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Fundamentos da Arquitetura Contemporânea - Zanettini

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Fundamentos da Arquitetura Contemporânea / Siegbert Zanettini 
 
O objetivo deste texto é trazer elementos que possam contribuir para uma reflexão sobre a 
contemporaneidade da arquitetura. A condição material da arquitetura e do urbano que inclui o solo, os edifícios 
e o mundo dos objetos traduz-se em mercadorias, com o valor de troca sobrepujando-se ao valor de uso, 
respondendo às determinações do mercado e a serviço do capital, atendendo-o nas suas exigências e 
necessidades. 
Essas condicionantes, exponencializadas em escala mundial no período tecnológico pós-guerra, ou 
“cibernético-monopolista” no dizer de Andrés Zarankin, da etapa atual do capitalismo globalizante, ditam o que, 
a quem e como deve ser direcionada a produção material, definindo os contornos e os limites da arquitetura, 
como seu reflexo e efeito. Algumas das soluções que seriamente pesquisamos, como ciência e como criação, 
sofrem, portanto, as injunções de mercado e respondem às suas condições de produtos de consumo. Isso, 
entretanto, não invalida a produção do conhecimento sobre esta nobre arte de construir, seu avanço de 
qualidade, maior eficácia no seu desempenho, minimização de patologias e o seu avanço tecnológico, com uma 
postura progressista e prospectiva em direção a uma nova realidade pela qual lutamos, na qual acreditamos e 
que há muitos anos perseguimos. Portanto, trabalhar com correção nas áreas de domínio da arquitetura, com 
base nos conhecimentos científico e sensível, de uma forma sistêmica que globalize o histórico, o ambiental, o 
social, o político, o econômico e o tecnológico continua sendo tarefa a perseguir, sem prazo determinado, nesse 
universo conflituoso, em desequilíbrio e injusto que temos que ultrapassar. 
A abordagem proposta procura extrapolar a discussão unidimensional da estética da forma na 
arquitetura, que perdurou como questão central durante as últimas décadas, em especial nos anos 60 e 70, nos 
textos de Robert Venturi, Aldo Rossi, Peter Eisenman, Charles Moore, Michael Graves e outros, sobre o desgaste 
do movimento moderno que “deixou de ser uma causa para se transformar num estilo”, segundo Anatole Kopp, 
e preparou o caminho para o surgimento do movimento pós-moderno. Este ao negar a arquitetura moderna e 
a sua forma de organização do espaço, homogêneo em todas as direções, e nos limites de uma geometria 
definida e controlada, colocava como oposição o espaço pós-moderno “ambíguo no seu zoneamento e irracional 
no que se refere à sua relação entre as partes e o todo. Os limites a miúdo não ficam claros e o espaço se estende 
indefinidamente, sem limite aparente”, segundo Charles Jenks, um dos arautos do movimento. 
A par de sua importante contribuição de sacudir o ambiente com críticas à já enfraquecida arquitetura 
moderna, o arcabouço teórico dessa corrente enfatizava a questão estética da arquitetura e, talvez, resida nisso 
o seu limite. Por decorrência dessa limitada e unidimensional crítica, opôs ao “estilo moderno” os demais estilos 
no seu tratamento plástico-formal, como uma evocação retro-nostálgica e com colagens formais artificiais. 
Assim aparecem desenhos evocando motivos “Art-Deco”, desenhos geométricos, imitações fabricadas e 
inspiradas em materiais nobres e soluções em cenários apostos, encobrindo estruturas e com superfícies e 
revestimentos não vinculados à função. 
O desgaste da arquitetura moderna, de um lado, e a superficialidade da arquitetura pós-moderna, de 
outro, para a qual já se podia preconizar um curto prazo de duração, que permaneceu como resíduo em 
propostas isoladas, despertou a hipótese de tentar estruturar uma ideia de contemporaneidade na arquitetura. 
Alguns pressupostos estimulavam essa tarefa: 
Diversas questões ao longo da trajetória intelectual e profissional já vinham sendo experimentadas e 
davam força à ideia. Por outro lado, um espectro amplo de referências apontava uma parte do caminho já se 
construindo. Nos mais variados campos, e mais nitidamente nas ciências biológicas, nas ciências ambientais e 
na área das exatas, nos campos da eletrônica e da tecnologia surgiam avanços notáveis. Nas áreas humanas, 
inclusive, as contribuições da antropologia, da arqueologia histórica e da arquitetura eram animadoras. Para 
melhor compreensão, convém explicitá-las: 
 
