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MOSAICO LIBANES

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Parte 11 
A guerra no mosaico libanês. 
 
Ao chegarmos a este ponto do livro, nos vemos obrigados a fazer uma confissão de 
peito aberto aos leitores que se dignaram a nos acompanhar até aqui. A questão libanesa 
nos intimidava. Os detalhes e os complicados meandros do mosaico libanês e de sua 
tumultuada guerra civil nos impunham uma séria dúvida: seria possível em apenas um 
capítulo lidarmos convenientemente com o assunto? A tentação de “saltar o assunto” e ir 
adiante fazendo apenas alusões ocasionais às tensões do Líbano foi grande. Contudo, como 
esta é uma obra que abarca os conflitos árabes-israelenses, e como é notório o 
envolvimento direto, de fato, “até o pescoço” da nação judaica na guerra intestina do país 
dos cedros, nos sentimos na obrigação de enfrentar o problema e desenvolver algumas 
linhas sobre essa tormentosa guerra civil. 
Tentemos, antes de mais nada, apresentar um diagnóstico dos principais grupos 
políticos, seus números, suas sutilezas para que possamos ter alguma idéia da tragédia 
libanesa. O Líbano moderno emergiu da ocupação francesa após a Segunda Guerra 
Mundial como um país cuja paz e estabilidade dependia da manutenção de um sensível 
equilíbrio entre as várias comunidades e também do comportamento dos dois mais 
destacados poderes estrangeiros em suas fronteiras: Israel e a Síria. O panorama das 
comunidades do Líbano em meados de 1975, ano da retomada da guerra civil era o 
seguinte: 
 
Cristãos maronitas – Sua população era de por volta de 700 mil pessoas. 
Formavam a comunidade mais próspera e politicamente influente do país. Ocupavam 
basicamente as montanhas do norte do Líbano e controlavam Beirute oriental. O acordo 
entre as comunidades atribuía aos maronitas 30 cadeiras no parlamento e o direito de 
indicar o presidente da república. Um importante detalhe a ser ressaltado, é que os 
maronitas não desfrutavam de uma unidade monolítica. A liderança da comunidade era 
dividida entre 4 famílias tradicionais rivais: Eddé, Chamoun, Frangieh e Gemayel. As três 
últimas controlavam forças milicianas armadas: os Chamoun contavam com uma tropa 
denominada “os tigres”; os Frangieh, o Exército de Libertação de Zghorta. Finamente os 
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Gemayel eram apoiados pela milícia mais numerosa e que viria a se tornar hegemônica 
entre os maronitas, a Falange. O fato dos maronitas tentarem se opor ao crescimento do 
peso político dos muçulmanos no xadrez libanês, não impedia que as suas várias milícias, 
vez por outra, retornassem ao velho hábito de tirotear animadamente entre si. O pedido de 
apoio israelense em favor dos maronitas para travar a guerra civil foi uma iniciativa de 
Bashir Gemayel, filho de Pierre Gemayel, chefe da Falange, secundado por Danny 
Chamoun, filho de Camille Chamoun, líder dos tigres. Ao mesmo tempo, outros grupos 
maronitas mantinham estreitos contatos com os sírios. 
Muçulmanos sunitas – sua população alcançava também por volta de 700 mil 
pessoas. O acordo político assegurava aos sunitas 20 lugares no parlamento e o direito de 
indicar o primeiro ministro. Durante a guerra civil, destacou-se na comunidade muçulmana 
sunita a combatividade da milícia Mourabitoun, de orientação nasserista. Os sunitas 
desejavam uma mudança no equilíbrio político libanês com o fito de aumentar o peso da 
presença muçulmana nas instituições governamentais. 
Muçulmanos xiitas – Eram cerca de 1 milhão de pessoas. A maioria deles pobres e 
vivendo no sul do país em aldeias. Tinham direito a 20 cadeiras no parlamento. Seguiam de 
um modo geral a orientação política do Movimento dos desvalidos, uma organização 
liderada pelo xeque Mohamed Yaacoub. O fortalecimento dos movimentos islâmicos de 
cunho religioso provocou o crescimento do ativismo político dos grupos xiitas. Grupos tais 
como o Movimento dos Desvalidos, promoviam importantes programas de ajuda social e 
ao mesmo tempo procuravam organizar politicamente as comunidades que recebiam sua 
assistência. Em 1982, com a grande invasão israelense, os xiitas saudaram a presença 
judaica no Líbano com simpatia. Isto porque mantinham relações de franca inimizade com 
os guerrilheiros da OLP e seus aliados sunitas. Para eles, a vitória de esquerdistas ateus 
representaria o pior dos mundos. Contudo, a aliança dos israelenses com os maronitas da 
Falange e sua insistência em permanecer no sul do Líbano logo modificou a posição dos 
xiitas, derivando-a para uma franca hostilidade. Não há dúvida que a vitória do Aiatolá 
Khomeini e de sua Revolução Islâmica no Irã em 1979 fortaleceria ainda mais a militância, 
a disposição e a influência de grupos políticos xiitas. No Líbano, o grupo Amal era a 
organização armada mais aguerrida entre os xiitas. Mais tarde, no sul do Líbano, formariam 
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uma organização que viria a se tornar uma das mais encarniçadas inimigas de Israel: o 
Hisbolá (Partido de Deus). 
Gregos-ortodoxos – Eram aproximadamente 400 mil pessoas. Apesar de cristãos, 
lutaram ao lado dos muçulmanos e da OLP na guerra civil libanesa pois jamais suportaram 
os maronitas. Tinham direito de eleger 11 deputados no parlamento libanês. 
Muçulmanos drusos – Alcançavam por volta de 300 mil pessoas. Formam até hoje 
a comunidade muçulmana mais coesa do Líbano. Casam-se apenas entre si e são vistos 
pelos demais muçulmanos como heréticos. Obtiveram notoriedade como tremendos 
guerreiros na defesa de suas áreas nas proximidades das montanhas de Shouf. Até a invasão 
em 1982, nunca tiveram problemas com os israelenses, e conseguiam manter os maronitas 
longe de suas montanhas. Eram liderados pela família Jumblatt, e indicavam 6 deputados 
para o parlamento. 
Armênios – Aproximadamente 250 mil. Dividiam-se entre a religião católica e 
ortodoxa. Tinham direito a 5 deputados no parlamento libanês. 
Protestantes – Eram apenas 100 mil. Possuíam apenas 2 representantes no 
parlamento. 
