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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO Cecidia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Geisa Magela Veloso Silvina Fonseca Corrêa PEDAGOGIA 5º PERÍODO FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO Cecidia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Geisa Magela Veloso Silvina Fonseca Corrêa Montes Claros - MG, 2011 FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES 2011 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Giulliano Vieira Mota CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes REVISÃO TÉCNICA Karen Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida PROJETO GRÁFICO Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO Ana Lúcia Cardoso Pereira Andréia Santos Dias Clésio Robert Almeida Caldeira Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Jéssica Luiza de Albuquerque Karina Carvalho de Almeida Patrícia Fernanda Heliodoro dos Santos Rogério Santos Brant Sânzio Mendonça Henriques Tatiane Fernandes Pinheiro Tátylla Aparecida Pimenta Faria Vinícius Antônio Alencar Batista Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância - DED - CAPES Celso José da Costa Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Nárcio Rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Chefe do Departamento de Educação Maria Cristina Freire Barbosa Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Dayse Magna Santos Moura Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Francely Aparecida dos Santos Coordenadora do Curso de Pedagogia a Distância Maria Auxiliadora Amaral Silveira Gomes AUTORES Professora Mestranda Cecidia Barreto Almeida Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros (1992). Especialista em docência do ensino superior, atualmente é mestranda em Educação, Comunicação e Administração. Professora da Universidade Estadual de Montes Claros na área de Educação e tem experiência como professora alfabetizadora na educação infantil e na educação básica. Professora formadora da UAB –UNIMONTES. Professora Mestra Claudia Aparecida Ferreira Machado Graduada em Pedagogia pela FUNM, atual Unimontes (1981-1983), tem especialização Lato Sensu em alfabetização pela PUC/MG (1992/1994);é Mestre em Educação pela PUC. Exerceu a função de Supervisora Pedagógica na rede Municipal de Montes Claros, de Professora da rede Estadual de Ensino no Ensino Fundamental e Médio. Atua como Professora da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 e coordena o Pró-Licenciatura. Professora Doutora Geisa Magela Veloso Graduada em Pedagogia pela FUNM, atual Unimontes (1982-1985); tem especialização lato sensu em Literatura Infantil e Juvenil pela PUC-MG (1992-1994); é Mestre em Educação pela UFMG (2000-2001) e Doutora em Educação pela UFMG (2004-2008). Exerceu atividade profissional como supervisora pedagógica na rede municipal de ensino de Montes Claros (1985-2004) e como professora do Curso de Magistério/ nível médio (1986, 1992-1997). Desde 1998 é professora da Unimontes, com pesquisa e docência no campo de Educação e Línguagem. Professora Ms. Silvina Fonseca Corrêa Mestra em Ciências da Educação - Com o tema “Contribuições da Psicanálise para Formação do Educador,para a Educação e para Escola.” pela Universidad San Lorenzo-UNISAL/ PY gerenciado pelo Centro de Orientação e Organização Psicanalítica - CORPO. Especializou-se em Supervisão Educacional pela PUC/MG. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar de 1º grau; Orientação Educacional e Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas, pela Fundação NorteMineira de Ensino Superior, FUNM/ Unimontes. Supervisão Escolar de 1º e 2º graus. UFSCAR. Professora Conteudista e Formadora da Disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio - UAB/Unimontes. Diretora da empresa de Consultoria Educacional - Instituto Pólis – Montes Claros/MG. SUMÁRIO Apresentação............................................................................................................................9 Unidade 1: Alfabetização e letramento no brasil.....................................................................13 1.1 Implicações individuais e sociais da alfabetização e do analfabetismo .........................13 1.2 Conceituando alfabetização e analfabetismo ...............................................................17 1.3 O Analfabetismo até a Década de 1980:.....................................................................21 1.4 O Analfabetismo no Brasil a partir da Década de 1990: ..............................................23 1.5 Alfabetização na Perspectiva do Letramento ................................................................26 1.6 Conceituando alfabetismo...........................................................................................34 1.7 Políticas públicas para jovens e adultos........................................................................36 1.8 Referências .................................................................................................................37 Unidade 2: Evolução histórica e sua construção pela criança ..................................................39 2.1 A História e a evolução da escrita................................................................................39 2.2 O que é um Pictograma? ............................................................................................40 2.3 E o que é escrever alfabeticamente?............................................................................43 2.4 A invenção do alfabeto................................................................................................47 2.5 Contribuições da Psicolinguística para a Alfabetização ................................................48 2.6 O que é psicogênese da língua escrita? .......................................................................49 2.7 Níveis de escrita, conforme a Psicogênese da Língua Escrita.........................................51 2.8 Referências .................................................................................................................66 Unidade 3: contribuição dos estudos linguísticos e sociolinguísticos ao ensino-aprendizagem da língua escrita...........................................................................................................................67 3.1 Conceituando a linguística...........................................................................................67 3.2 Estudos sobre consciência fonológica e suas implicações na alfabetização....................69 3.3 Contribuições da Sociolinguística.................................................................................72 3.4 A alfabetização numa perspectiva sociocultural ...........................................................75 3.5 Implicações pedagógicas do conceito de ZDP .............................................................773.6 Referências .................................................................................................................78 Unidade 4: Processo de ensino-aprendizagem da língua escrita ..............................................81 4.1 Os Métodos e Processos de Alfabetização - Conceituando métodos e processos de Alfabetização.....................................................................................................................81 4.2 Proposta Construtivista de Alfabetização .....................................................................91 4.3 Capacidades a serem desenvolvidas no processo de aquisição da leitura e Escrita........96 4.4 O Ambiente Alfabetizador e a organização da Sala de Aula ......................................103 4.5 O Planejamento de ensino e os recursos materiais e didáticos para alfabetização ......112 4.6 A Avaliação da Leitura e Escrita e os Resultados da Avaliação Sistêmica .....................114 4.7 A Prática Docente no Ciclo Inicial de Alfabetização ..................................................119 4.8 Referências .............................................................................................................. 120 Resumo ................................................................................................................................121 Referências básicas e complementares..................................................................................125 Atividades de aprendizagem - AA .........................................................................................131 9 APRESENTAÇÃO Prezado(a) Acadêmico(a): Estamos iniciando nosso estudo sobre os Fundamentos e a Metodologia da Alfabetização. Queremos cumprir, dentre outras atribuições, a de ajudá-lo (a) compreender, da melhor forma possível, a lógica da construção deste caderno da disciplina e dos temas em debate. Para falarmos de Alfabetização e Letramento precisamos, primeiramente, compreender que a escrita e a leitura são conhecimentos produzidos pelo homem e que, para serem aprendidos, é preciso que sejam ensinados e (re) construídos pelo educando. Veremos ainda que esse campo de conhecimento tem sido alterado conforme as demandas de leitura e escrita da sociedade. Dentre essas alterações destacam-se as discussões sobre o analfabetismo funcional e o letramento, como também a ampliação dos sentidos atribuídos à alfabetização e o reconhecimento de suas especificidades. Nessa unidade também iremos falar de Letramento, entender o fenômeno do Analfabetismo brasileiro, analisar dados estatísticos e questões conceituais, dentre elas a questão do Analfabeto Funcional. Além desses conceitos, vamos estudar, discutir, entender os Métodos e Processos de Alfabetização, o que ajudará você no exercício atual ou posterior da docência, quer seja em classes de alfabetização ou outras classes do ensino fundamental, tomar decisões de como aplicá-los a favor do ensino e aprendizagem das crianças brasileiras, fazendo da leitura, da escrita, da contação de histórias, da produção de textos, das práticas da oralidade e o uso dos conhecimentos linguísticos momentos significativos na escola e nas práticas sociais cotidianas. As unidades que compõem o caderno didático do aluno foram organizadas com intenção de que as leituras e estudos realizados oportunizem a percepção dos fundamentos teórico-práticos e os resultados que permeiam a questão da alfabetização no Brasil. Ainda pretendemos demonstrar a necessidade de construção de um trabalho eficaz, de forma que os resultados em sala de aula possam contribuir com a qualidade dos processos educativos e corrigir as taxas do analfabetismo brasileiro, bem como demonstrar a evidência de que os sistemas educacionais vêm formando outros analfabetos, neste caso, frequentando a escola. Então, será que os Sistemas de Ensino estão produzindo analfabetos escolarizados? 10 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Pretendemos que o nosso trabalho seja baseado em compromissos e hábitos de estudos individuais, em pequenos grupos, em grupos diversificados e/ou na coletividade, mas sempre visando à construção de um novo conhecimento ou reforçando posições teóricas consolidadas e de acordo com o que há de mais atual sobre os temas que estamos discutindo. Muitas vezes, você estará tratando de temas já conhecidos, mas é bom que isto sirva de instrumentos de reflexão, revisão de práticas pedagógicas e estratégias de alfabetização, que possam ajudar a resolver um dos grandes problemas da educação – o analfabetismo. A participação de todos será determinante para a construção de uma educação a distância, com mérito, desde a organização e funcionamento dessa modalidade de ensino, dentro dos parâmetros da legislação brasileira, assim, também, de parâmetros de formação de formadores de crianças, adolescentes e jovens, adultos e idosos, pois, no Brasil, todos têm direito a uma educação de qualidade. Portanto a sua participação e a do seu colega são de extrema importância para o bom andamento das atividades e trabalhos propostos. Esteja atento aos temas apresentados, com as orientações no decorrer deste estudo e faça das propostas e situações momentos inovadores e desafiadores que possibilitem a sua formação de docente alfabetizador e a construção de uma nova prática educativa, uma prática no âmbito da alfabetização e do letramento. Esperamos que as oportunidades oferecidas tragam para sua formação novos olhares, novas competências e habilidades num processo de ensino-aprendizagem e avaliação, que se pretende seja sempre eficaz para as crianças brasileiras. Isso porque, nessa disciplina, discutiremos fundamentos teóricos e implicações pedagógicas da alfabetização e do letramento, de forma que você possa compreender que aprender a ler e escrever é um processo complexo, que se inicia antes da escolarização formal, cujos usos integram a vida das pessoas. Esperamos que compreenda que alfabetizar para o letramento é tarefa fundamental a ser desempenhada pela escola, pois aprender a ler e escrever e fazer uso dessas habilidades constitui-se como condição para a educação plena do indivíduo, como instrumento importante para a realização pessoal e exercício da cidadania. Ao final do trabalho com esta disciplina, você estará fundamentado para compreender os sentidos da alfabetização para o letramento e será capaz de produzir uma prática pedagógica inovadora e desenvolver estratégias didáticas para alfabetizar letrando. Atente-se para a carga horária da disciplina - 90 horas, prevista no calendário do curso. Organize-se para melhor aproveitar este tempo. Acompanhe as orientações do seu professor formador, da coordenação de curso, de tutor a distancia, e tutor presencial. Dê a todos eles a oportunidade de ajudá-lo a qualificar a sua formação. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 11 A Educação a Distância requer de todos os envolvidos o compromisso com o hábito de estudo, a sistematização dos registros e atividades, bem como o cumprimento de prazos. Queremos lembrar que a verbalização nas discussões e debates, o uso das diversas linguagens textuais e as pesquisas bibliográficas de enriquecimento dos estudos, as visitas aos sites de pesquisas, inclusive os oficiais, a atenção aos glossários e as dicas são as diversas formas de você fazer do seu curso oportunidade de otimização de sua formação e contribuir com a formação de seus colegas. Aproveite seu potencial, suas habilidades e capacidades. Cuide de seu desempenho acadêmico! Todos podem ajudá-lo. Mas só você pode construí-lo cada dia melhor. Participe dos Encontros e Seminários Presenciais. Fique atento aos Fóruns e Chats. Participe! Sucesso nos Estudos! As Autoras 13 Introdução Prezado(a) acadêmico(a): Nesta Unidade, discutiremos conceitos e dados estatísticos (Cenário atual do aspecto de escolaridade brasileira em relação à questão da alfabetização), entre outras questões como: Qual é a real situação do analfabetismo hoje no Brasil? Que consequências acarretam para os brasileiros e Nação, estaquestão não resolvida? O que os governos federal, estadual e municipal, a sociedade, a família e a escola podem fazer para reduzir o índice de analfabetismo no Brasil? É possível pensar um projeto de alfabetização que garanta o letramento/alfabetismo para as crianças a partir dos seis anos de idade, como previsto em lei? Quais foram e são as políticas para alfabetizar os jovens e adultos brasileiros? Vamos iniciar o nosso estudo com uma discussão relativa às crenças e mitos construídos em torno da alfabetização e da educação, assumidos como bandeira de luta e compreendidos como elementos fundamentais para o desenvolvimento e para a cidadania. Em seguida, serão apresentados conceitos e reflexões, vamos ler e discutir alguns dados e questões mais atuais, que circulam no Brasil sobre o tema do nosso estudo e que orientam as práticas pedagógicas nas escolas. Para ilustrar essa questão, ressaltamos que, de acordo com o estudo dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (BRASIL, 2008), existem no Brasil 14,4 milhões de pessoas que não sabem ler ou escrever. E mais, o analfabetismo é maior entre negros e pardos, sendo que 89,9% das mulheres brasileiras são alfabetizadas, contra 89,4% dos homens. Em 2006, a escolaridade média do brasileiro alcançava 6,7 anos de estudos. Esses são dados preocupantes e indicam que é grande a responsabilidade da escola e dos novos professores em formação, posto que vão assumir a responsabilidade de alfabetizar e garantir condições para o letramento de nossos alunos. 1.1 Implicações individuais e sociais da alfabetização e do analfabetismo Para iniciar nosso estudo é importante destacar algumas crenças que, ao longo do tempo, foram produzidas em torno da alfabetização e UNIDADE 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO BRASIL 14 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período do analfabetismo. Em todo o mundo, durante o século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, foram disseminadas representações diversas em torno dos benefícios da instrução, da educação e da alfabetização da população. De um lado encontramos os debates em torno do ideal iluminista e liberal que associava a educação com o progresso e a construção da soberania da nação, por favorecer o avanço econômico e tecnológico, como também a civilidade, a moralidade, o desenvolvimento social e cultural. Daí, o analfabetismo era considerado como entrave ao desenvolvimento, como problema a ser enfrentado pela sociedade. Por outro lado, havia o temor de que a pessoas alfabetizadas e instruídas fugissem ao controle e se rebelassem, deixando de ser produtivas e dóceis. Ao discutir a questão, Graff (1994) considera que esse temor em escolarizar as massas não inibiu a busca pela educação, sendo que, na primeira metade do século XIX, a questão se tornou central, considerada como remédio para as mudanças. Para o autor, esse consenso produzido pelos países desenvolvidos sobre os benefícios advindos da educação foi exportado para as nações subdesenvolvidas, associado à ideia de modernização. Esta visão enfatizava objetivos sociais agregados ao ensino da leitura e da escrita, considerado como fundamental para a redução do crime e da desordem, a assimilação de valores morais, à ampliação da produtividade econômica. Nesse contexto, o Brasil também assume a defesa da escolarização e da alfabetização, que passou a se constituir como verdadeira bandeira de luta para toda a sociedade. No final do século XIX e início do século XX, os intelectuais brasileiros colocaram a alfabetização como uma preocupação nacional. Escolarizar a população se apresentava como problema que deveria merecer a atenção de todos que pudessem desenvolver ações no sentido de extirpar a mácula que significava a presença maciça dos analfabetos. Em especial os governos, os órgãos da imprensa e os intelectuais, assumiram essa bandeira de luta, visando reverter o estado de analfabetismo da população. Nessa época, a crença disseminada era que o desenvolvimento coletivo e individual seria impedido pelo alto índice de analfabetismo e ignorância da população, que não conheceria seus direitos e deveres, não formaria a consciência esclarecida, não agiria em favor da liberdade e da grandeza do país. As questões ligadas à decadência moral, à falta de civismo, à vadiagem, à mentira e à intriga estavam relacionadas ao analfabetismo da população. Por não dominar a leitura, a população encontrava-se nas trevas da ignorância e da falta de consciência em relação aos seus direitos e deveres, por um processo em que não se mostrava capaz de defender os seus interesses, colocando-se em relação submissa e dependente. Como consequência da condição individual dos cidadãos, não conscientes e pouco esclarecidos, não se poderia avançar e desenvolver enquanto coletividade, não se poderia construir uma nação grande e próspera. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 15 Buscando esclarecer e explicitar essas relações entre alfabetização, liberdade e exercício democrático dos direitos e deveres, Graff (1994) destaca que: Dentre as noções básicas e indubitavelmente mais orgulhosamente mantidas do Iluminismo é a de que um povo livre, soberano, deve ser educado; uma pessoa deve saber ler e escrever e ser treinada em habilidades críticas a fim de fazer as escolhas críticas que a democracia exige e para realizar os deveres da cidadania responsável. (GRAFF, 1994, p. 91). Por esse raciocínio, a alfabetização se apresentava como instrumento fundamental ao exercício consciente do direito à liberdade, e o analfabetismo era apontado como causa, não apenas da escravização e da subserviência das pessoas, mas também compreendido como causador de vícios que conduziam à desonra e ao crime. Por isso, o analfabetismo era considerado como mácula e vergonha. Em contrapartida, a alfabetização era compreendida como condição para formar pessoas produtivas e aptas para o trabalho. Ao discutir o contexto educacional do final do século XIX, Graff (1997) afirma que este era um momento em que, para os países desenvolvidos, a estabilidade social adquiriu premência e produziu a necessidade do disciplinamento e da inculcação de valores e hábitos exigidos pela sociedade urbana e industrial. Os preceitos morais formavam a base do ensino da alfabetização, e a instrução era justamente para ensinar e inculcar as regras corretas para o comportamento social e econô- mico em uma sociedade em mudança e em moderniza- ção. A alfabetização tornou-se um veículo crucial àquele processo, uma vez que os reformadores apoderaram-se das forças socializantes da imprensa e uma vez que moralidade e alfabetização tornaram-se intrincados. Eles deviam ser ensinados juntos: a alfabetização acelerando e facilitando a instrução, e a moralidade guiando e restringindo os usos potencialmente perigosos da alfabetização descontrolada. (GRAFF, 1994, p. 69). Por essa via, as instituições escolares tornaram-se espaços privilegiados de controle individual, cumprindo a função de normatizar e inculcar padrões corretos de comportamento, por um processo em que o controle da alfabetização tornaria possível a formação do cidadão produtivo e adaptado ao regime trabalhista da sociedade urbana e industrial. O texto abaixo foi extraído do jornal montesclarense Gazeta do Norte, ano V, nº 214, de 26 de agosto de 1922. A matéria jornalística foi escrita em um período importante de nossa história, pois o Brasil estava completando 100 anos de independência em relação a Portugal e vivia um momento de intensos debates sobre modernidade e desenvolvimento econômico, político, cultural e social. Leia o texto com bastante atenção e procure identificar o modo como a alfabetização era compreendida. 16 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período O NOSSO MAIOR MAL Em toda parte do mundo, nas nações que se dizem civilisadas, a frequencia às escolas é um dos maiores deveres impostos aos seus filhos. Só nos paizes atrazados, da África e Oceania, não se cuida da instrucção, a base fundamental dos povos cultos, justamente o que os distingue dos selvagens. Das nações da Europa quaes os paizesem que domina o anaphabetismo? Portugal, Turquia ou Rússia. Por isso mesmo esses paizes, ao lado dos seus irmãos de continente, são considerados atrazados. A civilisação se manifesta principalmente pela cultura de espírito, que torna os homens aptos para a luta pela vida, fazendo-os scientes e conscientes de seus deveres. É assim que todos os governos que se dizem de países civilizados empenham-se pela instrucção de seus nacionaes, e o cultivo que estes adquirem é a maior garantia do progresso do Paiz que tal interesse toma pela educação de seus filhos. Há precisamente um século tivemos a nossa emancipação política e durante esses cem annos o que menos tem preoccupado os governos que se succedem na mesma apathia, é a insstrucção. Dahi o nosso grande mal. A nossa educação política se ressente justamente da falta de civismo e de patriotismo que só se adquire pela instrucção. A educação do povo é o maior dever dos governos e emquanto disso não se cuidar, insuperaveis serão os obstáculos para as mais insignificantes conquistas políticas. O Japão em menos de 50 annos transformou-se de uma nação semibarbara em uma nação civilisada, com geral assombro para o mundo inteiro. A Rússia até hoje soffre as consequencias de sua indifferença pela instrucção do povo, apesar de ser, como lhe denominavam – o colosso da Europa. Apesar de sua immensa população de perto de duas centenas de milhões de almas, arrastou sempre uma vida de difficuldades – vindo da mais negra autocracia, a mais desenfreada liberdade. Hoje, acha-se a braços com a fome e toda a sorte de misérias, porque na sua população, ignorante e supersticiosa, falta a base dos grandes emprehendimentos – a instrucção. À sua falta se devem o despreso pelos deveres cívicos, o desrespeito às leis, o suborno fácil, a trahição aos princípios da honra, a ausência de amor pátrio, todas as calamidades enfim, que impedem o homem de conhecer a sua força no conjunto dessa invencível aggremiação que se chama – o povo. Neste ano em que comemoramos o nosso primeiro centenário de emancipação política, deveríamos também comemorar o inicio de uma propaganda systematica pelo ensino obrigatório, de verdade, pelo ensino ambulante, levado a todos os extremos da nossa vasta Pátria, com premios a todos aqueles que tirassem um só indivíduo que fosse, das trevas do analphabetismo”. Quadro 1: Texto matéria jornalística-1922 Fonte: Jornal montesclarense Gazeta do Norte, ano V, nº 214, de 26 de agosto de 1922. Você deve ter percebido que o jornal Gazeta do Norte apresenta a alfabetização da população como verdadeira bandeira de luta a ser assumida por todos. A questão estava associada a uma forte crença no poder da leitura e da escrita para construção da democracia e para cidadania, para o progresso econômico, político, social e cultural, nas dimensões individual Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 17 e coletiva. Por sua vez, o analfabetismo era compreendido como causador de inúmeros problemas, por estar associado a diversos fatores negativos, como: ignorância, criminalidade, decadência moral, desrespeito, etc. Com Graff (1997) podemos afirmar que, sobretudo a partir do século XIX, o mundo ocidental apostou na alfabetização, passando a compreender que o saber ler e escrever se constituía como condição para o progresso individual e social, por favorecer o desenvolvimento cognitivo, social e cultural das pessoas e impulsionar o desenvolvimento das sociedades. Esses posicionamentos em favor da educação e da alfabetização revelam que, no momento contemporâneo, essas crenças ainda têm muita força. No entanto, o mito produzido em torno da leitura/escrita tem sido relativizado, posto que muitos estudiosos e pesquisadores consideram que educação e alfabetização, por si sós, não são condições suficientes para a mudança. Apesar de diferentes sociedades considerarem que o poder da leitura e da escrita não é tão grande como se acreditava, ainda são estabelecidas claras associações entre educação, alfabetização e mudança econômica, cultural e social. Sobre essa questão, Enguita (1998) aponta que, nas décadas de 1960-70, diferentes países colocaram esperanças nas reformas educativas como elemento capaz de corrigir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento. No entanto, o autor compreende que essa promessa cumpriu-se apenas parcialmente. Há necessidade de investimentos em outras áreas importantes e somente a educação não é capaz de resolver os problemas políticos, sociais, econômicos. No entanto, conforme o autor, a educação permitiu que importantes minorias saíssem da marginalização e da pobreza. O autor entende ainda que, “se é que podemos dizer que a educação não seja especialmente eficaz para abrir portas, temos que acrescentar, como regra, que sua falta sim, pode fechá-las, especialmente para aqueles que não possuem outros recursos para abri-las” (ENGUITA, 1998, p.20). Enfim, polêmicas à parte, não podemos desconsiderar o valor da educação e da alfabetização como elemento importante para integração social das pessoas e alavanca para o desenvolvimento das sociedades. Nesse sentido, consideramos importante ampliar a discussão sobre essa questão e, por isso, apresentaremos alguns conceitos importantes nesse campo de conhecimento. 1.2 Conceituando alfabetização e analfabetismo Pensar alfabetização implica também discutir o conceito de letramento e considerar a linguagem como prática cultural, presente em diferentes ramos da atividade humana. Também implica pensar a Você já conversou com pais pertencentes às camadas populares sobre os motivos que os impulsionam a matricular seus filhos na escola? É comum ouvirmos dos pais que a educação é a única herança que poderão dar a seus filhos, que a educação é um bem que ninguém poderá tirar deles. Esses são posicionamentos comuns e reveladores dessa crença da população sobre o poder da educação e da alfabetização de seus filhos. 18 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período aprendizagem da leitura e da escrita como instrumento fundamental para expressão de concepções, ideias, sentimentos e intenções, e também para a apropriação de conhecimentos por meio de um sistema de signos. Na escola, a linguagem também ocupa lugar de destaque, não apenas porque ensinar a ler e escrever seja uma de suas primeiras e mais importantes tarefas, mas porque o uso da leitura e da escrita é uma habilidade importante para se fazer frente a diferentes demandas sociais. Afinal, em nosso cotidiano, utilizamos a leitura com diferentes finalidades: para localizar um endereço, operar um terminal eletrônico no banco, escolher o ônibus que nos levará ao destino correto, e uma série de pequenas atividades que tem a escrita como referência. A seguir, apresentaremos alguns conceitos relacionados com a aprendizagem da leitura e da escrita. São eles: alfabetização, alfabetizar, alfabetizado, analfabeto, analfabetismo, analfabetismo funcional, letramento e letrar. Alfabetização é a ação de alfabetizar, de ensinar a ler e escrever, mas é também o resultado desse ensino, ou seja, é a apropriação do sistema de escrita alfabético por aquele que foi alfabetizado. Nesse contexto, alfabetizado é o sujeito que aprendeu a ler e escrever. Por sua vez, alfabetizar é um processo complexo e não apresenta uma única definição. Segundo o dicionário Aurélio, alfabetizar é ensinar a ler e escrever; dar instrução primária. Para Soares (2003), “alfabetizar significa adquirir habilidades de decodificar a língua oral em língua escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em língua oral (ler)”. A alfabetização, por essa visão seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler) (SOARES, 2003, p. 15). No entanto, essa é uma abordagem muito limitada. Ampliando o olhar lançado sobre o conceito, Soares (2003) considera que aprender a ler e escrever (alfabetização) apresenta duplo significado em nossa língua: é processo de codificação/ decodificação da língua, mas também é compreensão/expressão de significados. Ainda conforme a autora,não se pode considerar como alfabetizado o sujeito que aprendeu aFUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO Cecidia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Geisa Magela Veloso Silvina Fonseca Corrêa PEDAGOGIA 5º PERÍODO FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO Cecidia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Geisa Magela Veloso Silvina Fonseca Corrêa Montes Claros - MG, 2011 FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES 2011 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Giulliano Vieira Mota CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes REVISÃO TÉCNICA Karen Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida PROJETO GRÁFICO Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO Ana Lúcia Cardoso Pereira Andréia Santos Dias Clésio Robert Almeida Caldeira Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Jéssica Luiza de Albuquerque Karina Carvalho de Almeida Patrícia Fernanda Heliodoro dos Santos Rogério Santos Brant Sânzio Mendonça Henriques Tatiane Fernandes Pinheiro Tátylla Aparecida Pimenta Faria Vinícius Antônio Alencar Batista Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância - DED - CAPES Celso José da Costa Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Nárcio Rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Chefe do Departamento de Educação Maria Cristina Freire Barbosa Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Dayse Magna Santos Moura Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Francely Aparecida dos Santos Coordenadora do Curso de Pedagogia a Distância Maria Auxiliadora Amaral Silveira Gomes AUTORES Professora Mestranda Cecidia Barreto Almeida Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros (1992). Especialista em docência do ensino superior, atualmente é mestranda em Educação, Comunicação e Administração. Professora da Universidade Estadual de Montes Claros na área de Educação e tem experiência como professora alfabetizadora na educação infantil e na educação básica. Professora formadora da UAB –UNIMONTES. Professora Mestra Claudia Aparecida Ferreira Machado Graduada em Pedagogia pela FUNM, atual Unimontes (1981-1983), tem especialização Lato Sensu em alfabetização pela PUC/MG (1992/1994);é Mestre em Educação pela PUC. Exerceu a função de Supervisora Pedagógica na rede Municipal de Montes Claros, de Professora da rede Estadual de Ensino no Ensino Fundamental e Médio. Atua como Professora da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 e coordena o Pró-Licenciatura. Professora Doutora Geisa Magela Veloso Graduada em Pedagogia pela FUNM, atual Unimontes (1982-1985); tem especialização lato sensu em Literatura Infantil e Juvenil pela PUC-MG (1992-1994); é Mestre em Educação pela UFMG (2000-2001) e Doutora em Educação pela UFMG (2004-2008). Exerceu atividade profissional como supervisora pedagógica na rede municipal de ensino de Montes Claros (1985-2004) e como professora do Curso de Magistério/ nível médio (1986, 1992-1997). Desde 1998 é professora da Unimontes, com pesquisa e docência no campo de Educação e Línguagem. Professora Ms. Silvina Fonseca Corrêa Mestra em Ciências da Educação - Com o tema “Contribuições da Psicanálise para Formação do Educador,para a Educação e para Escola.” pela Universidad San Lorenzo-UNISAL/ PY gerenciado pelo Centro de Orientação e Organização Psicanalítica - CORPO. Especializou-se em Supervisão Educacional pela PUC/MG. