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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : ISAC GONCALVES ADVOGADO : ANA C M V DELPHINO - SP161420 RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : FERNANDO ALVES DE PINHO E OUTRO(S) - RJ097492 RECORRIDO : OS MESMOS EMENTA RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÕES DE MÚTUO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO AO MERO DESCONTO EM CONTA-CORRENTE, SUPERVENIENTE AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO. INVIABILIDADE. DIRIGISMO CONTRATUAL, SEM SUPEDÂNEO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A regra legal que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao financiador. O legislador ordinário concretiza, na relação privada, o respeito à dignidade humana, pois, com razoabilidade, limitam-se os descontos compulsórios que incidirão sobre verba alimentar, sem menosprezar a autonomia privada. 2. O contrato de conta-corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, que traz praticidade e simplificação contábil, da qual dependem várias outras prestações do banco e mesmo o cumprimento de pagamento de obrigações contratuais diversas para com terceiros, que têm, nessa relação contratual, o meio de sua viabilização. A instituição financeira assume o papel de administradora dos recursos do cliente, registrando lançamentos de créditos e débitos conforme os recursos depositados, sacados ou transferidos de outra conta, pelo próprio correntista ou por terceiros. 3. Como característica do contrato, por questão de praticidade, segurança e pelo desuso, a cada dia mais acentuado, do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o consumidor centraliza, na conta-corrente, suas despesas pessoais, como, v.g., luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, cheques, boletos variados e demais despesas com débito automático em conta. 4. Consta, na própria petição inicial, que a adesão ao contrato de conta-corrente, em que o autor percebe sua remuneração, foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação - conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros - têm expressa previsão contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento de seus proventos, não caracterizando consignação em folha de pagamento. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 de 50 Superior Tribunal de Justiça 5. Não há supedâneo legal e razoabilidade na adoção da mesma limitação, referente a empréstimo para desconto em folha, para a prestação do mútuo firmado com a instituição financeira administradora da conta-corrente. Com efeito, no âmbito do direito comparado, não se extrai nenhuma experiência similar - os exemplos das legislações estrangeiras, costumeiramente invocados, buscam, por vezes, com medidas extrajudiciais, solução para o superendividamento ou sobreendividamento que, isonomicamente, envolvem todos os credores, propiciando, a médio ou longo prazo, a quitação do débito. 6. À míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento jurídico, para casos de superendividamento ou sobreendividamento - do qual podem lançar mão os próprios devedores -, que é o da insolvência civil. 7. A solução concebida pelas instâncias ordinárias, em vez de solucionar o superendividamento, opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que leva à amortização negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor. Ademais, uma vinculação perene do devedor à obrigação, como a que conduz as decisões das instâncias ordinárias, não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende a ter termo. 8. O art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere proteção ao ato jurídico perfeito, e, consoante os arts. 313 e 314 do CC, o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. 9. A limitação imposta pela decisão recorrida é de difícil operacionalização, e resultaria, no comércio bancário e nas vendas a prazo, em encarecimento ou até mesmo restrição do crédito, sobretudo para aqueles que não conseguem comprovar a renda. 10. Recurso especial do réu provido, julgado prejudicado o do autor. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Antonio Carlos Ferreira, acompanhando o relator,, por maioria, dar provimento ao recurso especial do BANCO DO BRASIL S/A para julgar improcedente o pedido inicial, e declarar prejudicado o recurso especial de ISAC GONÇALVES, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Raul Araujo e Marco Buzzi, que negavam provimento a ambos os recursos especiais. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Presidente) (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 29 de agosto de 2017(Data do Julgamento) Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 de 50 Superior Tribunal de Justiça MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 3 de 50 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) RECORRENTE : ISAC GONCALVES ADVOGADO : ANA C M V DELPHINO - SP161420 RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : FERNANDO ALVES DE PINHO E OUTRO(S) - RJ097492 RECORRIDO : OS MESMOS RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 1. Isac Gonçalves ajuizou, em março de 2014, ação em face do Banco do Brasil S.A., narrando ser militar aposentado e titular de conta-corrente - em que também recebe seus proventos -, realizando "transações normais de débito e crédito que envolvem relacionamentos comerciais dessa espécie" (fl.2). Aduz que o contrato estabelece cheque especial, representando crédito rotativo no valor de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais). Expõe que, durante o relacionamento contratual com o réu, foram firmadas várias negociações, resultando em crédito pessoal - muitas obrigações já quitadas -, e que, aceitando a sugestão do gerente de sua agência bancária para a obtenção de mútuo com juros menores que os do cheque especial, e para a cobertura de débitos existentes, firmou operação para renovação e consignação, no valor de R$ 114.480,55, a ser pago em 85 parcelas mensais de R$ 2.543,56, vencendo-se a primeira em 5/1/2014 e a última em 5/1/2021. Esclarece, ainda, que os débitos vêm sendo efetuados em sua conta-corrente e, todo mês, depois que recebe seus proventos, praticamente 50% do valor depositado é descontado para o pagamento da prestação contratual, restringindo-se o montante da verba utilizada para satisfação de suas demais despesas pessoais e familiares. Afirma que o réu age como verdadeiro "sócio" de seus proventos, não se importando com o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ser determinada a proibição dos descontos para pagamento das parcelas do crédito pessoal. O Juízo da 5ª Vara Cível de Marília julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para, confirmando a liminar em antecipação dos efeitos da tutela, limitar o desconto em conta-corrente ao montante de 30% dos vencimentos líquidos do autor. Interpuseram as partes litigantes apelação para o Tribunal de Justiça de Documento:1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 4 de 50 Superior Tribunal de Justiça São Paulo, que negou provimento aos recursos. A decisão tem a seguinte ementa: Apelação. Ação declaratória de ilegalidade de retenção de salário. Falta de interesse de agir. Preliminar rejeitada. Aplicabilidade do CDC. Desconto em conta corrente superior a 30% dos vencimentos líquidos do autor. Inadmissibilidade. Observância ao princípio da razoabilidade e do caráter alimentar dos vencimentos. Não aplicação do Decreto Estadual 51.314/2006. Lei nº 10.820/03 regulamentou as autorizações para descontos de prestações originadas de contratos de empréstimos bancários em folha de pagamentos dos empregados da iniciativa privada e também dos servidores públicos, ao limite máximo de trinta por cento da remuneração disponível. Sentença de parcial procedência mantida. Recursos improvidos. Sobreveio recurso especial do autor Isac Gonçalves e do réu Banco do Brasil. No recurso especial interposto pelo réu Banco do Brasil, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, alega o recorrente que: a) o recurso pretende impugnar o acórdão recorrido que confirmou a decisão de primeira instância, limitando o desconto das parcelas da prestação contratual a 30% dos rendimentos líquidos da recorrida; b) os artigos da Lei n. 10.820/2003, invocados na decisão recorrida, foram violados, pois dizem respeito a empréstimos consignados de empregados submetidos à CLT; c) por ser o autor servidor público, estavam corretos os descontos efetuados, que eram inferiores a 50% dos rendimentos líquidos, conforme previsto no art. 6º do Decreto estadual n. 51.314/2006; d) o acórdão recorrido viola o art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pois, ao assinar o contrato, o recorrido, plenamente capaz, estava apto a assumir a obrigação pactuada, que caracteriza ato jurídico perfeito; e) conforme os arts. 313 e 314 do CC, o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa, e não se