da arte. Se a visão do belo, ao suscitar a suspensão do tempo naquilo que é por natureza efêmero, justifica o “desejo de petrificar” dos artistas, pelo rever- so, incrementa, devido à insensatez dessa coincidentia oppositorum, as des- confianças de que a beleza não passa de ilusão e engodo. Embora o objeto admirado se revele a todos sempre como o esplendor da perfeição, os juízos sobre o belo divergem de pessoa para pessoa, parecendo subverter toda medida. Caso exista realmente uma ordo universal, como escapar das 16.“De onde procedeu [tal variedade] é um dos segredos que não se sabe, mas creio que Deus as- sim o fez por mais bele- za, isto é, que tantas ge- rações de homens que são, foram ou serão não se assemelhem uns e ou- tros totalmente em toda particularidade” (Filare- te, [c.1460] 1972, I, 10- 15, p. 25). 17. Cf. Rensselaer (1982, pp. 35-44) [Poussin sin- tetiza o cânone em pin- tura: “A novidade na Pintura”, pondera o ar- tista, “não consiste prin- cipalmente em um tema nunca visto, mas na boa e nova disposição e ex- pressão, e assim o tema, de comum e velho, se converte em singular e novo.”] 18. Sobre a “imitação da natureza” e a “imitação dos antigos” na tradição clássica, do Renascimen- to às Luzes, ver Warnke (1996, pp. 343-368). 123abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino quimeras, da espécie de torpor onírico que envolve a arbitrariedade dos juízos, alcançado o estado de vigília? Segundo a convicção dos artistas, as oscilações de juízo são postas à prova e depuradas com o rigoroso estudo e observação da natureza. Vislumbrando outro caminho, os neoplatônicos voltam-se para o sentido que a beleza desperta nos espectadores – admira- ção, arrebatamento, prazer, aut similia. O amor do belo Pela poesia e através dela, pela música e através dela a alma entrevê os esplendores além da tumba; e quando um belo poema enche os olhos de lágrimas, essas lágrimas não são a prova de um excesso de gozo, mas o testemunho de uma melancolia irritada, de uma postulação dos nervos, de uma natureza exilada no imperfeito e que queria possuir imediatamente nesta terra mesma um paraíso revelado. CHARLES BAUDELAIRE A pulsação vital experimentada na arte, a brisa matinal que inspira, feito rebento a encher de viço a perfeição delibada dos pretéritos, esteve no foco de Horácio e Sêneca em notórios escritos a favor do ajuste entre imitatio e varietas. Mas foi sobretudo Plotino, na tarda-antigüidade, quem cuidou de não disjungir beleza e vida. Também neste mundo [...] a beleza está ínsita mais na luz que resplende sobre a simetria do que na simetria em si. É isto que a torna fascinante. Por que o esplen- dor da beleza refulge ao máximo grau em um semblante vivo, enquanto em um semblante morto não se vêem mais que os vestígios, embora a carne e a simetria daquele vulto não são ainda desfeitas? E entre as estátuas, por que resultam mais belas as que melhor exprimem a vida do que outras de maior simetria? E um homem feio, se está vivo, não é talvez mais belo do que um homem, embora belo, representado em uma estátua?19 Essa luz, esse “acréscimo” à beleza é a Graça, aí residindo a verdadeira fonte do amor. “Toda forma, de per si, é só isso que é. Torna-se porém desejá- vel quando o Bem a colore, dando-lhe em certo modo a graça e instilando Amor em quantos a desejam”20. No Renascimento, Marsílio Ficino repõe e dá novo vigor às idéias em tela. Em seu comentário ao Banquete de Platão (1469), o neoplatônico toma de Orfeu os nomes dados às três Graças ancilares de Vênus, definin- do os atributos da beleza como Esplendor, Verdor e Letícia. O segundo, explica, versa sobre “figura e cor”, pois a beleza “floresce sobretudo no verdor (viriditatem) da juventude” (Ficino, [1469] 1989, Discurso V, 2, p. 90). Pico della Mirandola, em outro comentário a uma canzone d’amore de 19. Plotino, Eneida, VI 7, 22, 24-32, apud Hadot (1999, pp. 38-39). 20. Idem, VI 7, 22, 5-7 [na trad. italiana de R. Ra- dice (2002) a symmetría grega corresponde à mais abrangente “harmonia”; seguimos, porém, a tradu- ção de Hadot (1999, pp. 38-40), em que o autor comenta: “se amamos é porque algo de indefiní- vel se acrescenta à bele- za: um movimento, uma vida, uma aura que a tor- na desejável e sem os quais a beleza permane- ce fria e inerte. [...] No amor se tem um ‘a mais’, existe nele qualquer coi- sa de injustificado. E isso que nas coisas corres- ponde a esse a mais é a graça, é a Vida no seu mistério mais profun- do”]. Sobre a concepção de arte plotiniana não como “imitação da na- tureza” mas como “ex- pressão da essência”, cf. Grabar (2001, especifica- mente pp. 43-44). Tempo Social – USP124 A arquitetura, o corpo e o espelho Girolamo Benivieri (1486), referenciado no ficiniano, volta à tríade, expon- do em pormenor o pensamento: ser verde significa “permanecer e durar no seu ser íntegro e sem transitoriedade alguma”; o homem alcança a pleni- tude e perfeição do seu ser na juventude, porém, com o correr dos anos, “sempre perdendo mais e mais o seu vigor e integridade, vem a anular-se em tudo”. A beleza máxime dos corpos juvenis, objeto de amor e venera- ção para todos, espelha verdadeiramente a perfeição harmônica persegui- da pelos artistas. “Toda coisa composta, enquanto dura no seu ser”, obser- va o autor, “[nela] igualmente dura aquela devida proporção que une as suas partes, e Vênus não é outra coisa que esta proporção”. Harmonia das partes entre si e com o todo não se esgota na conformação física, antes refulge nos “gestos”, na “vivacidade” e na “graça” (Ficino, idem, V, 6, p. 101). Do esplendor da beleza emana vida. Mas ao contemplarmos a imagem corpórea da perfeição já nos endereçamos à realidade superior de seu modelo, a uma segunda Vênus, melhor, primeira. “Onde está a primeira e verdadeira Vênus, isto é no mundo ideal, ali se encontra também o verda- deiro verdor, por ser toda natureza inteligível, intransmutável da integri- dade do seu