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar de 1º grau; Orientação Educacional e Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas, pela Fundação NorteMineira de Ensino Superior, FUNM/ Unimontes. Supervisão Escolar de 1º e 2º graus. UFSCAR. Professora Conteudista e Formadora da Disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio - UAB/Unimontes. Diretora da empresa de Consultoria Educacional - Instituto Pólis – Montes Claros/MG. SUMÁRIO Apresentação............................................................................................................................9 Unidade 1: Alfabetização e letramento no brasil.....................................................................13 1.1 Implicações individuais e sociais da alfabetização e do analfabetismo .........................13 1.2 Conceituando alfabetização e analfabetismo ...............................................................17 1.3 O Analfabetismo até a Década de 1980:.....................................................................21 1.4 O Analfabetismo no Brasil a partir da Década de 1990: ..............................................23 1.5 Alfabetização na Perspectiva do Letramento ................................................................26 1.6 Conceituando alfabetismo...........................................................................................34 1.7 Políticas públicas para jovens e adultos........................................................................36 1.8 Referências .................................................................................................................37 Unidade 2: Evolução histórica e sua construção pela criança ..................................................39 2.1 A História e a evolução da escrita................................................................................39 2.2 O que é um Pictograma? ............................................................................................40 2.3 E o que é escrever alfabeticamente?............................................................................43 2.4 A invenção do alfabeto................................................................................................47 2.5 Contribuições da Psicolinguística para a Alfabetização ................................................48 2.6 O que é psicogênese da língua escrita? .......................................................................49 2.7 Níveis de escrita, conforme a Psicogênese da Língua Escrita.........................................51 2.8 Referências .................................................................................................................66 Unidade 3: contribuição dos estudos linguísticos e sociolinguísticos ao ensino-aprendizagem da língua escrita...........................................................................................................................67 3.1 Conceituando a linguística...........................................................................................67 3.2 Estudos sobre consciência fonológica e suas implicações na alfabetização....................69 3.3 Contribuições da Sociolinguística.................................................................................72 3.4 A alfabetização numa perspectiva sociocultural ...........................................................75 3.5 Implicações pedagógicas do conceitode ZDP .............................................................77 3.6 Referências .................................................................................................................78 Unidade 4: Processo de ensino-aprendizagem da língua escrita ..............................................81 4.1 Os Métodos e Processos de Alfabetização - Conceituando métodos e processos de Alfabetização.....................................................................................................................81 4.2 Proposta Construtivista de Alfabetização .....................................................................91 4.3 Capacidades a serem desenvolvidas no processo de aquisição da leitura e Escrita........96 4.4 O Ambiente Alfabetizador e a organização da Sala de Aula ......................................103 4.5 O Planejamento de ensino e os recursos materiais e didáticos para alfabetização ......112 4.6 A Avaliação da Leitura e Escrita e os Resultados da Avaliação Sistêmica .....................114 4.7 A Prática Docente no Ciclo Inicial de Alfabetização ..................................................119 4.8 Referências .............................................................................................................. 120 Resumo ................................................................................................................................121 Referências básicas e complementares..................................................................................125 Atividades de aprendizagem - AA .........................................................................................131 9 APRESENTAÇÃO Prezado(a) Acadêmico(a): Estamos iniciando nosso estudo sobre os Fundamentos e a Metodologia da Alfabetização. Queremos cumprir, dentre outras atribuições, a de ajudá-lo (a) compreender, da melhor forma possível, a lógica da construção deste caderno da disciplina e dos temas em debate. Para falarmos de Alfabetização e Letramento precisamos, primeiramente, compreender que a escrita e a leitura são conhecimentos produzidos pelo homem e que, para serem aprendidos, é preciso que sejam ensinados e (re) construídos pelo educando. Veremos ainda que esse campo de conhecimento tem sido alterado conforme as demandas de leitura e escrita da sociedade. Dentre essas alterações destacam-se as discussões sobre o analfabetismo funcional e o letramento, como também a ampliação dos sentidos atribuídos à alfabetização e o reconhecimento de suas especificidades. Nessa unidade também iremos falar de Letramento, entender o fenômeno do Analfabetismo brasileiro, analisar dados estatísticos e questões conceituais, dentre elas a questão do Analfabeto Funcional. Além desses conceitos, vamos estudar, discutir, entender os Métodos e Processos de Alfabetização, o que ajudará você no exercício atual ou posterior da docência, quer seja em classes de alfabetização ou outras classes do ensino fundamental, tomar decisões de como aplicá-los a favor do ensino e aprendizagem das crianças brasileiras, fazendo da leitura, da escrita, da contação de histórias, da produção de textos, das práticas da oralidade e o uso dos conhecimentos linguísticos momentos significativos na escola e nas práticas sociais cotidianas. As unidades que compõem o caderno didático do aluno foram organizadas com intenção de que as leituras e estudos realizados oportunizem a percepção dos fundamentos teórico-práticos e os resultados que permeiam a questão da alfabetização no Brasil. Ainda pretendemos demonstrar a necessidade de construção de um trabalho eficaz, de forma que os resultados em sala de aula possam contribuir com a qualidade dos processos educativos e corrigir as taxas do analfabetismo brasileiro, bem como demonstrar a evidência de que os sistemas educacionais vêm formando outros analfabetos, neste caso, frequentando a escola. Então, será que os Sistemas de Ensino estão produzindo analfabetos escolarizados? 10 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Pretendemos que o nosso trabalho seja baseado em compromissos e hábitos de estudos individuais, em pequenos grupos, em grupos diversificados e/ou na coletividade, mas sempre visando à construção de um novo conhecimento ou reforçando posições teóricas consolidadas e de acordo com o que há de mais atual sobre os temas que estamos discutindo. Muitas vezes, você estará tratando de temas já conhecidos, mas é bom que isto sirva de instrumentos de reflexão, revisão de práticas pedagógicas e estratégias de alfabetização, que possam ajudar a resolver um dos grandes problemas da educação – o analfabetismo. A participação de todos será determinante para a construção de uma educação a distância, com mérito, desde a organização e funcionamento dessa modalidade de ensino, dentro dos parâmetros da legislação brasileira, assim, também, de parâmetros de formação de formadores de crianças, adolescentes e jovens, adultos e idosos, pois, no Brasil, todos têm direito a uma educação de qualidade. Portanto a sua participação e a do seu colega são de extrema importância para o bom andamento das atividades e trabalhos propostos. Esteja atento aos temas apresentados, com as orientações no decorrer deste estudo e faça das propostas e situações momentos inovadores e desafiadores que possibilitem a sua formação de docente alfabetizador e a construção de uma nova prática educativa, uma prática no âmbito da alfabetização e do letramento. Esperamos que as oportunidades oferecidas tragam para sua formação novos olhares, novas competências e habilidades num processo de ensino-aprendizagem e avaliação, que se pretende seja sempre eficaz para as crianças brasileiras. Isso porque, nessa disciplina, discutiremos fundamentos teóricos e implicações pedagógicas da alfabetização e do letramento, de forma que você possa compreender que aprender a ler e escrever é um processo complexo, que se inicia antes da escolarização formal, cujos usos integram a vida das pessoas. Esperamos que compreenda que alfabetizar para o letramento é tarefa fundamental a ser desempenhada pela escola, pois aprender a ler e escrever e fazer uso dessas habilidades constitui-se como condição para a educação plena do indivíduo, como instrumento importante para a realização pessoal e exercício da cidadania. Ao final do trabalho com esta disciplina, você estará fundamentado para compreender os sentidos da alfabetização para o letramento e será capaz de produzir uma prática pedagógica inovadora e desenvolver estratégias didáticas para alfabetizar letrando. Atente-se para a carga horária da disciplina - 90 horas, prevista no calendário do curso. Organize-se para melhor aproveitar este tempo. Acompanhe as orientações do seu professor formador, da coordenação de curso, de tutor a distancia, e tutor presencial. Dê a todos eles a oportunidade de ajudá-lo a qualificar a sua formação. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 11 A Educação a Distância requer de todos os envolvidos o compromisso com o hábito de estudo, a sistematização dos registros e atividades, bem como o cumprimento de prazos. Queremos lembrar que a verbalização nas discussões e debates, o uso das diversas linguagens textuais e as pesquisas bibliográficas de enriquecimento dos estudos, as visitas aos sites de pesquisas, inclusive os oficiais, a atenção aos glossários e as dicas são as diversas formas de você fazer do seu curso oportunidade de otimização de sua formação e contribuir com a formação de seus colegas. Aproveite seu potencial, suas habilidades e capacidades. Cuide de seu desempenho acadêmico! Todos podem ajudá-lo. Mas só você pode construí-lo cada dia melhor. Participe dos Encontros e Seminários Presenciais. Fique atento aos Fóruns e Chats. Participe! Sucesso nos Estudos! As Autoras 13 Introdução Prezado(a) acadêmico(a): Nesta Unidade, discutiremos conceitos e dados estatísticos (Cenário atual do aspecto de escolaridade brasileira em relação à questão da alfabetização), entre outras questões como: Qual é a real situação do analfabetismo hoje noBrasil? Que consequências acarretam para os brasileiros e Nação, esta questão não resolvida? O que os governos federal, estadual e municipal, a sociedade, a família e a escola podem fazer para reduzir o índice de analfabetismo no Brasil? É possível pensar um projeto de alfabetização que garanta o letramento/alfabetismo para as crianças a partir dos seis anos de idade, como previsto em lei? Quais foram e são as políticas para alfabetizar os jovens e adultos brasileiros? Vamos iniciar o nosso estudo com uma discussão relativa às crenças e mitos construídos em torno da alfabetização e da educação, assumidos como bandeira de luta e compreendidos como elementos fundamentais para o desenvolvimento e para a cidadania. Em seguida, serão apresentados conceitos e reflexões, vamos ler e discutir alguns dados e questões mais atuais, que circulam no Brasil sobre o tema do nosso estudo e que orientam as práticas pedagógicas nas escolas. Para ilustrar essa questão, ressaltamos que, de acordo com o estudo dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (BRASIL, 2008), existem no Brasil 14,4 milhões de pessoas que não sabem ler ou escrever. E mais, o analfabetismo é maior entre negros e pardos, sendo que 89,9% das mulheres brasileiras são alfabetizadas, contra 89,4% dos homens. Em 2006, a escolaridade média do brasileiro alcançava 6,7 anos de estudos. Esses são dados preocupantes e indicam que é grande a responsabilidade da escola e dos novos professores em formação, posto que vão assumir a responsabilidade de alfabetizar e garantir condições para o letramento de nossos alunos. 1.1 Implicações individuais e sociais da alfabetização e do analfabetismo Para iniciar nosso estudo é importante destacar algumas crenças que, ao longo do tempo, foram produzidas em torno da alfabetização e UNIDADE 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO BRASIL 14 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período do analfabetismo. Em todo o mundo, durante o século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, foram disseminadas representações diversas em torno dos benefícios da instrução, da educação e da alfabetização da população. De um lado encontramos os debates em torno do ideal iluminista e liberal que associava a educação com o progresso e a construção da soberania da nação, por favorecer o avanço econômico e tecnológico, como também a civilidade, a moralidade, o desenvolvimento social e cultural. Daí, o analfabetismo era considerado como entrave ao desenvolvimento, como problema a ser enfrentado pela sociedade. Por outro lado, havia o temor de que a pessoas alfabetizadas e instruídas fugissem ao controle e se rebelassem, deixando de ser produtivas e dóceis. Ao discutir a questão, Graff (1994) considera que esse temor em escolarizar as massas não inibiu a busca pela educação, sendo que, na primeira metade do século XIX, a questão se tornou central, considerada como remédio para as mudanças. Para o autor, esse consenso produzido pelos países desenvolvidos sobre os benefícios advindos da educação foi exportado para as nações subdesenvolvidas, associado à ideia de modernização. Esta visão enfatizava objetivos sociais agregados ao ensino da leitura e da escrita, considerado como fundamental para a redução do crime e da desordem, a assimilação de valores morais, à ampliação da produtividade econômica. Nesse contexto, o Brasil também assume a defesa da escolarização e da alfabetização, que passou a se constituir como verdadeira bandeira de luta para toda a sociedade. No final do século XIX e início do século XX, os intelectuais brasileiros colocaram a alfabetização como uma preocupação nacional. Escolarizar a população se apresentava como problema que deveria merecer a atenção de todos que pudessem desenvolver ações no sentido de extirpar a mácula que significava a presença maciça dos analfabetos. Em especial os governos, os órgãos da imprensa e os intelectuais, assumiram essa bandeira de luta, visando reverter o estado de analfabetismo da população. Nessa época, a crença disseminada era que o desenvolvimento coletivo e individual seria impedido pelo alto índice de analfabetismo e ignorância da população, que não conheceria seus direitos e deveres, não formaria a consciência esclarecida, não agiria em favor da liberdade e da grandeza do país. As questões ligadas à decadência moral, à falta de civismo, à vadiagem, à mentira e à intriga estavam relacionadas ao analfabetismo da população. Por não dominar a leitura, a população encontrava-se nas trevas da ignorância e da falta de consciência em relação aos seus direitos e deveres, por um processo em que não se mostrava capaz de defender os seus interesses, colocando-se em relação submissa e dependente. Como consequência da condição individual dos cidadãos, não conscientes e pouco esclarecidos, não se poderia avançar e desenvolver enquanto coletividade, não se poderia construir uma nação grande e próspera. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 15 Buscando esclarecer e explicitar essas relações entre alfabetização, liberdade e exercício democrático dos direitos e deveres, Graff (1994) destaca que: Dentre as noções básicas e indubitavelmente mais orgulhosamente mantidas do Iluminismo é a de que um povo livre, soberano, deve ser educado; uma pessoa deve saber ler e escrever e ser treinada em habilidades críticas a fim de fazer as escolhas críticas que a democracia exige e para realizar os deveres da cidadania responsável. (GRAFF, 1994, p. 91). Por esse raciocínio, a alfabetização se apresentava como instrumento fundamental ao exercício consciente do direito à liberdade, e o analfabetismo era apontado como causa, não apenas da escravização e da subserviência das pessoas, mas também compreendido como causador de vícios que conduziam à desonra e ao crime. Por isso, o analfabetismo era considerado como mácula e vergonha. Em contrapartida, a alfabetização era compreendida como condição para formar pessoas produtivas e aptas para o trabalho. Ao discutir o contexto educacional do final do século XIX, Graff (1997) afirma que este era um momento em que, para os países desenvolvidos, a estabilidade social adquiriu premência e produziu a necessidade do disciplinamento e da inculcação de valores e hábitos exigidos pela sociedade urbana e industrial. Os preceitos morais formavam a base do ensino da alfabetização, e a instrução era justamente para ensinar e inculcar as regras corretas para o comportamento social e econô- mico em uma sociedade em mudança e em moderniza- ção. A alfabetização tornou-se um veículo crucial àquele processo, uma vez que os reformadores apoderaram-se das forças socializantes da imprensa e uma vez que moralidade e alfabetização tornaram-se intrincados. Eles deviam ser ensinados juntos: a alfabetização acelerando e facilitando a instrução, e a moralidade guiando e restringindo os usos potencialmente perigosos da alfabetização descontrolada. (GRAFF, 1994, p. 69). Por essa via, as instituições escolares tornaram-se espaços privilegiados de controle individual, cumprindo a função de normatizar e inculcar padrões corretos de comportamento, por um processo em que o controle da alfabetização tornaria possível a formação do cidadão produtivo e adaptado ao regime trabalhista da sociedade urbana e industrial. O texto abaixo foi extraído do jornal montesclarense Gazeta do Norte, ano V, nº 214, de 26 de agosto de 1922. A matéria jornalística foi escrita em um período importante de nossa história, pois o Brasil estava completando 100 anos de independência em relação a Portugal e vivia um momento de intensos debates sobre modernidade e desenvolvimento econômico, político, cultural e social. Leia o texto com bastante atenção e procure identificar o modo como a alfabetização era compreendida. 16 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período O NOSSO MAIOR MAL Em toda parte do mundo, nas nações que se dizem civilisadas, a frequencia às escolas é um dos maiores deveres impostos aos seus filhos. Só nos paizes atrazados, da África e Oceania, não se cuida da instrucção, a base fundamental dos povos cultos, justamenteo que os distingue dos selvagens. Das nações da Europa quaes os paizes em que domina o anaphabetismo? Portugal, Turquia ou Rússia. Por isso mesmo esses paizes, ao lado dos seus irmãos de continente, são considerados atrazados. A civilisação se manifesta principalmente pela cultura de espírito, que torna os homens aptos para a luta pela vida, fazendo-os scientes e conscientes de seus deveres. É assim que todos os governos que se dizem de países civilizados empenham-se pela instrucção de seus nacionaes, e o cultivo que estes adquirem é a maior garantia do progresso do Paiz que tal interesse toma pela educação de seus filhos. Há precisamente um século tivemos a nossa emancipação política e durante esses cem annos o que menos tem preoccupado os governos que se succedem na mesma apathia, é a insstrucção. Dahi o nosso grande mal. A nossa educação política se ressente justamente da falta de civismo e de patriotismo que só se adquire pela instrucção. A educação do povo é o maior dever dos governos e emquanto disso não se cuidar, insuperaveis serão os obstáculos para as mais insignificantes conquistas políticas. O Japão em menos de 50 annos transformou-se de uma nação semibarbara em uma nação civilisada, com geral assombro para o mundo inteiro. A Rússia até hoje soffre as consequencias de sua indifferença pela instrucção do povo, apesar de ser, como lhe denominavam – o colosso da Europa. Apesar de sua immensa população de perto de duas centenas de milhões de almas, arrastou sempre uma vida de difficuldades – vindo da mais negra autocracia, a mais desenfreada liberdade. Hoje, acha-se a braços com a fome e toda a sorte de misérias, porque na sua população, ignorante e supersticiosa, falta a base dos grandes emprehendimentos – a instrucção. À sua falta se devem o despreso pelos deveres cívicos, o desrespeito às leis, o suborno fácil, a trahição aos princípios da honra, a ausência de amor pátrio, todas as calamidades enfim, que impedem o homem de conhecer a sua força no conjunto dessa invencível aggremiação que se chama – o povo. Neste ano em que comemoramos o nosso primeiro centenário de emancipação política, deveríamos também comemorar o inicio de uma propaganda systematica pelo ensino obrigatório, de verdade, pelo ensino ambulante, levado a todos os extremos da nossa vasta Pátria, com premios a todos aqueles que tirassem um só indivíduo que fosse, das trevas do analphabetismo”. Quadro 1: Texto matéria jornalística-1922 Fonte: Jornal montesclarense Gazeta do Norte, ano V, nº 214, de 26 de agosto de 1922. Você deve ter percebido que o jornal Gazeta do Norte apresenta a alfabetização da população como verdadeira bandeira de luta a ser assumida por todos. A questão estava associada a uma forte crença no poder da leitura e da escrita para construção da democracia e para cidadania, para o progresso econômico, político, social e cultural, nas dimensões individual Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 17 e coletiva. Por sua vez, o analfabetismo era compreendido como causador de inúmeros problemas, por estar associado a diversos fatores negativos, como: ignorância, criminalidade, decadência moral, desrespeito, etc. Com Graff (1997) podemos afirmar que, sobretudo a partir do século XIX, o mundo ocidental apostou na alfabetização, passando a compreender que o saber ler e escrever se constituía como condição para o progresso individual e social, por favorecer o desenvolvimento cognitivo, social e cultural das pessoas e impulsionar o desenvolvimento das sociedades. Esses posicionamentos em favor da educação e da alfabetização revelam que, no momento contemporâneo, essas crenças ainda têm muita força. No entanto, o mito produzido em torno da leitura/escrita tem sido relativizado, posto que muitos estudiosos e pesquisadores consideram que educação e alfabetização, por si sós, não são condições suficientes para a mudança. Apesar de diferentes sociedades considerarem que o poder da leitura e da escrita não é tão grande como se acreditava, ainda são estabelecidas claras associações entre educação, alfabetização e mudança econômica, cultural e social. Sobre essa questão, Enguita (1998) aponta que, nas décadas de 1960-70, diferentes países colocaram esperanças nas reformas educativas como elemento capaz de corrigir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento. No entanto, o autor compreende que essa promessa cumpriu-se apenas parcialmente. Há necessidade de investimentos em outras áreas importantes e somente a educação não é capaz de resolver os problemas políticos, sociais, econômicos. No entanto, conforme o autor, a educação permitiu que importantes minorias saíssem da marginalização e da pobreza. O autor entende ainda que, “se é que podemos dizer que a educação não seja especialmente eficaz para abrir portas, temos que acrescentar, como regra, que sua falta sim, pode fechá-las, especialmente para aqueles que não possuem outros recursos para abri-las” (ENGUITA, 1998, p.20). Enfim, polêmicas à parte, não podemos desconsiderar o valor da educação e da alfabetização como elemento importante para integração social das pessoas e alavanca para o desenvolvimento das sociedades. Nesse sentido, consideramos importante ampliar a discussão sobre essa questão e, por isso, apresentaremos alguns conceitos importantes nesse campo de conhecimento. 1.2 Conceituando alfabetização e analfabetismo Pensar alfabetização implica também discutir o conceito de letramento e considerar a linguagem como prática cultural, presente em diferentes ramos da atividade humana. Também implica pensar a Você já conversou com pais pertencentes às camadas populares sobre os motivos que os impulsionam a matricular seus filhos na escola? É comum ouvirmos dos pais que a educação é a única herança que poderão dar a seus filhos, que a educação é um bem que ninguém poderá tirar deles. Esses são posicionamentos comuns e reveladores dessa crença da população sobre o poder da educação e da alfabetização de seus filhos. 18 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período aprendizagem da leitura e da escrita como instrumento fundamental para expressão de concepções, ideias, sentimentos e intenções, e também para a apropriação de conhecimentos por meio de um sistema de signos. Na escola, a linguagem também ocupa lugar de destaque, não apenas porque ensinar a ler e escrever seja uma de suas primeiras e mais importantes tarefas, mas porque o uso da leitura e da escrita é uma habilidade importante para se fazer frente a diferentes demandas sociais. Afinal, em nosso cotidiano, utilizamos a leitura com diferentes finalidades: para localizar um endereço, operar um terminal eletrônico no banco, escolher o ônibus que nos levará ao destino correto, e uma série de pequenas atividades que tem a escrita como referência. A seguir, apresentaremos alguns conceitos relacionados com a aprendizagem da leitura e da escrita. São eles: alfabetização, alfabetizar, alfabetizado, analfabeto, analfabetismo, analfabetismo funcional, letramento e letrar. Alfabetização é a ação de alfabetizar, de ensinar a ler e escrever, mas é também o resultado desse ensino, ou seja, é a apropriação do sistema de escrita alfabético por aquele que foi alfabetizado. Nesse contexto, alfabetizado é o sujeito que aprendeu a ler e escrever. Por sua vez, alfabetizar é um processo complexo e não apresenta uma única definição. Segundo o dicionário Aurélio, alfabetizar é ensinar a ler e escrever; dar instrução primária. Para Soares (2003), “alfabetizar significa adquirir habilidades de decodificar a língua oral em língua escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em língua oral (ler)”. A alfabetização, por essa visão seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler) (SOARES, 2003, p. 15). No entanto, essa é uma abordagem muito limitada. Ampliando o olhar lançado sobre o conceito, Soares (2003) considera que aprender a ler e escrever (alfabetização) apresenta duplo significado em nossa língua: é processo de codificação/ decodificação da língua, mastambém é compreensão/expressão de significados. Ainda conforme a autora, não se pode considerar como alfabetizado o sujeito que aprendeu a assinar o seu próprio nome, ou que consegue decodificar o texto escrito, pois a verdadeira alfabetização pressupõe que o sujeito seja capaz de entender o que foi lido e de expor suas ideias por meio da escrita. Como você pode perceber, contemporaneamente, o conceito de alfabetização não apresenta um único sentido, sofrendo transformações ao longo da história, tendo em vista as necessidades postas pela sociedade nas diversas situações de leitura e escrita. O conceito de alfabetizado na década de 80 não é o mesmo utilizado na atualidade, e também não é o mesmo que no final do século XIX, por exemplo. Conforme indica Soares (1998), até a década de 1940, para as pesquisas do Censo, era considerada como alfabetizada a pessoa que fosse capaz de assinar o seu nome. A partir O Brasil tem 14,4 milhões de analfabetos – cerca de 10% da população brasileira (com 15 anos ou mais de idade). (IBGE,2009) Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 19 da década de 1940, a exigência foi ampliada, sendo necessário saber ler e escrever um bilhete simples como condição suficiente para a pessoa ser considerada alfabetizada. No entanto, essas habilidades não mais atendem às demandas sociais de hoje. Espera-se que a pessoa alfabetizada, que saiba ler e escrever, mas que também seja capaz de produzir, ler e compreender vários tipos e gêneros textuais e fazer uso dessas habilidades. Ao discutir as transformações sofridas pelo conceito de alfabetização, Soares (2004) considera inadequado ampliar demais os significados atribuídos ao processo de alfabetizar. Para a autora: Pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar. Toma- -se, por isso, aqui, alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita (SOARES, 2003, p.15) Agora que compreendeu esses conceitos, discutiremos o analfabetismo e suas implicações para o sujeito que vive essa condição. Analfabetismo é o estado ou condição de analfabeto, mas também é compreendido como a ausência de instrução ou como instrução insuficiente, atraso intelectual, ignorância total. (KOOGAN/HOUAISS, 1994). Para Soares (2003), analfabetismo é definido como estado de quem não sabe ler e escrever. Por sua vez, Analfabeto é o que não sabe ler e escrever, sendo que o Koogan/Houaiss (1994), acrescenta que analfabeto é aquele que é “muito ignorante”. (KOOGAN/HOUAISS, 1994). Pinto (2008) descreve o analfabeto como realidade humana e o analfabetismo como realidade sociológica. O analfabeto em sua essência não é aquele que não sabe ler, mas aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler. Ao discutir as relações entre analfabetismo, sociedade e cultura, Soares (1998; 2003), considera que as habilidades de leitura e escrita não podem ser dissociadas de seus usos sociais, sendo que a questão é pensada em termos das condições necessárias para que o sujeito funcione adequadamente em um determinado contexto social. Daí surge a expressão alfabetização funcional, que indica o conjunto de habilidades e conhecimentos que tornam a pessoa capaz de participar das atividades de leitura e escrita necessárias em sua cultura e em seu grupo. A partir dessa definição, podemos concluir que analfabeto funcional é o sujeito que, mesmo tendo participado dos processos sistemáticos de alfabetização, não domina as habilidades e conhecimentos 20 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período necessários para fazer frente às diferentes situações mediadas pela leitura e pela escrita. Ou seja, é a pessoa que, mesmo alfabetizada, não sabe utilizar funcionalmente a leitura e a escrita em situações sociais de uso. Isso significa dizer que muitos de nossos alunos podem ser considerados analfabetos funcionais, porque estão na escola, participaram das atividades que visavam a sua alfabetização, aprenderam a reconhecer as letras e sílabas, sabem decodificar o texto impresso, mas não dominam habilidades necessárias para resolver as questões e problemas que envolvem a leitura e a escrita. A expressão Analfabeto funcional ajusta-se, portanto, a uma pessoa que, mesmo sabendo ler escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer às demandas do seu dia a dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente. Agora que você já sabe o que é analfabetismo funcional, podemos discutir o modo como esse fenômeno se apresenta entre nós. São alarmantes os índices de analfabetismo funcional no Brasil, como também são muito baixos os desempenhos em leitura apresentados pelos alunos brasileiros. O Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF, produzido por pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, indica que, apesar da quase universalização do ensino fundamental e do aumento dos anos de escolaridade da população brasileira, a porcentagem de analfabetos funcionais é inaceitável. Em 2001, na faixa etária entre de 15 a 64 anos, 9% dos brasileiros são “analfabetos absolutos”; no nível rudimentar, temos 31%; no nível básico, temos 34% e apenas 26% conseguem o nível pleno. Em outras palavras, esses índices indicam que 40% dos brasileiros não dominam habilidades básicas de leitura e de escrita, não apresentando, portanto, condições para o exercício pleno da cidadania (RIBEIRO, 2004). Sobre a situação do analfabetismo no Brasil, e considerando suas diferentes dimensões, vale analisar os dados demográficos em conjunto com os dados do Censo Escolar, levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais/INEP, dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano/IDH, construído pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O analfabetismo funcional, segundo o IBGE (2009), afeta pessoas com 15 anos ou mais de idade e menos de quatro anos de estudo. O dado foi estimado em 20,3% das pessoas de 15 anos ou mais de idade. É um índice alto, inaceitável, mas as pesquisas indicam queda no analfabetismo. A queda foi de 0,7 ponto percentual em relação a 2008 e de 4,1 pontos percentuais em relação a 2004. A taxa de analfabetismo cai 1,8% em cinco anos no Brasil, mostra o Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD, pois o índice Analfabeto Funcional: Analfabeto Funcional pode ser considerado a pessoa que por ter 4 anos ou menos de escolaridade ou ainda que, mesmo tendo prosseguido em seus estudos e por ter enfrentado as precariedades dos sistemas e redes de ensino pelos quais passou o que lhe legou uma educação de qualidade inferior, desenvolveu somente capacidade mínima de decodificação e composição de frases, sentenças, textos curtos e números (operações matemáticas). (MACHADO). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 21 ficou em 9,7% em 2009 e a meta é chegar a 6,7% em 2015. A taxa de analfabetismo caiu 1,8% de 2004 a 2009, segundo a PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, entre as pessoas de 15 anos ou mais de idade. No ano passado, a taxa foi de 9,7% da população, um total de 14,1 milhões de pessoas, contra 11,5% em 2004. Em 2008, a taxa foi de 10%. 1.3 O Analfabetismo até a Década de 1980 Na obra História da instrução pública no Brasil (1500-1889), escrita em 1889, José Ricardo Pires de Almeida comenta o fato de que no Brasil/ Colônia “havia um grande número de negociantes ricos que não sabiam ler. Lembrando ainda que, no Império, admitia-se o voto do analfabeto, porém era exigido que este possuísse bens e títulos. O autor relata outro fato que também ajuda a entender o fenômeno do analfabetismo no Brasil, e que ainda hoje se encontra presente entre nós, sobretudo entre as pessoas das camadas populares:os baixos salários dos professores, que impediam a contratação de pessoal qualificado e levavam ao “afastamento natural das pessoas inteligentes de uma função mal remunerada e que não encontra na opinião pública a consideração a que tem direito” (1889, p. 65). No mesmo trabalho, ele mostra que, em 1886, enquanto o percentual da população escolarizada no Brasil era de apenas 1,8%, na Argentina este índice era de 6%. Como se pode perceber os problemas com alfabetização no Brasil não são recentes, posto que, historicamente, o analfabetismo se inscreve entre nós e preocupa estudiosos e outros pessoas interessadas na questão. O texto que se segue é um fragmento de uma Marchinha de Carnaval, de autoria de Noel Rosa, escrita no ano de 1932. De forma crítica e bem humorada, o autor revela as dificuldades com a alfabetização e os seguidos anos que a criança levava para aprender a ler e escrever. A.e.i.o.u. Noel Rosa A Juju já sabe ler, a Juju sabe escrever Há dez anos na carti...lha A Juju já sabe ler, a Juju sabe escrever Escreve sal com cê cedilha Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/humor/1957530H Essa dificuldade em ensinar e aprender a ler também foi constatada por Veloso (2008), que pesquisou facetas da história da alfabetização Acesse o site: www.inep.gov. br, que apresenta e discute dados relativos aos índices de alfabetismo no Brasil. 22 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período em Montes Claros/MG e também constatou que, no final do século XIX, a alfabetização era tarefa penosa e demorada para muitos alunos, que eram reprovados por não aprenderem a ler no 1º ano de escolaridade. No contexto montesclarense do ano de 1890, ao abordar as grandes transformações culturais em curso, o jornal Correio do Norte destaca a importância do uso de cartilhas para alfabetizar, mas também descreve as práticas alfabetizadoras. Conforme o jornal, o aluno consumia dois ou três meses no “berreiro do a,b,c”, depois era obrigado a memorizar uma longa série de cartas das sílabas e de nomes, a tarefa seguinte era ler a letra impressa e os textos, que se constituíam em “uma infinidade de cartas de sentenças”, “autos velhos, verdadeiros hieroglyphos difficilmente decifráveis”. Assim, pela adoção de métodos e materiais inadequados, o aluno ficava cinco ou seis anos na escola e, somente se fosse assíduo, aprendia a ler, escrever, contar e conhecer as quatro operações fundamentais. (VELOSO, 2008, p. 131-132) Além dos problemas relativos à qualificação e remuneração dos professores, aos métodos e materiais inadequados, outro fator que tem sido utilizado para explicar o alto índice de analfabetos no Brasil é o acesso à escola. Até a década de 1980, a escola não era para todos, e chegava a ser inexistente em algumas regiões e em outras, como nos grandes centros, a oferta de vagas era insuficiente. Isso quer dizer que a população analfabeta não era analfabeta por opção, porque não queria estudar, mas porque lhe faltava condições efetivas para acesso à escola. Além disso, o ingresso nas escolas nem sempre era estimulado, até mesmo pelas famílias. As condições de produção do analfabetismo têm suas causas em fatores sociais e educacionais. Para Cagliari (1989) a escrita, assim, como o saber acumulado que dela provém, tem significado, historicamente, um privilégio e, consequentemente, detenção de poder das classes dominantes. A diminuição do analfabetismo representaria o compartilhamento do saber do poder e do poder do saber. Com a Tabela 1, abaixo apresentada, pretendemos mostrar como evoluiu, neste século, o número de analfabetos no País. Nela podemos constatar que a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais caiu. Ininterruptamente, ao longo do século, saindo de um patamar de 65,3% em 1900 para chegar a 13,6% em 2000. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 23 Tabela 1 - Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais Brasil – 1900-2000 Ano População de 15 anos de idade e mais Total Analfabeta Taxa de analfabetismo 1900 9.728 6.348 65,3 1920 17.564 11.409 65,0 1940 23.648 13.268 56,1 1950 30.188 15.272 50,6 1960 40.233 15.964 39,7 1970 53.633 18.100 33,7 1980 74.600 19.366 25,9 1991 94.891 18.682 19,7 2000 19.533 16.295 13,6 Fonte: IBGE Censo Geográfico Vale lembrar que a ampliação do atendimento escolar tem sempre forte impacto num processo de desaceleração do analfabetismo, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. O ganho na escolaridade média da população, mesmo sendo expressivo, nem sempre significa a garantia de, pelo menos, o ensino fundamental completo para o cidadão. 1.4 O Analfabetismo no Brasil a partir da Década de 1990 Para iniciar a discussão relativa aos dados de analfabetismo no Brasil contemporâneo, apresentamos a tabela abaixo, cujos dados foram obtidos pelo IBGE. Tabela 2 - Taxa de analfabetismo por faixa etária Brasil – 1996/2001 Faixa Etária Ano 1996 1998 2001 10 a 14 8.3 6.9 4.2 15 a 19 6.0 4.8 3.2 20 a 29 7.6 6.9 6.0 30 a 44 11.1 10.8 9.5 45 a 59 21.9 20.1 17.6 60 e mais 37.4 35.9 34.0 Fonte: IBGE Pnads 1996, 1998, 2001 Nota: Excluindo a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá 24 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Analisando dados PNAD/IBGE (1996,1998 e 2001), nota-se que o Analfabetismo atinge as faixas etárias diversas, ainda que com percentuais diferenciados. Considerando que as pessoas são diferentes, populações com perfis e expectativas também diferentes, o analfabetismo só deverá ser reduzido com inovadoras e diferentes estratégias de alfabetização, contextualizadas com o desenvolvimento cultural, social, político e tecnológico do mundo contemporâneo. Se observarmos os dados da faixa etária de 10 a 19 anos, podemos afirmar que os sistemas educacionais brasileiros vêm fracassando, já que nesta faixa, 7,4% são ainda analfabetos. Estes jovens, provavelmente, frequentam a escola ou se evadiram dela, o que significa que nosso sistema educacional continua a produzir analfabetos. Dentre os motivos apontados por educadores/ pesquisadores para o fracasso da alfabetização dos jovens brasileiros estão: escola de baixa qualidade, em especial nas regiões mais pobres do país e nas periferias mais pobres das grandes cidades, trabalho precoce na adolescência, baixa escolarização dos pais, despreparo da rede de ensino para lidar com essa população e seus problemas familiares e sociais. Lembramos que o baixo desempenho dos sistemas de ensino, caracterizado pelas baixas taxas de sucesso escolar, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade, é motivo de preocupação de repensar a prática pedagógica e os processos de alfabetização e ensino aprendizagem na escola. Veja mais: Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), 20% dos brasileiros não conseguem compreender textos, enunciados matemáticos e estabelecer relações entre assuntos, apesar de conhecerem letras e números. A charge abaixo apresenta essa queda nos índices de analfabetismo e, ao mesmo tempo revela que o problema ainda precisa ser trabalhado. A sociedade brasileira precisa garantir condições para todos poderem fazer uso da leitura e da escrita, uma vez que parcela significativa da população tem sido impedida de usufruir dos bens culturais codificados pela escrita. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 25 Figura 1: Charge de Queda do analfabetismo no Brasil Fonte: Disponível em http://www.premiovladimirherzog.org.br/busca-resultado. asp?busca=analfabetismo, acessado em 12 de janeiro de 2011. A partir dessa discussão você deve estar refletindo sobre a grande responsabilidade da escola, que precisa alfabetizar e também garantir condições para desenvolver o letramento de todos os seus alunos. Você já sabe que não basta ensinar processos de decifração, pois a pessoa precisa compreender os textos para ser considerada alfabetizada. Apresentamos abaixo um texto diferente para sua leitura. Apesar de seu formato, o texto é perfeitamente legível, e você poderá compreendê-lo sem nenhum esforço, desde que vocêperceba a sua lógica de organização. Aliás, a lógica do texto é bastante simples e, quanto menor o esforço, melhor e mais eficiente será a sua leitura. Experimente: 3M UM DI4 D3 V3R40, 3U 3574V4 N4 PR414, O853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R14NC4ND0. 3L45 7R484LAV4M MU170 CON57RU1ND0 UM C4S73L0 C0M 70RR35 P4R4L3L4S3 3 P455AG3N5 1NT3RN4S. QU4ND0 35T4V4M QU453 4C48AND0, V310 UM4 0ND4 3 D3S7RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0NT3 D3 3SPUM4. 4CH31 QU3, D3P015 D3 7AN70 35F0RC0 3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0. N0 3N74N70, CORR3R4M P3L4 PR414 4 B31R4 D4 4GU4, R1ND0 D3 M40S D4D45 3 COM3C4R4M 4 JUN74R 4R314 P4R4 C0N57RU1R 0U7R0 C45T3L0. Quadro 2: Texto: Desafio de Leitura Você gostou do desafio dessa leitura? Achou o texto interessante, mas sentiu um pouco de dificuldade para ler? Sabe por que encontrou um pouco de dificuldade no momento inicial, mas mesmo assim conseguiu ler o texto sem maiores problemas? É simples. A dificuldade se deu porque as vogais e algumas consoantes foram trocadas por números parecidos (A=4, E=3, I=1, O=0, T=7, S=5) e você pôde ler sem problema a partir do momento em que percebeu esse processo de codificação. E não foi necessário transcrever o texto, substituindo os números pelas letras 26 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período correspondentes porque você não fez leitura por decodificação letra a letra, mas processou o texto buscando os sentidos das palavras lidas. Com esse texto queremos que você perceba que estar alfabetizado implica em codificar (escrever) e decodificar (ler), mas é fundamental compreender as palavras lidas e construir sentido para os textos. É esse tipo de leitura que esperamos dos nossos alunos, que eles aprendam a decodificar, mas leiam as palavras globalmente e sem fazer silabação, com fluência e compreensão das ideias contidas no texto. 1.5 Alfabetização na Perspectiva do Letramento Agora buscaremos compreender a Alfabetização na perspectiva do Letramento. Inicialmente, apresentaremos o conceito de letramento, para depois discutirmos a relação que existe entre alfabetização e letramento. Para discutir o conceito de letramento, Soares (2009) ressalta que o termo letramento provoca certo estranhamento, sendo que outras palavras, como analfabeto, analfabetismo, alfabeto, alfabetizado, alfabetismo e alfabetização pertencem ao mesmo campo semântico e nos são bastante familiares. Esses são conceitos que já apresentamos na seção anterior dessa unidade. Caso ainda tenha dúvida, retome a leitura desses conceitos. Soares (1998) apresenta o conceito de letramento como uma palavra nova no vocabulário das ciências humanas e da educação. Nesse contexto destaca que a 3ª edição do Dicionário Contemporâneo a Língua Portuguesa, de Caudas Aulete, publicado em 1948, letramento aparece como uma palavra antiga, antiquada; que significa “investigar soletrando”; “adquirir letras ou conhecimentos literários” (SOARES, 1998, p. 16). Mas não é esse o sentido que hoje tem sido atribuído à palavra letramento. Para Soares (1998), o sentido etimológico de letramento vem da versão para o português da palavra inglesa literacy. Literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo cy (que denota qualidade, condição, como em innocency (condição ou qualidade de ser inocente). Literacy é a condição de ser literate (especialmente capaz de ler e escrever), é o estado ou condição que assume aquele que aprendeu a ler e escrever. Para a autora, letramento é expressão que passou a fazer parte de nosso vocabulário há pouco tempo e tem um significado mais amplo do que ler e compreender os textos lidos, pois pressupõe que o sujeito saiba fazer uso social da leitura e da escrita para resolver questões de seu cotidiano. Somente a partir da segunda metade da década de 1980 o termo letramento passou a ser utilizado por especialistas da área da Educação e das Ciências Humanas. No Brasil, uma das primeiras ocorrências de uso da palavra letramento é de 1986, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística” de Mary Kato. Em 1988, a expressão aparece em Leda Verdiane Tfoune no livro “Adultos não alfabetizados: o avesso do Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 27 avesso”, sendo que em 1995, Ângela Kleiman apresenta a expressão no título do livro “Significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”. Ao apresentar o termo como uma palavra nova no vocabulário das ciências humanas e da educação, a autora justifica sua introdução pelo surgimento da necessidade de identificar um fenômeno, até então, pouco discutido: “o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 1998, p. 18). Ainda conforme a autora, letrado é o indivíduo que sabe ler e escrever e usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita nas situações que demandarem por essa tecnologia. Soares (2009) também afirma que o entendimento de tais expressões é necessário para que possamos compreender as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado. Uma pessoa que sabe ler e escrever e faz uso da leitura e da escrita é alfabetizado, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita. Pois o pressuposto é que uma pessoa que sabe ler e escrever e passa a usar a leitura e envolve-se com as práticas de leitura e escrita tornase uma pessoa diferente, adquire um outro estado. Ocorre uma mudança social e cultural, pois o sujeito não é mais o mesmo que não possuía o domínio de tais tecnologias ou mesmo de quem não dominava a leitura e escrita, a sua condição é afetada, passa a ser outra, ocorre então a inserção social e cultural, é possível observar mudanças significativas no uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e no vocabulário. É importante salientar que existem tipos e níveis de letramento, dependem das necessidades, das demandas dos indivíduos e de seu meio, do contexto social, cultural e econômico, portanto é preciso que haja condições para o letramento, dentre delas se faz necessário apontar para a escolarização real e efetiva da população, uma outra condição é a disponibilidade de material de leitura. Ao discutir o conceito de letramento, Soares (1998) considera que o indivíduo pode ser alfabetizado e não ser letrado, pois letramento não é apenas a capacidade de ler e escrever, mas de fazer uso social da leitura e da escrita e responder às demandas sociais de leitura e escrita. Soares (1998) ainda discute a possibilidade de se considerar que um indivíduo que não sabe ler e escrever pode ser considerado de certa forma letrado. Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe carta que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 1998, p. 24). 28 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A discussão proposta por Soares (1998) indica que existem diferentes níveis de letramento, e que as pessoas podem usar a leitura e a escrita para realizar uma grande quantidade de atividades. Outro exemplo de analfabeto inserido em práticas de letramento é a criança que ainda não aprendeu a ler, mas ouve histórias lidas pelos pais ou pela professora e é capaz de compreender a narrativa e se apropriar dos conhecimentos presentes nos textos, a partir da leitura realizada por um adulto. Daí se pode depreender que as práticas de letramento não devem ocorrer após a alfabetização, mas paralelamente ao aprendizado do sistema de escrita. Ou seja, como defende Soares (2009), a escola deve alfabetizar letrando. w Figura 2: Filme Centraldo Brasil Fonte: Disponível em http://cinemacomrapadura.com.br/filmes/1093/central-do-brasil-1998. Acessado em 22 de janeiro de 2011 “O filme é uma produção nacional, dirigida por Walter Sales e protagonizada por Dora, personagem representada por Fernanda Montenegro. No filme, “Dora escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil. Nos relatos que ela ouve e transcreve, surge um Brasil desconhecido e fascinante, um verdadeiro panorama da população migrante, que tenta manter os laços com os parentes e o passado”. Uma das clientes de Dora é Ana, que vem escrever uma carta com seu filho, Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto de nove anos, que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Na saída da estação, Ana é atropelada e Josué fica abandonado. Mesmo a contragosto, Dora acaba acolhendo o menino e envolvendo-se com ele. Termina por levar Josué para o interior do nordeste, à procura do pai. À medida que vão entrando país adentro, estes dois personagens, tão diferentes, vão se aproximando... Começa então uma viagem fascinante ao coração do Brasil, à procura do pai desaparecido, e uma viagem profundamente emotiva ao coração de cada um dos personagens do filme”. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 29 Além de alfabetizar letrando, ou seja, de ensinar a ler/escrever e ao mesmo tempo desenvolver práticas de uso social da leitura e da escrita, as discussões contemporâneas também apontam a necessidade de integrar as práticas escolares com o contexto das práticas que ocorrem no ambiente doméstico e da comunidade. Sobre a questão, Purcell-Gates (2004) considera que diferentes atividades de leitura e escrita que se dão no ambiente familiar sempre existiram e são chamadas de “práticas letradas”. No entanto, apenas nas últimas décadas é que essas práticas se converteram em objeto de estudo, apresentando-se como elementos-chave para a educação e o desenvolvimento das habilidades básicas de leitura e escrita. São práticas socialmente organizadas que tem como finalidade a participação das pessoas em diferentes contextos, em situação na qual seja possível aplicar os conhecimentos sobre leitura e escrita de acordo com diferentes propósitos. O ambiente escolar tem o compromisso de criar diversas situações concretas para que seja possível efetivar o uso da leitura e da escrita, estabelecendo relações com as práticas que ocorrem no espaço do lar e da comunidade. Muito importante! Não acha? Agora que você já entendeu os conceitos de alfabetização e letramento, vamos exercitar essa nova aprendizagem e realizar a atividade abaixo proposta. ATIVIDADE: Abaixo, apresentamos algumas situações que envolvem leitura e escrita. Leia-as e responda: essas situações são de letramento ou de alfabetização? Por quê? Josias, 22 anos, vestido com uma calça caqui esfarrapada e uma camiseta regata branca cheia de buracos, aproxima-se de meu carro parado no sinal e pendura no espelho um saquinho de balas de hortelã em que há grampeado um bilhete com os seguintes dizeres: “Sou pai de família e estou desempregado. Vendo balas para sustentar meus filhos. Compre um saquinho. Somente R$2,00”. Leio o bilhete e compro as balas. (ROJO, 2009, p. 96) Pedro, 6 anos, está matriculado na escola pública próxima de sua casa e sua mãe se orgulha de seus primeiros aprendizados. Quando vai ao supermercado o garoto lê rótulos e placas que encontra, consegue identificar os nomes de alguns produtos, mais ainda tem dificuldade em compreender algumas palavras. Outro dia Pedro resolveu comparar os valores nutritivos dos biscoitos que sua mãe ia comprar, mas a tarefa estava complicada demais para ele, que ainda tem dificuldade em decifrar as palavras que não foram trabalhadas na escola. Para melhor entender a ideia do adulto analfabeto, que pode ser considerado, de certa forma, letrado, sugerimos que assista ao filme Central do Brasil. 30 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Suzana está sem dinheiro vivo na carteira e precisa comprar remédios. De duas uma: ou vai ao caixa automático e segue as instruções na tela, digitando códigos alfanuméricos para retirar dinheiro vivo, ou vai diretamente à farmácia e usa o cartão de crédito ou de débito, também seguindo as instruções da tela no terminal e digitando códigos alfanuméricos, para realizar a compra sem precisar do dinheiro. (ROJO, 2009, p. 96) Quadro 3: Atividade de Análise de situações de letramento e alfabetização Fonte: VELOSO,G.M.Janeiro de 2011 A tarefa de identificar letramento e alfabetização foi fácil para você? É isso. Ao lermos a descrição dessas situações, logo percebemos que em todas elas está presente a leitura e a escrita. Os sujeitos estão imersos em práticas sociais que demandam o uso do ler e do escrever. Na primeira situação, existe a possibilidade de o vendedor de balas não saber ler e escrever, mas está fazendo uso da leitura e da escrita, pois utiliza o bilhete impresso para se comunicar com a motorista, que entende o seu recado e compra o produto. Na segunda situação, o garoto Pedro encontra dificuldade em se inserir em práticas letradas, pois está em processo de alfabetização e ainda não desenvolver habilidades letradas que lhe permitam fazer um uso pleno da leitura e da escrita. Na terceira situação Suzana faz uso da leitura para ler instruções do caixa automático do banco e realizar a operação que necessita para sacar o dinheiro. Sabendo que alfabetizar e letrar são duas ações distintas. E você deve estar se perguntando, qual desses processos deve ocorrer primeiro? Ao trabalhar com alunos das camadas populares, qual dessas ações deve ser priorizada? Para responder às questões, novamente, buscamos suporte em Soares (1998), ao afirmar que alfabetizar e letrar são dois verbos, que indicam duas ações. Alfabetizar é a ação capaz de tornar o indivíduo capaz de ler e escrever, sendo que letrar á e ação que leva o indivíduo ao letramento. Contudo, alfabetizar e letrar não podem ser consideradas como ações separadas. Ao contrário, “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (1998, p. 47 - grifos da autora). Em outras palavras, se alfabetizar e letrar são processos inseparáveis, nenhuma das ações antecede a outra, pois devem ocorrer no processo de educação integral do aluno. O aluno aprende a utilizar-se da escrita como recurso importante no processo de comunicação e interação social, para acesso ao mundo da cultura, aprendizagem de novos conhecimentos, ao mesmo tempo em que também se apropria das normas e convenções do sistema de escrita alfabética, aprende a decifrar o texto escrito e entender o modo como as letras se organizam para formar palavras e textos. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 31 Na discussão sobre letramento ainda é importante considerar que à leitura podem ser associadas múltiplas finalidades pragmáticas ou construtivas. Ou seja, o ato de ler pode se constituir em instrumento necessário à participação social, mas também se tornar uma forma de lazer, uma prática desinteressada, em que o leitor não se orienta por finalidades imediatistas, mas busca no livro o espaço de ampliação da cultura, prazer e fruição estética. Oliveira (2004) também afirma que é importante compreender que a alfabetização e letramento são indissociáveis, simultâneos e interdependentes, pois o letramento antecede, acompanha e sucede a alfabetização. Por esta discussão, tornou-se necessária a distinção entre o indivíduo alfabetizado, aquele que sabe ler e escrever, e o indivíduo letrado, aquele que se encontra imerso em práticas sociais mediadas pela leitura e pela escrita, sendo capaz de responder adequadamente às demandas sociais. No entanto Kleiman (1995) considera que, enquanto principal agência do letramento, a escola não se preocupa com o letramento como prática social, mas com apenas um tipo de letramento – aquele que se relaciona com as competências individuais de alfabetização dos seus alunos. Aocentrar o foco no processo individual de aquisição do sistema de escrita, a escola deixa de considerar o seu uso social nas diferentes situações discursivas. Nesse sentido, o espaço escolar tem o compromisso de criar diversas situações concretas em que seja possível efetivar a alfabetização e o letramento, ou seja, o domínio do sistema de escrita e habilidades/ competências para uso da leitura e da escrita. O foco no letramento na educação escolar é fundamental, pois, conforme uma sociedade se torna letrada, grandes mudanças ocorrem: as pessoas entram em contato com as notícias e informações de um modo mais profundo e detalhado; a partir do maior acesso à informação compreenderão melhor o sistema político, econômico e social; em decorrência disso poderão construir uma visão crítica da realidade e do sistema no qual estão inseridas e ao qual estão subordinadas. A alfabetização é o momento em que o aluno compreende as regras que organizam o funcionamento do sistema de escrita, enquanto o processo de letramento deve ser entendido como a prática das funções sociais da língua escrita. As orientações do Ministério da Educação para o PRÓ-LETRAMENTO reafirmam a ideia de que alfabetização e letramento “são processos diferentes, cada uma com suas especificidades, mas complementares, ambos indispensáveis. Assim não se trata de escolher alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando.” (BRASIL/MEC, 2008, p.13). 32 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Você já pensou o que a escola pode fazer para alfabetizar as crianças na perspectiva do letramento? A escola junto com sua equipe pedagógica tem de pensar que o processo de alfabetização em uma perspectiva de letramento tem um compromisso direto com a formação de sujeitos linguisticamente mais competentes e que assim contribuirá para sua emancipação. É preciso considerar que a alfabetização para o letramento é aquela em que o professor aproveita todos os espaços e tempos do processo de ensino-aprendizagem para ler e escrever com seus alunos, explorar imagens e antecipar sentidos, compreender as ideias contidas nos textos, discutir os modos de organização dos diferentes gêneros textuais, perceber que os textos têm título e autor, etc. Contudo, discutir, ler, escrever e discutir os textos com a colaboração do professor é ação necessária, mas não suficiente para aprender a ler e escrever. É ainda necessário considerar as especificidades da alfabetização e, a partir dos textos lidos escritos com os alunos, o professor deve trabalhar com as palavras e com o alfabeto; ensinar a forma e os traços que diferenciam as letras entre si, explorar as relações entre os grafemas (letras) e os valores sonoros que lhes correspondem (fonemas), etc. Os alunos devem perceber que se lê de cima para baixo e da esquerda para a direita, que as palavras são separadas por espaços, que além das letras há os acentos e sinais de pontuação, que as letras são diferentes dos números, etc. Além disso, é necessário compreender que promover este processo requer criatividade, conhecimento, compromisso e o entendimento de que os temas cultura, classe social, política estão ligados às práticas alfabetizadoras, pois estes sujeitos irão colocar à mostra através do uso da linguagem o que foi construído no espaço educacional. Convidamos-lhe a pensar o processo de alfabetização como uma maneira real de mudar a sociedade e, para tal, precisamos ter esperança de que a educação seja um dispositivo que irá contribuir de forma significativa na construção de novos leitores e escritores. É relevante que a escola amplie as práticas de letramento, fazendo circular toda diversidade de textos que fazem parte do mundo atual. Observe como Magda Soares explica o termo letramento através do poema que segue: Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 33 O que é Letramento? Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é um treinamento repetitivo de uma habilidade , nem um martelo quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São noticias sobre o presidente, o tempo, os artistas da TV é mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É um a receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos. É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos. É um atlas do mundo, sinais de transito, caças ao tesouro, Manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido. Letramento é sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo que você pode ser. (De Kate M.Chong, estudante norte-americana, 1996, citada por SOARES, 1998, p. 42-43) Quadro 4: Poesia: O que Letramento Fonte: De Kate M.Chong, 1996, citada por SOARES, 1998, p. 42-43 34 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Como se percebe no poema acima é necessário estabelecer distinção entre a alfabetização e o letramento. Isso porque o letramento envolve o uso da leitura e da escrita nas mais diferentes situações: ler notícias e se informar; ler histórias em quadrinhos como momentos de lazer e entretenimento; ler receitas culinárias e aprender a preparar alimentos; escrever listas e recados como apoio à memória. Enfim, uma ampla quantidade de ações que realizamos no cotidiano e que se apoiam no texto escrito. Sobre o letramento, vale registrar que a sua ausência hoje é um dos principais fatores de exclusão social. Isto ocorre porque numa sociedade letrada como a nossa, o uso da leitura e da escrita é praticamente um requisito para o pleno exercício da cidadania. 1.6 Conceituando alfabetismo Agora que discutimos diferentes conceitos pertencentes ao campo semântico da alfabetização, você deve estar se perguntando: Se alfabetizado é aquele que aprendeu a ler e escrever, o que é alfabetismo? Soares (1998) considera que alfabetismo é o estado ou qualidade de alfabetizado, aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se alfabetizou e incorporou a leitura e a escrita às práticas sociais que as demandam. E, diante do conceito de alfabetismo, você deve estar se perguntando: Se letramento é o estado ou condição de quem sabe ler e escrever, qual é a diferença entre alfabetismo e letramento? E a resposta para essa questão é simples. Não há diferença, esse dois conceitos podem ser considerados como sinônimos. Para situar a questão, vale destacar que Magda Soares, pesquisadora do CEALE/UFMG, que contribuiu de forma bastante significativa para disseminar o conceito de letramento, iniciou suas discussões sobre esse fenômeno fazendo uso do conceito de alfabetismo. Em 1995, a autora publicou o texto “Língua escrita, sociedade e cultura: relações, dimensões e perspectivas”, conceituando alfabetismo e destacando a estranheza que o termo produzia aos falantes de português, dado o pouco uso da expressão, enquanto analfabetismo, que designa o seu contrário, era palavra de uso corrente (SOARES, 2003). Em 1999, Vera Masagão Ribeiro publicou o livro denominado “Alfabetismo e Atitudes: pesquisa com jovens e adultos”, produzido a partir de sua tese de doutorado. A autora é professora da Unicamp e integrante da Ação Educativa – instituição que pesquisa e apoia ações que visam à educação de jovens e adultos, sendo que o livro não limita as discussões em torno do analfabetismo. Ao contrário, a discussão proposta está relacionada às habilidades de leitura que caracterizariam um indivíduo Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 35 capaz de ler e escrever e fazer frente às demandas sociais apresentadas pela sociedade grafocêntrica em que estamos inseridos. Isso significa que a autora utiliza o conceito de alfabetismo com o mesmo sentido que está sendo atribuído ao letramento. Por fim, você deve estar se perguntando sobre o porquê desses dois conceitos. Nesse caso, a resposta não é tão simples. Aconteceu que o termo alfabetismo não “pegou”, não foi amplamente utilizado, enquantoo termo letramento ganhou espaço no campo acadêmico e entre os professores. Daí a hegemonia do termo letramento entre nós. Como discutimos anteriormente, no Brasil, o cenário educacional tem apontado que a nossa escola tem gerado um quadro de exclusão, por não garantir condições de alfabetização e letramento para todos. No entanto, diferentes pesquisadores apontam que a quase universalização do acesso ao ensino fundamental tem ampliado não apenas a escolarização, pois, aos poucos, a escola tem ampliado a qualidade do seu ensino. Hoje não mais lutamos por ampliação de vagas na escola fundamental, mas discutimos a qualidade dos processos educativos e a nova condição que a alfabetização tem construído para os sujeitos que se apropriaram dessa tecnologia. Ou seja, desde as últimas décadas do século XX, os pesquisadores intensificaram as discussões sobre a alfabetização e suas consequências para os sujeitos e para as sociedades que conquistam a leitura e a escrita. No entanto, como ainda não tínhamos um conceito para denominar essa condição individual e social, os pesquisadores passaram a utilizar os dois conceitos – alfabetismo e letramento. Para ilustrar a utilização paralela dos dois termos destacamos que o livro “Letramento: um tema em três gêneros” de Magda Soares foi publicado em 1998, enquanto o livro de Vera Masagão Ribeiro, acima mencionado, foi publicado em 1999. Em 2003 foi publicado o livro “Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF”, organizado por Vera Masagão Ribeiro, sendo que o próprio título do livro apresenta os dois termos, pois se constitui como discussão sobre o letramento, mas as reflexões foram produzidas a partir da pesquisa do INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. Na apresentação da obra, Ribeiro afirma que “o livro reúne artigos de pesquisadores e especialistas em leitura, letramento e educação, todos eles comentando os resultados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (RIBEIRO, 2004, p. 09). Isso significa que os dois conceitos foram e ainda são utilizados por pesquisadores de destaque no âmbito nacional. Mas, aos poucos, tem sido construída a hegemonia do termo letramento, ainda que muitos pesquisadores utilizem o termo alfabetismo. 