pode obrigar o credor a receber por partes. Em contrarrazões, afirma o recorrido que: a) não houve violação da lei Federal, e não há demonstração, estreme de dúvidas, da divergência jurisprudencial; b) o recorrente pretende o reexame de provas; c) não houve prequestionamento; d) Decreto estadual não enseja interposição de REsp; e) o banco nem mais se preocupa ou exige que o mutuário comprove renda, para saber se a prestação do financiamento pode comprometer a subsistência do consumidor; f) na ação de alimentos, não se admite desconto de 50% dos rendimentos do alimentante, mormente em relação obrigacional, como é o caso do financiamento; g) o art. 7º, X, da CF garante a proteção do salário na forma da lei; h) ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal; i) o fato de ter autorizado o desconto das prestações não tem o condão de elidir a necessidade da medida vindicada; j) cabe a aplicação da teoria da quebra da base negocial, centrada na Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 5 de 50 Superior Tribunal de Justiça boa-fé objetiva; k) recebe, na conta-corrente, seus salários, e o débito de dívidas diversas e amortizações na referida conta-corrente somente podem ser efetuados com a expressa autorização do titular; l) houve burla à vedação do art. 649 do CPC/1973 à penhora de salário; m) a partir do dissentimento do correntista, passou a ser indevida a cobrança das prestações em conta-corrente. No recurso especial interposto por Isac Gonçalves, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, alega o recorrente que: a) a relação contratual é de consumo, e que o desequilíbrio contratual está caracterizado, pois aderiu a um contrato de adesão, pré-elaborado; b) o art. 7º, X, da CF prevê a proteção ao salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa, e o art. 5º, LIV estabelece que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal; c) o art. 649, IV, do CPC/1973 estabelece ser absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações e proventos de aposentadoria; d) o fato de ter autorizado os descontos não tem o condão de elidir a necessidade de ser vedado ao banco o desconto de qualquer percentual, para o pagamento das prestações contratuais; e) conforme precedente de outro Tribunal estadual, é necessária a autorização do titular para desconto de contrato de mútuo em folha de pagamento. Em contrarrazões, afirma o recorrido que: a) não houve prequestionamento; b) o recorrente pretende o reexame de provas; c) não pode o recorrente celebrar empréstimos, beneficiar-se dos valores disponibilizados e buscar o Judiciário para não pagar o que deve. Os recursos especiais foram admitidos. É o relatório. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 6 de 50 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : ISAC GONCALVES ADVOGADO : ANA C M V DELPHINO - SP161420 RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : FERNANDO ALVES DE PINHO E OUTRO(S) - RJ097492 RECORRIDO : OS MESMOS EMENTA RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÕES DE MÚTUO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO AO MERO DESCONTO EM CONTA-CORRENTE, SUPERVENIENTE AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO. INVIABILIDADE. DIRIGISMO CONTRATUAL, SEM SUPEDÂNEO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A regra legal que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao financiador. O legislador ordinário concretiza, na relação privada, o respeito à dignidade humana, pois, com razoabilidade, limitam-se os descontos compulsórios que incidirão sobre verba alimentar, sem menosprezar a autonomia privada. 2. O contrato de conta-corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, que traz praticidade e simplificação contábil, da qual dependem várias outras prestações do banco e mesmo o cumprimento de pagamento de obrigações contratuais diversas para com terceiros, que têm, nessa relação contratual, o meio de sua viabilização. A instituição financeira assume o papel de administradora dos recursos do cliente, registrando lançamentos de créditos e débitos conforme os recursos depositados, sacados ou transferidos de outra conta, pelo próprio correntista ou por terceiros. 3. Como característica do contrato, por questão de praticidade, segurança e pelo desuso, a cada dia mais acentuado, do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o consumidor centraliza, na conta-corrente, suas despesas pessoais, como, v.g., luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, cheques, boletos variados e demais despesas com débito automático em conta. 4. Consta, na própria petição inicial, que a adesão ao contrato de conta-corrente, em que o autor percebe sua remuneração, foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação - conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros - têm expressa previsão contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento de seus proventos, não caracterizando consignação em folha de pagamento. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 7 de 50 Superior Tribunal de Justiça 5. Não há supedâneo legal e razoabilidade na adoção da mesma limitação, referente a empréstimo para desconto em folha, para a prestaçãodo mútuo firmado com a instituição financeira administradora da conta-corrente. Com efeito, no âmbito do direito comparado, não se extrai nenhuma experiência similar - os exemplos das legislações estrangeiras, costumeiramente invocados, buscam, por vezes, com medidas extrajudiciais, solução para o superendividamento ou sobreendividamento que, isonomicamente, envolvem todos os credores, propiciando, a médio ou longo prazo, a quitação do débito. 6. À míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento jurídico, para casos de superendividamento ou sobreendividamento - do qual podem lançar mão os próprios devedores -, que é o da insolvência civil. 7. A solução concebida pelas instâncias ordinárias, em vez de solucionar o superendividamento, opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que leva à amortização negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor. Ademais, uma vinculação perene do devedor à obrigação, como a que conduz as decisões das instâncias ordinárias, não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende a ter termo. 8. O art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere proteção ao ato jurídico perfeito, e, consoante os arts. 313 e 314 do CC, o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. 9. A limitação imposta pela decisão recorrida é de difícil operacionalização, e resultaria, no comércio bancário e nas vendas a prazo, em encarecimento ou até mesmo restrição do crédito, sobretudo para aqueles que não conseguem comprovar a renda. 10. Recurso especial do réu provido, julgado prejudicado o do autor. VOTO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 8 de 50 Superior Tribunal de Justiça 2. Em razão de sua prejudicialidade, primeiro aprecio o recurso especial do Banco do Brasil. Nesse passo, como incontroversa está a pactuação e a existência de conta-corrente, a principal questão controvertida consiste em saber se o banco pode descontar as prestações do empréstimo contratado pelo autor na mesma conta-corrente em que o cliente recebe seus proventos - não se tratando aqui de conta salário exclusiva -, e se é possível o estabelecimento da mesma limitação referente a consignações em folha de pagamento. Para melhor compreensão da controvérsia, transcreve-se trecho da sentença: O pedido de liminar foi parcialmente deferido às fls. 35/36. [...] O autor, correntista do banco-réu, sustenta que está sendo debitada quantia de aproximadamente 50% (cinquenta por cento) de seus proventos, em decorrência do contrato de crédito rotativo para quitação de débitos anteriores. Em função disso, está passando por vários transtornos. [...] A existência dos contratos é fato incontroverso, não havendo vícios de invalidade. Por outro ângulo, não se pode olvidar que o autor autorizou expressamente os descontos das parcelas dos empréstimos tomados junto ao réu diretamente em sua conta corrente. O contrato firmado entre as partes autoriza os descontos das parcelas dos empréstimos, diretamente na conta corrente do autor. Não se cogitou coação na subscrição do contrato e tampouco se vê ofensa a norma do Código de Defesa do Consumidor, de modo que, em princípio deve ser cumprido. O crédito de salário e o subsequente débito por conta do empréstimo tomado decorrem da própria essência do negócio firmado entre as partes, razão pela qual não há que se falar em ofensa a nenhum dispositivo de lei. A propósito, é de reforçar-se a ausência dos requisitos previstos no artigo 51, § 1º, do CDC para presumir-se exagerada a desvantagem do consumidor. Com efeito, autorizar o débito em conta ou em folha não ofender o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar. Tal cláusula não atinge o equilíbrio contratual ou a boa-fé do consumidor, uma vez que se traduz em mero expediente para facilitar a satisfação da dívida perante o credor. Ainda, a autorização constante do contrato, por si só, não revela ônus para o consumidor, muito menos ônus excessivo, normalmente o empréstimo de dinheiro nestas condições é oferecido em condições mais vantajosas, beneficiado por taxas de juros reduzidas e prazos mais longos, além da dispensa de caução. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 9 de 50 Superior Tribunal de Justiça [...] Tal limite dever ser observado ainda que exista cláusula contratual em sentido diverso. Desta forma, os descontos em 30% dos vencimentos líquidos recebidos pelo autor já são favoráveis ao banco. Em nada socorre o réu invocar em seu favor o Decreto Estadual nº 51.314/2006. Com efeito, descontos em valor superior a 30% dos vencimentos do autor mostram-se excessivos, visto o caráter alimentar da verba recebida. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação declaratória proposta por ISAC GONÇALVES contra BANCO DO BRASIL S/A., ambos com qualificação nos autos, para o fim de determinar ao réu a proceder ao desconto do contrato, com cláusula de desconto em folha de pagamento, ou mesmo em conta corrente até o montante de 30% dos vencimentos líquidos do autor, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, tornando definitiva liminar parcialmente concedida às fls. 35/36. Arcará o banco réu com o pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários de advogado que fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa. O acórdão recorrido assinalou: O autor, Isac, recorre aduzindo que estão presentes no caso em exame a ocorrência da onerosidade excessiva e a ofensa ao princípio da boa-fé objetiva. Alega que o contrato é de adesão e que houve abuso de iniciativa do banco, diante da ausência de consentimento lúcido do apelante, acarretando nulidade absoluta do que fora unilateralmente imposto, o que foi desconsiderado pelo Juízo a quo. Invoca a aplicação das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor e que o banco não pode repassar para o apelante o risco de sua atividade. Afirma que a existência no contrato de cláusula que permite a apropriação do salário do autor pelo banco para pagamento de empréstimos é ilícita, portanto, nula de pleno direito, pois viola os artigos 1º, III, 7º, X, da Constituição Federal, art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, bem como o artigo 649, IV, do Código de Processo Civil. [...] O réu também apela, arguindo em preliminar a falta de interesse de agir do autor, tendo em vista que o contrato firmado corresponde a um ato jurídico perfeito e acabado. Sustenta que a intervenção judicial só tem guarida pelo advento de acontecimentos extraordinários e imprevistos, que tornem a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, com aplicação mais adstrita ao campo dos contratos administrativos, embasada na cláusula medieval "rebus sic stantibus", o que salienta não ser o caso dos autos. No mérito, afirma que a liquidação das prestações são debitadas por disposição contratual e que os empréstimos foram disponibilizados e usufruídos pelo apelado, não podendo o banco ser impedido de efetuar as cobranças vez que contratualmente assumidas pelas partes. [...] Primeiramente, cumpre destacar que o autor tem interesse de agir em discutir a revisão contratual celebrado com o réu no que se refere à limitação dos descontos que são efetuados em sua conta. [...] Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 0 de 50 Superior Tribunal de Justiça Não se ignora que o contrato de empréstimo realizado com o apelado foi livremente pactuado pelas partes. O autor obteve empréstimos a taxasmais favoráveis mediante autorização para débito de parcelas em conta corrente, e, por ocasião da celebração, tinha plena consciência de suas cláusulas, condições e valores. O credor, assim, tem, em princípio, direito ao recebimento de seu crédito, conforme são depositados valores em conta corrente. Ocorre que o valor descontado pelo empréstimo (R$ 2.543,56 - fls. 23 e 25/27), supera o percentual de 30% dos vencimentos líquidos do autor, que exerce a função de policial militar (fls. 22). Segundo entendimento firmado nesta Câmara e Corte, tem-se admitido que os descontos em folha devem ser, como regra, limitados a 30% (trinta por cento) dos vencimentos líquidos do correntista, por analogia à Lei nº 10.820/03, artigos 1º e 2º, § 2º, incisos I e I, que dispõem: [...] Outrossim, não é o caso de se acolher a pretensão do banco/apelante para aplicação do que dispõe o Decreto Estadual n. 51.314/2006, que restringe o limite do comprometimento de renda a 50% dos vencimentos líquidos dos servidores estaduais em empréstimos consignados, por força da aplicação do princípio da razoabilidade e do caráter alimentar dos vencimentos. [...] A limitação dos descontos a 30% dos valores líquidos recebidos em conta corrente, conforme determinado pelo r. Juízo a quo , permite o pagamento dos empréstimos, ainda que de forma mais dilatada a preserva a boa-fé do contrato. Nesse sentido já se decidiu este E. tribunal de justiça: [...] Deste modo, nada há a se reparar na bem lançada r. sentença que fica mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Com efeito, consta, no apurado, que: a) o contrato de empréstimo realizado foi livremente pactuado pelas partes; b) o autor obteve empréstimos com taxas mais favoráveis, mediante autorização para débito de parcelas em conta-corrente, e, por ocasião da celebração, tinha plena consciência de suas cláusulas, condições e valores; c) por analogia, aplicou-se o disposto nos arts. 1º e 2º da Lei n. 10.820/2003, para limitar os descontos das prestações contratuais em conta-corrente ao percentual de 30% dos valores líquidos dos proventos do autor. 2.1. Anoto, por lealdade, que, segundo entendo, a questão não vem recebendo tratamento adequado no âmbito desta Corte Superior, com a consequente dispersão da jurisprudência. De fato, observo que, na mesma linha do entendimento sufragado pelas instâncias ordinárias, consoante alguns julgados do STJ - sobretudo em sede de agravo interno, sem debate aprofundado -, mesmo em se tratando de descontos em conta-corrente (e não compulsório, em folha, que possui lei própria), valendo-se expressamente de analogia - em vista dos artigos 1º e 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 e Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 1 de 50 Superior Tribunal de Justiça 45, parágrafo único, da Lei 8.112/1990, que versam acerca dos descontos consignados em folha de pagamento -, tem-se limitado o desconto a 30% da remuneração ou proventos do devedor: RECURSO ESPECIAL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL VIOLADO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. 1. Validade da cláusula autorizadora de desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário. 2. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração líquida percebida pelo devedor, após deduzidos os descontos obrigatórios (Previdência e Imposto de Renda). 3. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. Doutrina sobre o tema. 4. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ. 5. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1584501/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 13/10/2016) ------------------------------------------------------------------------------------------------------ AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. DESCONTO EM CONTA CORRENTE ONDE É DEPOSITADO SALÁRIO. LIMITAÇÃO. 30% DOS VENCIMENTOS. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO E DE PROVA DE DANO. REEXAME DE PROVAS. 1. É legítimo o desconto, em conta corrente, de parcelas de empréstimo, limitando-se tal desconto a 30% da remuneração, tendo em vista o caráter alimentar dos vencimentos (súmula 83 do STJ). Precedentes. 2. Caso em que o Tribunal de origem entendeu não configurado ato ilícito passível de reparação. A reforma do acórdão recorrido, no ponto, requer incursão nos elementos fático-probatórios do processo, o que é inviável em recurso especial (súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça - STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1565533/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 31/08/2016) Em pesquisa à jurisprudência desta Corte, constata-se que os julgados deste Colegiado apreciando o tema foram todos em sede de agravo interno, sem enfrentamento de pontos relevantes, que, segundo entendo, merecem maior reflexão. É conveniente salientar, ademais, que a norma que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao financiador: CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LICITUDE DA Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 2 de 50 Superior Tribunal de Justiça COBRANÇA. SÚMULA N. 294 DO STJ. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. SUPRESSÃO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE DE 30% DOS VENCIMENTOS. 