Palestinos – Milhares de palestinos haviam se transferido para o Líbano desde 
1948. Viviam fundamentalmente em campos de refugiados, mas também se fixaram em 
Beirute ocidental. Em 1970, com o “Setembro Negro” na Jordânia, mais um grande número 
deles transferiu-se para o país, incluindo Yasser Arafat e seus combatentes da OLP. Os 
palestinos alcançavam por volta de 500 mil pessoas no Líbano. Muito politizados, 
simpatizantes das teses de esquerda e divididos em pelo menos 8 organizações militantes 
diferentes (nem todas sob a autoridade da OLP), sua presença teria alterado totalmente o 
equilíbrio de forças vigente no Líbano. Os maronitas, de um modo geral pró-ocidentais e 
zelosos pela manutenção de seus negócios e propriedades, nutriam para com eles grande 
desconfiança que logo se deteriorou para franca inimizade. A chegada de Arafat acirrou os 
ânimos entre os maronitas, pois temiam que a OLP fundasse um Estado independente 
dentro do país. 
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A guerra civil libanesa foi revigorada em abril de 1975, com uma emboscada 
promovida por milicianos da Falange contra um ônibus que transportava palestinos, 
vitimando 27 pessoas, inclusive mulheres e crianças. Os maronitas alegavam que estavam 
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retaliando devido `a agressão contra uma de suas igrejas ocorrida no dia anterior. Logo o 
grupo palestino FPLP-CG (Frente Popular pela Libertação da Palestina – Comando Geral), 
grupos de esquerda libaneses e a milícia Mourabitoun sunita estavam em guerra aberta com 
os militantes maronitas. No primeiro momento, Arafat e a OLP tentaram se manter neutros, 
mas os ataques dos milicianos maronitas contra campos de refugiados controlados pela 
OLP levou-os a mudar de posição e empenhar suas forças no conflito. No mesmo ano, o 
líder dos drusos Kamal Jumblatt declarou que seu povo jamais apoiaria qualquer governo 
no Líbano vinculadoà Falange. Mesmo que os falangistas contassem com o apoio das 
outras milícias maronitas e de unidades do exército libanês, a aliança muçulmana era muito 
forte e eles acabariam fatalmente esmagados. 
Em 1975/76, quem impediu a destruição militar dos maronitas foi a Síria. O 
presidente Hafez Assad não desejava que o Líbano fosse controlado por um governo que 
poderia ser hegemonizado pela OLP, e tropas sírias cruzaram a fronteira e se instalaram no 
oeste e no norte do país. Damasco nunca abandonou a esperança de formar uma Grande 
Síria, impondo um apertada hegemonia nas regiões libanesas limítrofes. Os israelenses, que 
acompanhavam atentamente os acontecimentos no país vizinho, permitiram que os sírios 
entrassem com força no Líbano para salvar a pele dos maronitas. Um acordo, arbitrado 
pelos EUA entre Síria e Israel garantia que o último não se oporia à presença da “Força de 
paz da Síria” contanto que esta não desfrutasse de com apoio aéreo e mísseis e se 
mantivesse pelo menos a 24 quilômetros de distância da fronteira israelense. A área de 
demarcação que separaria os sírios da fronteira de Israel seria denominada “Linha 
Vermelha”. 
Porém, ter a pele salva pela intervenção síria não era suficiente para os desejos das 
mais destacadas lideranças maronitas. Muito mais do que isso, o que almejavam era a 
reconquista do controle político do Líbano, o que significava em rápidas palavras, a 
erradicação das bases da OLP no país. Os sírios jamais iriam tão longe e portanto, restava 
aos maronitas solicitar apoio israelense. Nas milícias cristãs havia um número suficiente de 
homens dispostos a luta, mas não possuíam armamento, principalmente do tipo pesado. 
Logo, Bashir Gemayel e Danny Chamoun viajaram para Israel para apresentar seus pontos 
de vista ao governo daquele país. 
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A primeira entrevista foi com Shimon Perez, que não tardou a comunicar o fato ao 
na época primeiro ministro Yitzhak Rabin. Os dois líderes consideraram muito interessante 
o pedido de ajuda dos maronitas. Em primeiro lugar, apesar de serem cristãos, os maronitas 
continuavam árabes. Tratava-se de um belo precedente a ser explorado o fato de árabes 
pedirem ajuda a Israel. Além disso, uma vitória maronita com o suporte israelense 
permitiria com que o governo do Líbano reconhecesse e estabelecesse relação regulares 
com Israel. Seria o segundo país árabe a fazer isso. O primeiro havia sido o Egito. 
Finalmente os maronitas se comprometiam a eliminar a OLP e todos os demais grupos 
palestinos do Líbano. Destruir a OLP, eliminar suas bases e neutralizar totalmente os 
ataques que estes dirigiam contra a região da Galiléia a partir do sul do Líbano, sem 
precisar de verter o sangue de soldados israelenses, era uma possibilidade apetitosa demais 
para ser deixada de lado. 
Com o intuito de sondar o terreno, o governo israelense enviou para o Líbano um 
oficial da FDI, Benjamin Ben Eliezer, que falava árabe fluentemente devido à sua 
procedência iraquiana. Todos os entendimentos entre Israel e os maronitas deveriam correr 
no mais obscuro sigilo, pois um movimento como esse certamente atrairia a ira da Síria e a 
reprovação norte-americana e soviética. Todavia, alguém deve ter se esquecido de advertir 
as massas maronitas da necessidade de segredo, pois Ben Eliezer, ao chegar ao Líbano 
acompanhado de Danny Chamoun, percorreu uma estrada até Beirute coalhada em suas 
margens de multidões de cristãos maronitas que o aplaudiam delirantemente. Em um dado 
momento, dois caminhões se aproximaram arrastando a carcaça de corpos de guerrilheiros 
palestinos. Diante de um Ben Eliezer atônito, Chamoun explicou que era assim que os 
maronitas tratavam os terroristas. À noite, já em Beirute, mulheres milicianas maronitas 
exibiram ao oficial israelense espantado, suas bem cuidadas coleções de orelhas palestinas
2
. 
Ben Eliezer, ao voltar a Israel, pode até ter apresentado ao governo um colorido e 
detalhado informe dos episódios que testemunhara no Líbano, o que certamente levaria 
homens sensatos a concluir que os integrantes das milícias maronitas haviam se convertido 
em entusiásticos degoladores e caçadores de orelhas, e se sentiam perfeitamente 
confortáveis em assumir tal condição. Não obstante as náuseas e os pudores despertados e 
proferidos, o realismo político venceu e o governo de Israel resolveu ajudar os maronitas 
com armas, munições e assessoria militar. 