36 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 1.7 Políticas públicas para jovens e adultos Para encerrar a unidade I da nossa disciplina vamos registrar as iniciativas e tentativas da luta contra o analfabetismo no Brasil, ao longo da história: Podemos citar, dentre outros: • Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947, governo Eurico Gaspar Dutra); • Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958, governo Juscelino Kubitschek); • Movimento de Educação de Base (1961, criado pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil – CNBB); • Programa Nacional de Alfabetização, valendo-se do método Paulo Freire (1964, governo João Goulart); • Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral (1968- 1978, governos da ditadura militar); • Fundação Nacional de Educação de Jovens e Adultos – Educar (1985, governo José Sarney) • Programa Nacional de Alfabetização de Educação para Todos (assinada em 1993, pelo Brasil, em Jomtien, Tailândia); • Plano Decenal de Educação para Todos (1993, governo Itamar Franco); • Programa de Alfabetização Solidária (1997, governo Fernando Henrique Cardoso). • Programa Brasil Alfabetizado (governo Luiz Inácio Lula da Silva, 2002) Se, por um lado, sempre existiram e ainda hoje existem esforços, por parte dos governos, e aqui lembramos que os diversos estados brasileiros, juntamente com os municípios sempre estiveram presentes nesta luta, por outro lado, precisamos tomar consciência: sociedade, famílias, escolas, universidades, educadores, sistemas de ensino e alfabetizadores, que toda proposta neste sentido precisa ser de responsabilidade e compromisso de todos, quer seja para promover o ingresso e cuidar da permanência, juntamente com o controle da qualidade desta oferta, através dos Conselhos, quer sejam escolares, municipais, estaduais e ou nacionais, além dos Sistemas, é ainda importante que cada professor assuma a responsabilidade com a qualidade dos processos pedagógicos desenvolvidos em sala de aula. Em todo País registra-se um grande número de experiências/ programas que se valem de variadas metodologias e processos de alfabetização que têm, com sucesso, alfabetizado suas crianças, jovens e adultos e com qualidade evitando assim o crescimento de futuros analfabetos. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 37 O que se sabe é que a população de jovens e adultos para se engajar em programas de alfabetização precisa ter motivos para tal. Nesse sentido, espera que estes sejam atrativos e capazes de ajudá-los a melhorar de vida, mas que também tenham uma carga horária e uma dinâmica / metodologia compatível com as suas possibilidades. Muitas vezes programas são esvaziados, ao longo do calendário escolar por falta de qualidade, e atendimento aos seus diferentes perfis, e expectativas diversificadas, além é claro de um nível alto de profissionalização que se espera de qualquer alfabetizador e Instituição que se propõe a atender tão grande atividade - alfabetização e letramento. Portanto, ensinar a ler e a escrever não pode se resumir ao simples processo de ensino da decodificação da língua. Pressupõe momentos de uso efetivo dos tipos e gêneros textuais. Consequentemente envolve, também, práticas pedagógicas que contemplem situações concretas de uso ativo da leitura e da escrita. Para melhor entender o modo como a escola pode alfabetizar e desenvolver o letramento é importante compreender, além dos fundamentos que embasam o processo, as metodologias adequadas a este processo. Por isso, nas próximas unidades desse caderno didático, vamos discutir alguns fundamentos teóricos de alguns campos do conhecimento como a linguística, a psicolinguística, a sociolinguística, bem como as tendências contemporâneas que orientam o ensino da leitura e da escrita: a psicogênese da alfabetização (incluindo a compreensão do que seja realismo nominal) e a consciência fonológica, discutindo as implicações desses conhecimentos para a sua prática pedagógica. ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil, 1500-1889. São aulo: Ed. da PUC; Brasília: MEC/INEP, 2000. Edição original em francês de 1889 ANALFABETISMO no Brasil. Educação no Brasil: Suapesquisa.com. br. Disponível em Acesso em outubro de 2010. ANALFABETOS DO SÉCULO XXI. MACHADO João Luís de Almeida. Disponível em . Acesso em02-12-2010. OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC do Alfabetizador. Belo Horizonte: Alfa Educativa, 2004. RIBEIRO, Vera Masagão. Por mais e melhores leitores: uma introdução. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF de 2001. 2 ed. São Paulo: Global, 2004. ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 1ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. PINTO; Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Editora Cortez/ Editora Autores Associados. 1982. PURCELL-GATES, Victoria. A Alfabetização familiar: coordenação entre as aprendizagens da escola e as de casa. In: TEBEROSK, Ana e GALLART, Teresa Soller (orgs). Contextos da Alfabetização Inicial. Porto Alegre: Artmed, 2004. TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1971. VELOSO, Geisa Magela. A missão “desanalfabetizadora” do jornal Gazeta do Norte, em Montes Claros (1918-1938). Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 2008 (Tese de Doutorado) 39 UNIDADE 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SUA CONSTRUÇÃO PELA CRIANÇA Introdução Prezado(a) Acadêmico(a): A presente unidade de estudo tem por objetivo apresentar uma breve história da escrita, que caminhou do registro por desenhos para a invenção do sistema de escrita alfabética. Também pretendemos analisar a construção da escrita pela criança que se alfabetiza, discutindo a importância dos estudos psicogenéticos para o desenvolvimentode processos metodológicos de alfabetização. Nesta unidade temos o propósito de apresentar a evolução histórica da escrita para que você compreenda a importância da mesma no ensino da leitura e escrita e, ao mesmo tempo, compreenda que a escrita é um conhecimento inventado pelo homem e que, portanto, precisa ser ensinado. Você vai descobrir que a escrita foi inventada pelo homem, a partir de suas necessidades de registro e preservação de informações e conhecimento. Vai descobrir ainda que, para se alfabetizar cada criança, de certa forma, reinventa-se a leitura e a escrita, redescobre-se o sistema de escrita alfabética, iniciando sua escrita por meio de desenho e de registros que desconsideram as relações entre letras e sons. A nossa expectativa é de contribuir para o entendimento do processo que cada indivíduo vivencia na aprendizagem da leitura e escrita e, consequentemente, no trabalho pedagógico do professor. Nesse sentido, iniciaremos nosso estudo com a apresentação da história da escrita para, em um segundo momento, apresentar os níveis conceptuais produzidos pela criança em seu processo de alfabetização. 2.1 A História e a evolução da escrita Você já parou para pensar o que é a escrita? E qual a sua origem? Para Vanoye (1988, p.69), a origem da escrita situa-se na necessidade que os homens encontraram de conservar as mensagens da linguagem articulada, para veiculá-las ou transmiti-las. A escrita é uma construção social e sofreu inúmeras transformações ao longo da história da humanidade. Vamos conhecer como a escrita evoluiu? Para explicar o funcionamento do sistema de escrita, Rojo (2009) aborda primeiramente o processo de evolução da escrita e afirma que: as primeiras escritas da época das cavernas, onde os povos nômades deixavam grafados em suas paredes 40 pictogramas que, enquanto desenhos, representavam, com suas propriedades concretas, animais, ações, perigos existentes no entorno. Esses pictogramas eram “motivados” pelas características dos objetos representados, como vemos na cabra ao lado (ROJO, 2009, p.61). Figura 3: Pictograma de uma cabra Fonte: ROXANE,Rojo. Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social. 2009, p.61. A forma mais antiga de escrita de que temos notícia é a pictográfica! Figura 4: Escrita Pictográfica Fonte: disponível em http://www.xtec.es/~aguiu1/calaix/037alfabets.htm. Acessada em 18-12-2010. A escrita pictográfica só permitia a representação dos objetos que se podia desenhar. (FERREIRO e TEBEROSKY,1980, p.359) 2.2 O que é um Pictograma? Pictograma é uma forma de escrita onde as ideias são transmitidas através de desenhos. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 41 Figura 5: Sinal de passagem de pedestres Fonte: www.photaki.com Acessado em 18-10-2010 Com o desenvolvimento das transações no comércio, percebeuse a necessidade de tornar mais simples os desenhos, pois os pictogramas começam a ser utilizados nas relações comerciais, mas limitavam o registro nas trocas, pois este tipo de escrita era limitado. De acordo com as ideias de Gladis Massine-Cagliari,(1999), a escrita ideográfica é todo sistema que parte da representação das ideias veiculadas pelas palavras, para depois chegar aos seus sons. Se prestarmos atenção a nossa volta veremos que esse sistema aparece em diversos lugares, como nas placas de trânsito, nas portas de banheiro, na forma como escrevemos os números, etc. Em algumas situações a autora entende que a escrita ideográfica funciona com muita eficiência. Observe o exemplo que ela utiliza para ilustrar esta afirmação. Figura 6: Ciclismo Fonte:www.fotosearch.com.br/fotos..18-10-2010 Figura 7: Sinal de Restaurante Fonte: www.fotosearch.com.br/fotos.. Acessado em 18-10-2010 42 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Para o motorista é mais difícil perceber rapidamente uma placa como: Figura 8: Sinal de Proibido Estacionar Fonte: Disponível em www.fotosdahora.com.br/imagens. Acessado em 18-10-2010 Esta é uma situação onde a informação a ser transmitida é mais relevante do que a leitura correta de todas as palavras que compõem a frase. Portanto, o que deve ser compreendido é a mensagem que é representada através do ideograma. Então surge outro sistema de escrita que é o Logograma também conhecido como Ideograma, que eram os pictogramas mais estilizados, os dois sistemas representavam o objeto, porém o ideograma dá uma ideia do objeto representado. A escrita ideográfica evoluiu da escrita pictográfica, pois a ideia é representar os signos pictóricos que não se limitam mais à representação de objetos e ideias, mas também aos sons Em relação à estilização Kato (1996) afirma: A princípio, a estilização consistiu em retificar as linhas arredondadas dos pictogramas, de modo que, no início, os ideogramas eram “letras de forma”. A escrita cursiva aparece bem depois para a estilização, principalmente por sua tendência de simplificar os traços. O sistema deixa de ser icônico para ser simbólico (KATO, 1996, p. 14). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 43 Figura 9: Ideograma-Estrela Fonte: Kato, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 1996, p.14 A possibilidade de representar os sons permitiu a invenção da escrita fonográfica que é escrever a partir dos sons produzidos na fala. Desse sistema de escrita surgiu a escrita fonética (aquela que registra os sons do jeito que se fala), a escrita consonantal (que representa apenas as consoantes) e a escrita alfabética. 2.3 E o que é escrever alfabeticamente? A escrita alfabética é aquela em que os usuários utilizam do alfabeto grego romano. Nesse tipo de escrita não há relação dos sinais gráficos com o objeto a ser representado, mas sim com os sons emitidos na fala. Uma das características da escrita alfabética é a sua arbitrariedade já que o nome das coisas são convenções sociais. Também é importante destacar o que Saussure (1988) denomina de signo linguístico que é a união do significante com o significado. Na palavra escrita os grafemas formam o significante e a ideia forma o significado. Quando lemos a palavra vilipendiar temos o significante (que é a palavra), mas poderemos não entender se não tivermos o significado. Porém, se compreendemos que vilipendiar significa desprezar, teremos então o signo linguístico, ou seja, o significante e o significado. Figura 10: Escrita pictográfica Acessado em 18-10-2010 Fonte: http://www.antropos.galeon.com/ Você sabia que? O alfabeto grego romano surgiu antes de Cristo 44 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Os pictogramas e ideogramas até por volta de 3000 a.C são também utilizados com valor fonético, cada signo representando uma sílaba. São signos-sons. “A fonetização da escrita começa com o logograma.” (Cf. GELB, 1962). Assim compreendemos que os sistemas de escrita podem ser ideográficos ou fonográficos, enquanto o sistema ideográfico está embasado nos significados, o sistema fonográfico fundamenta-se nos significantes e depende dos elementos sonoros que fazem parte de uma língua. Em relação a essa ideia, Vanoye afirma que: A escrita fonética marca não mais as palavras, mas os sons. De fato, os sons da linguagem articulada são pouco numerosos, ao passo que existe um número muito grande de palavras. Obter um desenho para cada palavra supõe um trabalho imenso e uma memória equivalente. A escrita fonética, de início silábico, (um signo para cada grupo de sons), depois fonético (um signo por som), permite uma economia considerável (VANOYE, 1988, p. 70). Você sabia? Que a Mesopotâmia e o Egito viram florescer as primeiras civilizações do Mundo Antigo? A invenção da escrita coube aos sumérios. Os sumérios que viviam na Mesopotâmia organizam a contagem dos seus animais, ou efetuavam trocas, utilizando bolinhas feitas de argila - e cada bolinha representava um animal e assim a noção de número e o registro foi se desenvolvendo, mas as dificuldades apareceram e eles começaram a fazer tracinhos em uma placa de barro para representar cada animal. Observe a imagem abaixo: Figura 11: Bolinhas de argila e troncos de árvore, correspondentesa contagens de animais. Fonte: Professor da Pré-escola. v.II. Ministério a Educação. SP.1995.p.45. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 45 Através dos logogramas surge então o processo de fonetização da escrita, com o propósito de clarificar o sentido de algum logograma, aplica-se a ele elementos fonéticos. Para Gelb, citado por Kato (1996), a fonetização da escrita inicia-se com o logograma. Paralelo a este processo ocorre a metaforização, “que é o uso de mais de um símbolo, no interior de um mesmo logograma, para representar metaforicamente, um terceiro conceito”. Kato (1986) apresenta o exemplo abaixo para ilustrar a estilização de um pictograma em que uma pessoa aparece embaixo de uma árvore resulta no logograma que significa ’descansar’, em escrita chinesa. Figura 12: logogramas Fonte: Kato, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 1996, p.11 Gelb (1962) aponta que uma das dificuldades dos povos antigos era a escrita de nomes próprios e que desta forma inicia-se a fonetização com a logografia. Veja o exemplo de como poderia ser a escrita da palavra Soldado: Ex: sol dado Figura 13: Logografia – sol + dado Os desenhos não mais se referem ao objeto representado e sim a seus nomes A fonetização da escrita desenvolve-se rapidamente em direção à escrita silábica. Este sistema desvencilha-se do desenho e a escrita passa a representar o valor sonoro das palavras então surge a necessidade de valores sonoros convencionais estáveis. A escrita alfabética evoluiu da escrita silábica, e este processo alcança uma evolução através da reflexão e das propriedades da linguagem. Atenção: a escrita silábica é utilizada principalmente pelos japoneses. Neste sistema de escrita existe um símbolo para cada sílaba 46 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período oral. Não existe dificuldade ortográfica já que cada sílaba possui uma única representação (silabário) o que é diferente da escrita alfabética onde seus usuários precisam combinar os grafemas (consoante e vogal) para formar uma sílaba. Escrita japonesa Veja abaixo as Imagens dos silabários hiragana e katakana: Figura 14: Escrita Japonesa Fonte: madeinjapan.uol.com.br/japantype/acessado em 22-12-2010 Figura 15: Escrita Japonesa Fonte: madeinjapan.uol.com.br/japantype/ Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 47 2.4 A invenção do alfabeto A invenção do alfabeto ocorre no século X a.C. Existe uma grande variedade de alfabetos no mundo, cada um com suas diferenças formais e externas, mas a maioria utiliza os princípios estabelecidos pela escrita grega, a colocação da vogal depois da consoante, o que era feito raramente pelos fenícios, passando da escrita silábica para escrita alfabética. Gelb afirma que depois da descoberta desse sistema não aconteceu nenhuma inovação significativa na história da escrita. “Os gregos tomaram emprestado o silabário fenício para a base de sua escrita”. (KATO, 1996.p.16 Alfabeto Fenício Figura 16: Alfabeto Fenício Fonte: Disponível em http://naniedias.blogspot.com/2010/10/historia-da-escrita-parte-iv- -o-alfabeto.html. Acessado em 22 de janeiro de 2011. Para Sven Ohman (1966) citado por Kato (1986), na verdade, a invenção da escrita alfabética é uma “descoberta”, pois, quando o homem começou a usar um símbolo para cada som, ele apenas operou conscientemente com o seu conhecimento da organização fonológica de sua língua. (KATO, 1996, p.16). E esta ideia nos remete ao entendimento de que as crianças no seu processo individual de descoberta da escrita registra não só objetos, pessoas passeios, cenas do cotidiano, mas também a própria fala, e esta descoberta é fundamental no processo de aprendizagem da escrita. Na próxima seção dessa unidade vamos refletir acerca das contribuições da psicolinguística para o processo de aprendizagem da leitura 48 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período e escrita e veremos que o processo que a criança vivencia na construção da escrita em busca da compreensão do que a escrita representa é muito semelhante ao que acabamos de estudar. 2.5 Contribuições da Psicolinguística para a Alfabetização Cagliari (2009) afirma que a Psicolinguística se interessa pelo comportamento envolvido no uso da linguagem, inclusive destaca a importância dos processos interacionais na construção e no uso da linguagem. A partir da década de 1980, o foco de análise da alfabetização voltou-se para abordagens cognitivas, sobretudo no quadro da Psicologia Genética. Vários pesquisadores, entre eles Emilia Ferreiro e Teberosky, têm realizado investigações sobre os estágios de conceptualização da escrita e o desenvolvimento da lecto-escrita na criança, à luz da teoria dos processos de aquisição do conhecimento de Piaget. No Brasil tem sido realizados estudos por essa perspectiva, sendo que Carraher e Rego (1981) apresentam-se como pesquisadoras pioneiras nessa discussão. Neste sentido se faz necessário indagar: O que a criança conhece sobre a língua escrita antes de ser alfabetizada, isto é, antes de ingressar na escola? Como ela se apropria deste objeto social? Qual é a relação entre a criança e o objeto de conhecimento (língua escrita)? Em uma perspectiva construtivista, estas perguntas são obrigatórias. A psicolinguística se interessa também pelos processos mentais relacionados com a produção da linguagem, estudando as relações entre pensamento e linguagem. (CAGLIARI, 2009) A aquisição da representação escrita da linguagem tem sido tradicionalmente considerada como uma aprendizagem escolar. A pesquisa psicogenética trouxe dados sólidos que comprovam que o começo do conhecimento pode ser situado em torno de um limite pré-escolar. As crianças não chegam ignorantes à escola, elas têm conhecimentos específicos sobre a língua escrita, ainda que não compreendam a natureza do código alfabético. Esses conhecimentos é que determinam o ponto de partida da aprendizagem, e não as decisões escolares. Há uma evolução da escrita na criança, evolução influenciada, mas não totalmente determinada, pela ação das instituições educativas; pode-se descrever uma psicogênese nesse domínio, com sua própria lógica interna, significando que as informações provenientes dos meios são incorporadas em sistemas interpretativos, cuja sucessão não é aleatória, embora a duração de cada momento de organização e, consequentemente, das idades de aparecimento, dependam de um conjunto de influências diversas (sociais, familiares, educativas, individuais). Como profissionais da educação é importante salientar que, como já somos alfabetizados, o sistema alfabético parece muito fácil e a única forma possível de escrita, mas é relevante lembrar que a humanidade precisou de milhões de anos e de um processo importante de reflexão para construí-lo. Retome a leitura do Caderno Didático de Psicologia, do 2º período, Unidade 8, em que foi abordada A Psicogenética de Jean Piaget Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 49 2.6 O que é psicogênese da língua escrita? Para iniciar a discussão apresentaremos conceituação da Ferreiro e Teberosky (1982), autoras que pesquisaram processos mentais produzidos pelas crianças na construção da leitura e da escrita. A psicogênese da língua escrita é uma teoria, isto é, um modelo explicativo do real. É um estudo sobre como a criança aprende a ler e escrever, processos cognitivos envolvidos em cada etapa (FERREIRO, 1982, p.22). No âmbito de compreensão da escrita, a criança encontra e resolve problemas de natureza lógica, como em qualquer outro domínio de conhecimento. Na teoria piagetiana, o conhecimento objetivo é compreendido como uma aquisição, uma construção. O conhecimento não é doado passo a passo e sim construído através das grandes reestruturações globais, onde muitas vezes ocorrem os erros construtivos. Na perspectiva piagetiana, os erros construtivos são essenciais, eles não ocorrem em função da falta de atenção ou de memória e sim para que os sujeitos possam construir o objeto, compreendendo as regras da sua composição. Nesta concepção o sujeito da aprendizagem não é um meroreceptor, ele é um produtor de conhecimento. Ferreiro (1985) afirma que esta é a diferença que separa as concepções condutistas da concepção piagetiana e que a alfabetização é a apropriação de um objeto conceitual. Há uma diferença fundamental entre a concepção tradicional de alfabetização, que considera que o primeiro passo na aquisição da língua escrita é a aquisição de uma técnica de codificação/decodificação, e a caracterização desse processo de aquisição como a compreensão de um modo particular de representar a linguagem. A pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1979) questiona os métodos tradicionais utilizados no processo de alfabetização e nos trouxe novas indagações acerca de como a criança aprende a linguagem escrita. Para responder a tais questionamentos faz-se necessário conhecer como a criança constrói conhecimento e as etapas que ela vivencia durante o processo de construção da escrita. Os estudos de Emilia Ferreiro e colaboradores e a publicação no Brasil do livro “Psicogênese da língua da língua escrita” (FERREIRO e TEBEROSKY, 1985) provocaram enorme impacto sobre os processos de alfabetização. Essa teorização nos permitiu compreender os processos de construção da leitura e escrita pelas crianças e nos ajudam a construir respostas para essas questões apresentadas. 50 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A partir da psicogênese da língua escrita passamos a perceber que, antes de entrar na escola e se ver diante de um professor, a criança já produziu muitos conhecimentos e hipóteses sobre leitura e escrita, a partir de seu contato com a linguagem escrita no meio em que vive e da participação efetiva em práticas sociais de leitura e escrita. Emilia Ferreiro é uma psicolinguista argentina que desvendou os mecanismos pelos quais as crianças aprendem a ler e escrever, sendo que esse conhecimento revolucionou as discussões sobre alfabetização, levando os educadores a rever radicalmente seus métodos e práticas de alfabetização. Figura 17: Emilia Ferreiro e o livro Psicogênese da Língua Escrita Fonte: Disponível em educarnadiversidadee.blogspot.com; culturamarcas.com.br. acessados em 17 de janeiro de 2011 Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), antes de compreender o sistema de representação alfabético, a criança elabora hipóteses explicativas para a leitura, a escrita e os modos de organização e funcionamento das letras, palavras e textos. Em suas pesquisas, as autoras identificaram três níveis básicos de desenvolvimento do pensamento infantil sobre leitura e escrita. São eles, o nível pré-silábico, o nível intermediário I, o nível silábico, o nível silábico-alfabético (considerado como intermediário II) e o alfabético. Weisz (S/D) acredita que os resultados dos estudos de Ferreiro e Teberosky produziram maiores impactos no Brasil do que em outros países da América Latina, provavelmente porque em nosso país o fracasso escolar fosse muito maior. Segundo a autora, o primeiro impacto da psicogênese da língua escrita foi a possibilidade de compreender que, em relação à leitura e à escrita, as crianças não são passivas. Ao contrário, são ativas e constroem hipóteses, que são totalmente contrárias a tudo que a escola ensinava. O segundo impacto da teorização foi permitir a percepção de que as crianças que fracassavam na escola eram justamente as que possuíam hipóteses mais primitivas, nem mesmo percebendo a escrita como forma de representação da fala, posto que a escrita é um encadeamento de letras, Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 51 regido por normas e convenções. (WEISZ, S/D) Soares (2003) também acredita que as pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita alteraram significativamente as representações sobre a aquisição da leitura, que passa a ser vista como processo de construção, em que a criança é compreendida como sujeito ativo, capaz de interagir com o objeto de ensino. Nesse sentido, para que as práticas de ensino possam efetivamente interferir nas construções infantis, e favorecer a construção de novas hipóteses, até descobrir os princípios da escrita alfabética, é importante que o professor compreenda o que as crianças pensam. A seguir, apresentaremos as características básicas do pensamento infantil em cada um desses níveis. 2.7 Níveis de escrita, conforme a Psicogênese da Língua Escrita 2.7.1 Nível Pré-silábico de Escrita O primeiro estágio das hipóteses da criança sobre a escrita é denominado por Ferreiro e Teberosky (1985) como nível Pré-silábico, em que a criança não entende a escrita como sistema de representação, não estabelece relação entre a escrita e a fala, mas entre a escrita e os objetos. Conforme as autoras, o nível pré-silábico não é uniforme, sendo possível identificar 3 fases distintas: 1) a fase pictórica; 2) a fase gráfico-primitiva; 3) a fase pré-silábica propriamente dita. 2.7.1.1 Fase Pictográfica Inicialmente, na etapa pictórica, a criança não é capaz de estabelecer distinção entre escrita e desenho, utilizando-se de desenhos para escrever. Perceba que essa primeira etapa de construção da escrita, de certa forma, corresponde ao primeiro estágio de invenção da escrita pela humanidade, pois os primeiros registros escritos do homem também foram feitos pela utilização dos desenhos. Na figura abaixo é possível perceber que a criança não escreve letras, mas faz desenhos para escrever a frase “o menino brincando”. 52 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Figura 18: Escrita pré-silábica pictórica Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das professoras Emilia Murta Moraes, Francely Aparecida dos Santos e Rita Tavares de Mello, do DMTE/Unimontes Além de solicitar que a criança escreva, observar sua escrita e conversar com ela sobre o que escreveu, para diagnosticar a presença da concepção pictográfica, você poderá apresentar para a criança um livro com textos e imagens e pedir-lhe para apontar com o dedo o lugar em que tem algo para ser lido. A criança pré-silábica que se encontra na etapa pictórica irá apontar os desenhos, porque não compreende que se possam ler as palavras. Outra atividade que pode ser utilizada para diagnóstico é apresentar à criança um livro composto apenas de letras (que não contenha desenhos) e perguntar se naquela página tem algo que pode ser lido. Na fase pictórica a criança diz que não há nada para ler, pela mesma razão anterior: ela não compreende que os leitores leiam as letras, por acreditar que os desenhos é que se constituem em objetos de leitura. Ao superar essa fase, a criança compreende a função do desenho como uma forma de registro e das letras no processo de escrita, passando a perceber que os desenhos não servem para ler. 2.7.1.2 Fase Gráfico-primitiva Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), a fase gráfico-primitiva constitui-se como estágio do nível pré-silábico, em que a criança estabelece diferença entre desenhar e escrever. No entanto, por ainda não saber traçar as letras de forma convencional, a criança utiliza garatujas e outros traços pouco definidos para representar as letras. Quando está habituada com a letra cursiva, fará grafismos ondulados, que se assemelham com a escrita cursiva realiza pelos adultos que vê escrevendo. Já para representar a letra de imprensa usará linhas retas e curvas, mas o seu traçado ainda não representa as letras convencionais. As crianças fazem o que é considerado de pseudo-letras (falsas letras). Nas crianças deste estágio, verificamos a presença do realismo nominal, pois, para elas, “o nome de coisas grandes se escreve com muitas letras” e vice-versa. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 53 Nessa fase a criança faz leitura global das palavras, ou seja, quando se pede para a criança ler o que escreveu acompanhando com o dedo, ela não separa, aponta partes da palavra e não faz segmentação silábica ao ler. Nesse estágio a criança também já é capaz de diferenciar desenho de escrita. Na figura abaixo, você tem um exemplo do que é denominado de escrita gráfico-primitiva. À esquerda se podem observar traçosque tentam imitar a letra cursiva, enquanto à direita temos traços que ainda não tem o formato convencional das letras, mas lembram as letras de imprensa. Figura 19 : Escrita gráfico-primitiva Fonte: Disponível em http://www.uclm.es/varios/revistas/docenciaeinvestigacion/numero3/mrdiaz.asp. Acessado em 17 de janeiro de 2011. 2.7.1.3 Fase Pré-silábica Ainda conforme Ferreiro e Teberosky (1985), a terceira fase é denominada de escrita pré-silábica propriamente dita, em que a criança percebe que se escreve com letras e já aprendeu a fazer o seu traçado convencional. Nesse estágio a criança costuma usar letras do próprio nome e outras letras para escrever as palavras, sendo comum misturar letras com números dentro de uma mesma palavra. A escrita individual é instável, pois a criança ainda não sabe quantas e quais palavras são necessárias para escrever as palavras. Somente a criança é capaz de ler o que escreveu. Ainda segundo as autoras, ao compreender que a escrita é realizada pelo uso das letras, a criança se vê diante da necessidade de estabelecer a quantidade de letras necessária para registrar as palavras. Por não compreender que a escrita representa a fala, a criança elabora a hipótese da quantidade de caracteres que precisa utilizar para escrever os nomes das coisas. E a quantidade mínima de letras para escrever qualquer nome é de pelo menos três. Por estarem na fase do realismo nominal, as 54 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período crianças pensam que os nomes dos objetos grandes precisam de muitas letras para escrever, enquanto objetos pequenos necessitam de poucas letras. Nesse estágio, a criança começa a compreender que coisas diferentes possuem nomes diferentes e elabora a hipótese da variedade de caracteres, ou seja, para escrever palavras diferentes, a sequência das letras utilizadas também precisa ser diferente. Assim, quando vai escrever uma palavra, modifica a ordem das letras (diferenciação qualitativa). Para a criança, uma palavra não pode ser lida ou interpretada se possuir as mesmas letras. Na figura abaixo vemos uma escrita pré-silábica em que a criança utiliza um número aleatório de letras para escrever as palavras. Se você contar as letras irá perceber que abacaxi tem mais letras que maçã e banana, por ser uma fruta maior. Figura 20: Escrita pré-silábica Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Analisando o registro é possível perceber que a criança está no nível pré- silábico, utilizando uma sequência aleatória de letras para registrar as palavras. Observando as letras é possível perceber que a criança utiliza, sobretudo, as letras do seu nome (RYAN). Essa forma de compreender a escrita, como uma derivação dos objetos, é compreendida por Ferreiro e Teberosky (1985) como Realismo Nominal. O realismo nominal é uma característica do pensamento infantil, em que a criança compreende a escrita como representação do objeto, produzindo o registro dos nomes a partir das características físicas do objeto apresentado. Ou seja, a criança não compreende a relação entre palavra Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 55 escrita e palavra falada, por ainda não ter construído consciência da palavra enquanto uma sequência sonora, e por isso acredita que a quantidade de letras e, portanto, o tamanho das palavras está relacionado com o tamanho dos objetos. Assim, objetos grandes precisam de muitas letras para escrever o nome e objetos pequenos precisam de poucas letras. Para facilitar a compreensão dessa teorização relativa ao nível pré-silábico de escrita e leitura, apresentaremos o Realismo Nominal e sua relação com a alfabetização. Após essa discussão apresentaremos as características dos demais níveis de escrita descritos por Ferreiro e Teberosky (1985). 