ser, e em tudo avessa à senilidade” (Pico Della Mirandola, [1486] 1994, Livro II, pp. 54-55). Admirando a imagem de um ser perfeito, duradouro, alheio à transito- riedade, o homem nela reconhece a semelhança com o celestial. A juven- tude eterna, a natureza divina da imagem lhe encanta e desperta amor. Não um corpo efêmero, vencido pela matéria, mas um ser que participa do divi- no e herda dele a sua forma. Subtraindo o corpo, reconhecendo na imagem uma pálida semelhança com a suprema perfeição de Deus, o homem com- preende igualmente a ascese da alma. Quando deparamos com um desco- nhecido, comenta Ficino, “subitamente nos agrada ou não, sem que saiba- mos a causa desta impressão; porque a alma, impedida com o governo dos corpos, não vê as formas que por natureza estão dentro dela”. É essa se- melhança com a Idéia o que suscita o sentido da perfeição. “A composição do homem na matéria do mundo”, ultima o filósofo, “[por estar a matéria] muitíssimo distante do artífice divino, mostra-se indigna daquela figura perfeita. Na matéria melhor disposta aparece mais semelhante, na outra, menos. [...] neste acordo consiste a beleza, e nesta aprovação o amor” (Ficino, [1469] 1989, V, 5, pp. 98-99). Em diversos momentos, Ficino expõe as contradições do naturalismo em voga na arte. Primeiro, a teoria das proporções harmônicas, reveren- ciada como princípio único, exclui esteses igualmente legítimas. “Se a disposição das partes só existe nas coisas compostas” – pondera – “nenhu- ma coisa simples seria bela” (Ficino, idem, V, 3, p. 93); cores puras, um único 125abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino som, as luzes etc. comportam fruição em si mesmos. Ainda, na complexão da obra de arte, a coordenação das partes selecionadas da natureza, acirrando a componente subjetiva na “escolha correta”, exacerba por igual o proble- ma da origem da idéia do belo. Em última instância, de onde vem o sen- tido de conjunto? “[Reunindo numa única figura] a beleza absoluta do gênero humano, que se encontra dispersa em muitos corpos [...] tu [Sócrates] sabes bem que não a possuis graças propriamente aos corpos mas ao espí- rito” (Idem, VI, 18, p. 181)21. Para o filósofo, a arquitetura felicita o melhor exemplo de operação guia- da pela idéia22. Alberti havia sido contumaz quanto à prévia concepção (praecogitare, praedefinire, praescribere) da obra a ser edificada, mediante delinea- mentos (lineamenta)e maquetes (modelo) (cf. Alberti, [1452] 1989, Proem., pp. 5 e 8.; I, 1, pp. 11-12). Com Cesare Cesariano, o modelo se alça a arquétipo platônico; respaldado na autoridade de Vitrúvio, o comentador vincula as species dispositionis, isto é, as formas de representação gráfica do arquiteto (icnografia, ortografia e cenografia), que “em grego são denominadas idéai”, à sua ambiciosa concepção do desenho como a capacidade de “ver como num espelho o exemplar da coisa que pretendemos figurar ou operar” (cf. Cesariano, [1521] 1981, Liber Primus, C. XIIIv)23. Enquanto forjada na matéria, a perfeição e a excelência da beleza sujei- tam-se, de modo inexorável, à caducidade e ao desvanecimento. Na breve vida em que vem à luz exibe, porém, com clareza, sua descendência superior. Resplandecente, “provoca, do verbo kállos, que quer dizer provoco”, o espec- tador com a sua graça, assim despertando a rememoração da Idéia. No espe- lho da matéria, a imagem refletida perde a nitidez do modelo, mas não deixa de reenviar a ele. Nesse contexto, a mímesis clássica recobra integralmente o seu matiz metafísico. Como no jogo de espelhamentos platônico, também em Ficino ([1469] 1989, V, 4, p. 96) o círculo fecha-se quando no semblante amado o amante reconhece os traços do pai. O nosso espírito, criado com a condição de estar cercado pelo corpo terreno, [...] serve durante muito tempo ao proveito do corpo. [...] Daqui resulta que o espíri- to não reconhece a luz do rosto divino que sempre resplandece nele, até que, sendo o corpo já adulto e estando desperta a razão, contemple com seu pensa- mento o rosto de Deus que reluz na máquina do mundo e que é evidente a seus olhos. Por esta consideração é induzido a contemplar aquele rosto de Deus que resplandece em seu interior. E posto que o rosto do pai é grato aos filhos, é necessário que o rosto de Deus Pai seja gratíssimo aos espíritos. 21. O tema foi ampla e aprofundadamente abor- dado por Panofsky (1985c, p. 45-66); cf. também Sabbatino (1997, p. 216). Ainda Rafael mantém si- lêncio sobre o problema da origem da idéia de belo, pronunciando um peremptório “no lo so” na carta a Castiglione de 1516. 22. Cf. Ficino ([1469] 1989, V, 5, p. 100): “Pri- meiro o arquiteto conce- be em seu espírito a ra- zão e, por assim dizer, a idéia do edifício; depois, na medida de suas for- ças, constrói a casa tal como a concebeu”. 23. Tafuri pondera que “a passagem relativa às ‘idéias’assimiladas às ‘espé- cies de disposição’ pode ser lida como uma toma- da neoplatônica que an- tecipa grande parte da li- teratura teórica do manei- rismo sobre o tema da ‘Idea’ ou do ‘disegno’ (pensamos particularmen- te em Lomazzo, Zuccari e Scamozzi)” (1978, p. 444). Ver também Alberti, De statua, e o próprio De re aedificatoria. Tempo Social – USP126 A arquitetura, o corpo e o espelho No Cinquecento, essa concepção desfruta de larga aceitação. A divulgadíssima Iconologia de Cesare Ripa (1593), redigida no final do século, concebe a bellezza feminile como uma mulher nua, tendo a cabeça adornada por uma guirlanda de lírios – hieróglifo da beleza segundo Pierio Valeriano – e ligustros (alfenas), numa mão um dardo – símbolo da chaga de amor que, crescendo lentamente, finda irremediável – e noutra um espelho voltado para fora, “sem espelhar-se nele”. A chave para a compreensão do estranho gesto com que porta o seu atributo natural está no fato de “a própria beleza feminil ser um espelho, no qual vendo cada um a si mesmo em melhor perfeição, pelo