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A ajuda israelense permitiu que os combates se equilibrassem no Líbano, mas a 
força das milícias maronitas era insuficiente para a erradicação da OLP. Lembremos ainda 
que não existia uma unidade total entre os vários grupos de militantes cristãos, o que 
dificultava os projetos de ação comum. A família Gemayel se esforçou em solucionar o 
problema. Em 1978, falangistas ligados aos Gemayel assassinaram Tony Franjieh, cuja 
fação era ligada a Síria. Em 1980, o quartel dos tigres foi atacado e por volta de 80 deles 
foram mortos (juntamente com a amante de Dany Chamoun e sua filhinha, ainda um bebê 
de colo). Dany conseguiu escapar para a Europa, mas o poder dos Chamoun e de seus tigres 
estava temporariamente liquidado. Logo depois, Etienne Saqre e Georges Adwan, chefes de 
dois pequenos grupos de milicianos maronitas declararam aceitar a liderança dos Gemayel 
e com isto, escaparam da morte. 
Os lances da política libanesa eram pontuados por numerosas traições e sangrentos 
assassinatos. O amálgama de facções, as lutas intestinas fazia do país um saco recheado de 
gatos raivosos. A melhor política seria apostar que a ONU ou a Liga Árabe tentassem 
arbitrar a confusão obtendo pausas nas matanças e procurando impedir que o país se 
partisse em cacos minúsculos e brigões. Entretanto, a partir de 1981, o governo israelense 
mudaria de política e acabaria por envolver-se diretamente na ciranda libanesa. 
O resultado das eleições de 1981 produziu o primeiro governo inteiramente de 
direita da história de Israel. Os analistas da época atribuíram esse estrondoso triunfo de 
Begin ao ataque devastador realizado pela FAI ao reator nuclear em construção no Iraque 
(Operação Babilônia). O governo do presidente Sadam Hussein avançava celeremente na 
construção de um reator em Tamuz, na localidade de Osirak. A FAI despachou 16 
aeronaves, 8 F-16 Fighting Falcon e 8 F-15 Eagle (o “cavalo de batalha” da força aérea dos 
EUA até hoje). Armados com bombas guiadas a laser, levaram apenas dois minutos sobre o 
alvo para destruir reator e voaram de volta à Israel sem sofrer qualquer baixa
3
. 
A ousadia da empresa e a brilhante execução do ataque renderam votos extras à 
coligação liderada pelo Likud de Begin. Os falcões da política israelense reuniram-se todos 
no ninho governamental embalados pela vitória. Begin continuaria a ser o primeiro 
ministro; Ariel Sharon, inicialmente na pasta da agricultura, chegou ao ministério da 
defesa; Yitzhak Shamir consolidou sua posição no governo. Nas forças armadas, um outro 
falcão, o general Rafael Eytan assumiu o posto de chefe do estado maior. No mesmo ano de 
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1981, para desafiar o dito do poeta que “os ventos do norte não movem moinhos”, chega ao 
poder nos Estados Unidos Ronald Reagan. A “onda conservadora” que varreu o mundo na 
década de 1980, constituiu o ambiente que permitiu uma autonomia maior de ação para as 
lideranças extremadas da direita israelense. 
No que se referia ao problema dos territórios ocupados de Gaza, Cisjordânia e 
Golan, o governo israelense logo deixou claro que não pretendia de modo algum aplicar as 
políticas de transição negociada que havia se comprometido em Camp David. O primeiro 
passo efetivo dessa decisão foi o anúncio da anexação formal da área de Golan. O gesto não 
irritou apenas os sírios,mas também todo o mundo árabe. Os representantes de Damasco 
protestaram na ONU, e a organização reafirmou a posição (com a aprovação dos EUA) que 
deixava claro que a aquisição de territórios por meio de força militar era inadmissível e 
conclamava Israel a rever sua política. 
A postura dos norte-americanos era muito desconfortável. Desde o momento em 
que a URSS havia se envolvido na guerra do Afeganistão (1979), os Estados Unidos 
perceberam uma luz verde que, caso bem aproveitada, poderia melhorar muito suas 
relações com os governos muçulmanos. Os americanos forneceriam todo o suporte 
necessário para a luta dos mujahedins contra os russos. A máquina financeira e de 
propaganda dos EUA funcionou a todo o vapor. Holywood retratou os combatentes afegãos 
como heróis da liberdade. Nada disso afastava o governo americano da tese que 
identificava Israel como um aliado estratégico. Reagan e Begin aliás davam-se muito bem 
(na correspondência pessoal que mantinham, tratavam-se com intimidade: Menachem para 
lá, Ron para cá). Desejavam os Estados Unidos no entanto que os israelenses colaborassem 
adotando uma postura mais positiva (ou ao menos não provocativa) em relação aos 
problemas árabes. Israel e o mundo muçulmano: Reagan queria as duas coisas
4
. 
Mas esses apelos estavam além das possibilidades de Begin e Ariel Sharon. Ambos 
não se sentiam vinculados às obrigações atestadas em Camp Davide e não estavam 
dispostos a permitirem que suas iniciativas fossem limitadas pelos namoros de Washington 
com o Islã. Com efeito, não tardaram a acelerar a política de desapropriação de terrenos 
árabes e de construção de novos assentamentos judaicos nos territórios ocupados. 
Sharon, por seu lado, uma vez no poder como responsável pela defesa, e apostando 
na lentidão das reações norte-americanas contra Israel, começou a imaginar planos mais 
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ambiciosos, cujo resultado seria a consolidação definitiva da posse das áreas ocupadas 
viabilizando para sempre o Grande Israel. A idéia de Sharon era a seguinte: Israel, com 
todo o peso de seu poder militar, deveria invadir o Líbano e executar o trabalho que os 
maronitas não foram capazes de concluir: destruir completamente a estrutura da OLP no 
país. Sharon almejava que, uma vez expulsos do Líbano, os palestinos poderiam ser 
compelidos a migrarem em massa para a Jordânia. Ao livrar-se dos palestinos, Israel 
poderia redesenhar o sistema político libanês de acordo com a sua vontade. Como segunda 
parte do plano, estava disposto a usar o poder de Israel no sentido de obrigar o rei Hussein a 
aceitar os palestinos de volta e até mesmo, caso fosse necessário, prestar auxílio para que 
estes derrubassem os Hashemitas do poder transformando a Jordânia em um Estado 
puramente palestino. Desse modo, Sharon esperava que os palestinos e a comunidade 
internacional que os apoiava desistissem de criar problemas por causa da Judéia, Samaria e 
do Distrito de Gaza, admitindo a total soberania israelense
5
. 
Sharon sempre foi um personagem que, na perseguição de seus objetivos, jamais 
mediu esforços e sequer se preocupou com exageros. Desde sua juventude esteve envolvido 
nas operações de retaliação contra os palestinos, e de fato, seus resultados sempre foram 
muito além das espectativas estabelecidas (ou desejadas) pelo poder civil. Era um oficial do 
exército insubordinado (mais até do que Moshe Dayan) e entendia que as tropas sob o seu 
comando na verdade a ele pertenciam e não ao governo. Conseguia irritar até os demais 
colegas oficiais generais e, certamente, o que preservava a sua carreira era o fato de ser um 
oficial dotado de capacidade muito acima da média. Até mesmo Begin, claramente um 
parceiro do mesmo espectro político de Sharon fazia-lhe ressalvas. O primeiro ministro 
entendia que Sharon, não obstante ser um oficial brilhante, não mantinha boas relações com 
a verdade. 