1. a arquitetura não mais se limitando a tomar como sua área de domínio a questão do espaço e da estética da 
forma. A necessidade crescente, que a realidade vem impondo, de mudar de dimensão no seu enfoque com 
uma abordagem sistêmica da cultura material como também das formas de produção material, no atendimento 
às novas demandas e necessidades individuais e coletivas. 
Esse aumento de complexidade de seu conhecimento e de seu trato vem exigindo uma crescente contribuição 
interdisciplinar de variadas áreas de especialidade e colaboração cada vez mais ampla de inúmeros 
intervenientes. Como decorrência, e talvez a mais próxima, a “re-união” de arquitetos, engenheiros e tecnólogos 
numa formação e num trabalho mais interativo, face à constatação irrefutável de que essas áreas tratam de um 
mesmo objeto; 
 
2. as recentes contribuições sobre a noção de lugar e a tomada de consciência da questão ambiental, natural e 
construída, que explicitam a noção de território - “o espaço do cidadão” - local onde o homem finca as suas 
raízes na terra em que vive, na comunhão que com ela mantém. Cultura e territorialidade são heranças e 
também relações profundas do homem com o meio. Daí definirem-se formas próprias e contornos físicos claros 
que marcam a condição de nacionalidade como herança de modos de vida e de tradições locais e de 
internacionalidade, enquanto visão de mundo, conceitos aqui emprestados do Prof° Milton Santos; 
 
3. a incorporação de novas áreas científicas e de novas tecnologias, com influências diretas na concepção e na 
organização dos espaços como a biogenética, a comunicação móvel celular, a visão metabólica da cidade, a 
informatização da vida cotidiana, a diversificação da matriz energética, entre outras; 
 
4. as exigências crescentes e cada vez mais instrumentalizadas traduzidas em proteções, garantias, certificações, 
homologações, normas, que garantam qualidade, desempenho, durabilidade, economia e resguardem a 
integridade do produto, seja edificação ou objeto; 
 
5. a gradativa utilização de tecnologias limpas que avançam no sentido de menos poluição, menos ruído, menos 
desperdício e menos agressão ao meio ambiente; 
 
6. o desenvolvimento do conhecimento sensível, como por exemplo, no estudo do fenômeno da cor, até há 
pouco tempo explicado pelo seu aspecto sensitivo, hoje com várias teorias da ciência da percepção, do processo 
cognitivo e da colorimetria em Berkeley, MIT e Barcelona; 
 
7. as experiências arquitetônicas no exterior que a partir da obra do Centro Pompidou em 77, dos arquitetos 
Richard Rogers e Renzo Piano, aos quais se juntam Norman Foster, Santiago Calatrava, Jean Nouvel, Bernard 
Tschumi, Nicholas Grimshaw, Dominique Perrault, I. M. Pey, entre outros, e no Brasil, João Filgueiras Lima e o 
arquiteto que aqui escreve, colecionam um formidável acervo de projetos e obras, documentadas em textos 
críticos e publicações que as situam como experiências contemporâneas, cujas referências recíprocas são 
inevitáveis. 
Que princípios norteiam essas obras e as une como uma nova forma de abordagem da arquitetura, de sorte que 
se possa reconhecer um novo movimento? E que aspectos as separam e marcam as diferenças entre os vários 
caminhos. Como resposta alguns pontos merecem ser destacados: 
 