amor da espécie se incita a amar-se naquela coisa, onde se viu mais perfeito, e depois a desejar-se e a fruir-se” (Ripa, [1593] 1992, Parte Prima, pp. 39-40)24. Pela beleza dos corpos e pela beleza da alma, os olhos se voltam para o alto. Enquanto aderem às coisas desse mundo, deixam inadvertido, por muito tempo, o verdadeiro semblante da Beleza, mas disso não decorre que tal atividade seja subalterna ou menor. O pensamento de Ficino respalda, em boa medida, a “dignificação das artes” promovida pelo Renascimento. Como o Sócrates pintor, amando e gerando a beleza em suas obras, os artistas depu- ram-na das imperfeições da matéria, dão-lhe realidade em manifestações mais excelsas; reconhecem, enfim, sua procedência divina. Esse aprendizado ga- rante a maturidade na intelecção da beleza25. Natural ao mundo corpóreo e sujeito à ação do tempo, o desejo de engendrar beleza – o amor pela vida – ao fim e ao cabo conduz a uma única fonte. Duas as Vênus, dois os Amores, fala Ficino ([1469] 1989, II, 7, p. 40), ambos “honestos e merecedores de elogio, pois um e outro seguem a imagem divina”26. Desse ponto de vista, o contraste entre a beleza e o tempo enleva outra perspectiva, diversa do “triunfo sobre a morte” do primeiro humanismo. Por certo, a natureza não perde a dignidade recém conquistada, mas sua excelência e equilíbrio, além de acenar caminho à “imortalidade através da fama”, culmina por endereçar os olhos a uma esfera superior. Ticiano, que legou uma das mais encantadoras obras sobre a Venus duplex de Ficino, não foi menos sensível ao tema do poder do tempo sobre a beleza sensível, retratado em pinturas onde uma jovem se vê na imagem do espelho27. No curso do Quinhentos e avançado o século seguinte, a permanência do motivo paulatinamente se desliga do espírito amável e jovial com que os artistas do Renascimento cultuaram a beleza. O Velho alado, com “dentes de ferro”, a portar consigo a grande foice e esse seu novo atributo, nele espelha um só semblante. Efígie gorgônea dos cristãos, exibe sempre a sen- tença: vanitas vanitatum, et omnia vanitas (“vaidade das vaidades, tudo é vaida- de”; Eclesiastes 1,2). 24. No De Amore, a re- flexão gira em torno da imagem que o amante porta consigo (conforme a fórmula de Xenofonte; Simpósio, 21-22). “O que ama”, expõe Ficino ([1469] 1989, II, 8, p. 45), “esculpi a figura do ama- do em seu espírito. E as- sim o espírito do aman- te se converte em um es- pelho no qual brilha a imagem do amado. Ao se reconhecer no amante, o amado é empurrado a amar-lhe”. Raptado pela beleza do amado, admi- rando-o em todos os momentos, o amante cus- todia a vida do outro, e vice-versa. Somente pela “vida daquele que con- serva o que ele havia per- dido por negligência” pode o amante reencon- trar a si mesmo. Um não existe sem o outro, assim inscrevendo-o na reali- dade do seu ser (idem, pp. 41-46). “Ao amar-te me reencontro em ti que pen- sas em mim, e me recu- pero em ti que conser- vas o que havia perdido por minha própria negli- gência. E o mesmo fazes tu em mim”(Idem, p. 43). Ficino, em tom brinca- lhão, dizia que por amor havia se transformado na forma jovem do amigo Pico della Mirandola; cf. Kristeller (1988, pp. 297 e 303); Chastel (1982, pp. 290-298; 1954). 25. A maturidade na frui- ção da beleza coordena- se ao mote augusteo do 127abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino A beleza vã E chora [Helena] quando colhe no espelho as rugas senis, e dentro de si indaga como puderam raptá-la duas vezes. Oh, Tempo devorador, e tu, invejosa Velhice, queres tudo destruir e pouco a pouco consomes toda coisa fazendo-a morrer, rosa dos dentes da idade, de morte lenta. OVÍDIO Quando o papa Pio II Piccolomini expediu, em 1462, a bula sobre o urgente programa de conservação e manutenção dos edifícios e vestigia anti- gos – associados, desde sempre, ao corpo decrépito –, reuniu entre os juízos dois no mais das vezes conflitantes: os monumentos são um exemplo de exce- lência a ser seguido, e, por outro ângulo, “permitem perceber melhor a fragili- dade das coisas humanas” (Choay, 1995, p. 40). Testemunhos da precariedade das ações e da imprevisibilidade do porvir, as ruínas parecem deslustrar as am- bições de fama imortal. A essa ilação conduzia o motivo bíblico do Ubi sunt?, evocado por Isaías (33, 18) e São Paulo (ICoríntios 1, 20). Sem engano, argüi-se, em vão deixa-se aos pósteros um feito de glória, um legado mate- rial. Nada perdura, todos os bens terrenos são transitórios, inconstantes. Ao final, toda a ilusão dos bens granjeados em vida se anula. Se tais receios e ceticismos jamais desapareceram ao longo do Renasci- mento – impregnam o Momus de Leon Battista Alberti, contraface de seu De re aedificatoria, ou o fascínio pelas ruínas no Hypnerotomachia poliphili, de Fran- cesco Colonna, para citar dois exemplos de vulto –, somente no Maneirismo e no Barroco reconquistam posto de comando, sob o ímpeto da Contra- Reforma. Constatando a intensa expressão patética das ruínas na arte do Seis- centos – e, em particular, na obra de Joachim du Bellay (Le premier livre des antiquitez de Rome contenant une génerale description de sa grandeur, et comme une déploration de sa ruine) –, Jan Bialostocki (1973, pp. 192-194) conclui: “As ruínas de Roma converteram-se finalmente em um motivo didático: o contemplá-las põe de manifesto a vanidade de todas as coisas terrenas e faz compreender à consciência que a única possibilidade de redenção se acha em Deus”28. Sob idêntico páthos, a beleza reduz-se a um bem diminuto, fugaz, uma “felicidade breve”. Fulgor a se esvair, símbolo da vida que se consome, porta sempre consigo um sentimento de perda, uma mácula. E aqui, uma vez mais, repõe-se o veredicto bíblico: por sobre o carpe diem (viva o momento) o Verbo, os cuidados da fé, o desapego às coisas materiais como verdadeiro caminho para a “felicidade eterna”. Tal o significado da miríade de pinturas sobre natureza morta, todas a refletir uma flor que murcha, flor colhida do Livro de Job (14, 2): festina lente, ou seja, “len- tamente rápido”. Só com a maturidade o arrojo e a presteza de ação, pró- prios dos jovens, reali- zam-se em plenitude, pois não se perdem na ansiedade, moderando-se pela ponderação e pru- dência no agir. “Um ho- mem que pudesse jactar- se da própria vitalidade e da própria cautela simul- taneamente”, observa Ed- gar Wind (1985, pp. 123- 124), “era chamado um puer senex, ou paedogeron, isto é ‘jovem velho’”. 