Buscar

Hepatites tóxicas e medicamentosas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Hepatites tóxicas e medicamentosas 
 
O fígado é o principal órgão envolvido no metabolismo e na eliminação de substâncias. 
A toxicidade hepática pode ser induzida por drogas ou toxinas. Pode seguir-se à 
inalação, ingestão ou administração parentérica de inúmeros agentes farmacológicos e 
químicos. Estes incluem toxinas industriais (tetracloreto de carbono, fósforo amarelo), 
os octapeptídeos bicíclicos tóxicos termostáveis de algumas espécies de Amanita e 
Galerina e, mais frequentemente, os agentes farmacológicos terapêuticos. A toxicidade 
hepática é a manifestação mais comum de reacção adversa a drogas, motivando a 
suspensão do licenciamento e da comercialização de inúmeras substâncias. Algumas 
formas de toxicidade hepática são raras e não são aparentes durante o decurso de 
ensaios clínicos, o que explica a sua introdução no mercado. 
Epidemiologia 
 
A incidência da toxicidade hepática induzida por drogas varia entre 1 em 1.000 e 1 em 
100.000 indivíduos a tomar doses terapêuticas de medicamentos. Entre 1975 e 1999, das 
548 novas substâncias aprovadas para comercialização, 10 receberam alertas para 
potencial toxicidade hepática e 4 foram retiradas do mercado. Crê-se que a toxicidade 
hepática induzida por drogas esteja subestimada na população geral. Ela constitui a 
principal causa de falência hepática aguda nos Estados Unidos da América, 
respondendo por mais de 50% dos casos de falência hepática aguda e por 10% dos 
transplantes hepáticos realizados em alguns centros. Nos Estados Unidos, a causa mais 
frequente é o acetaminofeno. O desenvolvimento de icterícia e a elevação de 
transaminases em doentes com toxicidade hepática induzida por fármacos está associada 
a uma mortalidade estimada em 10%. A detecção precoce de falência hepática aguda e a 
referenciação imediata a um centro de Transplantação é essencial. As reacções 
idiossincrásicas ocorrem apenas numa pequena percentagem de indivíduos expostos 
(0,01 a 1%). A susceptibilidade é ditada por factores genéticos e ambientais. 
 
Factores de risco 
 
O metabolismo das drogas pode ser afectado por múltiplos factores entre os quais se 
encontram a dieta, a idade, a genética, a doença subjacente e a presença de outras 
drogas. Estes factores devem ser ponderados aquando da selecção de medicação para 
determinado doente com predisposição para desenvolver toxicidade hepática induzida 
por drogas. A exposição a químicos, em casa ou no trabalho, a toma de medicamentos, 
substâncias de herbanárias ou usadas em Medicina Alternativa constituem pontos 
fundamentais a pesquisar na história clínica de qualquer doente que apresente icterícia 
ou alterações dos testes bioquímicos hepáticos. Inúmeros agentes podem causar 
toxicidade hepática: antidiabéticos orais (tiazolidinedionas), medicamentos usados no 
tratamento de dislipidemias (essencialmente estatinas), psicotrópicos (inibidores 
selectivos da captação da serotonina, inibidores da monoamina oxidase, antidepressivos 
tricíclicos, tolcapona usada na doença de Parkinson), anti-retrovíricos, antibióticos (ß-
lactâmicos, macrólidos, fluoroquinolonas, tetraciclinas, sulfonamidas, nitrofurantoína), 
antifúngicos, tuberculostáticos (isoniazida, rifampicina, pirazinamida), acetaminofeno, 
halotano, valproato de sódio, fenitoína, amiodarona e inúmeros produtos de herbanárias, 
nomeadamente, extractos de valeriana. Certas drogas parecem ser responsáveis pelo 
desenvolvimento concomitante de lesão hepática crónica e aguda. Por exemplo, a 
oxifenisatina, a metildopa e a isoniazida associam-se a hepatite crónica moderada a 
grave. O halotano e o metotrexato foram implicados no estabelecimento de cirrose. Uma 
síndrome similar à cirrose biliar primária foi descrita após tratamento com 
clorpromazina, metiltestosterona, tolbutamida e outras drogas. A hipertensão portal, na 
ausência de cirrose, pode ser consequência de alterações na arquitectura hepática 
provocadas pela vitamina A, por intoxicação arsénica, exposição industrial a cloreto de 
vinil ou administração de dióxido de tório. Os três últimos agentes foram implicados na 
génese do angiossarcoma hepático. Os contraceptivos orais são descritos como factores 
de risco para síndrome de Budd-Chiari (oclusão das veias supra-hepáticas), adenoma 
hepático e, raramente, hepatocarcinoma. Alguns doentes a consumir esteróides 
anabólicos podem desenvolver peliose hepática (cistos hemorrágicos do fígado). A 
existência destas entidades patológicas alarga o espectro das lesões hepáticas induzidas 
por agentes químicos e justifica a necessidade duma história minuciosa de exposição a 
tóxicos e consumo de drogas em todos os doentes com disfunção hepática. 
 