1. É admitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Bacen (Súmula n. 294 do STJ). 2. Cláusula contratual que autoriza desconto em folha de pagamento de prestação de empréstimo contratado não pode ser suprimida por vontade unilateral do devedor, uma vez que é circunstância facilitadora para obtenção de crédito em condições de juros e prazos mais vantajosos para o mutuário; todavia, deve ser limitada a 30% dos vencimentos. 3. Agravo regimental parcialmente provido. (AgRg no REsp 959.612/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 03/05/2010) Por outro lado, impõe-se, na relação privada, o respeito à dignidade humana, pois, com razoabilidade, limitam-se os descontos que incidirão sobre verba alimentar, sem menosprezar a autonomia privada. No entanto, para propiciar melhor e mais aprofundado exame da questão, cumpre transcrever o único precedente desta Corte que não foi proferido em sede de agravo interno - que, com mais densidade, abordou a questão, sufragando as mesmas teses que vêm se consolidando no âmbito desta Corte -, pois adota muitas premissas das quais não divirjo e, segundo entendo, são importantes para solucionar a controvérsia. Refiro-me ao multicitado precedente da Terceira Turma, contido no REsp 1.584.501/SP, relator o douto Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, cuja ementa está transcrita acima. Nesse mencionado precedente, Sua Excelência dispôs: Ante esse fato, a ora recorrida ajuizou ação de revisão contratual, pretendendo a limitação dos descontos a 30% de seus proventos líquidos, dentre outros pedidos. [...] A questão devolvida ao conhecimento desta instância especial deve ser abordada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, relacionando-se com o fenômeno do superendividamento, que tem sido uma preocupação atual do Direito do Consumidor em todoo mundo, decorrente da imensa facilidade de acesso ao crédito nos dias de hoje. Alguns sistemas jurídicos já alcançaram soluções legislativas para resolver a situação, como é o caso do Direito francês que já legislou acerca do superendividamento. [...] No Brasil, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 3.515/2015 (oriundo do Projeto de Lei do Senado n. 283/2012), dispondo acerca do superendividamento do consumidor e prevendo medidas judiciais para garantir o mínimo existencial ao consumidor endividado. Transcrevem-se, a propósito, as medidas previstas no PL 3515/2015 acerca do superendividamento dos consumidores, litteris : Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 3 de 50 Superior Tribunal de Justiça Art. 54-E. Nos contratos em que o modo de pagamento da dívida envolva autorização prévia do consumidor pessoa natural para consignação em folha de pagamento , a soma das parcelas reservadas para pagamento de dívidas não poderá ser superior a 30% (trinta por cento) de sua remuneração mensal líquida. § 1º. O descumprimento do disposto neste artigo dá causa imediata à revisão do contrato ou à sua renegociação, hipótese em que o juiz poderá adotar, entre outras, de forma cumulada ou alternada, as seguintes medidas: I - dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, de modo a adequá-lo ao disposto no caput deste artigo, sem acréscimo nas obrigações do consumidor; II - redução dos encargos da dívida e da remuneração do fornecedor; III - constituição, consolidação ou substituição de garantias. Enquanto não há legislação específica acerca do tema, as soluções para o superendividamento dos consumidores têm sido buscadas na via jurisprudencial. De todo modo, constitui dever do Poder Judiciário o controle desses contratos de empréstimo para evitar que abusos possam ser praticados pelas instituições financeiras interessadas, especialmente nos casos de crédito consignado. Não se desconhece que esses contratos financeiros foram celebrados com a anuência do consumidor, no exercício dos poderes outorgados pela liberdade contratual. Entretanto, o princípio da autonomia privada longe está de ser absoluto em nosso sistema jurídico. O próprio Código Civil de 2002, em seu art. 421, estabelece textualmente que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato" . Portanto, o princípio da autonomia privada não é absoluto, devendo respeito a outros princípios do nosso sistema jurídico (função social do contrato, boa-fé objetiva), inclusive um dos mais importantes, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, positivado no art. 1º, III, da Constituição Federal. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, em seu Tratado de direito internacional dos direitos humanos (Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. VI – II, p. 17), leciona a respeito dos direitos humanos no sentido de que devem formar padrões mínimos universais de comportamento e respeito ao próximo: "(...) afirmar a dignidade da pessoa humana, lutar contra todas as formas de dominação, exclusão e opressão, em prol da salvaguarda contra o despotismo e a arbitrariedade, e na asserção da participação na vida comunitária e do princípio da legitimidade." Com efeito, se o desconto consumir parte excessiva dos vencimentos do consumidor, colocará em risco a sua subsistência e de sua família, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana. No caso dos autos, esse risco é evidente, pois os descontos alcançam quase 100% dos proventos da consumidora demandante. Cabível, portanto, estabelecer um limite para esses descontos. Nesse passo, a jurisprudência desta Corte Superior tem entendido que os descontos em conta-corrente utilizada para o recebimento de salário devem ser limitados a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do correntista, excluídos os descontos obrigatórios. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 4 de 50 Superior Tribunal de Justiça 2.2. Diante dessas premissas, passo ao exame do caso e da tese em julgamento. Cumpre observar que o contrato de conta-corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, trazendo praticidade e simplificação contábil, da qual dependem várias outras prestações do banco e mesmo o pagamento de obrigações contratuais diversas com terceiros, que têm, nessa relação contratual, o meio de sua viabilização. "Pelo contrato de conta corrente, a instituição financeira converte-se em representante do cliente por uma série de operações, como é o caso da realização de pagamentos, cobranças, entre outros atos realizados pelo banco no interesse do cliente. Daí é que a instituição financeira termina assumindo o papel de administradora dos recursos do cliente, realizando por sua conta toda uma série de operações". (MIRAGEM, Bruno. Direito bancário . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 301-304) Invocando o sempre esclarecedor escólio de Pontes de Miranda, Bruno Miragem pondera que conta-corrente é o contrato cuja prestação principal é a de criar em favor do correntista conta contábil em que se registram lançamentos de créditos e débitos conforme os recursos depositados, sacados ou transferidos de outra conta, pelo próprio correntista ou por terceiros, nos termos do contrato. (MIRAGEM, Bruno. Direito bancário . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 301-304) Dessarte, como característica do contrato e máxima de experiência, é bem de ver que, por questão de praticidade, segurança e pelo desuso, a cada dia mais acentuado, do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o consumidor centraliza, na conta-corrente, todas as suas despesas pessoais, como, v.g., luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, cheques, boletos variados e demais despesas com débito automático em conta. No caso, consta, na própria petição inicial, que a adesão ao contrato de conta-corrente, em que o autor percebe sua remuneração, foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação contratual - conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros, conforme extrato que instrui a exordial - têm expressa previsão contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento de seus proventos , não caracterizando, pois, consignação em folha de pagamento. Aqui tal distinção parece importante, pois, como bem leciona Claudia Lima Marques, a consignação em folha de pagamento é permitida para fins de contrato de crédito ao consumo, devendo, nesse caso específico, "preservar o mínimo existencial". "Hoje, indiretamente, por se permitir a consignação de apenas 30% do salário do funcionário público, imagina-se que o mínimo existencial é de 70% do salário ou pensão. Em outras palavras, com os 70% a pessoa pode continuar a escolher quais dos seus Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 5 de 50 Superior Tribunal de Justiça devedores paga mês a mês e viver dignamente com sua família, mesmo que ganhe pouco, sem cair no superendividamento". (MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Orgs.). Doutrinas essenciais, Direito do consumidor: vulnerabilidade do consumidor e modelos de proteção . Vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 