26. Como mostrou Wind (1985, pp. 59-65; 109- 111), nesse ponto Pico della Mirandola afasta-se radicalmente do pensa- mento de Ficino. A con- cepção da beleza como discordia concors exclui identificá-la como atri- buto de Deus: “Em Deus não existe beleza porque a beleza inclui em si qual- quer imperfeição, ou seja, o ser composto de algum modo. [...] Depois Dele começa a beleza porque começa a contrarieda- de”. Plotino e Ficino, pelo contrário, conce- bem a beleza verdadeira como “simples e privada de partes”. 27. Cf. Panofsky (1992, pp. 90-95). Sobre o “es- pelho do tempo”, ver Cesare Ripa, Shakespea- re, Bernini, entre outros; ver também Panofsky (1985b, pp. 106-107); o estudo do autor sobre a Tempo Social – USP128 A arquitetura, o corpo e o espelho Que como flor sai e é pisado, e foge como a sombra, e jamais permanece num mesmo estado; e de Isaías (XL, 6-8): Soou uma voz de quem me dizia: clama. E eu disse: Que hei de clamar? Toda a carne é feno, e toda a sua glória é como a flor do campo. Secou o feno, caiu a flor, porque o hálito do Senhor assoprou nele. Verdadeiramente o povo é feno: Secou- se o feno, e caiu a flor; mas a palavra de Nosso Senhor permanece para sempre. Inúmeras as obras sobre a felicidade breve e a eterna, sobre a caducidade das coisas terrenas e o verdadeiro caminho a ser trilhado. Santiago Sebastián destaca, porém, uma pintura de Valdés Leal, artista maior da Espanha do sé- culo XVII, emblemática dos novos ventos. Intitulada Jeroglífico de la vanidad, a tela reúne, junto às flores que murcham, símbolos da vangloria (um crânio laureado), da fugacidade do terreno (um putto que sopra bolhas de sabão), das dignidades efêmeras (coroas reais, um cetro e uma mitra) e das riquezas ilu- sórias (jóias e moedas); todos eles situados na parte inferior do quadro, em torno a livros amontoados sob uma esfera armilar, símbolos da atenção dos homens pelas coisas mundanas, contrapõem-se à imagem do Cristo crucifi- cado e do Juízo Final, no alto e ao fundo, descortinada pelo anjo mensageiro. Entre os livros, Leon Battista Alberti e Sebastiano Serlio29. As ruínas cedem lugar às ambições do Renascimento, todas vãs. Verdor que fenece, flor que murcha; imagens da transitoriedade dos bens terrenos. Todavia, como as jóias com que se adorna, a beleza assume feições mais abstrusas. Sua sedução e encanto, entorpecentes como a própria rique- za, parecem redundar em quimeras. De símbolo genérico do bem que se esvai, particulariza-se no de um bem ilusório, um engano. Em contraste com os valores morais e de fé, o fascínio da beleza física revela-se uma espécie de prazer “em si”, “sem fim”. Motivo por que, ladeada pela Luxúria, convém aos que perseguem o prazer pelo prazer. O espelho do tempo há de desvelar, não um bem efêmero, mas uma fraude. Entre os oito emblemas da luxúria que Andrea Alciato apresenta em seu Emblematum liber, de 1531, o terceiro versa sobre O túmulo da meretriz, qual seja, Lais, famosa prostituta de Corinto que não suportou a passagem do tempo: – Que tumba é esta? De quem esta urna? – De Lais de Efira. – Ah! Não enrubesceu a Parca ao arruinar tanta beleza? pintura Amor sagrado e amor profano permanece referencial (1985a, pp. 189-237). 28. Sobre Alberti e sua concepção da vida como insania, stultitia, ver Garin (1992, pp. 183-192); sobre o ambíguo significado das ruínas e da Antigüidade no “Hypnerotomachia poliphili”, cf. Bruschi (1978, pp. 154-157). 29. Ver Sebastián (1989, pp. 95-100; 1995, pp. 329-335). Sobre o poder como vanitas, ver o be- líssimo “Vanitas” de Praz (2002, pp. 197-211). 129abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino – Não mais havia beleza, a tinha segado a idade. A cauta velha já havia consagrado o espelho a Vênus. – O que significa o cordeiro esculpido que a leoa tem aprisionado com as garras na parte posterior? – Nada, apenas como ela agarra seus amantes: o homem é um cordeiro do reba- nho, o amante é agarrado pelas nádegas (Alciato, [1531] 1993, “Emblema LXXII”, pp. 108-110)30. Três décadas antes, Cesare Ripa combinava, sem qualquer desconforto, a mencionada imagem platônica da “Bellezza feminile” ([1593] 1992, pp. 39-40), e um dragão como sinal de desconfiança. “O dragão”, adverte, “mostra que, onde está a beleza, não se deve confiar, pois ali também está o veneno das pai- xões e da inveja”. Na imagem da “Fraude” o autor destila todo o seu malefício: Mulher com duas faces, uma de bela jovem, outra de velha feia, será nua até os seios e vestida com linho amarelo até o meio da canela, terá os pés similares aos de águia, e cauda de escorpião visível entre as pernas; na mão direita terá dois cora- ções, e uma máscara na esquerda. Com as duas faces demonstra enganáveis cores e intenções, o linho significa traição, engano e mutação fraudulenta. Os dois cora- ções significam as duas aparências do querer e não querer uma mesma coisa. A máscara denota que a fraude faz aparecer as coisas de outro modo daquele que são. A cauda de escorpião e os pés de águia significam o veneno oculto, que fomenta continuamente, como ave de caça, para rapinar outros, ou os bens ou a honra (Ripa, idem, pp 150-151)31. Acima de tudo, repudia-se a lascívia, o desejo incontinente excitado pelos corpos belos, o impulso irrefreável, a obsessão. São desmedidos os poderes e os enganos da beleza. Presença arrebatadora, como tantas vezes reiterado no Renascimento, é capaz de animar