Sinais e sintomas 
 
A toxicidade hepática induzida por drogas pode manifestar-se através de reacções 
directas ou idiossincrásicas. A toxicidade directa é, geralmente, dose dependente, 
reprodutível e tem, habitualmente, evolução previsível. As reacções idiossincrásicas 
manifestam-se após um atraso ou período de latência que varia entre 5 a 90 dias depois 
da ingestão da droga. O período de tempo entre o consumo de determinada droga e a 
toxicidade hepática que induz é, geralmente, consistente de pessoa para pessoa. O 
mesmo sucede com a dose necessária para produzir lesão hepática. A toxicidade 
hepática pode permanecer irreconhecível até que se estabeleça icterícia. 
 
As drogas hepatotóxicas podem lesar os hepatócitos directamente, através de radicais 
livres ou metabolitos que causam peroxidação dos lipídeos da membrana. A toxicidade 
hepática directa ocorre de forma previsível em indivíduos expostos e é dependente da 
dose. O período latente entre a exposição e a lesão hepática é curto (habitualmente, 
horas), embora as manifestações clínicas possam instalar-se até 24 a 48 horas. Os 
agentes que geralmente provocam hepatite tóxica são venenos sistémicos que são 
convertidos em metabolitos tóxicos no fígado. As toxinas hepáticas directas resultam 
em anomalias morfológicas que são características e reprodutíveis para cada toxina. A 
título de exemplo, o tetracloreto de carbono e o tricloroetileno produzem, tipicamente, 
necrose da zona centrolobular enquanto o fósforo amarelo origina lesão periportal. Os 
octapeptídeos da Amanita phalloides produzem, usualmente, necrose hepática maciça. 
A dose letal da toxina é, aproximadamente, 10 mg, a quantidade presente num simples 
cogumelo. A tetraciclina, quando administrada em doses superiores a 1,5 g por dia, 
provoca esteatose microvesicular. A toxicidade hepática induzida por drogas pode 
manifestar-se sob a forma hepatocelular, colestática ou mista. A toxicidade dependente 
da dose pode resultar da biotransformação pelos hepatócitos, catalisada pelo complexo 
citocromo P450, que gera intermediários tóxicos/reactivos adicionais, da qual o 
acetaminofeno é um exemplo clássico. Durante a lesão hepatocelular, as 
aminotransferases podem elevar-se significativamente com subida mínima da fosfatase 
alcalina. Várias drogas, que actuam através de mecanismo dependente de dose, exibem 
características específicas. 
 