Seu plano tinha conteúdos ousados e também flagrantemente inexcrupulosos. Salvo 
para Begin e para Rafael Eytan, em sigilo, não poderia revelar seus reais objetivos 
abertamente para o resto do governo e o Knesset. Uma modificação da situação política em 
dois países mediante o uso da força, o Líbano e a Jordânia, um abandono declarado dos 
protocolos de Camp David, um plano cujo objetivo final era a anexação dos territórios 
ocupados em desafio à ONU, nada disso poderia vir a público com todas as letras de sua 
crueza. Sharon optou por apresentar ao governo e ao público uma linha de ação bem mais 
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modesta. Previa o emprego de tropas israelenses apenas no sul do Líbano, com o intuito de 
impedir que guerrilheiros palestinos continuassem a alvejar a Galiléia com suas plataformas 
de foguetes Katyusha (trata-se de uma arma desenvolvida pela URSS durante a Segunda 
Guerra Mundial fazendo sua estréia diante de Smolensk em 1941. O BM-13-16 
“Katyuasha” é uma plataforma de foguetes transportada por caminhões. Dispara de uma só 
vez, acondicionados em 8 trilhos, 16 foguetes de 132 milímetros dotados de ogivas 
explosivas de fragmentação. Os cinco homens de sua guarnição levam apenas de oito a dez 
minutos para recarregar e atirar novamente. A tarefa de localizar e destruir as Katyushas é 
dificultada devido à sua mobilidade. Na época da Guerra Fria, os aliados da URSS eram 
agraciados com baterias de Katyushas)
6
. 
A campanha elaborada detalhadamente pela equipe de Eytan afirmava que em 
nenhum momento a FDI pretendia marchar sobre Beirute. Uma ação como esta 
necessariamente forçaria a ultrapassagem da Linha Vermelha e um choque com as tropas 
sírias. Só assim, ultrapassando as posições sírias, os israelenses alcançariam a rodovia para 
Beirute. 
Antes de mover as tropas, Sharon voou para Washington com o intuito de advertir 
os americanos de seu plano. Perante o diplomata de origem libanesa Philip Habib, declarou 
que caso os palestinos continuassem seus ataques à Galiléia via Líbano, Israel não teria 
outra escolha a não ser invadir o Líbano e só sair do país depois de ter arrasado 
completamente as bases dos terroristas. Habib, assustado, lembrou a Sharon que estavam 
no século XX, e que os tempos haviam mudado. Era inaceitável que um país invadisse 
outro, espalhasse a destruição e eliminasse civis indiscriminadamente. No final, a invasão 
provocaria necessariamente uma guerra com a Síria e todo o Oriente Médio seria engolfado 
em chamas. Sharon replicou que Israel insistia no seu direito de se defender e agiria de 
acordo com isso. Não estava pleiteando a permissão americana, estava apenas comunicando 
antecipadamente a questão. Discurso semelhante foi proferido ao secretário de Estado 
Alexander Haig, que igualmente ficou boquiaberto
7
. 
Em junho de 1982, o esperado pretexto para lançar a “Operação Paz para a Galiléia” 
finalmente ocorreu. Em Londres, um grupo palestino feriu gravemente o embaixador 
israelense Shlomo Argov. Diante do gabinete israelense reunido para discutir o problema, 
integrantes do Mossad asseguraram que o atentado havia sido realizado pelo grupo liderado 
 10 
por Abu Nidal (Sabri al-Banna). A OLP nada tinha com isso, pois Abu Nidal era o mais 
terrível inimigo de Yasser Arafat, a quem qualificava de capitulacionista e “filho de 
judeus”. A OLP havia sentenciado Abu Nidal a morte devido ao fato de membros de sua 
organização terem assassinado integrantes moderados da OLP. Begin não estava 
interessado em detalhes. Declarou que “todos eles eram a OLP”8. 
Passando a ação, o governo liberou a FDI para iniciar a invasão do Líbano. 
Divulgou um comunicado afirmando que as finalidades da operação eram limitadas. 
Pretendiam eliminar a ameaça dos terroristas contra a Galiléia avançando somente 50 
quilômetros além da fronteira internacional. Prometeuainda que o exército sírio não seria 
atacado, a menos que este alvejasse os soldados de Israel. Em um domingo, 6 de junho de 
1982, colunas blindadas da FDI entraram no Líbano iniciando a Operação Paz para a 
Galiléia”. 
Como tentamos demonstrar nas páginas anteriores, o Líbano havia de convertido em 
uma terra de “matamouros”. Pois foi no meio desse pântano de facções aguerridas e 
confusas que a dupla Begin-Sharon atolou as forças armadas de Israel. A guerra desta vez 
se daria bem além do solo israelense. Embora o pretexto para a mesma fosse a proteção do 
norte do país dos ataques palestinos, os soldados israelenses viram-se rapidamente 
avançando adiante das linhas demarcatórias da campanha anunciadas pelo seu governo, 
enfrentado um adversário tenaz e engenhoso: o guerrilheiro palestino. Sharon desejava 
destruir a OLP, e para isso, inevitavelmente teria de alcançar Beirute. Para chegar a capital 
do Líbano a FDI deveria cortar e controlar a rodovia. Isso implicava em um confronto 
direto com os sírios. 
A Síria mantinha uma forte posição defensiva no vale de Bekaa. Estabelecera na 
região várias baterias de mísseis terra-ar apoiados por sistemas de radar e por canhões 
antiaéreos autopropulsados ZSU-23-4 soviéticos de tiro rápido com 4 tubos. A FAI 
monitorara exaustivamente a posição síria com aeronaves Grumman E-2C Hawkeye de 
controle aéreo dotadas de sofisticados sensores eletrônicos e ópticos. Os operadores dos 
Hawkeye perceberam que o adversário movimentava pouco o posicionamento de seus 
equipamentos na área. Isso possibilitou um mapeamento detalhado de todas as baterias de 
mísseis, das estações de radar e dos demais sistemas de apoio. No dia 9 de junho os 
israelenses atacaram o Vale de Bekaa. Utilizaram como vanguarda do ataque aeronaves 
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teleguiadas (drones) que uma vez percebidas pelos sírios, faziam com que acionassem 
todos os seus sistemas defensivos. A princípio, os radares não tinham como discernir os 
drones dos aviões de ataque de verdade. Logo atrás dos drones, voavam as aeronaves da 
FAI (Phantom F-4 , Skyhawk e Kfir-C2) armadas com mísseis anti-radiação AGM-78 
Standard e AGM-45 Shrike. Esses mísseis são guiados pelas ondas emitidas pelos radares. 