naquele que a contempla uma dependên- cia “doentia” por si mesma. Com poder de Pigmaleão, para retomar a ima- gem de Gombrich, Leonardo da Vinci observa, no Paragone, o enigmático dom dos pintores de suscitar paixões incontroláveis por suas belezas, como sucedeua um comprador “perdidamente enamorado” por uma pintura que havia feito, e que lhe pediu para suprimir os atributos sacros “para poder beijá-la sem causar estranheza. Por fim, a consciência do comprador prevale- ceu sobre os seus suspiros e luxúrias, mas foi obrigado a retirar o quadro de casa” (Gombrich, 1995, pp. 100-101). Contra análogo argumento, Andrea Fulvio levanta-se, em 1527, desacreditando a antiga história de que o papa Gregório, o Grande havia ordenado que as mais singelas estátuas do paganis- mo fossem lançadas no Tiver para que, “cativados por sua beleza”, os fiéis não 30. Cf. também os em- blemas CXXIV (Sobre a felicidade passageira), CLXXXVIII (Que mais vale inteligência do que beleza) e CXCV (Con- vém que se divulgue a boa fama de uma mulher, não sua beleza). 31. Panofsky (1985a, p. 209) trouxe à luz a in- terpretação proposta por Ripa para as duas Vênus de Ticiano, vistas como “Felicità breve” e “Feli- cità eterna”, objetando: “sem dúvida, o quadro de Ticiano não é um do- cumento de moralismo neomedieval, mas de hu- manismo neoplatônico”; ver também sua análise do quadro de Bronzino O descobrimento da luxúria, re- lacionado à imagem da fraude supracitada (1985b, pp. 110-115). Tempo Social – USP130 A arquitetura, o corpo e o espelho se afastassem da nova religião (Haskell e Penny, 1981, p. 31). Mas se a política de repressão religiosa da beleza nua mostrou-se tolerante com as esculturas antigas do Belvedere, com os artistas modernos, por outra parte, foi inflexível. No carnaval de 1496, atendendo ao “Rogo delle vanità” de Savonarola e ao clamor de fra’ Ieronimo, Baccio della Porta, futuro fra’ Bartolomeo de San Marco, Lorenzo di Credi “e muitos outros” lançaram às chamas inúmeros desenhos, pinturas e estátuas de nus – “tante pitture e scolture ignude molte di mano di Maestri eccellenti, e parimenti libri, liuti e canzonieri che fu danno grandíssimo”, lastima Vasari –, consumidos no simbólico fogo de uma pequena cabana de estipe e outros lenhos, que, “segundo o costume antigo”, era feita nas praças e incendiada na noite de terça-feira “con balle amorosi”, nas quais, de mãos dadas, homens e mulheres giravam em baladas32. Contra os perigos da beleza vã – pagã – o melhor antídoto é fechar os olhos. Chaga que, “crescendo lentamente, finda irremediável”, o vulto envolvente da beleza comuta-se, por fim, nos traços próprios da morte. O elo entre amantes, que na tradição platônica despertava para a consciência da incomple- tude do ser e do “modo como os mortais alcançam a imortalidade” (Platão) – isto é, pela geração no corpo e na alma – eclipsa-se sob o torpor de uma beleza nefasta, que cega suas presas mantendo-as absortas integralmente com a plenitude alucinante de sua presença. Veneno dos olhos instilado, convém frisar, pela balia di amor, pelo furor erótico. As manifestações de amor extremo, de admiração sem fim, culminam nas expressões patéticas do sublime – ar- ruinamento da riqueza e da saúde, mortificação etc.33. Aderente aos corpos, colossal nas estátuas, com abnegação os pastores do Senhor repeliram os apelos da beleza, “pagãos”. Sem dúvida, desde as figura- ções primevas do mito perscrutam-se os seus ardis e liames com a morte. Como expõe Jean-Pierre Vernant, os gregos individualizam duas formas de desejo partícipes do jogo erótico: “hímeros, o desejo dirigido a um parceiro presente, ou que está para ser satisfeito, e póthos, o desejo nos confrontos de um ausente, ou o desejo que sofre por não poder se apagar: o pranto, a nostalgia”34. A obsessão do belo liga-se sobretudo ao segundo. Portando sem- pre consigo a imagem vívida do amado, com precisão tal que poderia pintar seu semblante sem a necessidade de vê-lo (Xenofonte), o seu desejo assimila- se à angústia própria do luto, no qual o elo com o ente querido não se desliga nem se completa, portando o fantasma do morto – vívida imagem – como uma “ausência na presença” (retrato simétrico do apego apaixonado do amante pela pintura de Leonardo). Consorte da obsessão, a paúra diante da perda absorve todo desejo no póthos. A miragem da morte – que, cedo ou tarde, há de recair sobre todos – assume a tácita condição de um “luto” permanente, no qual o amante se vota à pessoa amada, um constante pressentimento da 32. Vasar i (1993, pp. 590-591); Chastel (1988, p. 257), “Gli «ignudi» di Michelangelo”. Sobre os ritos dionisíacos e apo- líneos vinculados à edi- ficação e incêndio de uma cabana rústica, ver Rykwert (2002, pp. 155- 206), “Os ritos”, e De- tienne (1988). 33. Por ironia, apagando toda conotação pagã, no amplexo da Morte e da Beleza a Contra-Refor- ma igualmente reconhe- ce o símbolo da compai- xão, os martírios da Fé. Insinua-se aqui, entre os desejos e devoções dos séculos XVI e XVII, aquela “beleza medúsea” que os românticos cul- tuarão com incontinen- te fervor; cf. Praz (1999, pp. 38-46). 