2.7.1.4 A relação entre Realismo Nominal e alfabetização Para iniciar a discussão, esclarecemos que o Realismo Nominal é uma das características do nível pré-silábico de escrita, sendo que a sua superação se constitui como aprendizagem essencial para que ocorra a alfabetização. Como dissemos anteriormente, aprender a ler e escrever é um processo complexo para o aprendiz, que enfrenta uma série de dificuldades – dificuldades que, conforme Soares (2003), relacionam-se a vários fatores: ao método, ao material utilizado, ao contexto cultural da criança, ao professor, ao código escrito. Contudo, alfabetizar também está relacionado às capacidades cognitivas da criança e às concepções e hipóteses que ela elabora na busca de compreensão do código. Acerca desse processo de construção e cognição, Carraher e Rego (1985) consideram que o Realismo Nominal Lógico está relacionado com a não aquisição da alfabetização. Mas o que é Realismo Nominal Lógico? Para você entender esse conceito, vamos considerar as teorizações de Piaget (1967, apud CÓCCO, 1996), que identificou um estágio de Realismo Nominal em crianças na faixa etária entre 6 e 9 anos. A partir de seus estudos, Piaget demonstrou que o realismo nominal faz parte do desenvolvimento cognitivo e constitui-se característica do pensamento infantil, em que a criança não consegue conceber a palavra e o objeto a que esta se refere como duas realidades distintas. Para Piaget, o realismo nominal consiste na atribuição de um valor lógico intrínseco aos nomes, sendo que a criança não compreende que a relação entre nome e coisa é arbitrária. Isso significa que a criança relaciona a representação gráfica de um objeto com as características ou o significado desse objeto e não com a pauta sonora que lhe corresponde. Por exemplo, ao solicitar à criança que diga uma palavra grande, ela diz o nome de um objeto grande, como casa ou trem, e justifica que o nome deve ser grande, porque o objeto é grande. Em seus estudos, Carraher e Rego (1981) descobriram mudanças no pensamento da criança entre os cinco e sete anos, o que consideraram 56 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período como outro um estágio de realismo nominal. Para as autoras, o primeiro estágio (1A), termina por volta dos seis anos, sendo que, nessa etapa, a criança apresenta uma profunda confusão entre palavra e coisa. Para as crianças neste estágio, mudar os nomes das coisas implica mudar a própria coisa. Isso significa que trocar os nomes significa trocar as características específicas de cada objeto. Já no segundo estágio (1B), as autoras consideram que há “uma redução significativa do realismo nominal lógico, pois, embora a relação entre o nome e coisa ainda seja vista como motivada, o nome não recebe mais as características da coisa.” (CARRAHER e REGO, 1981, p.6). O nível 1B é considerado um estágio de transição entre o nível 1A e o nível 2 – que representa a ausência de realismo nominal. No nível 1B as autoras perceberam que as crianças já tinham uma certa consciência da palavra, mas deixavam-se levar pelo significado, principalmente por palavras sugestivas, tais como “anãozinho”, que acaba sendo percebida como palavra menor que “gigante”. No nível 2, que representa a superação do realismo nominal, as crianças apresentam capacidades de focalizar a palavra como tal, independente do seu significado. Abaixo, transcrevemos algumas respostas apresentadas por criança pesquisada por Carraher e Rego (1981), que revelam a presença do nível 1A de Realismo Nominal: E. A lua podia ter o nome de sol e o sol o nome de lua? C. Não; E. Por que não? C. Porque o sol esquenta e a lua ilumina. E. A lua podia ter o nome de sol e o sol o nome de lua? C. Não; E. Por que não? C. Porque aí a gente ia dormir de dia e agora na escola era noite. (EH, 7 anos) (CARRAHER e REGO, 1981, p. 6) Ao discutir as relações entre Realismo Nominal e alfabetização, Carraher e Rego (1981) enfatizam que aprender a ler envolve a consciência de que as características da palavra não dependemdas características da coisa que representa. Ou seja, a palavra não é grande porque o objeto é grande (gordo ou forte), nem é pequena porque o objeto é pequeno (magro ou fraco). Ainda segundo as autoras, no estágio de realismo nominal, a confusão da criança se manifesta em dois sentidos: 1) a criança acredita que mudar o nome das coisas significa mudar as características da coisa. Para a criança, lua não pode ter o nome do sol, porque o sol esquenta e a lua ilumina; 2) o nome da coisa apresenta características da coisa em si (boi é palavra grande porque o animal é grande). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 57 A confusão entre nome e coisa manifesta-se, ainda, na dificuldade em ver semelhanças entre as palavras, independentemente da semelhança entre os objetos. Para a criança em realismo nominal, laranja é parecida com bola, porque as duas coisas são redondas. Ainda conforme Carraher e Rego (1981), essa forma de compreender a relação entre os objetos e seus nomes constitui-se como um obstáculo para a alfabetização. A criança que não superar esse 1º estágio do Realismo Nominal Lógico (o estágio 1A) poderá memorizar as letras, as sílabas e as palavras, mas dificilmente se tornará hábil em leitura. Isso porque, ao confundir nome e coisa, a criança não é capaz de compreender uma característica básica do nosso sistema alfabético, que envolve a representação da palavra enquanto sequência de sons. Por isso, para aprender a ler, a criança precisa ser capaz de lidar com essa sequência de sons (a palavra, a frase, o texto) para compreender a sequência entre palavra escrita e palavra falada. Diagnosticar a presença de concepções de Realismo Nominal entre os alunos é uma tarefa fundamental para o professor alfabetizador, porque lhe permite compreender o pensamento da criança e intervir didaticamente sobre a sua dificuldade de alfabetização. Mas como podemos diagnosticar a presença de características de Realismo Nominal entre os alunos? Os testes realizados por Ferreiro e Teberosky (1985) são bastante diversificados e simples para quem entende a teoria da psicogênese da língua escrita. No quadro abaixo apresentaremos dois testes que você irá aplicar a crianças em processo de alfabetização. 58 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Atividade: Escolha 2 crianças entre 5/6 anos, em processo de alfabetização, no primeiro ano de escolaridade e 2 outras de 7/8 anos, no 2º ano de escolaridade, mas que ainda não se alfabetizaram. Primeiro, pergunte às crianças qual é a palavra maior: boi ou formiguinha? Peça-lhes para justificar sua resposta. Observe com atenção as respostas e anote-as. Se a criança que você entrevistou estiver no Realismo Nominal irá dizer que o nome do boi é maior e irá justificar sua resposta a partir das características do animal, que é grande. Do mesmo modo, a criança dirá que formiguinha é palavra pequena, porque o animal é muito pequenininho. Para o segundo teste você precisa de duas fichas de igual tamanho em que estão escritas as palavras boi e formiguinha e duas outras fichas com os desenhos de um boi e de uma formiguinha. Peça à criança para dizer os nomes dos animais que estão nos desenhos (boi e formiguinha). Em seguida, apresente as fichas com nomes, diga à criança que nelas está escrito o nome do boi e nome da formiguinha e peça-lhe que forme dois pares: o desenho do boi com o seu nome, o desenho da formiguinha com o seu nome. Se a criança estiver no Realismo Nominal ela irá colocar o boi junto com o nome da formiguinha e irá justificar que o nome do boi precisa de muitas letras, porque o animal é grande, e vice-versa. Quadro 5: Teste diagnóstico de características de Realismo nominal entre os alunos Fonte: Adaptado de FERREIRO e TEBEROSKY (1985) Em nossas pesquisas temos procurado identificar a presença de características do Realismo Nominal entre as crianças (BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009). Veja algumas das respostas que obtivemos de crianças do 1º ano de escolaridade, em uma escola pública de Montes Claros/MG. Flor é palavra grande, porque a flor cresce muito pequena. Laranja é palavra pequena, porque lá em casa elas é pequena. (E, 6 anos). Pedra é palavra pequena, porque a pedra é pequena. Brinco é palavra pequena, porque meu brinco é pequeno. (D, 6 anos). Escola porque tem muito colega. Árvore é palavra grande, porque ela é grande. (E, 6 anos). Quadra é grande porque a quadra é grande. Pé de manga é grande porque ele é grande (D, 6 anos).(BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009. p. 03). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 59 Ao analisar esses dados, as autoras consideram que nas respostas apresentadas por essas crianças é possível perceber que os nomes (palavras) são considerados grandes, porque seus referentes são objetos/ coisas grandes. Já nos exemplos abaixo, a ideia de palavras grandes não está relacionada com o tamanho dos objetos, mas encontra-se relacionada a outras características dos objetos representados. A lógica da criança permanece a mesma e revela características no nível 1A, que Carraher e Rego (1981) consideram como o primeiro estágio de Realismo Nominal, pois os significantes (palavras) são pensados a partir dos significados (objetos/coisas). Veja as respostas abaixo, em que as crianças não falam do tamanho dos objetos, mas de outras características físicas deles: Amor é palavra pequena porque meu pai me adula muito e gosta de mim. Casa é palavra pequena porque eu gosto de ficar dentro da casa. Parede é palavra grande porque elas foi feita pras casas ficar em pé. Árvore é palavra grande porque foi feita para ter manga para a gente rancar e comer (L, 6anos) BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009. p. 04). O nível 1B de Realismo Nominal, discutido por Carraher e Rego (1981), é um estágio em que as crianças apresentam respostas mescladas – ora são associadas ao significado e às características físicas dos objetos representados, ora são apresentadas a partir do significante e das letras ou sílabas utilizadas para escrever os nomes. Em nossas pesquisas, ao ser solicitado para dizer palavras grandes e pequenas, VR (6 anos) diz que a palavra quadra é grande, porque: Se a quadra fosse pequena não cabia ninguém. Coqueiro é grande porque é pé de coco e pé de coco é grande, e tem pé de coco pequeno também. Aranha é palavra pequena, porque aranha é pequena, tem grande daquelas caranguejeira, mas tem daquelas pequenininha” (VR, 6 anos) (BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009, p. 04). Nessas respostas, a criança é orientada pelas características físicas dos objetos. No entanto, diante da solicitação de dizer uma palavra parecida com a palavra cachorro, a mesma criança pensa na sonoridade das palavras e nas letras/sons que as compõem e apresenta a seguinte resposta: Cal é palavra parecida com cachorro, porque parece com o nome de caldo. Cachorro começa com CA, é CA-CHORRO. Laru começa igual a laranja. Laru parece com Lara, parece com laranja” (VR, 6 anos). (BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009, p. 04). 60 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Nessa resposta a criança não é induzida pelas características dos objetos e apresenta respostas considerando a lógica do nosso sistema de escrita alfabética. Daí, podemos dizer que a criança encontra-se em fase de transição, em vias de superar o Realismo Nominal Lógico. Em outras palavras, no estágio do Realismo Nominal, a criança não é capaz de compreender que a escrita seja uma representação da fala. Para os adultos alfabetizados parece óbvio que uma palavra escrita corresponda aos sons da fala. Contudo, para a criança, essa não é uma relação transparente, sendo necessário “reinventar” esse processo e compreender as relações que se estabelecem entre a escrita e a fala. Por isso, ensinar a ler e escrever não pode ser compreendido como um processo pelo qual a criança memoriza letras, sons e sílabas, juntando essas partes para formar palavras, frases e textos. Diante do que foi exposto a respeito do Realismo Nominal, percebe-se que a criança associa o nome da coisa ao seu significado, ainda não sendo capaz de focalizaro significante (palavra) como signo linguístico. Por isso, conforme Carraher e Rego (1981), a criança que ainda não desenvolveu conhecimentos que permitam compreender as relações entre a grafia e os sons da fala poderá memorizar letras, sílabas e palavras, mas não irá se alfabetizar, por não compreender o modo como se organiza o sistema de escrita. Por isso, para uma alfabetização bem sucedida, a criança precisa superar o Realismo Nominal, sendo que o professor deve assumir o seu papel como mediador deste processo, conduzindo a criança na superação dessas hipóteses mais primitivas sobre a leitura e a escrita. Contudo, além do Realismo Nominal, há outra questão que precisa ser pensada pelo professor, de forma a facilitar o processo de alfabetização pelos alunos – a consciência fonológica. Agora que discutimos o Realismo Nominal, e que você já compreende essa importante característica do pensamento presente no nível pré-silábico de escrita, vamos discutir as características dos demais níveis da construção da leitura/escrita pelas crianças, descritos por Ferreiro e Teberosky (1985). 2.7.2 Nível Intermediário I Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), o nível intermediário I constitui-se como momento de transição, em que a criança pré-silábica faz algumas descobertas em direção à construção da hipótese silábica de escrita. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 61 Figura 21: Escrita de nível intermediário I Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Analisando a escrita é possível perceber a hipótese pré-silábica, em que a criança escreve uma série de letras para registrar as palavras. Contudo, é possível perceber o início do processo de fonetização e a criança utiliza as letras G, B e P, letras iniciais das palavras galinha, bode e pato, em seu registro. 2.7.3 Nível silábico de escrita Ao superar o Realismo Nominal, a criança já começa a entender a relação entre fala e escrita, percebe que a escrita é a representação da fala, percebe que escrevemos as palavras faladas e que essa escrita não tem relação com o tamanho dos objetos. Nessa fase ocorre uma nova construção, que Ferreiro e Teberosky (1985) denominam de fonetização da escrita, ou seja, a descoberta dos sons na fala. Por essa compreensão, a criança elabora novas hipóteses explicativas para a leitura e a escrita, passando a perceber a segmentação das palavras em sílabas e a acreditar que cada letra representa uma sílaba. A criança cria a representação silábica e passa a escrever uma letra para cada sílaba oral das palavras faladas. Nesse nível, a criança sente-se confiante em relação à sua capacidade de escrita, porque descobre que pode escrever com lógica. Ela conta os pedaços sonoros, isto é, as sílabas, e coloca um símbolo para cada pedaço. As características principais dessa fase são: uso de uma letra ou sinal gráfico para representar cada uma das sílabas orais da palavra; aceitação da escrita de palavras com uma ou duas letras, mas ainda com conflito, sendo que algumas vezes acrescenta letras depois de escrever 62 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período como forma de conciliar essa nova hipótese com a hipótese anterior que indicava a necessidade de, pelo menos três letras, para escrever uma palavra; utilização de uma letra para cada palavra quando escreve uma frase. No nível silábico nem sempre as crianças conhecem o valor sonoro convencional das letras e, por isso, usam qualquer letra para escrever qualquer palavra. Contudo, ao perceber que as letras correspondem a determinados sons, a criança passa fazer uma escrita silábica com valor sonoro convencional. Ou seja, passa a escrever as palavras fazendo uso de letras que, de fato, têm nessa palavra. Veja abaixo um exemplo de escrita silábica. Figura 22: Escrita silábica Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/ Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Analisando a escrita acima, é possível perceber que a criança registra uma letra para cada sílaba das palavras galinha, bode e pato. É uma escrita silábica com valor sonoro convencional, posto que a criança registrou uma letra para cada som pronunciado, sendo que as letras representam os sons da sílaba em questão, ou seja, a criança não utiliza uma letra qualquer para escrever, mas uma letra que corresponde a um dos fonemas da sílaba. Abaixo você tem outro registro de palavras produzidas por crianças no nível silábico. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 63 Figura 23: Escrita silábica Fonte: Pró-letramento 2008. 2.7.4 Nível silábico-alfabético O nível silábico-alfabético constitui-se como uma fase de transição entre a escrita silábica e a escrita alfabética. É o que Ferreiro e Teberosky (1985) consideram como nível Silábico-alfabético, em que fica evidente para a criança a ideia de que a sílaba não é representada somente por uma letra, podendo ser segmentada por unidades menores. Portanto, a criança passa a acrescentar letras em suas escritas, produzindo uma escrita mista e bastante próxima da escrita alfabética. É comum que as sílabas completas estejam no início ou no fim das palavras. Veja um exemplo de escrita silábico-alfabética. Figura 24: Escrita silábico-alfabética Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. 64 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A escrita acima revela o nível silábico-alfabético, em que a palavra pata já está alfabeticamente escrita. Na palavra galinha a criança registra o GA alfabeticamente, e apenas o I para a sílaba LI e a letra A para a sílaba GA – que caracteriza o nível silábico de escrita (uma letra para cada sílaba). Na palavra bode a criança registra a letra O para a sílaba BO, revelando uma escrita silábica; em seguida registra as letras DI para a sílaba DE, revelando uma escrita alfabética, com problema de ortografia por fazer transcrição da fala. 2.7.5 Nível alfabético de escrita Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), o nível alfabético é uma etapa em que a criança já compreende que cada letra corresponde a uma parte menor da sílaba e sua escrita passa a considerar os princípios alfabéticos. Nesse momento a criança consegue entender que a escrita representa um significado linguístico, contudo é comum a presença dos erros ortográficos, pois a criança faz a fonetização da escrita, produzindo uma escrita muito próxima da fala. Quando a criança chega neste estágio, podemos dizer que ela já compreende o sistema de representação da linguagem escrita, percebendo que uma palavra é composta de letras que formam sílabas, já é capaz de analisar os fonemas das palavras. Figura 25: Escrita alfabética Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Observe que a escrita já está alfabeticamente constituída, mas a criança Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 65 comete um erro de ortografia na palavra galinha, em uma sílaba considerada como dificuldade ortográfica. Pausas (2004) com base em Teberosky (1989) apresenta sinteticamente os diferentesníveis de conhecimento sobre leitura e escrita produzidos pela criança. ESCRITAS PRÉ-SILÁBICAS • Desenho: escrever o nome do objeto é o próprio objeto. • Escritas indiferenciadas: série igual de grafias, seja qual for o enunciado que a criança se propõe escrever. Marcas gráficas que simulam a escrita (garatuja, letras inventadas, letras conhecidas...) • Escritas diferenciadas: em objetos distintos, escritas diferentes. Não se escreve trem do mesmo modo que vaso. Letras inventadas: - Letras conhecidas: IAMS (MENINO) - Letras do próprio nome com combinações diferentes: SONIA-IONAO (MENINO) ESCRITAS SILÁBICAS • Correspondência do som com o que se escreve. Uma grafia para cada sílaba. - Silábicas: E I M (MENINO) - Silábicas vocálicas: E I O (MENINO) - Silábicas consoantes: M N N (MENINO) ESCRITAS SILÁBICO-ALFABÉTICAS • Mais de uma grafia para cada sílaba: ME N NO (MENINO) ESCRITAS ALFABÉTICAS • Correspondência entre o som e a grafia com valor sonoro convencional: ME NI NO (MENINO) Quadro 6: Síntese dos diferentes níveis de conhecimento Fonte: Teberosky (1989) Em síntese, a compreensão desses níveis de escrita produzidos pelas crianças é importante para o professor que deseja construir práticas pedagógicas que considerem os processos construtivos das crianças. Na próxima unidade de estudo serão abordadas contribuições de outros campos do conhecimento, que também são importantes para a construção de uma prática alfabetizadora teoricamente fundamentada, enquanto na 4ª unidade trataremos dessa abordagem pedagógica. 66 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período BRAGA, Alessandra Braga; VELOSO, Geisa Magela; DOMINGUES, Renata Durães. Realismo nominal e consciência fonológica: elementos importantes para o sucesso na aprendizagem inicial da leitura e da escrita. In: Anais do II Congresso Norte Mineiro de Pesquisa em Educação. Montes Claros: Unimontes, 2010. CARRAHER, Terezinha Nunes e REGO, Lúcia Lins Browne. O realismo nominal como obstáculo na aprendizagem da leitura. Cadernos de Pesquisa. São Paulo. v 39. Nov. 1981. p.3-10. CÓCCO, Maria Fernandes. HAILER, Marco Antônio. Didática da Alfabetização: decifrar o mundo - Alfabetização e Construtivismo. São Pulo: FTD,1996. FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita Porto Alegre: Artes Médicas,1984. FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1979. KATO, Mary A. No mundo da escrita: Uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ed. Ática, 1996. MASSINI-CAGLIARI, Gladis. Escrita ideográfica e escrita fonográfica. In: CAGLIARI, Luiz Carlos; MASSINI-CAGLIARI, Gladis. 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Mais especificamente discutiremos as contribuições dos estudos teóricos da alfabetização, nas perspectivas linguística, sociolinguística e sociocultural e promover debate sobre as implicações pedagógicas destes estudos e a aplicação prática destas teorias. A complexidade do processo de alfabetização envolve uma busca permanente de várias explicações. É uma questão atual de discussão dos agentes educacionais que buscam maior compreensão acerca da natureza da escrita, de suas funções e usos no processo de alfabetização. Nas últimas décadas várias foram as ciências que têm contribuído para a compreensão do processo de aquisição da leitura e da escrita, dentre essas ciências destaca-se a linguística, sociolinguística, psicolinguística. No trabalho com a alfabetização é bastante comum encontrar alunos que se alfabetizam sem dificuldade, por um processo natural e prazeroso. Contudo, para muitas crianças, aprender a ler e escrever constitui-se uma tarefa difícil e penosa. Você já parou para se perguntar por que isso ocorre? Por que crianças oriundas de uma mesma classe social, estudando em uma mesma sala de aula não aprendem no mesmo ritmo? E por que muitos desses alunos permanecem por 3 ou 4 anos na escola e não se alfabetizam? Nessa unidade trabalharemos com conhecimentos que o ajudarão a entender a alfabetização e construir algumas respostas para essas questões. 3.1 CONCEITUANDO A LINGUÍSTICA A partir das ideias dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa (BRASIL/MEC, 2001), podemos compreender a Linguística como uma ciência interdisciplinar que se interessa pela linguagem em evolução. E produzir linguagem significa produzir discursos e o discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. E assim entendemos que para falarmos de linguística se faz necessário indagar: 68 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período O que é um texto? A definição de um texto não depende e sua extensão: não importa se é curto ou longo, importa ler, se comunica algo, de que forma e com que finalidade. (DEHEINZELIN, 1994, p.60) Entende-se que é a linguística que busca desvelar o modo de construção interna desse texto. Vários estudiosos têm contribuído para este trabalho, dentre eles ressaltamos os estudos realizados por Cagliari (2009), Soares (2003), Kato (1996), Moraes (2003) e outros. A nossa proposta é começarmos abordando de maneira direta alguns conceitos básicos sobre a língua que são fundamentais para a prática do professor alfabetizador. Cagliari (2009) esclarece que a linguística tem por objetivo o estudo da linguagem e, por conseguinte, não é por si um método de ensino; ela tem como propósito explicar como a linguagem humana funciona. O autor também ressalta a importância do uso da linguística no trabalho do professor alfabetizador. Para ele, o professor deve ser um grande conhecedor da língua portuguesa, pois, como pode um professor ensinar o que não sabe? Uma criança, quando entra para a escola, nas salas de alfabetização, já é capaz de entender e falar a língua portuguesa com desembaraço e precisão, nas mais diversas circunstâncias de sua vida. Parafraseando Smith (2002), o que as crianças aprendem e pensam em relação à alfabetização é profundamente determinado pelas práticas e atitudes das pessoas a sua volta. Pergunta-se como uma criança pode aprender a ler e escrever sem um treinamento formal, e conclui-se que “a interação social é a chave”, pois o desenvolvimento das crianças baseia-se nas atividades de leitura e escrita, que são mediadas pelos adultos alfabetizados e demais pessoas que fazem parte do dia-a-dia das crianças. A criança vai construindo e fazendo uso de um vocabulário na medida em que se faz necessário adquirir e usar no seu cotidiano, no espaço da sala de aula. Essas crianças revelam através da fala a sua realidade social, cultural e econômica, identificamos as diferenças, desde os apetrechos escolares, até a forma de cada um vestir e falar. A escola por sua vez não deve ignorar a realidade das crianças e muito menos discriminá-las. Soares (2002) diz que estas diferenças trazem alterações fundamentais no processo de alfabetização, “que não pode considerar a língua escrita meramente como um meio de comunicação “neutro” e não contextualizado, na verdade qualquer sistema de comunicação escrita é profundamente marcado por atitudes e valores culturais, pelo contexto social ou econômico em que é usado”. Os fundamentos teóricos, que sustentam a prática pedagógica, utilizados em algumas escolas na atualidade não levam em consideração a realidade social dos seus alunos. Nesse sentido, vale destacar que o Fundamentose Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 69 professor desempenha o papel de mediador entre o sujeito da educação, o objeto de conhecimento e realidade histórico-cultural, pois o conteúdo a ser ensinado deve ser afetado pela necessidade de transformar a realidade das nossas crianças brasileiras. É importante que o professor se aproprie dos conhecimentos produzidos no campo da linguística, de forma a considerar suas contribuições no ensino da linguagem e da alfabetização. Nesse sentido, como contribuição da linguística, destacamos os estudos sobre consciência fonológica e sua relação com o processo de alfabetização. 3.2 Estudos sobre consciência fonológica e suas implicações na alfabetização Na discussão sobre as contribuições da psicolinguística, discutidas na unidade anterior, vimos que a teorização proposta por Ferreiro e Teberosky (1985), e que a psicogênese da língua escrita produziram um grande impacto nos processos de alfabetização, por permitir que os professores compreendam a alfabetização como processo de construção e não de memorização mecânica de dados. Vimos também que a superação do nível 1A de Realismo Nominal é construção importante, pois, para se alfabetizar, a criança precisa pensar o significante independente do seu significado e compreender a escrita como representação da fala. Ou seja, para avançar do nível pré-silábico de escrita e elaborar a hipótese silábica, a criança precisa produzir a fonetização da escrita, perceber a segmentação oral das palavras em sílabas e essa habilidade se encontra relacionada com os estudos sobre a consciência fonológica. Em outras palavras, a criança somente avança para o nível silábico de escrita quando se torna atenta às características sonoras da palavra, especialmente quando aprofunda o nível do conhecimento da sílaba. Nesse sentido, vale destacar que Emilia Ferreiro e outros pesquisadores construtivistas não conferem muita importância aos estudos sobre consciência fonológica. Morais e Albuquerque (2005) afirmam que os pesquisadores construtivistas acreditam que as crianças formulam hipóteses de “fonetização da escrita”. No entanto, esses pesquisadores não reconhecem o papel desempenhado pelas habilidades de análise fonológica na origem das hipóteses que conduzem à compreensão do sistema e à aquisição da escrita alfabética. Para os autores MORAIS e ALBUQUERQUE, 2005, p.213: Em lugar de atribuir à criança representações mentais idênticas às dos adultos letrados sobre o que é uma palavra ou um fonema, Ferreiro propõe que é a “opacidade” da notação escrita que permitirá aos aprendizes representarem A linguística: é o estudo da linguagem. Está voltada para a explicação de como a linguagem humana funciona e de como são as línguas em particular, quer fazendo o trabalho descritivo previsto pelas teorias, quer usando os conhecimentos adquiridos para beneficiar outras ciências e artes que usam, de algum modo, a linguagem falada. Fonte: CAGLIARI,Alfabetização e Linguistica.2009,p.36. Linguagem: é a capacidade que o homem tem de se comunicar por meio de um sistema de signos vocais (língua) (MAROTE e FERRO, 2000) 70 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período mentalmente as propriedades das palavras da língua, entre elas a existência dos segmentos sonoros que as constituem. Com base nessa perspectiva teórica, os defensores da abordagem construtivista tendem a não propor atividades de análise fonológica ao apresentarem uma didática da alfabetização. Contudo, estudos realizados por Morais (2006), Freitas (2004), Santamaria, Leitão e Ferreira (2004) e outros pesquisadores sinalizam para a importância do trabalho com a sonoridade da linguagem, defendendo a consciência fonológica como conjunto de habilidades necessárias à alfabetização, de forma que os alunos possam perceber as relações entre as letras e os sons. Morais (2006) considera que o desenvolvimento da consciência fonológica é parte importante das habilidades necessárias para aprender a ler e escrever. Santamaria, Leitão e Ferreira (2004) também discutem a questão e entendem que o processo de alfabetização exige a habilidade de analisar as palavras e seus componentes e utilizar as regras de correspondência entre letras e sons. Para os autores, a consciência fonológica pode ser definida como uma habilidade de manipular a estrutura sonora das palavras, sendo que a criança deve ser capaz de realizar substituições de um determinado som por outro, segmentar as palavras em unidades menores, etc. Freitas (2004) considera que a consciência fonológica seja uma habilidade que permite fazer da língua um objeto de pensamento, possibilitando a reflexão sobre os sons da fala, o julgamento e a manipulação da estrutura sonora das palavras. Em seus estudos, a autora constatou que o desenvolvimento da consciência fonológica seja um processo contínuo, que ocorre em níveis: o nível das sílabas, o nível intra-silábico e o nível da consciência fonêmica. Conforme a autora, o nível dos fonemas é uma construção mais difícil, sendo que o nível das sílabas é o mais fácil, apresentando-se como um processo bastante natural no desenvolvimento fonológico das crianças. O nível das sílabas constitui-se, portanto, como a capacidade de dividir as palavras em sílabas, sendo o primeiro e mais óbvio caminho de segmentação sonora, que traz pouca dificuldade à maioria das crianças. Conforme a autora, nesse nível, a criança tem facilidade de segmentar as palavras e geralmente elas fazem a divisão silábica oralmente (FREITAS, 2004). Ainda conforme a autora, no nível das unidades intra-silábicas, a criança percebe que as palavras podem ser divididas em unidades que são maiores que um fonema individual, mas menores que uma sílaba. Assim, a percepção das rimas e das aliterações também são habilidades desenvolvidas pelas crianças. As rimas relacionam-se à percepção dos sons iguais no final das palavras, enquanto as aliterações apresentam-se como sons iguais no início das palavras. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 71 Para exemplificar o que sejam rimas e aliterações e facilitar a sua compreensão, vamos relembrar uma parlenda e um trava-língua, dois textos que fazem parte do nosso folclore e são bastante recitados pelas crianças. Na parlenda “Bão, balalão, senhor capitão, espada na cinta e ginete na mão” encontramos várias palavras terminadas em “ao”, e dizemos que, por essas repetições, essas palavras rimam. Já no trava-língua “O rato roeu a roupa do rei de Roma e a rainha ruim resolveu remendar” encontramos sons que se repetem no início das palavras, e essa repetição de sons iniciais é o que denominamos de aliterações. Para Morais (2006), o termo consciência fonológica e consciência fonêmica são considerados como sinônimos. Como vimos, essa é uma compreensão inadequada, posto que a percepção dos sons das sílabas e das rimas constitui-se como parte do que chamamos de consciência fonológica, sendo que a percepção dos fonemas é que deve ser denominada de consciência fonêmica. Ou seja, a consciência fonêmica é a capacidade de manipular e identificar os fonemas, sendo que a consciência fonológica apresenta um conceito mais amplo que inclui a manipulação das sílabas, das unidades intra-silábicas (rimas e aliterações) e os fonemas. Estudos sobre consciência fonológica permitem afirmar que as crianças com 6 anos de idade já apresentam os três níveis de consciência fonológica, sendo habilidades que vão se desenvolvendo aos poucos e são facilitadas pela maior vivência com a linguagem, com as brincadeiras cantadas, com trava-língua, parlendas, trovas populares, etc. Os estudos também permitem afirmar que esse conjunto de habilidades contribui positivamente no processo de alfabetização. Contudo, os resultados desses estudos divergem com relação ao papel da consciência fonológica e o processo de alfabetização. Na década de 1970, Liberman e colaboradores (1994 apud MORAIS, 2006) descobriram que crianças americanas tinham mais facilidade para segmentar as palavras em sílabas e contar a quantidade de sílabas do que segmentar as palavrasem fonemas e fazer sua contagem. Desses estudos, os autores concluíram que a consciência sobre os fonemas parecia depender da escolarização, sendo adquirida com a alfabetização. Por sua vez, na década de 1980, Bradley e Bryant (1983 apud MORAIS, 2006), no Reino Unido, defenderam posição contrária. Os pesquisadores desenvolveram um estudo longitudinal com estudantes da pré-escola e treinaram algumas delas em consciência fonológica, sendo que as crianças treinadas foram mais bem sucedidas no aprendizado da escrita alfabética. Por esses resultados, os autores concluíram que a consciência fonológica constituía-se como pré-requisito para a alfabetização, ou seja, a consciência fonológica era um fator causal da alfabetização. Ainda na década de 1980, Yavas e outros pesquisadores (apud MORAIS, 2006) defendem uma terceira perspectiva: a consciência 72 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período fonológica seria um fator facilitador da alfabetização, de modo que as crianças com consciência fonológica mais desenvolvida avançavam mais rápido no aprendizado da leitura e da escrita. Em outras palavras, a partir dos anos de 1980, o debate nos permitiu compreender que a consciência fonológica não é uma capacidade uniforme. Consciência fonológica é um conjunto de habilidades que permitem ao ser humano operar sobre os segmentos sonoros (segmentar palavras, contar fonemas, comparar o tamanho de palavras, identificar e produzir palavras semelhantes, adicionar, transpor ou subtrair segmentos sonoros, fazer a síntese de sílabas ou fonemas e compor palavras). Todos esses estudos deixam claro que o desenvolvimento da consciência fonológica encontra-se vinculado à alfabetização. Nesse sentido, pode-se afirmar que, para trabalhar com a escrita, a criança recorre ao conhecimento que a mesma tem da língua oral. A partir desses estudos e conclusões, muitos educadores têm pensado que o método fônico seria a melhor metodologia para se alfabetizar as crianças, pois inicia o processo de ensino pela ênfase na relação entre letras e sons. Morais (2006) considera como erro o retorno aos métodos fônicos para alfabetização, pois adotam uma abordagem mecânica das relações entre letras e sons. Impor à criança o domínio fonêmico é uma sobrecarga cognitiva descabida. Ainda conforme o autor, as habilidades para refletir sobre os segmentos sonoros das palavras devem ser desenvolvidas desde a educação infantil. A consciência fonológica é uma condição necessária, mas não uma condição suficiente para a alfabetização, sendo que o ritmo de seu desenvolvimento depende das oportunidades que a criança teve para refletir sobre os segmentos sonoros das palavras. Contudo, não se trata de treinar as crianças, mas favorecer condições para brincar com rimas, contar sílabas, perceber sons iniciais e finais, etc. 3.3 Contribuições da Sociolinguística Ferdinand de Saussure, linguista suíço, desde o início do século XX, já chamava atenção para as relações entre linguagem e classes sociais, tais questões, mas somente nos anos de 1950 que os aspectos sociais da língua começaram a ser investigados. Segundo Cagliari (2009) os problemas relacionadas à variação linguística e a norma culta são apresentados pela sociolinguística. A mesma estuda a relação entre a língua e a sociedade, e em relação ao ensino de português o autor diz que as variações históricas da língua devem ser reconhecidas, mas não é o suficiente, é preciso levar em conta também as variações geográficas, sociais e estilísticas. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 73 A partir da sociolinguística, iremos pensar a alfabetização associada aos usos sociais da língua ou mesmo a realidade linguística em que as crianças brasileiras estão inseridas no seu primeiro espaço de aprendizagem que é a família. Cagliari (2009) afirma que: A criança, evidentemente, não entrou para o mundo da linguagem da mesma forma que um adulto se inicia no aprendizado de uma língua estrangeira. Ela foi exposta ao mundo lingüístico que a rodeia e nele foi, ela própria, traçando o seu caminho, criando o que lhe era permitido fazer com a linguagem. As crianças aprendem a linguagem e fazem uso da mesma, nos vários grupos de uma sociedade e ampliam o seu repertório linguístico a partir destas interações sociais e é através da sociolinguística que compreendemos melhor a diversidade linguística, pois a mesma busca dialogar na fronteira entre a língua e a sociedade. Assim nós educadores tomamos conhecimento dessa correlação entre aspectos linguísticos e aspectos sociais. Para Soares, (2003) a sociolinguística compreende a alfabetização como um processo estreitamente relacionado com os usos sociais da língua. Além das diferenças dialetais a autora destaca como a língua oral e escrita assumem diferentes funções de comunicação. Essas funções variam de comunidade para comunidade e atendem a diferentes objetivos. A sociolinguística é um campo de estudo da linguística que tem produzido conhecimentos que nos permitem ampliar a compreensão acerca das relações entre linguagem e sociedade. Nesse sentido, esse campo de conhecimento tem fornecido importantes contribuições para o processo de ensino da linguagem e para a produção de metodologias de alfabetização, posto que nos apresenta os diversos problemas da variação linguística em relação à linguagem culta. Ou seja, a sociolinguística tem permitido compreender que os falantes não utilizam a linguagem culta, pois se apropriam das regras e convenções utilizadas pela comunidade de falantes na qual está inserida. Portanto, é importante pensarmos como os pesquisadores da linguagem compreendem os diferentes usos que os falantes fazem da língua, também analisando o modo como a sociedade e a escola compreendem essas diversidades. Soares (2002) nos alerta para a forma como a escola se relaciona com as diferenças e as dificuldades apresentadas pelas crianças no processo de construção do conhecimento. Para esclarecer tal questão, recorremos às ideias da autora, quando ela nos apresenta três maneiras distintas pelas quais a escola procurou lidar com as variações linguísticas e explicar o fracasso escolar dos alunos pertencentes às camadas populares: 74 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 1) a ideologia do dom; 2) a ideologia da deficiência cultural; 3) a ideologia das diferenças culturais. Nessa primeira explicação, que recebe a denominação de ideologia do dom, Soares (2002) afirma que a escola remete a responsabilidade do não aprender ou do fracasso do aluno para a ausência das condições básicas para aprendizagem. Por essa ideologia, a escola se isenta de qualquer responsabilidade, pois a mesma entende que os alunos não possuem as características naturais relevantes para um bom aproveitamento do que a escola oferece. Portanto entende-se, a partir da ideologia do dom, que a escola faz o seu papel que é criar situações de aprendizagem, porém os alunos não possuem o dom, o talento, a inteligência e a aptidão necessária para o aprendizado. E assim, o fracasso é compreendido pela impossibilidade de o aluno aproveitar as oportunidades que a escola oferece e a culpa do não aprender é do aluno, que acaba também acreditando que de fato não possui as condições para o aprendizado. Soares (2002, p.11) aponta que, “para a ideologia do dom, não é a escola que se volta contra o povo; é este que se volta contra a escola, por incapacidade de responder adequadamente às oportunidades que lhe são oferecidas”. E diante de tal realidade, a autora diz ser impossível não questionar a cientificidade dessa ideologia. Isso porque o fracasso escolar se concentra em grupos sociais. Daí o questionamento: por que o fracasso escolar está maciçamente concentrado nos alunos das camadas populares? Serão esses alunos menos aptos e menos inteligentes? Qual seria o real papel da escola em relação às crianças oriundas das camadas populares e por que o fracasso escolar está tão presente junto às essas crianças? E é a partir dessas indagações que surge a ideologia da deficiência cultural, por ser inaceitável a ideia de considerarque meninos pobres sejam menos inteligentes e capazes de aprender do que os meninos ricos. Na segunda ideologia produzida para explicar o fracasso escolar, a ideologia da deficiência cultural, nos é apresentado que as desigualdades sociais é que seriam o fator responsável pelo fracasso escolar dos alunos. Por essa concepção, entende-se que as crianças da classe dominante vivem em melhores condições, recebem maior estímulo quanto ao desenvolvimento cognitivo e vivem em um ambiente rico e diversificado que lhes dá maiores chances de desenvolver hábitos, atitudes, conhecimentos, interesses e habilidades necessários para atingir o sucesso escolar. Por outro lado, as crianças das classes populares vivem em condições precárias onde não ocorrem condições reais para o seu desenvolvimento. Ou seja, conforme Soares (2002), os defensores dessa ideologia acreditam na “superioridade” do contexto cultural das classes dominantes, em contraponto com a “pobreza cultural” do meio em que vivem as crianças das classes dominadas. Como explica Soares (2002), o erro, as dificuldades ou mesmo os fracassos vivenciados no processo escolar pelas crianças dos grupos Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 75 socioeconômicos mais baixos é entendido a partir da ideologia da deficiência cultural, como portador de déficits socioculturais. Nesse sentido, o papel da escola seria “compensar” estas deficiências apresentadas pelos alunos, pois os mesmos apresentam carências e deficiências que são produzidas em seu meio social e que afetam o seu aprendizado. Se na ideologia do dom o fracasso está no aluno, na ideologia das deficiências culturais, o fracasso é explicado pelo contexto cultural em que vive o aluno. Mas Soares (2002,p.14) apresenta uma terceira explicação para o fracasso: a ideologia das diferenças culturais, onde as ideias em relação à cultura são compreendidas da seguinte maneira: Não é, pois, adequado qualificar grupos sociais como “culturalmente deficientes”, ou “privados de cultura”, ou “carentes de cultura”, como faz a ideologia da deficiência cultural. O que se deve reconhecer é que há uma diversidade de “culturas”, diferentes umas das outras, mas todas igualmente estruturadas, coerentes, complexas. Qualquer hierarquização de culturas seria cientificamente incorreta. Assim sendo, não podemos responsabilizar os alunos pelo insucesso escolar, pois eles são penalizados através de uma proposta educacional que contempla na sua essência a realidade cultural da classe dominante. O fracasso que era atribuído ao próprio aluno é aqui compreendido como uma produção da própria escola através de um modelo escolar elitizado ou mesmo que está a serviço das classes sociais mais favorecidas. Isso porque a escola tem um modelo de linguagem e de comportamento que utiliza, sendo ignorados ou considerados como errados os padrões culturais dos alunos das camadas populares. Portanto, nessa ideologia, as chamadas deficiências são na verdade diferenças e que não devem ser tratadas com discriminação. Isso significa que a escola precisa produzir metodologias de ensino da língua materna que considerem os padrões linguísticos da criança. 3.4 A alfabetização numa perspectiva sociocultural Baseando-nos na ideia de que a aprendizagem da leitura e da escrita é uma construção individual, mas que necessita da interação, Vigotsky (1979) afirma que a aprendizagem escolar nunca começa do zero, tendo uma pré-história que está definida pela interação que a criança tenha vivido com o mundo físico e social que a rodeia. E é através da interação e da mediação que o professor poderá contribuir para a evolução do processo de aprendizagem das crianças. Para este autor, essa corrente psicolinguística assume que o caráter ativo de apropriação do conhecimento não se opõe ao fato de que a apropriação não ocorra sem a transmissão social da experiência historicamente acumulada. 76 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das crianças começa muito antes delas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem uma história prévia. Observe o que diz Cagliari (2009,p.17): A criança quando chega à escola já trilhou um longo caminho lingüístico, já provou no dia-a-dia um conhecimento e uma habilidade lingüística muito desenvolvida. Ela possui um conhecimento lingüístico internalizado, é falante nativo de uma língua, pois dispõe de um vocabulário e regras gramaticais para expressar aquilo que precisa. Ela usa a língua conforme as regras próprias de seu dialeto, que aprendeu em convívio com a comunidade falante a que pertence. É importante pensarmos que a criança, quando chega à escola para ser alfabetizada, já aprendeu a falar e compreende a linguagem sem necessitar de treinamento específico ou prontidão. O que compreendemos acerca disso é que a criança deve ser inserida no mundo linguístico que a rodeia e através dele, ela própria, mediada pelos outros, vai construindo o seu caminho, criando o que lhe é permitido fazer com a linguagem. Nesse processo observa-se um crescimento que traz características importantes do seu jeito de ser e estar no mundo, esta evolução mostranos que a aprendizagem estabelece uma relação de interação com o desenvolvimento. Portanto, devemos pensar a aprendizagem levando em consideração o nível de desenvolvimento de cada criança. A partir de algumas investigações, Vygotsky elabora a teoria da zona de desenvolvimento proximal e com base nesta teoria tornase fundamental, no processo de ensino, que o professor conheça o nível de desenvolvimento em que a criança se encontra em relação a determinado conteúdo e identifique as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado. Zona de Desenvolvimento Proximal é um conceito proposto por Vygotsky (1991), que se apresenta como conhecimento importante para os professores. Para explicar esse conceito, Vigotsky (1991) descreve dois níveis de desenvolvimento, denominados por ele como desenvolvimento real e desenvolvimento potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver situações utilizando seu conhecimento de forma autônoma. O nível de desenvolvimento real é dinâmico e aumenta a cada dia com os movimentos do processo de aprendizagem. Já o desenvolvimento potencial é determinado pelas habilidades que o indivíduo ainda não construiu, que estão em processo e são potencialmente possíveis de serem desenvolvidos. Dessa forma, a Zona de Desenvolvimento Proximal é definida por Vygotsky (1991) nos seguintes termos: Leia o caderno didático psicologia, 2º período, para melhor compreensão desses conceitos e relações. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 77 Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKY, 1991, p. 97). Isso significa dizer que uma pessoa é capaz de solucionar muitos problemas e questões de forma independente e sem ajuda. No entanto, em outras áreas há uma série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender, mas ainda não completou o processo e dessa forma os conhecimentos estão fora de seu alcance atual, mas são potencialmente atingíveis, desde que possa contar com a colaboração de outras pessoas. Como ilustra o quadro abaixo: Figura 26: Níveis de desenvolvimento/ real/ potencial/ proximal e ZDP Fonte: ,Pausas (2004, p.22) 3.5 Implicações pedagógicas do conceito de ZDP Um princípio intocável da prática de muitos professores de língua portuguesa é o de que somente a atividade independente da criança, e não sua atividade imitativa, é indicativa no seu nível mental. Esse ponto de vista está expresso em todos os sistemas atuais de testes. Ao avaliar-se o desenvolvimento mental, consideram-se aquelassoluções de problemas que as crianças conseguem realizar sem a assistência de outros, sem demonstração e sem o fornecimento de pistas. Pensa-se na imitação e no aprendizado como processos puramente mecânicos. Recentemente, no entanto, os psicólogos que assumem o referencial de Vygotsky têm demonstrado que uma criança só consegue imitar aquilo que está no seu nível de desenvolvimento. Por exemplo, se as crianças não tiverem contato frequente com a poesia, em uma atividade de produção de texto, se o professor sugerir que elas façam uma poesia a partir de um tema, provavelmente, o resultado será desastroso. Mas, se o professor colocar as crianças em contato com diversos modelos de poesias, interpretando e relacionando com fatos de suas vidas; analisando e estabelecendo a diferença entre estes modelos e os outros tipos de textos que eles conhecem; realizando exercícios para fruição dos 78 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período sentimentos, imaginação, ideias; e a partir daí organizar em forma de texto, provavelmente, o resultado será bem diferente da primeira situação. Temos observado que existem professores do ensino fundamental, especificamente os das séries iniciais, que têm orientado suas práticas pedagógicas à luz do desenvolvimento real; preocupam-se quase exclusivamente com o que as crianças conseguem fazer sozinhas, basta fazer um análise das avaliações das crianças. Podemos constatar este pressuposto, analisando as aulas de conhecimento linguístico e as atividades de produção de texto desenvolvidas nas salas de aula. Na verdade, a produção de texto, lamentavelmente, tem sido trabalhada no sentido de avaliar os conhecimentos linguísticos, especificamente, a ortografia das crianças. E o que é pior, as produções de textos têm como objetivo classificar as crianças: as que dominam a convenção ortográfica e as que não dominam. O conteúdo da prática de conhecimentos linguísticos quase nunca se relaciona com as dificuldades apresentadas nas produções de textos. AROTE, J. e FERMRO, G. Didática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Ática, 2000. BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica na formação em Psicologia. Petrópolis: Vozes,2003. CAGLIARI, Luíz Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 2000. FERREIRO, Emilia. A escrita antes das letras – IN: SINCLAIR, H. A Produção de Notações na Criança: Linguagem Número. Ritmo e Melodias. Trad. de Maria Lúcia F. Moro. São Paulo: Cortez, 1990. FERREIRO, E. e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas,1985. FERREIRO, Emília - Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1992. ______ . Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1992. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Em três artigos que se completam. São Paulo:Cortez,1987. Para melhor compreensão do conceito, leia exemplo dado por Vygotsky, no caderno didático I, 2º período, p.144. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 79 FREITAS, Gabriela Castro Menezes de. Sobre a consciência fonológica. In: LAMPRECHT, Regina Ritter. Aquisição fonológica do português: perfil de desenvolvimento e subsídios para terapia. Porto alegre: Artes Médicas, 2004. LEMLE, Miriam - Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Editora Ática, 1987 MEIRA, M. ANTUNES, M. Psicologia Escolar: Práticas críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. MORAIS, Artur Gomes de. Consciência fonológica e metodologias de alfabetização. Revista Presença Pedagógica. Belo Horizonte: Dimensão. V.12. n.70. jul/ago, 2006b. MORAIS, Artur Gomes e ALBUQUERQUE, Eliane Borges Correia de. Novos livros de alfabetização: dificuldades em inovar o ensino do sistema de escrita alfabético. In: COSTA VAL, Maria da Graça e MARCUSCHI, Beth (orgs.). Livros didáticos de língua portuguesa: letramento e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. OLIVEIRA, Marta K. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento um processo Sócio-Histórico. São Paulo: Scipione, 1992. OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC do Alfabetizador. Belo Horizonte: Editora Alfa Educativa, 2004. PAUSAS, Ascen Díez de Ulzurrun &colaboradores. A aprendizagem da leitura e da escrita a partir de uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Artmed,2004. SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. SP: Contexto,2003. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. BH: Autêntica, 2009. SOARES, Magda. As muitas facetas da alfabetização. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n.º 52, p. 19 – 24, fev. 1985. SOARES, Magda Becker. Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social -. S. Paulo: Ática, 1986 ______. As Muitas Facetas da Alfabetização. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n.52, 1985, p. 19-24. SMITH, F. Compreendendo a Leitura. Porto Alegre: Artes Médicas1989. TEBEROSKY e GALLART. Contextos da Alfabetização Inicial. Porto Alegre: Artmed, 2004. Para melhor compreender a questão, retome leitura do caderno didático I: unidade 7: o interacionismo sóciohistórico de Vygotsky. 80 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período VIGOTSKY, Lev Smenovich - A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WELLS, Gordon. Condições para uma alfabetização total. Barcelona: Cuadernos de Pedagogia, 1990. 81 UNIDADE 4 PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA Introdução Prezado(a) Acadêmico(a) Nesta unidade queremos oportunizar o conhecimento e/ou o aprofundamento, a análise e a seleção criteriosa de métodos e processos de alfabetização a serem aplicados pelos alfabetizadores nas escolas, bem como dos conhecimentos a serem construídos pelos alfabetizandos. Mais especificamente, espera-se que você possa identificar métodos e processos que poderão ser utilizados nas salas de aula, de forma a atender melhor às necessidades e possibilitar aprendizagens significativas para o alfabetizando. Como objetivo de estudo, pretendemos que você possa compreender as capacidades a serem desenvolvidas no ciclo inicial de alfabetização e reconhecer a organização da sala de aula como espaço fundamental para o trabalho de alfabetização. Nesse sentido, é importante perceber o planejamento de ensino como instrumento organizador do trabalho pedagógico do professor e refletir sobre a avaliação e suas contribuições para o processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Por fim, também é necessário construir situações reais para o aprendizado e avaliação da leitura e da escrita. Com esses objetivos criaremos oportunidades de abordar os métodos e processos de alfabetização, buscando localizar os pressupostos metodológicos para que possamos identificar as práticas construídas ao longo dos tempos, conhecer as propostas mais atuais e que representam melhores resultados para os nossos alunos. 4.1 Os Métodos e Processos de Alfabetização - Conceituando métodos e processos de Alfabetização Entende-se por métodos as diferentes formas de proporcionar uma aprendizagem, uma ação planejada, tendo como base procedimentos sistematizados; uma forma específica de organização dos conhecimentos. Temos conhecimento através das pesquisas históricas, que existem dois grandes grupos de métodos de alfabetização, que são baseados em bases psicológicas da aprendizagem. Sendo que o primeiro grupo de métodos refere-se aos Métodos Sintéticos, e o segundo grupo Métodos Analíticos. 4.1.1 Métodos Sintéticos Neste primeiro grupo, em sua alfabetização as crianças vivenciam um processo mental de síntese, pois os métodos estabelecem uma 82 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período correspondência entre som e grafia, entre a oralidade e o registro escrito. As crianças associam partes menores como: sons, letras e sílabas com as unidades maiores: palavras, frases e textos. Fazem parte deste primeiro grupo de métodos os seguintes processos: Figura 27: Classificação dos Métodos. Fonte: Ministério da Educação e Cultura A seguir veja exemplo de cartilhas que contemplam os processos dentro do método mencionado acima. 4.1.1.1 Processo Alfabético No processo alfabético, o professor apresenta as letras do alfabeto para que os alunos memorizem letra por letra, depois junta-as formandosílabas para posteriormente descobrir que, através das pequenas partes, se formam uma palavra. É neste processo que se usa a soletração, onde são realizados exercícios repetitivos também conhecidos por “cantilenas”. A crítica mais comum a este processo se deve à falta de significado que estas atividades de memorização representavam para as crianças. Santos e Bittencourt (1988) afirmam que, na maioria das vezes, o nome das letras não corresponde ao som que é representado por essa letra. Ensina-se a ler eme (m), ele( l ), agá( h), que muitas vezes confunde a criança. E assim, ao dizer o nome das letras que formam uma palavra, inicia-se um processo denominado soletração. Exemplos: Figura 28: Classificação de Métodos Fonte: Ministério da Educação e Cultura Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 83 A figura abaixo mostra uma cartilha de alfabetização de base silábica, cuja ênfase metodológica era o trabalho com as famílias sillábicas. Figura 29: Cartilha Caminho Suave Fonte: Disponível em t.wikipedia.org/wiki/Caminho_ Suave. Acessado em 02 de janeiro de 2011. A cartilha Caminho Suave, elaborada pela Professora Branca Alves de Lima, tinha como objetivo facilitar a memorização das letras, vogais e consoantes. A primeira edição da cartilha Caminho Suave é de 1948. No processo alfabético, o professor apresenta as letras do alfabeto para que os alunos memorizem letra por letra, depois junta-as formando sílabas para, posteriormente, descobrir que, através das pequenas partes, se formam uma palavra. É neste processo que se usa a soletração, onde são realizados exercícios repetitivos também conhecidos por “cantilenas”. A crítica mais comum a este processo se deve à falta de significado que estas atividades de memorização representavam para as crianças. 4.1.1.2 Processo Fônico No processo fônico, o foco é a relação som e letra, as crianças devem conhecer os sons (fonemas) representados pelas letras ou grupo de letras e realizar a combinação, construindo sílabas, palavras e frases. Cabe ao professor ensinar a relação entre fonema e grafema com o propósito das crianças aprenderem a relacionar a palavra falada com a palavra escrita ou mesmo entender que cada letra (grafema) é aprendida como um fonema (som) que pode se unir a outro fonema, formando sílabas e palavras. Os sons são ensinados sistematicamente em uma sequência que deve partir dos mais fáceis para os considerados mais difíceis PARA REFLETIR: Há variações dialetais na pronúncia das palavras? Visite o Site: www.iab.com.br 84 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Esta é uma das problemáticas que aparecem no processo fônico, pois há de fato variações dialetais na pronúncia das palavras, mas as mesmas não são registradas de formas diferenciadas, a escrita mantém-se coerente com as regras ortográficas, ocorre uma alteração na forma de pronunciá- las, a escrita permanece estável. Neste processo também percebe-se a falta de sentido para os alunos durante o processo de aprendizagem, pois a consoante é uma unidade não pronunciável sem o auxílio de uma vogal e buscando melhorar o processo de aprendizagem das crianças criaram-se algumas variações do processo fônico utilizando palavras, textos, imagens e outros para apresentarem os fonemas de forma significativa para os alunos. Figura 30: Cartilha A Casinha Feliz Fonte: Disponível em: www.bondfaro.com.br/ preco--livros--casinha-feliz-cartilha Acesso em 15- 12-2010 A cartilha “Casinha Feliz” foi lançada na década de 1960 e reeditada em 1987, e foi o marco do método fônico no Brasil. Na atualidade, para conversamos sobre o processo fônico, vamos nos reportar ao programa Alfa e Beto de Alfabetização Figura 31: Livro didático Chão de Estrelas/Alfa e Beto Fonte: Disponível em http://www.tudomercado.com. br/Didtico/Programa-Alfa-e-Beto-Cho-de-Estrelas- -Verso-Reduzida.view?id=1254611706940. Acessado em 19 de janeiro de 2011. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 85 No momento atual, no contexto das discussões relativas à consciência fonológica, tem disso retomada a possibilidade de uma volta aos métodos fônicos, apontados por muitos como a solução para os problemas da alfabetização. Nessa discussão, vale destacar que os PCNs apoiam-se na teoria construtivista e, utilizando a metáfora do foguete disparado em duas etapas, tece críticas aos processos que inicialmente privilegiam a decifração e o domínio do sistema de escrita, como etapa que antecede à leitura e à escrita de textos reais e significativos. No entanto, em 2006, o Ministério da Educação/MEC levantou a possibilidade de adoção do método fônico, como alternativa para enfrentamento das dificuldades relativas ao ensino inicial da leitura e da escrita, em substituição ao suporte teórico construtivista. Essa intenção do MEC não foi efetivada, porque encontrou forte oposição entre os educadores defensores da abordagem construtivista e mesmo de parte dos defensores dos estudos sobre consciência fonológica, que consideraram a adoção do método fônico como uma desastrosa e equivocada volta ao passado. Ao discutir a questão, Vasconcelos (2007) argumenta que essa decisão do MEC foi influenciada por relatório da Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Deputados, que encomendou um estudo sobre a situação da alfabetização no Brasil. O relatório foi produzido por uma comissão de especialistas, sendo publicado em 2003. No contexto de discussão sobre os resultados de avaliações, como as do Sistema de Avaliação do Ensino Básico/SAEB e do Programa Nacional de Avaliação de Estudantes/PISA, que apontam os baixos desempenhos dos estudantes brasileiros, o relatório responsabiliza o construtivismo por essa defasagem e sugere a volta do método fônico. Ao discutir esses dados, Weisz (2006) considera que atribuir nossa histórica dificuldade em alfabetizar ao construtivismo e aos pressupostos teóricos que orientam os PCNs seria uma “ignorância”, pois vários dados de décadas anteriores ao surgimento do construtivismo atestam e comprovam a evasão e a repetência nas séries iniciais. No meio dessa polêmica, o livro “Alfabetização fônica: construindo competências de leitura e escrita”, de autoria de Fernando Capovilla e Alessandra Capovilla, ganhou destaque e tem sido utilizado por muitos professores. De acordo Vasconcelos (2007), o livro tem atividades interessantes e fundamentadas nos estudos sobre consciência fonológica, mas apresenta vários problemas, como o fato de não considerar as variedades dialetais, pressupondo que todas as pessoas pronunciam as palavras da mesma maneira ou que têm apenas uma maneira de pronunciá-las. Além disso, o livro propõe uma sequenciação de conteúdos delimitados a textos escolhidos de acordo com os fonemas que o professor trabalharia, não 86 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período favorecendo o contato com textos reais e de circulação social, limitando a abordagem a textos artificiais, que muitas vezes distorcem o próprio ensino do português. Ainda na análise de Vasconcelos (2007), em certos momentos, o livro chega a mostrar desconhecimento da própria realidade fonológica do Português. Quando propõe a introdução da vogal E, por exemplo, a abordagem limita a apresentação de um único som correspondente a essa vogal. A figura abaixo mostra a capa do livro acima referido. Figura 32: Livro didático fônico Fonte: Disponível em http://compare.buscape.com.br. Acessado em 20 de janeiro de 2011. 4.1.1.3 Processo silábico Figura 33: Cartilha Sodré Fonte: Disponível em :guiadoscuriosos. com.br/blog/tag/cartilha-sodre/ -acesso em 15-12-2010 No processo de silabação as crianças irão analisar a sílaba. O professor deverá apresentar as famílias silábicas de forma que seja Você terá oportunidade de melhor compreender a constituição histórica e a importância pedagógica dessas e outras cartilhas com a leitura do caderno didático da disciplina Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa II, que será trabalhada no próximo período do seu curso. Aguarde! Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 87 iniciado o processo a partirdas sílabas mais simples como: Pa, Pe, Pi, Po, Pu para depois que apresentar todas famílias silábicas “mais fáceis” iniciar a apresentação das famílias silábicas “mais complexas ou travadas” como: Pra, Pre, Pri, Pro, Pru. Os alunos devem formar palavras e frases somente utilizando as famílias já apresentadas pelo professor. O trabalho do Professor deve ser treinar os alunos para que os mesmos memorizem as famílias silábicas. O processo silábico também mantém uma distância entre os textos trabalhados em aula e a realidade social das crianças. A leitura das palavras é artificializada e prioriza a decodificação não levando em consideração a realidade social das crianças e o que faz sentido para as mesmas. Este processo também segue os princípios do Método Sintético, pois parte da unidade menor para chegar ao todo, da análise para a síntese, nesta perspectiva as cartilhas servem para direcionar o trabalho dos professores e orientar os alunos. 4.1.2 Método Analítico Do método analítico advêm três processos: a palavração, sentenciação e conto ou historietas; o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para posteriormente realizar a análise de suas partes constitutivas. No que se refere à expressão “todo”, alguns entendiam e defendiam que o “todo” poderia ser a palavra, a sentença ou a historieta ou conto. Figura 34: Classificação de Métodos. Fonte: Ministério da Educação e Cultura No início do século XX, as cartilhas produzidas no espaço histórico da alfabetização eram baseadas programaticamente no método de marcha analítica (processos da palavração e sentenciação), com o propósito de adequar-se às instruções oficiais. 4.1.2.1 Processo de palavração Neste Processo apresenta-se uma palavra-chave até chegar na sílaba, partindo sempre do todo para as partes. O que então difere este processo do silábico? 88 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período No processo de palavração busca-se trabalhar com palavras que façam significado para as crianças, e necessariamente não há necessidade de decompor as palavras inicialmente e também não parte do critério do mais fácil para o mais difícil. 4.1.2.2 Processo de sentenciação Neste processo a unidade básica que é apresentada é a frase ou sentença, que deverá ser decomposta para posteriormente chegar às palavras, sílabas e fonemas. 4.1.2.3 Processo global de contos ou historietas Neste processo, a unidade básica que sustenta o processo de alfabetização ou mesmo o ponto de partida é o texto. Entendendo que as histórias possuem início, desenvolvimento e fim, este processo apresenta a unidade de pensamento mais completo. A história é apresentada para os alunos através da leitura do professor e só depois que os mesmos já dominavam a lição é que se iniciava o processo de decomposição do texto em partes menores como a sentença e a palavra, chega-se a unidade menor de forma gradativa. O processo global apresenta pontos positivos no sentido em que as crianças “lêem” palavras, frases e textos pela identificação global, o que mantém os alunos interessados, mas, ao mesmo tempo, dificulta o diagnóstico se de fato as crianças já são leitoras ou decoraram os textos. 4.1.3 As Primeiras Cartilhas Ao longo da história da alfabetização foram muitas as cartilhas utilizadas para garantir o processo de alfabetização de muitos brasileiros. Muitas dessas cartilhas (principalmente as mais antigas) não se preocupavam com o processo do letramento – ensinar a compreender (essa é uma percepção atual), embora não possamos negar que elas cumpriam o seu objetivo que era alfabetizar (ensinar a ler). A seguir apresentaremos a imagem de algumas cartilhas que conseguimos resgatar na história da alfabetização. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 89 4.1.3.1 Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível Figura 35: Método Castilho Fonte: Disponível em:salabr.com/primeiras-imagens-do-curta-a-cartilha-da-bala/acesso em 20-12-2010 Uma das primeiras cartilhas a chegar ao Brasil foi o “Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível”, que se dizia “tão própria para as escolas como para uso das famílias”. Escrita por Antonio Feliciano de Castilho, sua primeira edição foi publicada em1850. 4.1.3.2 Cartilha Maternal Figura 36: Cartilha Maternal João de Deus Fonte: João de Deus. (Ilustrações de José Rui) Lisboa: Convergência, 1977 90 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 4.1.3.3 A Cartilha Proença Figura 37: Cartilha Proença Fonte: Disponível em :salabr.com/primeiras-imagens-do- -curta-a-cartilha-da-bala/ A “Cartilha Proença” foi lançada em 1926 teve uma tiragem de 145 mil exemplares e 84 edições. Ela foi escrita pelo professor paulista Antonio Firmino de Proença (1880-1946). 4.1.3.4 Cartas do ABC e Método Alfabético Figura 38: Cartilha da Infância Fonte: Google. http://secbahia.blogspot.com /2008/08 /cartilhas-de- -alfabetizacao.html Continuaremos o estudo desse tema refletindo: sobre os livros atuais de alfabetização e seus processos de escolha no sexto período do curso. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 91 4.2 Proposta Construtivista de Alfabetização Nas seções anteriores desse caderno, discutimos a necessidade de se conhecer as hipóteses das crianças sobre a leitura e a escrita, de forma a ser possível desenvolver estratégias didáticas capazes de favorecer o progressivo desenvolvimento e de suas concepções – do nível pré-silábico até o nível alfabético de escrita. Também discutimos a necessidade de alfabetizar letrando, ou seja, de produzir situações didáticas adequadas e relevantes, de forma que a criança possa se alfabetizar e desenvolver competências e habilidades para usar socialmente a leitura e a escrita. Nesse sentido, Morais (2006) não defende explicitamente o construtivismo, mas entende que, para uma adequada alfabetização, é necessário que o professor faça investimentos didático-pedagógicos em duas frentes. Ou seja, a criança deve apropriar-se do sistema de notação alfabética, ao mesmo tempo em que aprende sobre a língua que se usa para escrever, compreendendo a linguagem própria dos gêneros que circulam socialmente. Para o autor, esses dois conhecimentos (aprendizagens) são fundamentais para que o aprendiz possa de fato se alfabetizar, utilizar leitura e escrita em suas práticas sociais e não apenas aprender mecanismos de memorização e decifração. Alfabetizar para o letramento implica favorecer o contato com farto material impresso e participar de variadas situações de leitura e escrita, de forma que a criança se aproprie do sistema alfabético, descubra os princípios básicos de organização da escrita, aprenda a codificar e decodificar o texto, ou seja, desenvolva habilidades específicas da alfabetização. No entanto, a criança também precisa aprender sobre a linguagem escrita e os processos de organização dos diferentes textos que circulam socialmente, aprender a usar a leitura e a escrita em diferentes situações sociais, ou seja, desenvolver habilidades de letramento. Ao propor um modelo de ensino da linguagem e da alfabetização, Teberosky e Colomer (2003) não defendem a alfabetização para o letramento, mas entendem que a alfabetização não deva se limitar à mera codificação e decodificação dos textos. Nesse sentido, a proposta construtivista não deve ser compreendida como método de alfabetização ou como um conjunto de técnicas prescritivas sobre o conteúdo a ser ensinado. Isso porque, na concepção das autoras, a perspectiva construtivista requer algo mais que um método, pois há muitas facetas que interferem no desenvolvimento da linguagem e da alfabetização. Esse posicionamento das autoras nos leva a fazer a seguinte indagação: Ao trabalhar por uma abordagem construtivista o professor deve utilizar um método de ensino para alfabetizar os alunos? Se você considerar como método apenas as propostas tradicionais dos diferentes processos analíticos e sintéticos (anteriormente discutidos), “Os materiais produzidos pelos professores foram denominados Cartas do ABC, que traziam o alfabeto escrito de várias formas, valorizando a grafia”. O método quese concretizava através desta cartilha era o método alfabético, o qual toma como unidade de análise o nome de cada letra. Imagem, trecho à direita retirados Google. http:// secbahia.blogspot.com /2008/08 /cartilhas-dealfabetizacao.html 92 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período que focalizam a silabação, a soletração, a memorização de palavras, textos e relações grafo-fônicas, a resposta é não, pois essa é uma visão limitada de método. Contudo, se você considerar que método seja processo orientador da atividade do professor e que pressupõe uma concepção de alfabetização, a resposta é sim, o professor precisa de um método para alfabetizar, pois o método orienta a sua ação em sala de aula. Conforme Soares (2003), sem proposições metodológicas claras, corremos o risco de ampliar o fracasso escolar, porque rejeitamos os métodos tradicionais, sem orientar os professores sobre a construção de práticas alfabetizadoras renovadoras, ou mesmo por cairmos no espontaneismo e considerar que qualquer atividade seja atividade intelectual e que qualquer conflito seja conflito cognitivo. Conforme Teberosky e Colomer (2003), a aprendizagem não ocorre por acaso, precisa ser orientada pelo professor. Em sala de aula o professor deve organizar um contexto social que favoreça o contato com material impresso e estimule a interação com outros participantes, em um jogo de participação ativo e rico de relações sociais, de participação em atividades de leitura e escrita, de situações de discussão e argumentação. Aprender implica relações sociais com os colegas, mas é necessária a mediação social dos adultos, porque a leitura é uma aprendizagem cultural de natureza simbólica. Dessa forma, Teberosky e Colomer (2003) não apresentam um método, mas um modelo de ensino da linguagem e da alfabetização, estruturado a partir do processo de aprendizagem da criança e dos usos da linguagem escrita, indicando que o currículo deve ser organizado em 4 eixos: 1) entrar no mundo da escrita; 2) apropriar-se da linguagem escrita; 3) escrever e ler; 4) produzir e compreender textos escritos. Na concepção das autoras, o primeiro eixo, “entrar no mundo da escrita”, implica favorecer o contato da criança com o material impresso, que lhe permite descobrir os princípios básicos de organização da escrita, suas convenções e funções. O segundo eixo, denominado de “apropriar-se da linguagem escrita”, consiste em comunicar-se com leitores e escritores e participar de leituras compartilhadas, para as crianças aprenderem as expressões próprias da linguagem dos livros, sendo necessária a participação em situações onde a escrita adquire significação. O terceiro eixo visa construir condições para “ler e escrever”, sendo uma dimensão relacionada ao processo de compreender a escrita e as relações entre oralidade e escrita, sendo uma perspectiva que deve ser considerada desde o início do processo, mesmo quando a criança ainda não sabe ler e escrever. Por fim, o quarto e último eixo visam a “produzir e compreender textos escritos”, e indicam que o acesso à linguagem escrita é prioritariamente um acesso aos textos, sendo que a escola deve ajudar a criança a produzir e compreender os textos escritos, pela mediação de atividades variadas, Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 93 chamando a atenção para o seu modo de organização, para o início e o final dos textos, para a forma das letras, títulos, letras em destaque, ilustrações. (TEBEROSKY e COLOMER, 2003). Ainda conforme Teberosky e Colomer (2003), para entender a evolução das ideias infantis, é fundamental que o professor tenha a precaução de não estabelecer como ponto de partida o que se constitui como ponto de chegada. Em outras palavras, as autoras estão nos alertando para o equívoco que os professores cometem ao alfabetizar pela utilização dos métodos tradicionais. Isso porque os métodos tradicionais iniciam o ensino com a decifração, enfatizando as relações entre letras e sons, enquanto as autoras defendem a necessidade de um contato rico e construtivo com textos, para que essas relações possam ser compreendidas, ao invés de se pretender que a criança apenas memorize informações. Em outras palavras, isso significa que os métodos tradicionais priorizam a memorização e o professor espera que a criança aprenda a ler e escrever a partir de dados memorizados. Por sua vez, a proposta construtivista prioriza a leitura, a escrita, a interação com textos, leitores e escritores, de forma que a criança construa conhecimentos e relações entre fala e escrita. Por esse raciocínio, Teberosky e Colomer (2003) consideram que a diferença entre a abordagem construtivista e a metodologia tradicional reside em uma série de princípios que devem orientar as atividades. No entanto, a diferença reside, sobretudo, na convicção dos professores de que os alunos não partem do zero e, por isso, precisam levar em conta o ponto de vista do aprendiz. Quando chegam à escola, os alunos já construíram uma série de conhecimentos e elaboraram um conjunto de hipóteses explicativas sobre a leitura e a escrita. Dessa forma, no processo de ensino, devem-se propor problemas e tarefas relativamente exigentes e para as quais os alunos não têm respostas. Por sua vez, o professor deve oferecer ajuda aos alunos sobre como proceder e estimular sua expressão por meio de perguntas que lhes possibilitem refletir. Na sala de aula construtivista, é importante promover atividades conjuntas entre os alunos, em duplas ou pequenos grupos, para facilitar a interação e a discussão e o processo de aprender uns com os outros, sendo que o professor apresenta-se como modelo de interpretação e de produção escrita, que transforma o escrito em objeto simbólico e explora a sua riqueza cultural. Na sala de aula, os alunos devem participar de leituras compartilhadas, em que o professor assume o papel de leitor e orientador da compreensão. Ao ouvir a leitura de textos realizada pelo professor, os alunos entram no universo da escrita e aprendem as expressões próprias da linguagem dos livros. Ao defender a importância de se favorecer situações de leitura e escrita, Teberosky e Colomer (2003) consideram que, para apropriar-se da 94 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período linguagem escrita, é necessário que a criança participe de situações onde a escrita adquire significação. Isso porque escutar a leitura em voz alta é escutar a linguagem e isso ajuda a desenvolver a competência linguística da criança. Daí a necessidade e importância da leitura de histórias, poesias, instruções e demais textos de circulação social. Nesse sentido, a atividade de leitura deve ser planejada pelo professor, de forma a favorecer o interesse e estabelecer sentidos para os textos. Assim, é importante: a) preparar os alunos para participarem da leitura do texto, estimulando seu desejo por ler e favorecendo a compreensão do texto, pela realização de atividades para antecipação de sentidos, a partir de indicadores como: título do texto, autor, ilustrações, etc; b) discutir o objetivo da leitura e a função social dos textos, as características do gênero textual, a sua circulação, o seu modo de organização, a linguagem utilizada para escrever, os recursos expressivos utilizados pelo autor, os efeitos de sentido provocados no leitor; c) trabalhar com a leitura compreensiva dos textos, para que os alunos possam produzir sentidos, discutir ideias, confirmar ou negar hipóteses elaboradas na atividade de preparação; d) explorar a leitura como possibilidade de lazer e prazer, por um processo em que as crianças aprendam a ler e a gostar de ler. Essa é uma forma de trabalhar com leitura que permite aos alunos compreenderem a linguagem que se usa para escrever e essa é uma ação fundamental para a alfabetização. Você já ouviu falar que se aprende a ler lendo e a escrever escrevendo? Pois é exatamente isso. Essa não é uma afirmação meramente retórica, mas um princípio fundamental do ensino. Para os professores que se acostumaram a alfabetizar partindo do ensino do sistema de escrita alfabético (focalizandoos sons das letras, o alfabeto ou as famílias silábicas), é difícil imaginar que a alfabetização possa se iniciar por outro lugar e de outra forma. Essa abordagem dos textos é uma condição necessária, mas não suficiente para que os alunos aprendam a ler e escrever. Para se alfabetizar é importante considerar que, paralelamente ao trabalho com as habilidades de leitura e compreensão do texto, é necessário que sejam desenvolvidas atividades que considerem a especificidade da alfabetização e que garantam a construção de conhecimentos relativos à organização do sistema alfabético de escrita. Ao ler em sala de aula e também abordar questões relativas ao sistema alfabético de escrita, o professor estará favorecendo condições para a criança avançar em suas concepções: do nível pré-silábico, em que a escrita está vinculada aos objetos concretos; para o nível silábico, em que se o aprendiz percebe a vinculação da fala com a escrita e a compreende como processo de representação; e, posteriormente, a conquista da Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 95 concepção alfabética, em que a criança percebe a constituição alfabética das sílabas/palavras e a representação dos fonemas pelas letras. Nessa questão é importante: a) explorar o que se lê (texto e não desenho) e o que se escreve (todas as palavras faladas e não apenas o nome do objeto concreto), contribuindo para a criança superar o Realismo Nominal e perceber que a escrita se constitui como uma representação da fala; b) trabalhar com a sonoridade das palavras (os sons iniciais e finais das palavras, as rimas e as aliterações), favorecendo o desenvolvimento da consciência fonológica (habilidade importante para a alfabetização), pela percepção da relação letra-som; c) possibilitar condições para a escrita de textos, em situações de uso real das habilidades de escrita, permitindo que a criança faça escrita espontânea, mas também participe de atividades em que se escreve de forma convencional. É importante que o ambiente escolar favoreça a aquisição de conhecimentos sociais relativos às letras (nomes das letras, forma de seu traçado, posição da letra no espaço, tipos de letra, etc); ao direcionamento da escrita (da esquerda para a direita, de cima para baixo); aos espaços existentes entre as letras, os sinais de pontuação, a quantidade de letras nas palavras, letras iniciais de palavras, posição de letras nas palavras, etc. Em síntese, para desenvolver uma proposta construtivista, que considera as especificidades do processo de alfabetização e a importância do letramento, é necessário trabalhar pela lógica de dois eixos: 1) a leitura e a escrita de textos reais e significativos, visando à compreensão da linguagem que se emprega para escrever e o desenvolvimento de habilidades para uso social da leitura e da escrita; 2) a exploração sistemática do sistema de escrita alfabética, de forma que o aluno entenda esse sistema de representação e construa conceitos. Dessa forma, pode-se afirmar que, mesmo não fazendo uso da expressão “letramento”, os defensores do construtivismo concordam que o ensino da leitura e da escrita deve focalizar os usos dessas habilidades. Por isso, o ensino adequado das habilidades de ler e escrever indica ser necessário pensar o processo inicial por uma abordagem que vise à sistematização do sistema de escrita, a imersão na cultura escrita e a apropriação da linguagem que se usa para escrever. Em outras palavras isso significa alfabetizar letrando. Na próxima seção iremos abordar as capacidades que o alfabetizando precisa desenvolver para aprender a ler e escrever no contexto de práticas de letramento. As capacidades têm sido defendidas pelo Centro de Estudos sobre Alfabetização e Leitura – CEALE, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG. É importante destacar que o referido centro de estudos prestou assessoria 96 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período técnica à Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais/SEEMG na implantação do Ensino Fundamental de 9 anos, e ao Ministério da Educação/MEC na proposição dos processos de formação continuada de professores que integra o Pró-Letramento. 4.3 Capacidades a serem desenvolvidas no processo de aquisição da leitura e Escrita Até o final da última década, a escola brasileira não contava com um referencial nacional do que deveria ser ensinado e avaliado nas séries iniciais do ensino fundamental com relação às habilidades e competências da alfabetização, portanto, saber se a criança estava ou não alfabetizada. Os sistemas públicos, estaduais e municipais construíam ou não as suas Propostas Pedagógicas, seus planos de ensino, a partir de algumas referências teóricas que circulavam nos meios acadêmicos e escolares e nas convicções pessoais dos envolvidos. Esses indicadores escolhidos acabavam por tumultuar o processo e a condição de acompanhar e avaliar as crianças de forma justa e coerente. Muitos foram os que em algum momento da sua vida escolar se viram prejudicados, já que para alguns eram considerados alfabetizados e por outros não alfabetizados. Esta dificuldade e os debates em torno da questão fizeram com que os órgãos públicos oficiais buscassem definir as capacidades necessárias ao aluno para o domínio dos campos da leitura, da produção de textos escritos e da compreensão e produção de textos orais. Estas capacidades foram determinadas pelos gestores do sistema educacional , por serem essenciais à alfabetização e distribuídas ao longo dos três primeiros anos de escolarização, o que corresponde ao Ciclo Inicial do ensino fundamental. Foram assim propostas pensando inclusive nos Estados e municípios brasileiros que incluíram as crianças de seis anos no ensino fundamental. As capacidades foram organizadas em 05 eixos sendo: compreensão e valorização da cultura escrita; apropriação do sistema de escrita; leitura; produção escrita e desenvolvimento da oralidade. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 97 Quadro 7: quadro 1 - Capacidades de alfabetização, compreensão e valorização da cultura escrita Fonte: Brasil MEC:Pró-Letramento,2008,p.18. I = introduzir T= trabalhar sistematicamente C= consolidar R=retomar Para que a criança aprenda a ler e escrever é necessário que ela compreenda a função social da escrita que “pedagogicamente, pode gerar práticas e necessidades de leitura e escrita que darão significado às aprendizagens escolares e aos momentos de sistematização propostos em sala de aula” (Pró-Letramento:Brasil MEC: p. 18.) Essas capacidades são desenvolvidas a partir do contato com diversos gêneros textuais em diversos portadores de textos como (jornal, revistas, livros cartas, e-mail, murais escolares e outros) bem como de práticas onde esses textos se façam necessários. 98 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Quadro 8: quadro 2 - Capacidades de alfabetização: Apropriação do sistema de escrita Fonte: Brasil MEC, Pró-Letramento, 2008, p.24. Para que os alunos se apropriem do sistema de escrita se faz necessário compreender as diferenças que existem entre escrita e outras formas gráficas ou mesmo outros sistemas de representação. Esse entendimento é relevante para a compreensão da natureza da escrita, portanto “ele precisa ser introduzido, trabalhado sistematicamente e consolidado logo no período inicial da alfabetização.” (BRASIL, MEC, 2008, p.25). Essas capacidades envolvem o conhecimento de que na Língua Portuguesa se escreve da esquerda para a direita e de cima para baixo, de que entre as palavras existe um espaço em branco (segmentação) e de que as frases são pontuadas. A diferenciação e a escrita de outras formas gráficas são possibilitadas a partir de atividades que envolvam os diversos textos impressos, para que as crianças possam explorar as diferenças gráficas existentes entre o texto e os desenhos. Também é necessário que o aluno conheça o alfabeto, bem como a relação entre eles (grafemas) e os fonemas. Essa relação é denominada como regularidades ortográficas e irregularidades ortográficas. As regularidadesortográficas são aquelas em que o fonema é representado por apenas um grafema. Essa representação envolve grafemas cujo valor não depende do contexto e daqueles cujo valor é dependente do contexto. No primeiro Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 99 caso temos as letras, D, F, P, T, V e o dígrafo NH. No segundo caso temos os grafemas (letras) C, G, H, L, M, N, R, S, X e Z.” Trata-se das situações particulares em que na leitura deve-se definir o valor sonoro da letra sempre considerando a sua posição na sílaba ou na palavra ou as letras que vêm antes e/ ou depois.” Brasil MEC:Pró-Letramento,2008,p..36. Segundo orientações do Programa de Formação continuada dos Professores (BRASIL/MEC, 2008, p.24): Isso significa que o professor ou a professora deve apresentar aos alunos o alfabeto e promover situações que lhes possibilitem a descoberta de que se trata de um conjunto estável de símbolos – as letras, sejam consoantes ou vogais – cujo nome foi criado para indicar um dos fenômenos que cada uma delas pode representar na escrita, representando os sons das palavras que falamos. É bom que o estudo do alfabeto se faça com a apresentação de todas as 26 letras preferencialmente seguindo a ordem alfabética, visto que muitos dos nossos escritos se organizam pela ordem alfabética. Quadro 9: quadro 3 - Capacidades de alfabetização: Leitura Fonte: Brasil/MEC: Pró-Letramento, 2008, p.40 Fonemas: unidades fonológicas abstratas que não correspondem de forma estável, aos segmentos sonoros particulares na fala. Ex: Na palavra cama o som correspondente a letra A na primeira sílaba não é igual a nenhum dos sons que pronunciamos em outras palavras com a letra A. Como na palavra Lata 100 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A postura que os alunos assumem diante do texto no momento da leitura ou até mesmo no que antecede a mesma revela que a leitura se processa mediante as atitudes, gestos e habilidades do leitor. Algumas de nossas crianças convivem diariamente num ambiente alfabetizador, onde os diversos suportes de escrita circulam com grande frequência enquanto outras só recebem tais estímulos no ambiente escolar. É importante salientar que os adultos têm um papel fundamental nesse processo de estimular as crianças a ter prazer pela leitura, pois os mesmos são modelos. ”Nessa perspectiva, não é necessário que a criança espere aprender a ler para ter acesso o prazer da leitura”. (BRASIL/MEC, 2008, p.40). Ao longo do ciclo inicial de alfabetização, espera-se que os alunos sejam capazes de: • utilizar livrarias e bancas como locais de acesso a livros, jornais, revistas; • utilizar bibliotecas para manuseio, leitura e empréstimos de livros, jornais, revistas; • dispor-se a ler os escritos que organizam o cotidiano da escola (cartazes, avisos, circulares, murais. (BRASIL/MEC, 2008, p.41) “Não se formam bons leitores oferecendo materiais de leitura empobrecidos, justamente no momento em que as crianças são iniciadas no mundo da escrita. As pessoas aprendem a gostar de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas melhora com a leitura.” (PCN/ BRASIL, 1997, p.36) Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 101 Quadro 10: Quadro 4: Capacidades de alfabetização: Produção Fonte: Brasil/ MEC: Pró-Letramento, 2008,p.47 Pensar em um processo de ensino-aprendizagem de qualidade nos remete à necessidade de contemplar “como eixo organizador a compreensão de que cada tipo de situação social demanda o uso da escrita relativamente padronizado.” (BRASIL/ MEC, 2008, p.48). E o espaço da sala de aula é o lugar onde o professor deverá assumir a postura de construir diversas situações que possibilitem aos alunos a compreensão e a valorização dos diversos gêneros e tipos textuais. Sabe-se também que a aprendizagem da produção escrita depende de informações sobre por que e para que se está escrevendo. Em nossa sociedade, escreve-se para registrar e para preservar informações e conhecimentos, para documentar compromissos, para divulgar conhecimentos e informações, para partilhar sentimentos, emoções, vivências para organizar rotinas coletivas e particulares. Essas funções da escrita se realizam por meio de diferentes formas – os diversos gê- neros textuais – que circulam em diferentes e ambientes sociais em diferentes suportes(ou portadores de textos). (BRASIL/ MEC, p.48) 102 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Esse trabalho deve ser feito na sala de aula desde os primeiros dias, mesmo que os alunos não saibam ler e escrever. Quadro 11: Quadro 5: Capacidades de alfabetização: Desenvolvimento da oralidade Fonte: Brasil/ MEC:pró-Letramento,2008,p.54 Saber utilizar a fala em situações de comunicação é tão importante para o aluno como saber ler escrever. As situações de comunicação diferenciam conforme o grau de formalidade da situação e dependem do assunto tratado, da relação entre os interlocutores e da intenção comunicativa. As situações de comunicação devem estar presentes no cotidiano da sala de aula de forma que contemplem atividades que permitam o exercício da fala e da escuta e para que isto ocorra se faz necessário que o professor planeje situações de aprendizagem sobre os usos e as formas da língua oral. Segundo os PCNs/Parâmetros Curriculares Nacionais. (BRASIL/ MEC, 2001) o trabalho da escola com a linguagem oral deve ser realizado no interior de atividades significativas: seminários, dramatizações de textos teatrais, simulações de programas de rádio e televisão, de discursos políticos e de outros usos públicos da língua oral. É através dessas atividades que a linguagem oral tem sentido e função. Nessas atividades o trabalho com aspectos como entonação, dicção, gestos e postura têm papel complementar para conferir sentido aos textos. Você pode aprofundar seu conhecimento sobre concepções e capacidades essenciais no processo de Alfabetização, consultando, dentre outros, o Livro-MEC, 2008, Pró-Letramento: Alfabetização e Linguagem. Para maiores informações consulte o site: http:// portal.mec.gov.br/index. php?option=com_content&vi ew=article&id=12616&Item id=842 Programa de Formação Continuada de Professores dos anos/séries do Ensino Fundamental – Alfabetização e Linguagem. Pró-Letramento. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 103 4.4 O Ambiente Alfabetizador e a organização da Sala de Aula Quando nos propomos trabalhar a alfabetização é preciso pensar e planejar a organização do ambiente material, onde será realizado o processo de aprendizagem. Criar este ambiente implica construir um contexto de cultura escrita para que as crianças possam expor as suas produções e compreender que neste material existe uma intenção comunicativa. Josett Jolibert (2006) sugere que a sala de aula seja organizada de forma que crie um ambiente agradável e estimulante, onde as crianças sintam necessidade de se comunicar e que sirva de meio de aprendizagens: • Uma sala de aula como lugar de comunicação efetiva entre as crianças e entre elas e os professores. • Uma sala de aula em que mesas e cadeiras sejam distribuídas de acordo com as necessidades e a variedade de atividades das crianças. • Uma sala as de aula com um espaço evolutivo na qual a liberdade de movimentos em relação às atividades que se está realizando, onde as crianças estejam autorizadas a ir buscar um livro na biblioteca, sentar-se ao chão, sair para o pátio, etc. Trata-se de facilitar que tenham liberdade de movimento dentro de uma concepção positiva de autodisciplina, que aperfeiçoe condições de aprendizagem. • Uma sala de aula onde as paredes são espaços funcionais a serviço da expressão e das aprendizagens, sempre em curso de evolução e transformação. Para autora a organização da sala de aula deve ser funcional, portanto é necessário alterar a organização da mesma de acordo com a necessidade e utilizando a imaginação e a criatividade. 4.4.1 E quanto às paredes textualizadas? Observem a figura abaixo, aqui nos é apresentada uma sugestão de como organizar a exposição dos diversos textos trabalhados em sala de aula. Papel do professor:O papel motivador do professor é particularmente evidente na elaboração e gestão de todos esses textos. Ajuda a conseguir material, apoia na utilização de todos os quadros, lembra das responsabilidades, impulsiona a renovação de material para as paredes e convida a guardá-lo em arquivos ou caixa. Remete às ferramentas úteis já elaboradas quando as crianças se “esquecem“ da sua existência, etc. Não atuam diretamente, mas permitem que os alunos o façam. (JOLIBERT, 2006) 104 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Figura 39: Sugestão de Sala Textualizada Fonte: JOLIBERT (2006, p.29 ) O PCN de Língua Portuguesa (BRASIL/MEC, 2001) aborda que para aprender a ler é preciso interagir com a diversidade de textos escritos, e formar leitores é algo que requer condições favoráveis para a prática de leitura – que não se restringem apenas aos recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, o uso que se faz dos livros e demais materiais impressos é o aspecto mais determinante para o desenvolvimento da prática e do gosto pela leitura. Teberosky e Colomer (2003) afirmam que um ambiente alfabetizador deve ser organizado de forma a contemplar os seguintes itens: 1. Inventário dos portadores e suportes escritos. 2. Tipos de linguagem escrita. 