584) 2.3. No âmbito do direito comparado, não se extrai nenhuma experiência similar à que vem sendo empregada na jurisprudência do STJ - em que se limita a cobrança de prestação contratual, no tocante à conta-corrente. Os exemplos das legislações estrangeiras, costumeiramente invocados, buscam, por vezes, com medidas extrajudiciais, solução para o superendividamento ou sobreendividamento que, isonomicamente, envolvem todos os credores, propiciando, a médio ou longo prazo,a quitação do débito: A lição mais importante do direito comparado é que, diante da crise de solvência da pessoa física-leigo, o consumidor, dois são os caminhos possíveis: "temporizar, reescalonando, planejando, dividindo as dívidas a pagar, ou reduzindo-se, perdoando os juros, as taxas ou mesmo o principal, em parte ou totalmente, a depender do patrimônio e das possibilidades do devedor, sempre reservando a ele um mínimo existencial (restre a vivre). Esse tempo, em que o consumidor terá de pagar suas dívidas, conforme o renegociado entre todos os credores, com supervisão do Estado, pode ser longo: a Alemanha exige 7 anos de pagamento do consumidor para chegar ao perdão das dívidas, enquanto na Europa o normal são 4 anos. [...] A lei francesa privilegia soluções administrativas e um plano de pagamento para o consumidor, supervisionado pelo magistrado, antes de passar à fase judicial. [...] Quanto à instituição que realiza a renegociação, na França é uma comissão administrativa, com participação dos bancos, também do juiz do superendividamento, um assistente social e a figura do liquidador, espécie de "síndico da falência". A Alemanha só permite o benefício a consumidores de boa-fé, prevendo uma renegociação de boa-fé, agora judicial, uma vez que a renegociação extrajudicial não tenha obtido sucesso. No Canadá, há um trustee , um conselheiro administrativo ou mediador privado, não judicial, que pode ser indicado pelo Estado. A Alemanha tem ainda uma comissão - Komission fur Insolvenzrecht - apenas para observar, revisar e melhorar o procedimento, o que, no Brasil, poderia ser feito pelo DPDC/MJ. (MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Orgs.). Doutrinas essenciais, Direito do consumidor: vulnerabilidade do consumidor e modelos de proteção . Vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 587-588) Como visto, em linhas gerais, trata-se de substituir uma estratégia de antagonismo por outra de cooperação (pois a solução do endividamento passa a ser problema consertado entre devedor e credores), personalizada (a solução padrão universal não serve para cada caso ou categoria) e dinâmica (não se negocia apenas sobre o contratado, mas sobre as condições de pagamento futuras). (MARQUES, Cláudia Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 6 de 50 Superior Tribunal de Justiça Lima; MIRAGEM, Bruno (Orgs.). Doutrinas essenciais, Direito do consumidor: vulnerabilidade do consumidor e modelos de proteção . Vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 587-588) E, no tocante ao modelo americano do fresh start, as medidas também são tomadas de modo a atingir todos os credores, implicando a "falência total" do devedor, "com perdão da dívida após a venda de tudo, de forma a permitir o começar de novo deste consumidor insolvente e sua reinserção no acesso ao crédito". (MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Orgs.). Doutrinas essenciais, Direito do consumidor: vulnerabilidade do consumidor e modelos de proteção . Vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 584) No Brasil, cumpre ressaltar que, à míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento jurídico, para casos de superendividamento ou sobreendividamento - do qual podem lançar mão os próprios devedores -, que é o da insolvência civil, e que, na vigência do CPC/2015, permanece disciplinada pelo Código Buzaid (vide art. 1.052 do novel Diploma). Mesmo o Projeto de lei acerca do superendividamento, como transcrito no precedente da Terceira Turma do STJ, se propõe a disciplinar "os contratos em que o modo de pagamento da dívida envolva autorização prévia do consumidor pessoa natural para consignação em folha de pagamento". 2.4. Assim considerando a questão, não parece razoável e isonômico, a par de não ter nenhum supedâneo legal, aplicar a limitação legal prevista para empréstimo consignado em folha de pagamento, de maneira arbitrária, a contrato específico de mútuo livremente pactuado. Ademais, é relevante consignar que, em que pese haver precedentes a perfilhar o entendimento de que a limitação é adotada como medida para solucionar o superendividamento, segundo entendo, a bem da verdade, opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que - e isso fica bem nítido no caso concreto - virtualmente leva à denominada amortização negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor. Na exordial, o autor expõe que o mútuo firmado, para a renegociação de dívida, foi no valor de R$ 114.480,55, a ser pago em 85 parcelas mensais de R$ 2.543,56, vencendo-se a primeira em 5/1/2014 e a última em 5/1/2021. E esclarece que a prestação contratual - limitada pelas instâncias ordinárias a 30% dos proventos líquidos - corresponde a praticamente 50% dos seus proventos. Ademais, uma vinculação perene do devedor à obrigação, como a que, na verdade, conduz as decisões das instâncias ordinárias, não se compadece com o Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 7 de 50 Superior Tribunal de Justiça sistema do direito obrigacional, que tende a ter termo (PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado . 4 ed. Barueri: Manole, 2010, p. 850 e 851). Outrossim, significa, a meu juízo, restrição à autonomia privada, pois, não sendo desconto forçoso em folha, não é recomendável estabelecer, estendendo indevidamente regra legal que não se subsume ao caso, limitação percentual às prestações contratuais, sob pena de dificultar o tráfego negocial e resultar em imposição de restrição a bens e serviços, justamente em prejuízo dos que têm menor renda. Sem mencionar ainda a possível elevação das taxas para aqueles que não conseguem demonstrar renda compatível com o empréstimo pretendido. Com efeito, também como máxima de experiência, a título ilustrativo, é usual que, em prestações contratuais a envolver bens de maior vulto, como mútuo para aquisição de imóvel ou automóvel, ascendentes prestem auxílio financeiro ao mutuário, para o pagamento das prestações. Outrossim, a restrição do valor das prestações é medida de difícil operacionalização, pois o credor pode ter outras rendas lícitas de difícil comprovação, ou mesmo estar a receber pagamentos mensais de empréstimos feitos a parentes ou amigos. Igualmente, não se pode impedir que pessoa solteira que resida com os pais, viúvo sem filho dependente, ou, mesmo no caso de casal, um dos cônjuges se valha de crédito para, v.g, pagamento de material de construção, conserto ou lanternagem de veículo utilizado para o trabalho, pagamento de consultas ou cirurgias, que envolva prestações acima de 30% da remuneração (atualmente, até 35%). Por fim, como invoca o recorrente, o art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere proteção ao ato jurídico perfeito - as instâncias ordinárias reconhecem a higidez do contrato -, e, consoante os arts. 313 e 314 do CC, o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Com efeito, é desarrazoado que apenas o banco não possa lançar mão de procedimentos legítimos para satisfação de seu crédito e que, eventualmente, em casos de inadimplência, seja privado, em contraposição aos demais credores, do acesso à justiça, para arresto ou penhora de bens do devedor. 2.5. No caso, como reconhece o acórdão recorrido - que explicitamente se vale de analogia -, não há previsão legal para a medida adotada, e o ordenamento jurídico, de modo um tanto assemelhado ao modelo americano, já prevê a medida específica do instituto da insolvência civil, de que pode lançar mão o devedor, em caso Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 8 de 50Superior Tribunal de Justiça de sobreendividamento. Assim também o precedente da Terceira Turma assenta que se vale da analogia para, em consonância com o princípio da dignidade humana, estender a limitação legal, referente a empréstimos em folha, para a relação contratual diversa. Contudo, penso que a analogia não pode ser invocada. Konrad Hesse observa que, ordinariamente, é o legislador democrático que está devidamente aparelhado para a apreciação das limitações necessárias à autonomia privada em face dos outros valores e direitos constitucionais. (HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha . Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 285). Na mesma toada, Claus-Wihelm Canaris observa que, pelo fato de os direitos fundamentais, enquanto integrantes da Constituição, terem um grau mais elevado na hierarquia das normas que o direito privado, na verdade o influenciam. No entanto, a Constituição não é, em princípio, o lugar correto, tampouco habitual, para regulamentar as relações entre cidadãos individuais e entre pessoas jurídicas. (SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 225). Ademais, como visto, no caso, há direitos constitucionais que socorrem o recorrente, como, ao que parece, o próprio art. 5º, II, da Lei Maior, que dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Mutatis mutandis, cumpre trazer à baila o entendimento sufragado pela Segunda Turma do STF, por ocasião do julgamento do multicitado RE 201.819, em que se alerta ser necessária cautela por parte do magistrado, já que, em linha de princípio, "a vinculação direta dos entes privados aos direitos fundamentais não poderia jamais ser tão profunda, pois, ao contrário da relação Estado-cidadão, os direitos fundamentais operariam a favor e contra os dois partícipes da relação de Direito Privado". Por isso, "compete, em primeira linha, ao legislador a tarefa de realizar ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Cabe a este garantir as diversas posições fundamentais relevantes mediante fixação de limitações diversas". Nesse passo, Ingo Wolfgang Sarlet afirma, com propriedade, que, no sistema constitucional atual, a segurança jurídica passa a ter o status de "subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito. Assim, para além de assumir a condição de direito fundamental da pessoa humana, a segurança jurídica constitui simultaneamente princípio fundamental da ordem jurídica estatal" (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 1 9 de 50 Superior Tribunal de Justiça direito constitucional brasileiro. In. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 14, n. 57, out.-dez. de 2006. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, p. 10-11). Na mesma direção, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes asseverou que "em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material" (Pet 2.900 Q.O. – RS. Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 27.11.2003). Canotilho, na mesma linha que, de resto, é a da maciça doutrina, também noticia que o Estado de Direito possui, como princípios constitutivos, a segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão, ambos instrumentos de condução, planificação e conformação autônoma e responsável da vida (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional . Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 375-376). Diante dessa força irradiante para todo o sistema jurídico, parece claro que, para além do respeito à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido - aos quais se pode somar a necessidade de leis de aplicação prospectiva, claras e relativamente estáveis -, há mais a se descortinar. A postura do Poder Judiciário é de elevada importância para a concretização da segurança jurídica, notadamente pela entrega de uma prestação jurisdicional previsível que não atente contra a confiança legítima do jurisdicionado (NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010 [Série IDP], passim ). 3. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial interposto pelo Banco do Brasil, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, estabelecendo custas e honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais), que serão integralmente arcados pelo autor, observada eventual gratuidade de justiça. Assinalo que, com o acolhimento do recurso do banco, fica prejudicado o recurso especial interposto por Isac Gonçalves. É como voto. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 0 de 50 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2016/0047238-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.586.910 / SP Números Origem: 10033632820148260344 20150000018135 PAUTA: 06/04/2017 JULGADO: 06/04/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Presidente da Sessão Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : ISAC GONCALVES ADVOGADO : ANA C M V DELPHINO - SP161420 RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADOS : MARIA MERCEDES OLIVEIRA FERNANDES DE LIMA E OUTRO(S) - SP082402 SOLANGE APARECIDA DA SILVA - SP315774 RECORRIDO : OS MESMOS ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Contratos Bancários CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Após o voto do relator dando provimento ao recurso especial interposto pelo Banco do Brasil e julgando prejudicado o recurso especial interposto por Isac Gonçalves, PEDIU VISTA antecipada o Ministro Marco Buzzi. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 1 de 50 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2016/0047238-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.586.910 / SP Números Origem: 10033632820148260344 20150000018135 PAUTA: 06/04/2017 JULGADO: 25/04/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Presidente da Sessão Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARCELO ANTONIO MOSCOGLIATO Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : ISAC GONCALVES ADVOGADO : ANA C M V DELPHINO - SP161420 RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADOS : MARIA MERCEDES OLIVEIRA FERNANDES DE LIMA E OUTRO(S) - SP082402 SOLANGE APARECIDA DA SILVA - SP315774 RECORRIDO : OS MESMOS ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Contratos Bancários CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado por indicação do Sr. Ministro Raul Araújo Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 2 de 50 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) VOTO-VOGAL O SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhora Presidente, cumprimento oseminentes Ministros Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão pela qualidade dos votos que trazem. A questão, de fato, é delicada do ponto de vista social e também no aspecto de Direito econômico e bancário, envolvendo a concessão de crédito para os correntistas, os consumidores na rede bancária. Acho importante que façamos, na apreciação deste caso, a distinção entre a concessão de um empréstimo qualquer, como aqui ocorreu, e o crédito que o banco confere ao correntista em razão da concessão de crédito rotativo de cheque especial, cujo desconto pode alcançar, a meu ver, um valor superior aos 30% (trinta por cento). Porque, esta segunda hipótese, tem a ver com a remuneração mensal que recebe o consumidor. Então, em um determinado mês do ano, a pessoa pode necessitar do dobro do seu salário, podendo obter do banco esse montante, a dobra do salário, e, nos meses subsequentes, o tomador irá, pouco a pouco, deduzindo a importância correspondente ao empréstimo tomado a título de cheque especial. Ou até poderá, já de uma vez só, no mês seguinte quitar tudo, por ter recebido, digamos, o décimo terceiro salário, como normalmente ocorre nos contratos de cheque especial. Se alguém ganha, por exemplo, vinte mil reais por mês e tem o crédito de outros vinte mil do seu cheque especial, dispõe de quarenta mil reais em um determinado mês. Com o valor do próximo contracheque terá dinheiro novamente creditado em sua conta e pagará parte ou todo o empréstimo, podendo haver desconto em percentual superior aos 30% (trinta por cento), pois o crédito é rotativo. Acho que, na relação contratual de cheque especial, a situação pode ser essa que procurei descrever, sem violação grave ao direito do consumidor correntista. Agora, a distinção que reputo importante é entre o cheque especial, sobre o qual falei, e a concessão de um empréstimo outro, como aqui ocorreu. Aqui, houve a concessão de um empréstimo no valor de R$114.000,00 (cento e quatorze mil reais) para o correntista, servidor público, militar estadual, que recebe proventos de reserva remunerada, de aposentadoria mensal, de pouco mais de R$6.000,00 (seis mil reais) brutos, e líquido a importância em torno de R$5.000,00 (cinco mil reais). Desse modo, o desconto previsto no empréstimo, no valor mensal de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), mostrava-se desde já, logo de partida, bastante elevado. Tinha-se, por meses seguidos, um comprometimento de percentual que Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 3 de 50 Superior Tribunal de Justiça alcançava aproximadamente 50% (cinquenta por cento) da remuneração líquida do correntista, que recebia em torno de cinco mil, e teria descontado em torno de dois mil e quinhentos reais até o ano 2021. Parece-me, nessa hipótese, que o banco não cuidou realmente de ser mais cuidadoso na concessão do empréstimo, em montante bem elevado, onde contava receber o valor emprestado apenas com base nos descontos sobre aqueles proventos que ficavam por demais alcançados. Se o devedor tivesse dado ao banco outras garantias, além da remuneração mensal, como uma poupança, um investimento junto ao banco, um automóvel, um terreno, uma casa, um imóvel que não fosse um bem de família, o banco estaria garantido quanto à concessão do empréstimo, porque, por outra via, poderia receber o seu crédito. Mas se o banco