A maioria das reacções tóxicas induzidas por drogas é idiossincrásica e imprevisível, 
não directamente hepatotóxica. As reacções idiossincrásicas também podem ser 
classificadas em hepatocelulares, colestáticas ou mistas. Estas classificações são 
generalidades e não se aplicam a todas as circunstâncias. As reacções idiossincrásicas 
podem ser divididas em duas categorias principais: metabólicas ou imunológicas. As 
reacções metabólicas podem resultar dum polimorfismo genético específico culminando 
com a formação dum metabolito tóxico. Estas são consideradas toxicidades 
idiossincrásicas porque a reacção causada por umpolimorfismo genético específico não 
é reprodutível de pessoa para pessoa. As reacções imunológicas são reacções de 
hipersensibilidade a uma droga específica e incluem uma resposta retardada e 
evidências laboratoriais de alterações imunológicas. Podem traduzir-se em febrícula, 
eosinofilia, linfocitose atípica, infiltrados hepáticos, granulocitopenia, trombocitopenia, 
anemia hemolítica, síndrome de Stevens-Johnson e necrólise tóxica epidérmica. Nas 
reacções idiossincrásicas, a ocorrência de hepatite é rara (1 em 10.000 a 1.000.000) e 
imprevisível, a resposta não é dependente da dose e a toxicidade pode ocorrer em 
qualquer momento durante ou após a exposição. Adicionalmente, podem surgir 
alterações analíticas leves, transitórias, não progressivas, que resolvem 
espontaneamente. Este mecanismo de adaptação, de etiologia desconhecida, pode surgir 
com drogas tais como a isoniazida, o valproato, a fenitoína e as estatinas. Em cerca de 
um quarto dos doentes com reacções de toxicidade hepática idiossincrásicas, ocorrem 
manifestações extra-hepáticas de hipersensibilidade: erupção cutânea, artralgias, febre, 
leucocitose e eosinofilia. Esta constatação e a imprevisibilidade das reacções 
idiossincrásicas contribuíram para a hipótese destas reacções serem mediadas 
imunologicamente. Evidências mais recentes, contudo, sugerem que mesmo as reacções 
idiossincrásicas representam toxicidade hepática directa causada por metabolitos da 
droga e não pela mesma intacta. Os exemplos clássicos de toxicidade hepática 
idiossincrásica (halotano e isoniazida) associam-se, frequentemente, a manifestações de 
hipersensibilidade e são mediados por metabolitos tóxicos. Actualmente, pensa-se que a 
maioria das reacções idiossincrásicas resulta de diferenças na reactividade metabólica a 
agentes específicos. A sensibilidade do hospedeiro é mediada pela cinética da criação de 
metabolitos tóxicos, que difere entre as pessoas, provavelmente mediada por 
polimorfismos genéticos nas cascatas de metabolização. A reacção idiossincrásica induz 
alterações morfológicas mais variáveis do que as causadas pelas toxinas directas, 
embora padrões particulares possam predominar. Dependendo do agente envolvido, a 
hepatite idiossincrásica pode induzir um quadro clínico e morfológico indistinguível da 
hepatite vírica (halotano) ou pode estimular a obstrução biliar extra-hepática (colestase). 
O espectro da colestase pode variar desde leve a grave: 1) colestase leve com lesão 
hepatocelular limitada (estrogénios, androgénios), 2) colestase inflamatória 
(fenotiazinas, amoxicilina-ácido clavulânico, oxacilina, eritromicina), 3) colangite 
esclerosante (alguns agentes de quimioterapia), 4) colestase ductopénica 
(carbamazepina, clorpromazina, antidepressivos tricíclicos). A colestase pode ser 
decorrente da ligação da droga aos transportadores da membrana canalicular, da 
acumulação de ácidos biliares tóxicos, devido à falência da bomba canalicular, ou de 
defeitos genéticos nas proteínas de transporte canalicular. As alterações morfológicas 
também podem incluir pontes de necrose hepática (metildopa) e, mais raramente, 
granulomas hepáticos (sulfonamidas). Determinadas drogas resultam em esteato-
hepatite ou esteatose macro ou microvesicular, filiadas, em vários casos, em disfunção 
mitocondrial e peroxidação lipídica. A esteato-hepatite é muito frequente em doentes a 
tomar anti-retrovíricos (zidovudina, didanosina, indinavir e ritonavir). Geralmente, esta 
toxicidade mitocondrial dos agentes anti-retrovíricos é reversível mas dramática. As 
células sinusoidais são um outro alvo potencial, nomeadamente, de agentes usados na 
quimioterapia (ciclofosfamida, melfalan, bussulfan), que podem provocar doença 
venoclusiva. Nem todas as reacções hepáticas adversas a drogas podem ser classificadas 
como tóxicas ou idiossincrásicas. Os contraceptivos orais podem induzir alterações 
analíticas e icterícia. Esta susceptibilidade a colestase parece ser determinada 
geneticamente. Cerca de 10% da população tem um defeito enzimático do citocromo 
P450, herdado de forma autossómica recessiva, que dificulta a metabolização de certos 
fármacos: desipramina, propranolol e quinidina. 
 
Diagnóstico 
 
O diagnóstico de toxicidade hepática induzida por drogas constitui um desafio 
diagnóstico. Pressupõe um elevado índice de suspeição e a exclusão de outros 
diagnósticos diferenciais. A abordagem inclui estudo serológico, com determinação de 
marcadores víricos e auto-imunes, ecografia abdominal e a identificação de potenciais 
factores de confusão, tais como hipotensão, sépsis, insuficiência cardíaca e nutrição 
parentérica. Doenças concomitantes (infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, 
alcoolismo, diabetes e obesidade) devem ser valorizadas, pois podem comprometer 
negativamente a evolução. A toxicidade induzida por determinada droga reveste-se de 
padrões característicos que se reflectem a nível das alterações analíticas, da latência dos 
sintomas, da presença ou não de hipersensibilidade imune e da evolução após suspensão 
da substância. Existem, apesar de tudo, variações individuais para cada droga. 
Classicamente, estão descritos três padrões de anomalias analíticas: hepatite, colestase e 
mista. Estes são definidos pelas seguintes equações: 
 
Hepatite: Alanina aminotransferase/limite superior do normal : fosfatase alcalina/limite 
superior do normal ≥ 5 
 
Colestase: Alanina aminotransferase/limite superior do normal : fosfatase alcalina/limite 
superior do normal ≤ 2 
 
Mista: 2 < Alanina aminotransferase/limite superior do normal : fosfatase alcalina/limite 
superior do normal < 5 
 
Dado que a hepatite induzida por drogas é um diagnóstico de presunção e inúmeras 
entidades reproduzem os seus achados, o estabelecimento duma relação causal entre a 
droga e o dano hepático pode ser muito difícil. Esta é mais convincente no caso das 
toxinas directas do fígado. 
 
Tratamento 
 
A suspensão do agente suspeito de toxicidade é a primeira medida a adoptar logo que se 
detecte qualquer sinal sugestivo de reacção adversa. O tratamento é, essencialmente, de 
suporte. No caso de toxinas directas, o envolvimento hepático não deve desviar a 
atenção de potenciais danos noutros órgãos, nomeadamente no rim. Quando se 
estabelece hepatite fulminante, o transplante hepático pode ser a única alternativa.

Outros materiais