Em altitude mais elevada, o ataque era conduzido por Boings 707 para guerra eletrônica. 
Seus sofisticados equipamentos, além de identificar as posições sírias, interferiam com os 
sistemas de comunicações e os radares do adversário. 
Os bombardeiros da primeira leva destruíram os radares sírios. Logo depois a 
segunda onda de ataque, armadas com bombas comuns ou do tipo clusher (invólucros 
contendo feixes de bombas menores e granadas que se espalham por um ampla distância) 
terminaram o serviço. Em pouco tempo as plataformas de mísseis, os radares, centros de 
comando e geradores de energia estavam totalmente destruídos. Durante toda a invasão do 
Líbano, a FAI abateu ou destruiu no solo 84 aviões sírios, ao passo que suas perdas se 
limitaram a apenas um avião de reconhecimento Skyhawk e um helicóptero anticarro Bell 
AH-1 Cobra
9
. 
O sucesso fulminante da FAI no vale de Bekaa revelou importantes pontos. Antes 
de tudo, Israel estava livremente utilizando todos os aparelhos da vasta panóplia de 
sistemas de armamentos norte-americanos. Com a exceção do Kfir (uma cópia muito 
melhorada do Mirrage III, de produção israelense) todas as aeronaves de combate eram de 
procedência americana, e os sistemas de guerra eletrônica, os mais sofisticados da época, 
também. A aliança estratégica entre os Estados Unidos e Israel funcionava a pleno vapor. A 
seguir, o comando da força aérea israelense não estava disposto a assumir riscos 
desnecessários e subestimar os árabes (tal como havia feito na Guerra do Yon Kippur). O 
planejamento do ataque foi detalhado, e a finalidade da cuidadosa operação era a de 
destruir todos alvos sem perder nenhum piloto da FAI durante a ação, o que de fato 
ocorreu. Finalmente, levando em conta a lógica da Guerra Fria, é possível afirmar que do 
ponto de vista dos EUA e também da OTAN, o Oriente Médio era um bom campo de 
provas para os confrontos entre os equipamentos produzidos no Ocidente e aqueles 
concebidos pelos rivais soviéticos. Nas mãos dos planejadores, técnicos, operadores e 
pilotos israelenses, os sistemas da OTAN estavam levando nítida vantagem sobre seus 
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rivais. Já na década de 80, a injeção tecnológica, a sofisticação e o desenvolvimento 
superior da informática ocidental estavam fazendo diferença em relação ao padrão 
soviético. 
A eliminação das forças sírias em Bekaa garantiu a estrada livre para Beirute. 
Embora os grupos palestinos e seus aliados libaneses fossem capazes de fustigar os 
israelenses, não possuíam nem equipamento nem comando regular eficaz para deter as 
colunas blindadas da FDI. O anel de aço e fogo com o que os israelenses sitiaram Beirute 
estava além de todo o planejamento de campanha e pegou tanto a opinião pública mundial 
quanto a própria população israelense de surpresa. Sharon, largando fora o terno e a gravata 
de ministro e envergando o fato militar de soldado, retornava à velha condição de oficial e 
realizava frenéticas visitas ao front com o intuito de apressar as coisas. Colocar as unidades 
em posição, trazer a artilharia para o alcance, armazenar as munições e fechar o cerco. 
Sharon não queria que o comando da FDI se preocupasse com as baixas entre os soldados 
ou cuidasse de qualquer outra coisa que não fosse fechar os acessos à Beirute e confinar os 
palestinos na parte ocidental da cidade. 
Unidades de paraquedistas assumiram o controle do aeroporto internacional e 
tanques penetraram nos subúrbios ao sul da cidade. Os palestinos e seus aliados cediam 
terreno cobrando um custo elevado em sangue aos israelenses. A artilharia da FDI 
respondia malhando quarteirões com o apoio de caças. Como era de se esperar, a 
reprovação internacional se fez presente. Beirute era uma metrópole moderna e populosa. 
Nada justificava o fato da cidade ser submetida a cerco e bombardeada pela artilharia. A 
maioria esmagadora dos habitantes de Beirute (mesmo na parte ocidental) não era 
constituída de palestinos, e mesmo entre eles haviam mulheres e crianças. Em Israel o 
clamor público também se fez sentir. Como explicar que a segurança e a sobrevivência do 
Estado judaico dependia da demolição de Beirute? Qual a razão de uma operação militar, 
anunciada como limitada, ser transformada em uma campanha cuja ferocidade se 
assemelhava a de um rei Senaqueribe da Assíria dos tempos de antanho? Pais, mães e 
esposas dos soldados começaram a apresentar veementes protestos contra os riscos que os 
seus parentes estavam se expondo, e logo as listas de baixas começaram a aumentar. Para 
culminar, dentro do próprio exército, soldados amedontrados ou moralmente chocados com 
 13 
a situação começaram a se recusar a obedecer. As prisões dos rebeldes e insubmissos se 
avolumaram. 
Enquanto pode, a dupla Begin-Sharon forçou a mão. Em Washington o presidente 
Reagan aumentava a pressão com o intuito de deter o gládio israelense, mas Sharon 
desejava tomar Beirute ocidental a todo o custo. No primeiro momento imaginou que 
poderia contar com as milícias cristãs para a tarefa. Estas, sob a cobertura da artilharia e da 
aviação israelense, entraria no setor da cidade controlado pelo inimigo, e entre os 
escombros caçaria e liquidaria os guerrilheiros palestinos. Mas os chefes maronitas 
declararam que seu pessoal não estava preparado para uma luta como aquela. Contentavam-
se em defender as áreas da cidade sob o seu controle, e com alegria transferiam a honra de 
travar a luta sangrenta de rua em rua e de casa em casa para a infantaria israelense. Dentro 
dacidade, as vantagens representadas pelo poder de fogo da artilharia e da aviação estariam 
neutralizadas. Acuados, os palestinos, com Kalashnikovs, armas antitanques portáteis RPG, 
coquitéis Molotov e granadas de mão preparavam-se para oferecer um feroz Stalingrado 
aos infantes de Israel. 
Diante disso, o comando israelense concluiu que o melhor para todos seria curvar-se 
à pressão internacional e permitir a retirada dos palestinos da cidade. Sharon então entrou 
em cena com seu plano. Enviou um recado a Yasser Arafat afirmando que estava preparado 
para fazer com que o rei Hussein os aceitasse de volta a todos, sem problemas. À força se 
necessário. Em paz, os palestinos sairiam de Beirute e iriam para a Jordânia em massa com 
toda a segurança. Arafat respondeu que em primeiro lugar, o lar do povo palestino não era a 
Jordânia; em segundo lugar, acusava Sharon de estar tentando explorar a agonia do povo 
palestino e transformar a disputa palestino-libanesa em um conflito entre os palestinos e os 
jordanianos. 