34. Vernant (2000, pp. 120-121), “Figure fem- minile della morte in Grecia”: “Jogo de ausên- cia na presença, obsessão de um ausente que ocu- pa todo o vosso horizon- te e que, porém, não se conseguirá nunca alcan- çar, porque pertence ao reino do além. É esta a experiência que o vivo faz, no luto, do liame com um defunto, desapareci- do no além; e tal é tam- bém, no enamorado, a experiência do desejo naquele tanto de incom- pletude que esse compor- ta, na impossibilidade de ter tudo para si, de pos- suir completamente e 131abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino ausência. Belezas fatais, como a de Helena, tão somente manipulam os pode- res peculiares a toda beleza, sempre a se perfilar entre a plenitude e o efêmero, a presença e a ausência, a possessão e a perda, em suma, entre a vida e a morte. Abranda-se no Barroco o fogo das perseguições a vanitas corpórea. A con- cepção clássica da symmetría como harmonia divina, há tempos assimilada ao corpo de Adão modelado na argila pelo Criador, recupera interesse, sobretu- do com os estudos da arquitetura e das proporções do templo de Salomão feitos pelos jesuítas Juan Bautista Villalpando e Hieronymus Pradus, cujo tra- tado, amálgama de Vitrúvio e dos escritos bíblicos, veio a público em Roma entre 1596 e 1604. No entanto, esse período também forjou as primeiras armas para a dessacralização da beleza empreendida no Iluminismo, e, a ela relaciona- da, a concepção da arte como expressão do Zeitgeist (espírito da época), sempre atinente a um momento histórico determinado e a nos propiciar como que um espelho de seu tempo35. Nessa senda desviamos-nos das divisas aqui persegui- das, rumo à aventura moderna. Mas isso não é de todo verdadeiro. À guisa de conclusão A beleza é perigosa. PAULO LEMINSKI Disseminam na atualidade formas que buscam atar os edifícios ao tempo. Efeitos de pátina, pseudo-antigüidades de toda sorte (molduras e colunas, mobiliários), uma profusão de elementos decorativos all’antica alastra-se por superfícies as mais diversas – estabelecimentos comerciais, instituições finan- ceiras, bares e restaurantes, prédios residenciais, casas. Que tempo dão-nos a ver? Votados a expor marcas do tempo, não denunciam antes o sentido inver- so? Artificiais, epidérmicos, cenográficos. Tempo acumulado ou tempo que se persegue? E que distância guarda da frenética corrida contra o tempo dos nossos dias, emblemática nos prodígios da cirurgia plástica (vale dizer, nestes rostos onde jamais se fixam sinais de envelhecimento)? Belezas refratárias ao “sentido do tempo” ou, deveras, sua outra face, reversa? No início do século XX, o historiador Aloïs Riegl identificou como traço do homem moderno o seu fascínio pelas “marcas do tempo”. Por certo, desde o Renascimento o edifício é visto da perspectiva histórica, vale dizer, seu valor histórico reside propriamente nesse olhar, vislumbre de sua distân- cia com relação ao presente e da possibilidade de seus lógoi serem revivescidosou não na atualidade. Ao demarcar, quer uma alteridade radical com o passa- do, quer uma afinidade (pautada na permanência ou poder de atualização de algumas de suas virtudes), a história constitui a identidade do presente. Mas para sempre o seu part- ner sexual. Póthos fúne- bre e póthos erótico cor- respondem exatamente; a figura da mulher ama- da, cuja imagem obsessio- na e foge, interfere com aquela da morte.” Sobre beleza e morte em Hele- na, ver Bettini e Brillante (2002, pp. 84-85). 35. Cf. Gombrich (1991), “Padre de la historia del arte: lectura de las leccio- nes sobre estética de G. W. F. Hegel (1770- 1831)”; Rykwert (2002), especificamente capítu- los 3 e 5. Tempo Social – USP132 A arquitetura, o corpo e o espelho aos valores histórico e artístico do monumento Riegl reúne o valor de antigo, aquele no qual o objeto está “quase completamente sublimado a um simples mal menor”. Tal valor, esclarece, “não adere à obra no seu estado de formação originário, mas à idéia do tempo transcorrido desde que ela foi iniciada, o qual se revela sensivelmente nos traços de antigo” (Riegl, 1995, p. 174). Ma- nifesto nos sinais de desgaste, de esmaecimento, o tempo apresenta-se aí como totalmente abstrato, esvaziado de qualquer conteúdo histórico singular. Afastando-se da atração que a ruína exerceu sobre todo o Setecentos, e, de modo geral, da poética do sublime, o conceito riegliano não repõe as grandes divisas que marcam a discussão sobre a memória na modernidade. Não se trata de contrapor à perspectiva histórica do Renascimento, ou a ratio ilumi- nista, algo de mais autêntico, florescido no terreno das emoções e afetos, do singularmente expressivo. Nada aqui remete à “rebelião romântica”, às dis- tinções entre história oficial e memória afetiva, ou, poder-se-ia acrescentar, entre memória voluntária e involuntária. Pelo contrário, para Riegl, uma e mesma disposição de espírito espelha-se nas esteses do histórico e do antigo. No valor de antigo, “o monumento permanece só um substrato perceptível e necessário para criar em seu contemplador aquele estado de ânimo que no homem moderno produz a concepção do natural curso circular do advir e do transcorrer, do emergir do individual pelo geral e da necessidade natural, para este último, de voltar a imergir pouco a pouco no geral” (Riegl, 1995, p. 177). Somente o homem moderno pode experimentar tal sentimento diante da ruína ou do antigo em geral, somente ele, esclarece Riegl, vivencia um tempo sem amarras. “Chama-se histórico tudo o que passou e que hoje não existe mais. [...] tudo o que depois tem lugar é condicionado por isso que existiu antes, e não poderia ser verificado – assim como adveio em realidade – sem o anel precedente. O nó de toda a concepção histórica moderna é exa- tamente a idéia de desenvolvimento” (Idem, ibidem). O valor histórico consigna- se a um conteúdo, impõe a aferição da relevância histórica do edifício; o valor de antigo, por sua vez, não requer conhecimento algum, apenas um aspecto antigo – daí o seu “culto moderno” imperar entre as massas: “a pretensão de validade geral esse novo valor tem em comum com os valores do sentimento religioso” (Idem, pp. 177-178). Sob o epíteto de progresso, a profissão de fé no desenvolvimento foi o lema maior dos séculos XIX e XX – ao menos até a Segunda Guerra Mun- dial, sabe-se. Transcorrido quase meio século do tom esperançoso das palavras de Riegl, o culto subjugou-se ao “anjo da história”, e seus escombros. Mas por que razão o horror diante dos avatares do progresso não corroborou o menos- cabo do próprio culto? Ainda, se o fascínio pelos sinais de um tempo passado não mais se coaduna à fé no progresso ou na inevitabilidade histórica do pre- 133abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino sente, tampouco se iguala, como seria de esperar, ao sintoma de nostalgia (póthos fúnebre). Arredio ao presente, o nostálgico mesmo que se iluda sobre o passado tem nele sempre um endereço certo, utópico ou não. O melhor equivalente para esse culto abstrato, não orientado a um lugar preciso, é a melancolia. “A tristeza”, escreve Freud, [...] é geralmente a reação à perda de um ser amado ou de uma abstração equiva- lente: a pátria, a liberdade, o ideal [...]