contou, no caso, apenas com aquele valor correspondente aos proventos da inatividade do devedor, cota alimentar da pessoa, realmente arcou com um risco muito elevado na operação. É, assim, natural que agora esteja com essa dificuldade, onde o Judiciário force o banco a limitar os descontos na conta corrente do consumidor a 30% (trinta por cento) do que recebe mensalmente o devedor. O banco arriscou em demasia no caso desse empréstimo, que não é um empréstimos típico de cheque especial. Li também, com muita atenção, a contestação do banco. E o que alega em sua contestação vale para os dois lados; ou seja, diz que o correntista deveria ter tido os devidos cuidados quando solicitou o empréstimo ao banco, se iria ou não poder pagar, e que deve ser cumprido o contrato, pois cabia ao correntista ter tido maiores cautelas. Penso que se pode dizer o mesmo em sentido oposto: o banco, que é o profissional na concessão de créditos, devia ter tido maiores cuidados na concessão do empréstimo, no valor de R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais), que se mostrava desafiante para o tomador do empréstimo, pois a operação se baseava apenas nos valores percebidos mensalmente a título de proventos de aposentadoria pelo correntista. Havia difícil possibilidade de quitação do empréstimo concedido em valor exagerado. Então, peço vênia, nessa hipótese, para acompanhar o voto divergente, tendo em vista que não tratamos aqui de empréstimo do tipo cheque especial, no qual entendo que os descontos podem superar aqueles 30% (trinta por cento) que a jurisprudência da Corte admite que possam ser alcançados pelos descontos necessários para a quitação de outras formas de empréstimo, como é o que temos aqui no caso. Com a devida vênia, acompanho a divergência. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 4 de 50 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) VOTO MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Peço a máxima vênia à divergência para acompanhar o voto do eminente Relator, pela improcedência do pedido, porque, lendo a inicial, verifico que o próprio autor tinha um cheque especial, e, diante do saldo devedor, orientado pela própria gerente do banco, assumiu um crédito pessoal, com taxas de juros inferiores às do cheque especial, para quitar o saldo devedor, a ser pago em 85 prestações de R$ 2.543,00 (dois mil quinhentos e quarenta e três reais). Não se trata de crédito consignado em folha de pagamento e, portanto, não se aplica o limite legal de consignação em folha de pagamento de servidores públicos. Como realçado pelo Ministro Relator e pelo Ministro Antônio Carlos Ferreira, o salário era creditado pelo empregador e posteriormente o desconto era feito pelo banco credor em conta-corrente que o autor nele mantinha, no exato valor pactuado, já de conhecimento do autor. Também não se trata de conta-salário, a qual tem disciplina própria, servindo apenas para o crédito de salário, não admitindo descontos facultativos e sequer a entrega de talão de cheques. Ao contrário do que sucede com o crédito consignado, no caso do débito em conta-corrente autorizado pelo cliente pode o empregado solicitar do empregador o pagamento do salário em outro banco, arcando com as consequências do inadimplemento. Não se trata, portanto, de penhora de salário e nem de consignação em pagamento, mas de desconto livremente pactuado e autorizado pelo devedor, em benefício próprio, para substituir dívida mais onerosa por dívida menos cara. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 5 de 50 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) VOTO-VENCIDO O SR. MINISTRO MARCO BUZZI: Cuida-se de recursos especiais, interpostos por ISAC GONÇALVES e BANCO DO BRASIL S/A, ambos fundamentados nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Na origem, ISAC ajuizou demanda declaratória de ilegalidade de retenção de salário, aduzindo ser militar aposentado e titular de conta-corrente nº 459.074-0, onde recebe seus proventos. Narra que durante a relação com a instituição financeira entabulou diversas negociações - muitas já quitadas - e que, aceitandoa sugestão do gerente de sua conta, para a cobertura de débitos existentes, a juros menores que os do cheque especial, firmou operação BB Renovação Consignação, no valor financiado de R$ 114.480,55 (cento e quatorze mil, quatrocentos e oitenta reais e cinquenta e cinco centavos), a serem pagos em 85 (oitenta e cinco) parcelas de R$ 2.543,56 (dois mil, quinhentos e quarenta e três reais e cinquenta e seis centavos), vencendo-se a primeira em 05/01/2014 e a última em 05/01/2021, mediante débito em conta-corrente, perfazendo ao final um total de R$ 216.202,60 (duzentos e dezesseis mil, duzentos e dois reais e sessenta centavos). Assevera que o débito da quantia em sua conta-corrente, mensalmente, após o recebimento dos proventos, gera retenção de 50% do montante salarial, inviabilizando a satisfação das despesas imprescindíveis à sobrevivência pessoal e de sua família. O magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido para limitar o desconto em conta-corrente ao montante de 30% dos vencimentos líquidos do autor, tendo o Tribunal paulista negado provimento aos recursos manejados por ambas as partes, mantendo a sentença em todos os seus termos. Autor e réu interpõem recursos especiais. O autor alega: a) incidir o diploma consumerista à relação estabelecida entre as partes e de o desequilíbrio contratual estar caracterizado em razão da adesão a contrato previamente estabelecido pelo banco; b) a Constituição Federal prevê a proteção ao salário, constituindo crime a sua retenção dolosa, não sendo Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 6 de 50 Superior Tribunal de Justiça dado a ninguém ser privado de seus bens sem o devido processo legal; c) são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações e proventos de aposentadoria e o fato de ter autorizado, ainda que sem o conhecimento do efeito nefasto da medida, os descontos em sua conta, não tem o condão de elidir a vedação expressa da lei. A financeira, de sua vez, afirma: i) inaplicáveis as disposições referentes a empréstimos em folha de pagamento, ante a diversidade da modalidade contratual; ii) o autor, agente plenamente capaz, concordou com o contrato, o que caracteriza o ato jurídico perfeito, motivo pelo qual o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa; iii) em razão do demandante ser servidor público, estão adequados os descontos efetuados em sua conta, vez que inferiores a 50% dos rendimentos líquidos. O e. relator, Ministro Luis Felipe Salomão, em seu judicioso voto, aprecia o reclamo da financeira ao qual dá provimento para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, ficando prejudicado o apelo do autor. Em síntese, aduz que a questão controvertida não vem recebendo tratamento adequado no âmbito desta Corte Superior, pois os julgados são em sede de agravo interno/regimental, havendo apenas o precedente da Terceira Turma (RESP 1584501/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em outubro de 2016), formado mediante debate aprofundado, no qual considerada a validade da cláusula autorizadora de desconto em conta-corrente para pagamento de prestações de contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário, porém, limitado o desconto a 30% da remuneração líquida percebida pelo devedor, após deduzidos os descontos obrigatórios de previdência e imposto de renda. Assevera que o contrato de conta-corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, que traz praticidade e simplificação contábil. Afirma que não há no direito comparado nenhuma experiência similar à que vem sendo empregada na jurisprudência do STJ (de limitação no tocante à conta-corrente), pois a pretexto de solucionar o superendividamento, tem-se eternizado uma obrigação, inclusive mediante "amortização negativa do débito, resultando no aumento mês-a-mês do saldo devedor", o que enseja uma indevida limitação na autonomia privada, que dificulta o tráfego negocial e resulta em imposição de restrição a bens e serviços, justamente dos que têm menor renda, contribuindo para "a possível elevação das Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 7 de 50 Superior Tribunal de Justiça taxas para aqueles que não conseguem demonstrar renda compatível com o empréstimo pretendido". Faz uso de doutrina e precedentes firmados no âmbito do Supremo Tribunal Federal para amparar a ideia de que inviável a utilização da analogia para, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, estender a limitação legal referente a empréstimos em folha de pagamento para relação contratual diversa, em razão da autonomia privada que rege as relações e da postura do Poder Judiciário para a concretização da segurança jurídica, mediante uma prestação jurisdicional previsível que não atente contra a confiança legítima do jurisdicionado. Ante a tormentosa problemática trazida a exame e dos fundamentos elencados pelo e. relator para embasar seu voto, formulei pedido de vista para melhor exame da controvérsia. Voto Com todas as vênias do relator, dele divirjo para negar provimento a ambos os recursos especiais. 