Após saber da resposta de Arafat e soltar um punhado de imprecações em árabe, 
Sharon resolveu fortalecer seu ponto ordenando um bombardeio de saturação contra 
Beirute ocidental. No dia 10 de agosto, canhões autopropulsados Soltan, tanques e a 
aviação realizaram a maior barragem da guerra: por volta de 300 pessoas morreram. Os 
acontecimentos se precipitaram. De Washington, Ronald Reagan pressionou vivamente o 
primeiro ministro Begin. No Líbano, uma delegação de lideranças do país procurou Yasser 
Arafat e implorou para que ele e seu povo fossem embora. 
 14 
Em Israel o apoio à iniciativa militar no Líbano enfraquecia mais e mais. Os 
movimentos pacifistas e os parentes dos soldados envolvidos no conflito pressionavam 
duramente. Em uma reunião do gabinete no dia 12 de agosto, o ministro da defesa foi 
privado de uma série de poderes: foi-lhe retirada a autoridade de ordenar ataques aéreos, o 
comando sobre as unidades blindadas e sobre a artilharia. Os israelenses cessariam a 
barragem contra Beirute e permitiriam que os palestinos saíssem da cidade. 
Os governos dos EUA e da França concordaram em enviar tropas para Beirute com 
o propósito de supervisionar a saída dos palestinos. O Egito, a Arábia Saudita e os emirados 
do Golfo Pérsico recusaram-se a aceitar os retirantes. Nada de solidariedade árabe coesa 
mais uma vez. Para esses governos, os palestinos eram uns encrenqueiros. Os palestinos 
sairiam de Beirute sob o olhar das câmeras de televisão do mundo inteiro, dando tiros para 
o ar em desafio. Arafat e 8.500 de seus seguidores rumaram por mar para a Tunísia. Outros 
2.500 foram distribuídos pela Síria, Iraque e Iêmem. Após mais de dois meses de guerra, a 
fortaleza da OLP no Líbano estava destruída. Cabia agora aos libaneses juntarem os cacos e 
tentar reencontrar o equilíbrio político do país. Begin e Sharon entendiam que Israel devia 
participar estreitamente do processo. Após a ajuda prestada aos maronitas, desejavam que o 
Líbano reconhecesse diplomaticamente e regularizasse suas relações com Israel o mais 
rápido possível. Como líder mais importante entre os maronitas, Bashir Gemayel, candidato 
à indicação como presidente foi chamado para um encontro secreto com Begin. 
No encontro, nada aconteceu como Begin queria. Gemayel assumiu uma postura no 
estilo “devagar com o andor”. A despeito de seu agradecimento aos israelenses, desejava 
costurar os equilíbrios do país. Tinha de empenhar-se em apaziguar os muçulmanos 
(sunitas, xiitas e drusos), e estes jamais aceitariam de imediato a regularização das relações 
entre os dois países. Lembrou também que o Líbano era um país árabe, muito menor e 
menos poderoso do que o Egito. A pressão das demais nações árabes descontentes com o 
reconhecimento seria irresistível. Os dois líderes se despediram muito contrariados um com 
o outro. Begin considerou Gemayel um mal agradecido que desconhecia onde lhe apertava 
o sapato. O libanês, durante o encontro, ficara irado pois percebera que Begin tentava trata-
lo como a um vassalo
10
. 
Gemayel seria de fato eleito presidente do Líbano. Mas 3 semanas depois da vitória 
foi assassinado em seu quartel, muito provavelmente por agentes sírios. Não se sabe ao 
 15 
certo se os assassinos de Gemayel eram oficiais do exército sírio ou se pertenciam à milícia 
palestina sustentada pela Síria (al-Saiqa). Isso porque a lista das facções libanesas e dos 
arredores que ficariam encantadas com o desaparecimento súbito de Gemayel era 
quilométrica
11
. 
Todavia, não é possível ignorar as profundas inclinações do presidente Hafez Assad 
pelo assassinato. Em seu próprio país, a Síria, o exemplo do que aconteceu com o povo de 
Hama em fevereiro de 1983 é emblemático. Muitos de nós, no Brasil, não sabemos que o 
Líbano e a Síria se destacam no quadro da história humana por abrigarem em seus 
territórios antigas e famosas cidades. Nenhuma urbe no mundo pode gabar-se de ser mais 
antiga do que Damasco. No litoral do Líbano, de Sídon e Tiro zarparam as bem conduzidas 
naus fenícias que praticaram as trocas e a fundação de colônias por todo o Mediterrâneo. E 
nas terras da Síria especificamente despontam ainda, junto com Damasco, Alepo, Worms e 
Hama. 
Hama era uma das cidades mais belas do Oriente Médio, e um centro fervoroso do 
Islã sunita. Muitas das lideranças religiosas abrigadas na cidade se opunham ao regime de 
Damasco, liderado por Hafez Assad desde 1970. Assad fazia parte da seita Alawita, pouco 
representativa em termos numéricos, mas muito ativa, pois sua doutrina permitia que os 
adeptos assumissem uma postura de radicais partidários da modernização a todo o transe. 
Os sunitas (maioria da população da Síria, cujos mais destacados pensadores viviam em 
Hama) olhavam os Alawitas com desconfiança e consideravam-nos hereges. Não tardou 
para que um ramo da organização fundamentalista Irmandade Muçulmana se estruturasse 
na Síria e iniciasse o proselitismo contra o governo. Como de hábito ocorre em países 
islâmicos, a sociedade civil, tolhida pelo sistema político autoritário, não tem como abrigar 
o debate das diferentes posições políticas e opções de poder. Resta então o expediente do 
uso da força como única possibilidade de virar a situação. E foi exatamente o que os Irmão 
Muçulmanos tentaram fazer, iniciando uma onda de atentados contra figuras do governo, 
incluindo a pessoa do presidente. 
Assad não titubeou. Sabia naturalmente que o centro intelectual da Irmandade era 
Hama. Enviou seu irmão e brigadas blindadas para lá. Deviam arrasar a cidade e resolver 
de vez o assunto. Hama tinha 120 mil habitantes, e com o ataque das brigadas de Damasco, 
 16 
instaurou-se a controvérsia acerca do número de mortos: as estimativas variam de 10 a 25 
mil pessoas vitimadas pela repressão de Assad
12
. 