a) respeito ao sítio onde se implantam e aos programas específicos. 
“Na Europa, a modernidade e o quadro histórico pareceu formar uma simbiose muito mais forte que na grandeépoca do modernismo, que buscava impor uma nova ordem. A vida cotidiana dos europeus está submetida à 
confrontação permanente da tradição e uma rápida evolução. Um dos fatores fundamentais da viabilidade da 
arquitetura contemporânea é sua capacidade de evoluir na direção da aceitação do passado, mesmo que 
apareçam novas formas e soluções” .... 
“A estética da concepção arquitetônica parece mais e mais sempre ditada, não mais por convenções estilísticas 
pré-determinadas, mas por fatores ligados ao sítio ou ao programa” .... 
“Construir na Europa hoje requer uma tolerância e uma abertura que não convém de maneira nenhuma a um 
enfoque dogmático. Cada regra conhece suas exceções. A arquitetura atual é antes de tudo a soma dessas 
exceções. (Jodidio, 1998); 
 
b) os contextos econômicos e políticos vigentes na maioria dos países, dão aos arquitetos múltiplas razões para 
se inquietar com o futuro, quando se constata uma tomada de consciência engrandecendo a importância da 
qualidade da construção que entrava a realização de um número mais elevado de projetos inovadores. Esse 
procedimento que mais recentemente vem ocorrendo na Europa, no Brasil nos acompanha pelo menos há 
quatro décadas, com uma arquitetura que em termos de renovação e qualidade construtiva, deixa muito a 
desejar; 
 
c) uso de novas tecnologias, visando a uma produção qualitativamente mais controlada por processos 
industrializados, fazendo gradativamente do canteiro de obras o local de montagem. Isso implica numa 
abordagem sistêmica e planejada de todo o ciclo produtivo da obra na sua totalidade, desde a elaboração de 
projetos profundamente detalhados e compatibilizados. Não há improvisos ou soluções de obra, como ocorre 
com frequência na obra tradicional. Daí outro aspecto que as une: a importância do projeto na explicitação da 
noção de qualidade na cadeia produtiva da construção civil; 
 
d) outro ponto a destacar na questão da contemporaneidade é que cada intervenção no espaço, deve adequar-
se ao conhecimento estruturado das ciências humanas. Não se consegue imprimir uma visão prospectiva e de 
futuro para a arquitetura, sem o conhecimento histórico das experiências formais e espaciais do passado, 
umbilicalmente ligadas à paulatina evolução das técnicas no tempo; 
 
e) outro procedimento contemporâneo é imprimir ao projeto a visão de processo que nunca se esgota, com o 
contínuo aprimoramento das linguagens arquitetônicas no uso das tecnologias do concreto, do aço, da madeira, 
da alvenaria estrutural, da argamassa armada, do solo-cimento e outras tantas, cada uma delas apropriada às 
condições de trabalho estrutural, às circunstâncias de como se dá a produção de cada sistema em cada região, 
objetivando a melhor relação custo-benefício; 
 
f) outro aspecto, aparentemente paradoxal, que une as experiências arquitetônicas contemporâneas é a 
liberdade com que cada arquiteto imprime à sua obra, o que caracteriza as diferenças que toda obra de arte 
deve ter e onde se expressa a individualidade do criador. E não poderia ser diferente: regiões, lugares, sítios, 
relevos, climas, programas, tipologias, usos, sistemas construtivos, materiais e tudo o mais, bastante diversos, 
não há porque engessar formas, com padrões e modelos dogmáticos, materializando mais um “novo estilo”. Há 
sim, que haver coerência global no planejamento, no projeto, na fabricação e na execução da obra, de modo a 
satisfazer as necessidades econômicas, fisiológicas, ambientais e estéticas, direcionadas à razão e à emoção do 
homem; 
 
g) portanto, uma característica estrutural da visão contemporânea da arquitetura está na conjunção de questões 
interagentes que ocorrem na produção da arquitetura – homem, lugar, uso, medida, ambiente, técnica, matéria, 
ciência, tecnologia – enquanto aspectos de um universo objetivo, com o conjunto de variáveis do mundo 
sensível das ideias e da criação, nessa constante busca da essência, do equilíbrio, do harmônico, do duradouro, 
com o permanente desafio da busca de excelência estética, econômica e construtiva e no atendimento às 
satisfações físicas, e psíquicas dos indivíduos que dela usufruem. 
A arquitetura contemporânea é o resultado físico-espacial do encontro equilibrado e harmônico entre dois 
mundos: o racional e o sensível.

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