1. Julga-se conjuntamente os recursos especiais, pois dizem respeito à mesma controvérsia, qual seja, a possibilidade, ou não, de a instituição financeira proceder diretamente à retenção de uma fração dos provimentos salariais do devedor junto à conta-corrente bancária, assim agindo para buscar o pagamento de mútuo - contratação absolutamente diversa do conhecido cheque especial -, bem ainda, se há de se observar alguma limitação para o referido desconto. Inicialmente, é cabido destacar que, muito embora relevantes os ensinamentos que possam ser obtidos acerca da temática ora em evidência junto ao direito comparado, todavia, no caso em julgamento, o tratamento jurídico dispensado ao assunto é de tal forma peculiar, no Brasil, que exatamente a intensidade dessa discrepância frente ao direito de outros países inviabiliza, na prática, a utilização de parâmetros alienígenas. Nessa excepcionalidade se insere, por exemplo, a prática financeira brasileira quanto às taxas dos juros de remuneração do capital, cujos índices estão entre os mais altos do mundo, bem como a efetividade do direito encarregado da tutela dos interesses dos credores, que nem mesmo com o advento do Código de Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 8 de 50 Superior Tribunal de Justiça Defesa do Consumidor restou atenuado como almejado pela sociedade, motivos pelos quais, dentre outros, reitere-se, as soluções empregadas nos estados estrangeiros para a resolução de conflitos bancários onde as partes muitas vezes estão em situação de igualdade não servem como paradigmas para solucionar os conflitos aqui existentes, ante a disparidade das relações e efeitos jurídicos. Em que pese a divergência que ora se pretende inaugurar, é oportuno desde logo frisar que, muito embora a discrepância na adoção de critérios para a solução do caso sub judice , não se está aqui propondo uma deliberação que negue o crédito da instituição financeira ou vede o seu inegável direito de cobrar as cifras confessadamente devidas pelo mutuário. De outra banda, é igualmente relevante destacar que não é acolhida, nesse voto, a pretensão almejada pelo devedor, qual seja, a de se ver desobrigado do ônus que livremente assumiu por ocasião da repactuação e consolidação de seus compromissos junto à casa bancária. Dito isso, tem-se que diversamente do referido pelo e. relator, afigura-se razoável como também isonômico, ante a existência de efetivo supedâneo legal afirmando a impenhorabilidade devencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, entre outros (art. 649, inciso IV, do CPC/73, atual art. 833, inciso IV, do NCPC), fazer uso da ampliação analógica da limitação legal prevista para empréstimo consignado em folha de pagamento frente ao presente contrato de mútuo com cláusula de desconto em conta-corrente, destacadamente porque tal procedimento não gera a eternização da obrigação ou amortização negativa do débito como compreendeu o e. relator, pois se estará fazendo o uso constitucional da salvaguarda do direito à subsistência digna do devedor e de sua família, sem deixar desguarnecido o direito do credor. Sempre é prudente e oportuno recordar que no âmbito de um processo de endividamento de um mesmo devedor ante um mesmo credor, ambos os interessados têm plenas condições, liberdade e até mesmo o dever de boa-fé de averiguar e avaliar se o próprio sujeito e também a outra parte contratante reúne reais condições de honrar o ajuste em vias de celebração, sem que para tanto sejam obrigados a situações em que se despeçam da própria dignidade, sendo esse o viés atualmente norteador das contratações, uma vez que o equilíbrio nas relações materiais, nos ajustes em geral, é a tônica de mensuração da própria validade e higidez da celebração dos contratos. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 2 9 de 50 Superior Tribunal de Justiça No caso, a hipótese ora em julgamento diz respeito a contrato de mútuo com cláusula de desconto da parcela em conta-corrente e não de cheque especial, modalidade absolutamente distinta e com características muito próprias, que oportunamente será objeto de análise. Neste momento apenas está em análise a questão da alegada impenhorabilidade de verbas salariais frente a ajuste de mútuo com cláusula de desconto em conta-corrente na qual o devedor recebe seus proventos. Pois bem, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana e o risco de comprometimento da subsistência do devedor, a jurisprudência pátria, principalmente a do STJ, inviabilizava os descontos efetuados na conta-corrente do devedor para a salvaguarda dos interesses da instituição financeira. Isso porque, eventuais cláusulas contratuais que permitissem o desconto diretamente na conta-corrente do devedor, constantes em contrato de adesão, além de serem consideradas iníquas e abusivas (artigo 51, IV, do CDC), revelavam também vício, consubstanciado em fraude, como tentativa de burlar a determinação constante do artigo 649, inciso IV, do CPC/73, atual artigo 833, inciso IV, do NCPC (impenhorabilidade dos salários), não sendo viável admitir que o particular, notadamente as instituições financeiras ou a ela equiparadas, obrigassem o consumidor a abrir mão da proteção legal e constitucional. Neste sentido, era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: BANCO. Cobrança. Apropriação de depósitos do devedor. O banco não pode apropriar-se da integralidade dos depósitos feitos a título de salários na conta do seu cliente, para cobrar débito decorrente de contrato bancário, ainda que para isso haja cláusula permissiva no contrato de adesão. Recurso conhecido e provido. (STJ. REsp 492.777/RS, Relator o Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 1º/9/2003) Ainda: RECURSO ESPECIAL. CONTA CORRENTE. SALDO DEVEDOR. SALÁRIO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo. (STJ. REsp 831774/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2007, DJ 29/10/2007, p. 221) Por fim: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. CONTA-CORRENTE. DEPÓSITO PROVENIENTE DE SALÁRIO. Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 3 0 de 50 Superior Tribunal de Justiça RETENÇÃO PARA SATISFAÇÃO DE DÉBITO COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. 1. Não é cabível a quitação de dívidas contraídas com a instituição financeira por meio da retenção de salários ou proventos depositados em conta-corrente, ainda que haja cláusula contratual autorizando a retenção. 2. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1201030/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 11/12/2012). Ora, não se pode apenar a inadimplência com a condenação à penúria financeira, à completa ausência do mínimo existencial para a vida, pois essa seria uma sanção absolutamente desumana, própria de Estados onde vigora a barbárie, e mais aplicada por quem não tem além de legitimidade, autoridade para tanto (instituições financeiras e a elas equiparadas), não podendo ser olvidado que entre os fundamentos da nossa República sobressai o princípio da dignidade da pessoa humana, positivado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, in verbis : Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Para relembrar, explicita-se os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil dentre os quais está construir uma sociedade justa e solidária, promover o bem de todos e erradicar a pobreza e a marginalização: Art. 2º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Sobre esse prisma, amparado no fundamento da dignidade da pessoa humana e nos objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, a legislação brasileira assegura ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço, para a manutenção da sua subsistência e da sua família, Documento: 1590158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 03/10/2017 Página 3 1 de 50 Superior Tribunal de Justiça considerando, inclusive, impenhorável tal verba. Nos termos do atual artigo 833, inciso IV, do NCPC (anterior artigo 649 do Código de Processo Civil/73), são impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ficando ressalvado o disposto no 2º, qual seja, o pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, sendo que a constrição deve observar o ditame disposto no art. 528, § 8º e 529, § 3º no novel diploma processual civil. Por oportuno, a despeito de tratar especificamente sobre a execução de verba alimentar, transcreve-se o teor do último dispositivo referido, pois a interpretação elastecida do instituto pode ser utilizada para a amparar a validade da cláusula de desconto do salário em conta-corrente para a satisfação do mútuo, porém, com limitação: Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à
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