Hoje em dia, a “praga” do “politicamente correto” tenta nos impedir de dizer 
algumas coisas, de fazer importantes considerações. Em face ao politicamente correto, 
podemos nos tornar covardes, omissos e hipócritas. E, pior ainda, podemos ser compelidos 
a assumir a condição de lamentáveis intelectuais simplórios. Nenhum distanciamento 
acadêmico proposto pela antropologia cultural nos impedirá de afirmar que no Oriente 
grassam governos que se comprazem em eliminar maciçamente parcelas de seus próprios 
povos ou de etnias consideradas inimigas do regime. Hafez Assad em Hama, Sadam 
Hussein eliminando xiitas e curdos, os turcos eliminando curdos e armênios e por aí vai. 
Enunciar uma lista completa seria tedioso. O massacre de Hama não provocou nem grandes 
rumores nem calorosos protestos. Foi engolido pela confusão do Líbano vizinho. O direito 
humanitário e o direito penal internacionalainda tem uma longa trilha a percorrer. 
Com a morte de Bashir Gemayel, o plano de Sharon para constituir um Líbano 
amistoso estava soterrado. O assassinato de Gemayel foi o pretexto para que forças 
israelenses fossem enviadas para Beirute ocidental a procura de guerrilheiros palestinos 
remanescentes. Foram acompanhados de perto por milicianos da Falange maronita sedentos 
de vingança. Na proximidades de Beirute ocidental, erguiam-se os campos de refugiados 
palestinos de Sabra e Shatila. No que concernia ao estado maior israelense, eram os ninhos 
onde se ocultavam os terroristas da OLP. A FDI sitiou os campos e manteve-os iluminados 
à noite com holofotes. Durante o cerco, permitiram que em pequenos grupos, milicianos 
falangistas entrassem nos campos e executassem um massacre. 
As páginas deste livro juntamente com as imagens de televisão e os textos 
jornalísticos já devem ter demonstrado vivamente ao leitor atento que, no Oriente Médio, 
algo que é muito ruim pode sempre tornar-se bem pior. O desfecho da luta no Líbano 
poderia ser outro. Para que caçar guerrilheiros remanescentes já que a estrutura da OLP 
estava destruída e sua liderança rumava para a distante Tunísia? O massacre de Sabra e 
Shatila prejudicou gravemente a respeitabilidade de Israel e de seu exército. Os soldados 
alegaram depois dos eventos, que não podiam saber o que ocorria nos campos. Porém, é 
muito difícil deixar de escutar o gemido de agonia de 800 a 1000 pessoas que estão sendo 
assassinadas. Além do mais, era fácil entender o que os maronitas armados fariam uma vez 
 17 
no interior dos campos. Muitos dos corpos das vítimas foram sepultados por seus parentes, 
mas somente o comitê da Cruz Vermelha Internacional sepultou 210 corpos: 140 homens, 
38 mulheres e 32 crianças
13
. 
Esse foi o epílogo macabro da intervenção israelense no Líbano. Como podemos 
avaliar tais acontecimentos? Do lado de Israel, a guerra do Líbano acabou provocando um 
grande desgaste político para o governo liderado pelo Likud e para a dupla Begin-Sharon. 
À medida em que a escalada crescia e o envolvimento israelense se aprofundava, as baixas 
aumentavam e os clamores populares de protesto se fizeram sentir. Não era possível afirmar 
que o sítio a Beirute era essencial para a sobrevivência de Israel. Aquela guerra não 
guardava qualquer semelhança com a luta de 1948, quando os pioneiros afrontaram os 
perigos e construíram o Estado judaico superando todas as apostas e expectativas de 
sucesso. Ao mesmo tempo, o soldado israelense de 1982/83 diferia muito dos colonos de 
1948. Muitos deles se habituaram a uma vida de classe média, passada nas escolas, junto às 
namoradas nas lanchonetes e diante das telas de televisão. Sua disposição para largar seu 
dia a dia para arriscar a pele no Líbano era pequena, e a capacidade de seus pais e amigos 
suportarem a dor de uma perda também. Os colonos religiosos ortodoxos poderiam apoiar a 
intervenção no Líbano ardorosamente, mas sua postura parecia hipócrita para a maioria da 
população israelense, moderna, ocidentalizada e laicizada. Afinal, os filhos dos religiosos 
não servem às forças armadas. Portanto seu sangue jamais se misturaria às águas do rio 
Litani, nem suas vidas correriam risco nos quarteirões de Beirute. 
Os desejos de um Líbano politicamente organizado sob o talante israelense também 
malograram. Bashir Gemayel foi assassinado, e a composição governamental que vingou 
por intermédio de seu irmão Amin Gemayel repetiria o quadro dos equilíbrios libaneses, 
agora sem a presença de uma OLP forte. Mas a animosidade contra Israel na fronteira não 
diminuiria. Os xiitas, antes preocupados em combater os sunitas, cristãos e a OLP 
formariam movimentos de resistência contra a presença israelense no sul do Líbano, e 
certamente, o mais fraco deles não seria o grupo Hizbollah (Partido de Deus). Assim, os 
ataques com morteiros e rampas de foguetes contra território israelense continuariam, só 
que desta vez as armas eram operadas por militantes xiitas. 
O grosso das tropas israelenses tinham portanto de sair do Líbano. Inicialmente 
queriam que sua retirada fosse seguida de um movimento análogo das unidades sírias que 
 18 
ocupavam as áreas do leste do país. Os sírios contudo, assumiram ares de que não 
pretendiam de livre e espontânea vontade mover-se de onde estavam, a não ser que 
ocorresse um novo dilúvio bíblico. Logo evidenciou-se que o deslocamento das tropas de 
Hafez Assad de suas posições só aconteceria pela força de um ataque israelense. Mas 
naquele momento, nem a comunidade internacional nem a opinião pública de Israel 
tolerariam uma nova guerra. A FDI iniciou então uma retirada unilateral, tendo o cuidado 
de deixar em sua esteira uma força militar patrocinada por Israel: o Exército do Sul do 
Líbano. Além disso, tropas israelenses continuariam engajadas em combates na região, mas 
jamais conseguiriam prevalecer totalmente sobre o inimigo. 
O episódio de Sabra e Shatila por sua vez, calou fundo a consciência humanitária e 
democrática de muitos cidadãos israelenses, e os protestos da comunidade internacional 
levaram o governo israelense a instalar uma comissão de inquérito. Os comandantes 
militares da área, o chefe do estado maior e o ministro da defesa foram considerados co-
responsáveis pela desgraça. A comissão concluiu que as autoridades israelenses sabiam 
claramente o que aconteceria caso franqueassem a entrada dos maronitas nos campos 
sitiados por suas tropas. O gabinete israelense teve de se pronunciar acerca das conclusões 
da comissão. O único voto contrário ao relatório foi o de Ariel Sharon. Este acabou saindo 
do ministério da defesa, continuando no governo como ministro sem pasta.
14
 
A guerra no Líbano desgastara, tanto fisicamente quanto emocionalmente o 
primeiro ministro Menachem Begin. Em 1983 divulgou a notícia de que se afastaria da vida 
política. Begin seria substituído na liderança governamental por Yitzhak Shamir. 