. Mas em que consiste o trabalho executado pela tristeza? [...] O exame da realidade mostrou que o objeto amado já não existe e exige que a libido abandone todas as relações com o mesmo [...]. Apli- quemos agora à melancolia os conhecimentos que adquirimos do estudo da tris- teza. Em uma série de casos, constitui, evidentemente, uma reação à perda de um objeto amado [...], mas não conseguimos distinguir claramente o que o sujeito perdeu e devemos admitir que também a ele é impossível concebê-lo claramente (apud Matos, 1993, p. 165). Sede de tempo, sedução por um tempo indefinido, desligado da história, do recordo, dos sentimentos; um tempo desconhecido, que adere às coisas na condição de apagá-las e apagar-se imediatamente. Ídolo sem rosto a nos obce- car tem por contrapartida a perda. Mas que outra forma do tempo se impõe com maior força na nossa sociedade senão exatamente o quantum abstrato? A indefinição de traços, o vulto nebuloso que obsessiona o homem moderno parece estar nas antípodas da matemática riegliana. Da “vitória sobre o tempo”, e do vago sentimento de perda que a assiste, Martin Heidegger tem nos deixado pungentes palavras: Todas as distâncias no tempo e no espaço se encurtam. Aonde se podia chegar somente depois de semanas e meses de viagem o homem agora alcança em uma noite de vôo. [...] Mas essa pressa de suprimir toda distância não realiza uma vizi- nhança; a vizinhança não consiste de fato na medida da distância reduzida. Isso que, em termos de medida, está menos distante de nós graças à imagem cinematográ- fica ou à voz do rádio pode permanecer distante. Isso que, em termos de distância, é para nós imensamente remoto pode ser-nos vizinho. Uma pequena distância não é ainda vizinhança. Uma grande distância não é ainda distância (1976, pp. 109-110). Para tornar-se familiar, não permanecer distante, é necessário um outro tempo... Inevitável aqui a comparação com triunfo análogo. Se o cancelamen- to do tempo não assegura verdadeira vizinhança, a sua supressão em rostos que “jamais envelhecem” propicia de fato guarida à beleza? Custodiar nessa Tempo Social – USP134 A arquitetura, o corpo e o espelho tez imune às marcas do tempo o semblante pétreo da “sempiterna juventu- de” significa realmente possuí-la? Afinal, onde reside a beleza: na simetria, na graça dos gestos, no “ar” do rosto e dos olhos? Resplende mais no fulgor ou no lusco-fusco? Basta a si mesma ou nasce no entreolhar-se do semblante com o seu espelho? Perguntas todas que nos constrangem a uma última, mais inquietante: a ambição de apagar o tempo, abreviando-se em um vulto me- nos frágil, mas não tão duradouro quanto o mármore, não finda por dilatar o sentimento de impotência diante da morte? Os venerados traços de joviali- dade confiam a máscara de Gorgó. No entremeio dos velamentos e horizon- tes postos ao presente, resta indagar o sentido da beleza na vida (e seu duplo). Referências Bibliográficas ALBERTI, Leon Battista. ([14362] 1989), Da pintura. Campinas, Editora da Unicamp (trad. A. S. Mendonça). _____. ([1450] 1972), De statua. In: _____. On painting and sculpture, Londres, Phaidon Press (trad. C. Grayson). _____. ([1452] 1989), De re aedificatoria. Milano, Il Polifilo, (trad. G. Orlandi). ALCIATO. ([1531] 1993), Emblemas. Madrid, Akal (ed. e comentário de S. Sebastián, trad. atua- lizada de P. Pedraza). BETTINI, M. & BRILLANTE, C. (2002), Il mito di Elena: immagini e racconti dalla Grecia a oggi. Torino, Einaudi. BIALOSTOCKI, Jan. (1973), “Arte y vanitas”. In: _____. Estilo e iconografia: contribución a una ciencia de las artes, Barcelona,Barral (trad. J. M. Pomares). BRUSCHI, Arnaldo. (1978), “Hypnerotomachia poliphili”. In: AA.VV. Scritti rinascimentali di architettura, Milano, Il Polifilo. CASSIRER, Ernst. (1998), Eidos ed Eidolon: il problema del bello e dell’arte nei dialoghi di Platone. Milano, Raffaello Cortina Ed. (trad. A. Pinotti). CESARIANO, Cesare. ([1521] 1981), Di Lucio Pollione de architectura libri dece traducti de latino in vulgare affigurati: commentati: & com mirando Ordine insignítí. Milano, Il Polifilo (ed. fac- símile). CICERONE, M. T. (1998), De inventione. Università di Lecce, Marco Congedo Ed., livro segundo (trad. M. Greco). CHASTEL, Andre. (1954), Marsile Ficin et l’art. Genève/Lille, Livrairie E. Droz/Livrairie R. Giard. _____. (1982), Arte y humanismo en Florencia en la época de Lorenzo el Magnífico. Madrid, Cátedra (trad. L. Jiménez e L. E. Esteve). _____. (1988). “La morte e la bellezza”. In: _____. Favole, forme, figure, Torino, Einaudi, pp. 209-268 (trad. M. Zini e M. V. Malvano). CHOAY, Françoise. (1995), L’allegoria del patrimonio. Roma, Officina (ed. E. d’Alfonso e L. Valente). 135abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino DETIENNE, Marcel. (1988), Dioniso a céu aberto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. (trad. C. Cavalcanti). FICINO, Marsilio. ([1469] 1989), De amore: comentario a “El Banquete” de Platón. Madrid, Tecnos (trad. R. de la Villa Ardura). FILARETE. ([c. 1460] 1972), Trattato di architettura. Milano, Il Polifilo (ed. A. M. Finoli e L. Grassi; introd. e notas de Liliana Grassi). GARIN, Eugenio. (1975), Medioevo e Rinascimento. Bari, Laterza. _____. (1992), “Studi su Leon Battista Alberti”. In: _____. Rinascite e rivoluzioni, Roma, Laterza. GOMBRICH, Ernst H. (1985), “El estilo all’antica: imitación y asimilación”. In: _____. Norma y forma: estudios sobre el arte del Renacimiento, Madrid, Alianza Editorial (trad. Remigio G. Díaz). _____. (1991), Tributos. México, Fondo de Cultura Económica (trad. A. Montelongo). _____. (1995), “O poder de Pigmaleão”. In: _____. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica, São Paulo, Martins Fontes (trad. R. S. Barbosa). GRABAR, André. (2001), “Plotino e le origini dell’estetica medievale”. In: _____. Le origini dell’estetica medievale, Milano, Jaca Book (trad. M. G. Balzarini). HADOT, Pierre. (1999), Plotino o la semplicità dello sguardo. Torino, Einaudi (trad. M. Guerra). HASKEL, F. & PENNY, N. (1981), Taste and the antique: the lure of classical sculpture 1500-1900. New Haven, Yale University Press. HEIDEGGER, Martin. (1976), “La cosa”. In: _____. Saggi e discorsi, Milano, Gruppo Ugo Mursia Ed. (ed. G. Vattimo). KRISTELLER, Paul O. (1988), “Volontà e amor divino”. In: _____. Il pensiero filosófico di Marsilio Ficino, Firenze, Le Lettere. LOEWEN, Andrea. (1999), A concepção de cidade em Leon Battista Alberti. Campinas, PUC. MATOS, Olgária. (1993), “Geometria e melancolia”. In: _____. O iluminismo visionário, São Paulo, Brasilense. PALLADIO, Andrea. ([1570] 1980), I quattro libri dell’architettura. Milano, Ulrico Hoepli Ed., livro IV, Proêmio (ed. fac-símile). PANOFSKY, Erwin. (1981), “‘Renascimento’: auto-definição ou auto-decepção?”. In: _____. Renascimento e renascimentos na arte ocidental, Lisboa, Presença (trad. Fernando Neves). _____. (1985a), “El movimiento neoplatonico en Florencia y el Norte de Italia”. In: _____. Estudios sobre iconologia, Madrid, Alianza (trad. B. Fernández). _____. (1985b), “El padre tiempo”. In: _____. Estudios sobre iconologia, Madrid, Alianza (trad. B. Fernández). _____. (1985c), Idea: contribución a la historia de la teoría del arte. Madrid, Cátedra (trad. M. T. Pumarega). _____. (1992), “Riflessioni sul tempo”. In: _____. Tiziano: problemi di iconografia, Venezia, Marsilio Ed. (trad. M. Folin). PETRARCA, Francesco. (1997), Le familiari. Firenze, Casa Editrice Le Lettere, vols. II e XXIII, pp. 203-207 (ed. crítica de V. Rossi). Tempo Social – USP136 A arquitetura, o corpo e o espelho PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. ([1486] 1994), Commento sopra una canzone d’amore. Palermo, Novecento (ed. P. De Angelis). PLATÃO. (1966), O Banquete ou do amor. São Paulo, Difusão Européia do Livro (trad., introd. e notas de J. Cavalcante de Souza). _____. (1991), Obras completas. Madrid, Aguilar (trad. M. Araújo, F. G. Yagüe, L. Gil, J. F. Miguez, M. Rico, A. R. Huescar e F. P. Samaranch). PLOTINO. (2003), Enneadi. Verona, Arnoldo Mondadori, livro VI, 7, 22, pp. 1811-1813 (introd. e comentário de G. Reale). PLUTARCO. (1958), “Vita di Pericle”. In: _____. Vite parallele, Torino, Einaudi, vol. I. (trad. C. Carena). PRAZ, Mario. (1999), “La bellezza medusea”. In: _____. La carne, la morte e il diavolo, Milano, Sansón. _____. (2002), “Vanitas”. In: _____. Bellezza e bizzarria: saggi scelti, Milano, Arnolfo Mondadori Ed. (ed. A. Gane, introd. de G. Ficara). RENSSELAER, W. L. (1982), “La invención”. In: Vt Pictvra Poesis, Madrid, Cátedra (trad. C. L. Tena). RIEGL, Aloïs. (1995), “Il culto moderno dei monumenti: il suo carattere e i suoi inizi”. In: SCARROCCHIA, Sando (ed.), Aloïs Riegl: teoria e prassi della conservazione dei monumenti – antologia di scritti, discorsi, rapporti 1898-1905, Bologna, Clueb. RIPA, Cesare. ([1593] 1992), Iconologia. Milano, TEA Ed. Associati (ed. P. Buscaroni e prefácio de Mario Praz). RYKWERT, Joseph. (2002), “Os ritos”. In: _____. A casa de Adão no paraíso: a idéia da cabana primitiva na história da arquitetura, São Paulo, Perspectiva, pp. 155-206 (trad. A. Lima, A. Falbel, M. Goldsztajn, M. D’Agostino). SABBATINO, Pasquale. (1997), “Una vergine di perfetta belleza: l’imitazione nella letteratura e nelle arti figurative del Rinascimento”. In: _____. La bellezza di Elena, Firenze, Leo S. Olschki Ed. SEBASTIÁN, Santiago. (1989), “El tema de la vanitas o del desengaño”. In: _____. Contrarreforma y barroco: lecturas iconográficas e iconológicas, Madrid, Alianza. _____. (1995), “La vanidad”. In: _____. Emblemática e historia del Arte, Madrid, Cátedra. SÊNECA. (2001), Lettere a Lucilio. Milano, Biblioteca Universale Rizzoli (trad. e notas de G. Monti). SMITH, Christine. (1992), “Architecture in the culture of early humanism”. In: _____. Ethics, aesthetics and eloquence 1400-1470, Londres, Oxford University Press. TAFURI, Manfredo. (1978), “Cesare Cesariano e gli studi vitruviani nel Quattrocento”. In: AA.VV. Scritti Rinascimentali di architettura, Milano, Il Polifilo. VASARI, Giorgio. (1993), “Vita di Fra’ Bartolomeo di S. Marco”. In: _____. Le vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti, Roma, New Compton. VERNANT, Jean-Pierre. (2000), L’individuo, la morte, l’amore. Milano, Raffaello Cortina Ed. (trad. A. Ghilardotti). _____. (2001), “La figura dei morti”. In: _____. Figure, idoli, maschere: il racconto mitico, da simbolo religioso a imagine artística, Milano, Il Saggiatore (trad. A. Zangara). 137abril 2003 Mário Henrique Simão D’Agostino VITRUVIO. (1997), De architectura. Torino, Einaudi (ed. P. Gros; trad. e comentário de A. Corso e E. Romano). WARNKE, Martin. (1996), “Il bello e il naturale: un incontro letale”. In: SETTIS, Salvatori (ed.). I Greci: storia, cultura, arte, società, Torino, Einaudi, tomo I (“Noi e i Greci”). WIND, Edgar. (1985), Misteri pagani nel Rinascimento. Milano, Adelphi (trad. P. Bertolucci). WITTKOWER, Rudolf. (1988), Architectural principles in the age of humanism. Londres/Nova York, Academy Editions/St. Martin’s Press. Resumo A revivescência do ideal antigo de “fama eterna” e “perpetuidade” da arte propicia na Renas- cença novos enquadramentos conceituais do princípio clássico da mímesis. Asseverando a proe- minência da arquitetura sobre as demais artes, diversos escritos renascentistas vinculam a con- secução
Compartilhar