No lado palestino, o episódio do Líbano, aparentemente devastador para a estrutura 
da OLP, impôs algumas modificações na conduta da sua liderança, que no nosso modo de 
entender foram positivas. O Líbano estava drenando as atenções e as forças dos palestinos. 
Uma vez lá, ao constituírem um pequeno Estado dentro do Estado (tal qual haviam tentado 
fazer na Jordânia), desviaram-se da questão principal. Para compreendermos devidamente o 
problema tornam-se necessárias algumas informações adicionais. 
Desde o primeiro choque do petróleo – 1973 – os governos árabes, especialmente da 
área do Golfo, se encheram de dinheiro. Os petrodólares jorraram nas cearas arábicas e 
tendas começaram a ser substituídas por suntuosos palácios. Yasser Arafat, com muita 
habilidade e esperteza, conseguiu a proeza de sensibilizar emires e xeques do Golfo para a 
 19 
necessidade de fornecerem subvenções em dinheiro para a OLP e o povo palestino. A 
lógica que governava as cabeças dos emires do petróleo é fácil de ser percebida. Abrir mão 
de algum dinheiro e com isso, manter os palestinos à distância, entretidos com suas turras 
com Israel não era, para eles, mau negócio. 
O ouro negro que jorrava dos campos petrolíferos então, respingou generosamente 
nas vestes dos líderes das várias facções da OLP. Muitos deles, em Beirute, passaram a 
gozar uma “boa vida”. Zuhair Mohsen, por exemplo, líder da al-Saiqa (grupo político 
aliado aos sírios), passeava sossegadamente pelas ruas da cidade em um magnífico 
Mercedes prateado. Em seu período de férias (pois ninguém é de ferro), transferia-se para 
um apartamento de sua propriedade na famosa La Croisette Promenade situada na badalada 
Cannes. Arafat não compartilhava, ele próprio, de tais amenidades, mas toleravaque seus 
auxiliares mais próximos participassem da farra. O chefe da inteligência, Mohamed 
Atallah, vivia em um opulento apartamento em Beirute e promovia “festas de arromba” 
onde eram consumidas generosas quantidades de caviar. Enquanto isso, jovens palestinos 
residentes em Beirute que estudavam na universidade, passavam os seus dias em elegantes 
cafés discutindo de forma empolgada os mais importantes eventos da revolução árabe. Não 
há como saber se parte do dinheiro doado pelos ricaços do petróleo serviu para o suporte 
das unidades combatentes ou mesmo se proporcionou algum alívio aos palestinos 
moradores em campos de refugiados. 
Como ponto culminante de todo o equívoco e descaracterização, a OLP, com o 
dinheiro do petróleo, iniciou a organização de unidades militares regulares. Adquiriram da 
Síria e da URSS velhos tanques T-34/85 para criar uma brigada blindada. Começaram a 
treinar jovens recrutas como soldados convencionais. O delírio chegou a tal ponto que a 
OLP passou a contar com uma banda militar formada por gaiteiros ao estilo escocês. Seus 
integrantes eram soldados palestinos que pertenciam à Legião Árabe da Jordânia e em 
temos idos, haviam sido treinados como músicos por gaiteiros da velha Escócia.
15
 
A experiência libanesa provocou um grave divórcio entre a liderança da OLP e os 
jovens idealistas da frente de combate, bem como as multidões de palestinos que viviam em 
precárias condições na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. É possível, ao interpretarmos os 
eventos desse modo, que a intervenção israelense no Líbano tenha sacudido a OLP 
obrigando-a a voltar a realidade. Uma vez privados das amenidades de Beirute, foram 
 20 
compelidos pelo estrondo da artilharia israelense a lembrarem-se de duas obrigações e 
retornar `a luta. 
De qualquer modo, coordenar a luta a partir do distante exílio em Túnis fazia com 
que tudo se tornasse muito mais difícil para a liderança da OLP. No início dos anos 80, as 
diferenças entre os “de dentro” (palestinos moradores dos territórios ocupados) e os “de 
fora” (os palestinos da “diáspora”) ampliou-se mais ainda. Tanto na Cisjordânia quanto na 
Faixa de Gaza, o povo parecia assumir um comportamento apático e desesperançoso. Os 
líderes da OLP nos territórios enfrentavam grandes dificuldades em mobilizar politicamente 
os habitantes e em obter novos recrutas. Tudo indicava que os palestinos residentes, 
coletivamente, conformaram-se às agruras da ocupação e procuravam viver suas vidas do 
modo menos miserável possível. Milhares deles entravam todos os dias em Israel para 
trabalhar em empresas pertencentes a cidadãos israelenses. Os mercados das cidades 
ocupadas estavam repletos de artigos produzidos em Israel. A ocupação estabelecera laços 
econômicos fortes entre os dois povos. A mente árabe parecia estar possuída pelo marasmo, 
embotada pelas imposições do governo militar israelense. Mas os líderes da OLP no exílio 
não poderiam saber de verdade o significado de viver sob o tacão de um governo militar 
durante 20 anos. Os generais israelenses de seu lado, se esqueceram da história e se 
esqueceram de sua própria história. A força militar podia derrotar exércitos, mas 
dificilmente seria capaz de manter uma população inteira indefinidamente subjugada. Em 
1987, os palestinos residentes surpreenderiam tanto seus autoproclamados líderes no exílio 
quanto os gerentes da ocupação militar. A aparente apatia não foi suficiente para apagar o 
surdo ressentimento alimentado por duas décadas de vexames, revistas, desapropriações 
forçadas e arrogância da autoridade militar. Em 1987, soou a hora da Intifada. 
 
1
 Coleção Guerra na Paz. Op.cit. p. 986-987 
2
 SHLAIM, A op.cit. p. 344-345. 
3
 Idem, p. 384-385. 
4
 Idem, p. 391 
5
 BREGMAN, A , JIHAN, T. op.cit. p. 168. 
6
 FOSS, Christopher. Jane’s armour and artillery – 1984-9984. London, Jane’s Publishing Company Limited, 
1985, p. 743. 
7
 SHLAIM, A op.cit. p. 402. 
8
 Idem, p. 403. 
9
 Coleção Guerra nos Céus. Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1986. Volume II, p. 269-271. 
10
 BREGMAN, A e TAHRI, J. op.cit. p. 172-174. 
11
 Idem, p. 174-175. 
12
 FRIEDMAN, Thomas. From Beirut to Jerusalem. New York, Anchor Books, 1989, p. 80-82. 
13
 Idem. P. 161-164. 
 21 
 
14
 SHLAIM, A op.cit. p. 417. 
15
 FRIEDMAN, T. op.cit p. 120-121.

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