3. Localização e disponibilidade do material na sala de aula. 4. Qualidade do material para a criança. 5. Tempo de exposição do material. Figura 40: Imagens do produto Placa de sinalização de segurança do trabalho Fonte: Disponível em: logismarket.ind.br Acessado em 22-10-2010) Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 105 Figura 41: Uma Cidadã operando um caixa eletrônico. Fonte: www.contaoutra.com.br/imagem.asp Acessado em 28-10-2010 Figura 42: Crianças numa sala de leitura/ Biblioteca escolar Fonte: cpt.com.br Acessado em 22-10-2010. Figura 43: Criança em contato com uma prateleira de supermercado Fonte: www.fotosearch.com.br/FSA351/x24630607.Acessado em 22-10 -2010. 106 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 4.4.2 Que situações podemos organizar na sala de aula? A participação e o envolvimento do professor nas situações reais de escrita e de leitura incentivam a participação dos alunos, contribuindo também para manter a qualidade da proposta pedagógica. Dentre deles podemos citar: • Momentos de leitura em que o professor também leia. • Biblioteca na escola. • Acervo de classe com livros e outros materiais de leitura. • Cartazes com os textos trabalhados. • Murais com as produções das crianças e notícias atuais. • Reescritas coletivas no quadro. • Rodas de reconto. • Recitais. • Entrevistas. • Seminários. • Leituras compartilhadas. • Construção de jornais. • Oficina de construção de textos. • Caixa de palavras. Podemos concluir que a sala de aula deverá ser organizada com objetos que são fontes da língua escrita: cartazes com os nomes dos alunos, livros, jornais, revistas, embalagens, etc. O aluno deverá encontrar a sala bem organizada e poderá enriquecê-la, trazendo de casa seus livros preferidos, bulas de remédios, cartas, bilhetes, convites, anúncios e embalagens para que possam ser classificados e organizados na sala. O professor deverá abrir espaços para que o aluno relate suas vivências familiares, as experiências sociais e as histórias conhecidas, assim como brincadeiras e casos. O professor deve incentivar o manuseio de livros na biblioteca da sala ou da escola e o reconto das histórias favoritas para que a criança exercite sua linguagem oral. 4.4.3 Objetivos e atividades que facilitam a aprendizagem da leitura e escrita a partir da psicogênese Nessa proposta, apresentamos sugestões por níveis de escrita, por considerar que essas etapas de construção demandam por uma abordagem pedagógica específica. Se você analisar as sugestões irá perceber que as mesmas conduzem à construção das capacidades de escrita anteriormente Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 107 descritas como parte do processo de implantação do Ciclo Inicial de Alfabetização, integrante da proposta de Ensino Fundamental de 9 anos. 1° Nível - Pré-silábico O nível mais elementar da escrita é aquele em que a criança não estabelece nenhuma relação entre a fala e a escrita (inventa sinais ou utiliza qualquer letra para escrever as mais diferentes palavras). Os Objetivos para o nível pré-silábico são: • Possibilitar que as crianças vivenciem, desde o início do seu processo de alfabetização, atividades que envolvam textos, palavras, letras significativas. • Propiciar às crianças a aquisição de um repertório de letras necessário para elas escreverem. • Trabalhar a memorização global de algumas palavras significativas para as crianças. • Propor aos alunos análises não silábicas de palavras: letras iniciais e finais, números de letras, ordem das letras na palavra. • Realizar, com os alunos, análises dos aspectos gráficos e topológicos, isto é, forma e posição das letras e numerais. • Introduzir os aspectos sonoros das iniciais das palavras significativas. • Propiciar aos alunos vivenciarem situações que os levem à compreensão das diversas funções da escrita. • Propiciar atividades que possibilitem aos alunos fazer a distinção entre letras e numerais e entre texto e desenho. • Promover a vinculação do discurso oral com o texto escrito. • Proporcionar atividades didáticas que promovam o desenvolvimento do raciocínio lógico dos alunos. • Organizar atividades que permitam a livre manifestação oral e escrita. • Estimular a escrita espontânea segundo as hipóteses da criança. • Organizar atividades que gerem conflito cognitivo e desequilibrio, possibilitando a construção de regras de leitura e escrita pela própria criança. • Desenvolver consciência fonológica e compreender que a escrita é representação da fala. As Atividades adequadas para este nível são: • Contato com todos os tipos de textos: histórias, propagandas, receitas, rótulos, logotipos, sinais de trânsito, poemas, etc. • Escrita da rotina diária, no quadro, pelo professor. • Lista com o nome dos alunos. 108 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período • Atividades com baralhos de letras para montar nomes dos alunos ou outras palavras significativas. • Cruzadinhas com os nomes dos alunos. • Recortes de revistas, buscando palavras com a primeira letra do nome da criança. • Bingo dos nomes, dominó, caça-palavras, rótulos, etc. • Atividades variadas para desenvolvimento da consciência fonológica, como exploração de rimas, aliterações, repetições de sons, trava-línguas, parlendas, etc. • Participar de atividades diversificadas de leitura e escrita, mediadas pelo professor. No trabalho com as crianças, neste nível, o professor deverá atentar para: 1. Os alunos deverão ser estimulados a reescreverem, sozinhos, do modo como souberem. 2. Ao escrever, o aluno ainda comete “erros”, sob o ponto de vista do professor. É um grande desafio para o professor fazer as intervenções necessárias sobre a produção dos alunos, sem lhes dizer que estão errados. 3. A escrita virá com o desenvolvimento do trabalho com o próprio nome e com os nomes dos colegas. Esses nomes deverão estar escritos em cartazes afixados na parede da sala, para consulta das crianças toda que vez que necessitarem. 4. Peça ao aluno que observe o professor quando ele estiver escrevendo no quadro e que faça comentários sobre as letras que forem sendo escritas. Acompanhar a direção correta da escrita das letras fará com que o aluno escreva mais facilmente. 5. Diagnosticar concepções infantis e favorecer condições para a superação do realismo nominal e para o desenvolvimento da consciência fonológica. 2° Nível – Silábico A criança começa a estabelecer relações entre a linguagem oral e a linguagem escrita, ou seja, faz correspondência entre a escrita das palavras e suas sonoridades. Nesse nível, a criança, que foi estimulada a escrever como sabe, começa a elaborar outras formas de escrever. Descobre que, para cada som falado, há uma letra correspondente na escrita. Ela conta os “pedaços sonoros” e, para cada vez que abre a boca, marca uma ou duas letras. É importante perceber que essafase é um salto realizado pela criança, e que o que o professor considera “erro” significa uma grande evolução no processo da criança. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 109 Os objetivos para o nível silábico: • Enfatizar a análise da primeira letra no contexto da primeira sílaba. • Provocar contrastes entre palavras memorizadas globalmente e a hipótese silábica. • Propiciar a contagem do número de letras, desmembramento oral de sílabas e hipóteses de repartição de palavras escritas. • Identificar as letras como um conjunto de identidades específicas. • Reconhecer e reproduzir as letras nas suas formas nas posições arbitrárias adequadas. • Associar os sons às letras aos sons correspondentes. • Estimular o reconhecimento dos sons das letras, através da análise da primeira sílaba das palavras. • Priorizar, para leitura, textos cujos conteúdos já estejam memorizados de antemão. • Estimular a pesquisa e a análise das palavras do texto, incluindo verbos e partículas pequenas, como artigos, preposições, etc. As atividades propostas para esse nível: • Produzir textos coletivos. • Elaborar listas de palavras a partir do texto. • Circular palavras que conheçam ou indicadas pelo professor. • Ordenar textos a partir de frases embaralhadas. • Localizar palavras repetidas no texto. • Separar palavras que rimem. • Formar palavras novas usando sílabas de palavras já conhecidas. • Reescrever frases do texto substituindo desenhos por palavras. • Trabalhar com adivinhações. 3º Nível – Silábico-Alfabético Os objetivos para o nível silábico-alfabético: • Propiciar aos alunos um trabalho eficiente, rico e prazeroso na aquisição da leitura e escrita, através de atividades lúdicas e jogos. • Valorizar as escritas espontâneas das crianças, permitindolhes escrever de acordo com suas hipóteses, valorizando o processo e o resultado das produções. • Diagnosticar e intervir, a todo momento, contribuindo para os avanços conceituais necessários para alcançar o nível alfabético. • Propiciar atividades que levem as crianças a perceberem a vinculação fala-escrita e como ela é representada na linguagem escrita. As atividades propostas para esse nível: • Cruzadinhas 110 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período • Caça-palavras • Cópias • Ditados • Bingos • Leituras de diversos textos • Reeecritas (individual e em dupla) • Escrita coletiva no quadro • Lacunados 4° Nível - Alfabético O aluno aprimora sua análise, compreendendo que todos os fonemas devem estar representados e que uma sílaba pode ter uma, duas ou mais letras. O aluno conquista a base alfabética. Nesta caminhada, o aluno, às vezes, dá saltos maiores e, às vezes, recua em seu processo. Ora escreverá de forma correta, ora faltando letras; ele ainda não se apropriou das regras ortográficas. Cabe ao professor responder às dúvidas levantadas e informar as questões formais da língua. Os objetivos do nível alfabético: • Levar os alunos a compreenderem a escrita como representação da fala, a perceberem a constituição silábica da palavra e a constituição alfabética da sílaba, compreendendo assim a segmentação da escrita em relação à fala. • Estimular a leitura de pequenos textos para buscar informações, decodificar e interpretar. • Respeitar e valorizar as variedades linguísticas regionais, partindo destas para as formas convencionais. • Estimular o interesse dos alunos para o uso normativo da língua (separação de palavras, uso de letras maiúsculas, ortografia e pontuação), que garante a “comunicabilidade” da mensagem escrita (histórias, cartas, avisos, murais, registros de ciências, etc). As atividades propostas para esse nível: • Fazer relatórios de todas as atividades desenvolvidas: pesquisa, passeios, excursões, etc. • Trabalhar com livros infantis, explorando gravuras e fazendo desenhos dos personagens e dos lugares, inventando novas histórias, fazendo leituras coletivas, dramatizando e fazendo confronto entre os textos reescritos e o original. • Escrever bilhetes, cartas, cartões, etc. • Colecionar parlendas, poesias e fazer livros. • Fazer cartazes de aniversariantes, ajudantes, regras da turma, etc. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 111 Reescrita: a reescrita consiste na imitação de um texto, que permite, de forma indireta, repetir as formas em que está codificada a sua informação (TEBEROSKy e COLOMER, 2003). • Trabalhar com textos de trava-línguas, piadas, adivinhações e revistas em quadrinhos. • Construir álbuns com as palavras usadas no dia-a-dia. • Sortear palavras e analisar as letras. • Fazer listas com roteiros. • Fazer autocorreção de escrita espontânea. • Apresentar poemas e músicas nos quais estejam faltando palavras para serem completadas. • Recontar diversos tipos de textos. 4.4.4 O que podemos observar nas atividades desenvolvidas em sala de aula? Autores como Curto, Morillo e Teixidó (2000) descrevem alguns aspectos que devem ser observados nas atividades desenvolvidas na sala de aula: Nas atividades de cópia Reprodução correta do texto Aspectos convencionais gráficos e tipográficos Qualidade estética Nos ditados: Ditar ao professor. Ditado de um aluno a outro(s). Do professor aos alunos. Elaboração do texto que passa para ser escrito. Elaboração oral do texto. Níveis de construção da escrita. Nas atividades de escrita de textos memorizados: Níveis de construção do sistema alfabético Respeito aos aspectos convencionais Reescrever textos conhecidos Níveis de construção do sistema alfabético Ajuste aos aspectos combinados no pré-texto Fidelidade aos conteúdos e características do texto original Elaboração coerente do texto. 112 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Completar textos com lacunas Níveis de leitura de textos Estratégias de antecipação do fragmento que falta Níveis de construção do sistema alfabético Justificativa das decisões tomadas. Escrever textos originais Explicitação da finalidade e características do texto a ser escrito Níveis de construção do sistema alfabético Elaboração prévia do texto (roteiro, etc.) Coerência do texto. Atividades de edição, reprodução e impressão Ajuste às atribuições e condições combinadas Uso de recursos para a melhoria estética do texto Uso de diagramação, ilustração, encadernação, etc. 4.5 O Planejamento de ensino e os recursos materiais e didáticos para alfabetização No Brasil, a escola e a sala de aula sempre foram espaços privilegiados para o ensino e a aprendizagem da leitura e escrita. Estes espaços para serem bem aproveitados precisam sempre contar com decisões comprometidas com o ato de um bom planejamento no qual a teoria e a prática dialoguem construindo, transformando e ampliando conhecimentos coletivos. Para tanto o planejamento de ensino precisa ser também espaço de formação continuada, de estudo e pesquisa, quando possível de discussão da equipe envolvida visando, com isto, preparar da melhor forma possível a prática educativa com momentos de desafios, aprendizagens coletivas de pequenos grupos e individuais. Um bom planejamento deve contemplar os objetivos a serem alcançados, a organização da rotina diária, a organização das capacidades linguísticas, a previsão das práticas e recursos didáticos disponíveis, as atividades e estratégias relacionadas às competências devidas e ainda os instrumentos e forma de avaliação, de forma que esta seja antes de tudo formativa. Nos objetivos devem-se prever as capacidades que serão trabalhadas como introdutórias e aquelas que precisam ser retomadas e recuperadas de acordo com o desenvolvimento dos alfabetizandos, visando contemplar os eixos da alfabetização: desenvolvimento da Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 113 oralidade, desenvolvimento da leitura, apropriação do sistema de escrita, compreensão, produção, e valorização da cultura da escrita. O planejamento de ensino será sempre um instrumento de organização do processo, orientador e facilitador da prática pedagógica do alfabetizador para assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos. Além dos aspectos pedagógicos, é importante destacar queo planejamento é o principal instrumento por meio do qual a escola e os professores asseguram o controle autônomo de seu trabalho. Não é uma mera formalidade e não pode ser delegado a um método de ensino ou a um livro didático, por melhores que sejam. Não pode tampouco ser delegado a outro profissional. Um arquiteto que copia plantas de revistas deixa de ser arquiteto; um médico que apenas segue procedimentos ditados por um manual deixa de ser médico. Um professor que não planeja deixa de ser professor. (MG.SEE/Orientações para a Organização do ciclo inicial de alfabetização. v. 3, 2003, p. 15) Nessa perspectiva a aprendizagem do aluno decorre da ação efetiva e competente do professor ao planejar e envolve: conhecimento sobre a turma (diagnóstico inicial); definição das capacidades a serem desenvolvidas; seleção dos melhores recursos; procedimentos e atividades pertinentes aos estágios de desenvolvimento dos alfabetizandos; empenho e compromisso de todos, inclusive dos serviços de coordenação, apoio pedagógico, direção e família. Alguns materiais podem favorecer a aprendizagem da leitura e escrita e, consequentemente, o desenvolvimento das capacidades como: CAPACIDADES CARACTERÍSTICAS E TIPO DE MATERIAIS PARA OS ALUNOS DE CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO Familiaridade com livros Livros ilustrados sem palavras, livros com poucas palavras, livros de tamanhos variados, livros informativos, livros de gê- neros variados com temas de interesse das crianças. Consciência fonológica Objetos de todo tipo que façam barulhos, poesias, parlendas, rimas, canções, músicas e danças rítmicas. Consciência fonêmica Bonecos, cartazes com letras, letras com figuras que permitam identificar a letra com clareza e fazer a associação de fonemas e grafemas. Princípio alfabético Letras, cartazes com letras, abecedários, cadernos de caligrafia, atividades de associação de letras com figuras. Decodificação Livros de alfabetização, cartilhas, fichas ou outros materiais que coloquem em destaque as letras ou palavras que devem ser decodificadas. A estrutura e sequência das aulas é importante, bem como o tipo de atividades que permitam a análise e síntese dos fonemas. A repetição frequente das mesmas palavras é fundamental para ajudar o aluno a reconhecê-las de forma automática. Saiba mais sobre as atividades pedagógicas de alfabetização no site: http://crv.educacao.mg.gov. br/sistema_crv/index.asp?id_ projeto=27&ID_OBJETO=438 39&tipo=ob&cp=FF9900&cb =&n1=&n2=PropostaCurricu lar-CBC&n3=Fundamental-Ci clos&n4=CiclodaAlfabetizaçã o&b=s 114 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Fluência Livros decodificáveis, graduados e compatíveis com o programa de decodificação. Livros com estrutura sintática simples e vocabulário simples. Livros com estruturas sintáticas repetidas, variando apenas uma ou outra palavra (verbos, adjetivos, etc). Vocabulário O vocabulário deve ser desenvolvido a partir das leituras que forem sendo feitas, especialmente as leituras que têm como objetivo desenvolver a compreensão. Daí a necessidade de escolha criteriosa, variada e balanceada de livros de literatura e livros informativos. Compreensão Textos e coletâneas de vários tipos e gêneros literários para leitura pelo professor. Deve-se enfatizar os gêneros informativo, didático, narrativo e outros tipos de texto que os alunos usam - bilhetes, cartazes, convites, listas, notícias curtas, etc. Livros ilustrados e com textos adequados para leitura pelo aluno,com ajuda de colegas e dos pais. Quadro 12: Materiais didático-pedagógicos e as capacidades de leitura e escrita. Fonte: João Batista Araújo Oliveira Alfabetização de crianças e adultos: Novos parâmetrosBelo Horizonte, 2004,p.66. Reflexões que o autor nos levam a fazer com a análise do quadro: Nenhum material consegue contemplar todos os objetivos e momentos do processo de alfabetização. Cada competência, embora relacionada com as demais, deve ser ensinada com foco específico, usando materiais específicos. Deve haver numa classe materiais para o professor, para leitura compartilhada, para leitura individual e para atividades a serem desenvolvidas pelo aluno, além de materiais de leitura e trabalho que o aluno leve para casa para ler e fazer deveres. 4.6 A Avaliação da Leitura e Escrita e os Resultados da Avaliação Sistêmica A avaliação consiste num instrumento importante no processo de ensino- aprendizagem da leitura e escrita. Uma de suas características é a possibilidade de o professor obter dados sobre o processo de aprendizagem de cada criança, reorientando sua prática e elaborando seu planejamento e ainda propondo situações capazes de gerar novos avanços na aprendizagem destas crianças. Devemos avaliar as crianças em atividades contextualizadas para que possamos observar a evolução das mesmas, sendo possível aproveitar as várias ocasiões em que as crianças falam, leem e escrevem para se fazer um acompanhamento de seu progresso. A avaliação diagnóstica é o principal instrumento para um levantamento do conhecimento prévio que as crianças possuem sobre a escrita, a leitura e a linguagem oral e sobre suas características individuais que permitem ao professor planejar a prática, selecionar conteúdos e Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 115 materiais, propor atividades e definir objetivos com uma melhor adequação didática. A avaliação deve acontecer de forma sistemática e contínua ao longo de todo o processo de aprendizagem. Uma das maneiras de o professor avaliar o processo de construção da linguagem pelas crianças é através da observação. O Ministério da educação e as Secretarias Estaduais de Educação utilizam em suas avaliações sistêmicas a matriz de referência produzida pelo Centro de alfabetização, leitura e escrita /UFMG. CEALE (2005) Afinal, o que é uma matriz de referência? (BRASIL-MEC. Pró-Letramento, 2008, p.30) Quadro 13: Matriz de referência conceito Fonte: Brasil-MEC. Pró-Letramento, 2008, p.30 Um outro tipo de avaliação utilizado pelas escolas é a avaliação formativa. Nesta avaliação é de grande importância que se faça a devolução do processo de aprendizagem à criança, isto é, mostrar a ela a conquista daquilo que já aprendeu. Para isso, é preciso que elas participem de situações que possam conversar e interagir verbalmente, ouvir histórias contadas e lidas pelo professor, presenciar atos de escrita realizados pelo professor, ter contato com diversos materiais escritos como livros, revistas, embalagens, etc. A partir dos seis anos, uma vez que tenham tido muitas oportunidades na instituição de educação infantil de vivenciar experiências envolvendo a linguagem oral e escrita, pode-se esperar que as crianças participem de conversas, utilizando-se de diferentes recursos necessários ao diálogo; manuseiem materiais escritos, interessando-se por ler e ouvir a leitura de histórias e experimentem escrever nas situações nas quais isso se faça necessário como, por exemplo, marcar seu nome nos desenhos. Para que as crianças possam vivenciar essas experiências, é necessário oferecer oportunidades para que façam perguntas, elaborem respostas, ouçam as colocações das outras crianças, tenham acesso a diversos materiais escritos e possam manuseá-los, apreciá-los e incluí-los nas suas brincadeiras; ouçam histórias lidas e contadas; possam brincar de escrever, tendo em mãos os materiais necessários para isso. 116 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Em relação às práticas de oralidade, pode-se observar também se as crianças ampliaram seu vocabulário, incorporando novas expressões e utilizando de expressões de cortesia; se percebem quando o professor está lendo ou falando e se reconhecem o tipo de linguagem escrita ou falada. Em relação às práticas de leitura, é possível observar se as crianças pedem que o professor leia; se procuram livros de histórias ou outros textos no acervo; se consideram as ilustrações ou outros indícios para antecipar o conteúdo dos textos; se realizam comentários sobre o que “leram” ou escutaram; se compartilham com os outros o efeito que a leitura produziu; se recomendama seus companheiros a leitura que as interessou. Em relação às práticas de escrita e de produção de textos, pode-se observar se as crianças se interessam por escrever seu nome e o nome de outras pessoas; se recorrem à escrita ou propõem que se recorra quando têm de se dirigir a um destinatário ausente. O professor deve colecionar produções das crianças como: exemplos de suas escritas, desenhos com escritas, ensaios de letras, os comentários que fez e suas próprias anotações como observador da produção de cada uma. Com esse material, é possível fazer um acompanhamento periódico da aprendizagem e formular indicadores que permitam ter uma visão da evolução de cada criança. Mesmo que a exigência de que as crianças estejam alfabetizadas a partir dos seis anos, todos os aspectos envolvidos no processo de alfabetização devem ser considerados. Os critérios de avaliação devem ser compreendidos como referências que permitem a análise do seu avanço ao longo do processo, considerando que as manifestações desse avanço não são lineares nem idênticas entre as crianças. 4.6.1 Avaliações sistêmicas 4.6.1.1 Provinha Brasil A Provinha Brasil é uma avaliação diagnóstica instituída pelo Ministério da Educação, que pode auxiliar professores, coordenadores e gestores a identificar o desempenho dos alunos em processo de alfabetização, no início do 2º ano de escolaridade do Ensino Fundamental. Pretendese que as informações produzidas ajudem os profissionais das escolas a compreender quais são as aquisições dos alunos sobre a língua escrita e quais aspectos dos conteúdos deverão desenvolver ao longo do ano escolar para que avancem em sua aprendizagem. O objetivo principal da avaliação é oferecer às redes de ensino um instrumento para acompanhar a evolução do trabalho desenvolvido nas escolas, e prevenir, assim, o diagnóstico tardio dos baixos níveis de alfabetização e letramento. Para alcançar esse Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 117 objetivo, a Provinha Brasil avalia a aprendizagem das crianças após um ano de escolarização. Ao avaliar as crianças nessa etapa da escolaridade, é possível verificar como está o processo de aquisição das habilidades de leitura e algumas habilidades de escrita, por parte dos alunos, desde o início de seu processo de alfabetização. Supondo que este processo se inicie no primeiro ano do Ensino Fundamental (independentemente de ser ele de 8 ou de 9 anos), a avaliação procura verificar se as habilidades estão ou não sendo adquiridas durante essa etapa da escolarização. (MEC, 2008) As contribuições da Provinha para a organização da alfabetização e do letramento Por meio da análise dos resultados da avaliação é possível responder, dentre outras, a algumas questões sobre o processo de ensino e aprendizagem da língua escrita pelas crianças, sobretudo no que tange à leitura: • Quais capacidades de leitura os alunos dominam? • Quais capacidades de leitura a escola agregou ao desempenho de seus alunos em um ano de escolaridade? • Quais dificuldades em leitura os alunos apresentam ao final de dois anos de escolaridade? • Quais capacidades necessitam ser consolidadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Essas informações são muito importantes para o professor porque é com base nelas que poderá desenvolver os principais mecanismos com os quais controlará, com autonomia, seu processo de trabalho. “Sabendo o que os alunos já sabem”, ele terá uma referência segura para elaborar seu planejamento pedagógico e estabelecer metas a serem atingidas, selecionar e criar atividades pertinentes aos níveis de conhecimentos dos alunos e estabelecer formas de trabalho adequadas para turmas heterogêneas. A participação numa avaliação como a proposta pela Provinha Brasil traz benefícios para todos os envolvidos no processo educativo: • Os alunos poderão ter suas necessidades mais bem atendidas mediante o diagnóstico realizado e, assim, espera-se que o seu processo de alfabetização aconteça satisfatoriamente. • Os professores alfabetizadores contarão com um instrumental valioso para identificar, de forma sistemática, as dificuldades de seus alunos, instrumental que possibilitará a reorientação do que ensinar e de como ensinar. Além disso, as análises e interpretações dos resultados e os documentos pedagógicos a eles relacionados poderão contribuir para a formação dos professores. • Os gestores poderão fazer escolhas bem fundamentadas em sua gestão, reunindo elementos para o planejamento curricular e para subsidiar Saiba mais sobre a Provinha Brasil consultando o link: http://provinhabrasil.inep.gov. br/index.php?option=com_co ntent&view=article&id=19&It emid=28 118 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período a formação continuada dos professores alfabetizadores, a fim de melhorar a qualidade do ensino em sua rede. Brasil MEC:Pró-Letramento,2008,p.50. Tendo em vista as contribuições que a avaliação pode trazer para a organização do trabalho docente, vale repetir, professores e gestores, com base nos resultados da avaliação, devem refletir sobre a prática pedagógica desenvolvida na escola. O objetivo de tal reflexão é o de redefinir o planejamento de ensino e aprendizagem, modificando-o, especificando-o, aprimorando-o. Isso significa considerar que os resultados da Provinha Brasil podem redimensionar objetivos e metas do trabalho pedagógico que será desenvolvido nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Isso significa ainda que os profissionais das escolas precisam estar comprometidos com a análise coletiva dos resultados da avaliação, procurando investigar e compreender a natureza dos erros e acertos dos alunos. Só assim a discussão desses resultados levará à tomada de decisões quanto ao trabalho a ser desenvolvido durante o ano letivo. Depois dessa análise e discussão coletiva, é importante que a escola: • avalie a distribuição dos conteúdos e das capacidades da alfabetização e letramento no ano, e ao longo dos anos subsequentes, determinando quais deles irão privilegiar; • compartilhe essas metas com as famílias de seus alunos, para acolher sugestões e, por meio desse diálogo, favorecer o interesse da família pelo aprendizado do aluno e oferecer subsídios para o acompanhamento da aprendizagem; • compartilhe esses objetivos com os próprios alunos, para que sempre saibam o que deles é esperado e para que possam, assim, monitorar seu processo de aprendizagem; • utilize os resultados da avaliação como material para a formação continuada de alfabetizadores. 4.6.1.2 SIMAVE – Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica O SIMAVE é um Sistema de Avaliação criado no Estado de Minas Gerais, no ano de 2000, pela Secretaria Estadual de Educação. É um Instrumento importante, como todos que, em grande escala, podem servir de referência ao levantar dados que poderão nortear e subsidiar, com um bom diagnóstico a definição de planejamento, projetos e políticas educacionais condizentes com as reais necessidades regionais e locais. O SIMAVE é composto pelos seguintes programas: 1) PROALFA-PROGRAMA DE AVALIAÇÃO DA ALFABETIZAÇÂO. Este programa avalia o grau de leitura das crianças do Ciclo Inicial de Alfabetização. Ele permite ainda que o Estado produza dados específicos sobre os níveis de Alfabetização dos alunos de toda rede pública de Minas Gerais. Mais informações sobre o simave consulte o link: http://200.198.92.66/ sistema_ava/default. aspx?id_projeto=27&id_ objeto=143654&id_ pai=143651&area=atributo Para saber mais sobre o SAEB: Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico consulte o site: http://www.integribrasil.com. br/arquivos/4152.pdf Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 119 2) PROEB -Programa de Avaliação da Educação Básica. O PROEB tem como objetivo primordial testar os conhecimentos de Língua Portuguesa e Matemática dos alunos das 4ª e 8ª séries do Ensino fundamental, além do 3º ano do ensino Médio, aliás vale registrar que o desempenho dos alunos teve um expressivo avanço no desempenho segundo dados do resultado de 2006. 3) O PAAE é um Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolarque oferece suporte didático pedagógico e informações diagnósticas que viabilizam uma gestão curricular de acordo com o estágio de desenvolvimento dos alunos e ao Currículo Básico Comum. 4.7 A Prática Docente no Ciclo Inicial de Alfabetização Reafirmar a urgência da construção de uma escola inclusiva, cidadã, solidária e de qualidade social pra todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros, assume, cada vez mais, o compromisso com a implantação de políticas indutoras de transformações significativas na estrutura da escola, na reorganização dos tempos e dos espaços escolares, nas formas de ensinar, aprender, avaliar, organizar e desenvolver o currículo, e trabalhar com conhecimento, respeitando as singularidades do desenvolvimento humano (MEC/SEB-2006). São palavras introdutórias do texto de apresentação do livro “Ensino Fundamental de nove anos/ Orientações para inclusão da criança de seis anos de idade. Com a entrada das crianças com seis anos no ciclo inicial de alfabetização, é necessário uma adequação da prática docente a essa faixa etária. De acordo com as orientações para o ciclo inicial de alfabetização de Minas Gerais, essa faixa etária define um momento psicológico e cultural da infância que marcará os temas preferidos por essas crianças, as brincadeiras vivenciadas, a atividade física em expansão, as modalidades de linguagem utilizadas as possibilidades de relacionamentos sócios-afetivos e de compreensão de regras. Ciclo Inicial de Alfabetização,2003,pág.9 Essas características presentes nessa faixa etária exigem um perfil de professor diferente das demais série/anos. Espera-se que o professor tenha satisfação em trabalhar com crianças, goste de atividades lúdicas, compreenda o comportamento dos alunos de acordo com a faixa etária , promova o sucesso e o desenvolvimento intelectual dos alunos trabalhando a favor deles, independentemente de classe social As orientações para a organização do ciclo inicial de alfabetização destacam que o professor alfabetizador precisa ter espaços e tempos próprios para sua formação continuada ou em serviço. Estes espaços e tempos permitem que o professor discuta suas experiências, atualize-se em relação às novas tendências e abordagens produzidas na área, envolva-se em temas e procedimentos que E então, vamos fazer uma recapitulação da legislação educacional brasileira para entender o que estava previsto e qual foi o avanço para assegurar a alfabetização das crianças brasileiras nos primeiros anos de escolaridade: -LEI 4024/61: 4 (quatro) anos de escolaridade obrigatória; -Acordo Punta Del Este e Santiago- 1970: 6 (seis) anos o tempo do ensino obrigatório; -LEI 5692/71: Extensão da obrigatoriedade para 8 (oito) anos; -LEI 9394/96: Sinalizou para o ensino obrigatório de 9 (nove) anos de duração, iniciando aos 6 (seis) anos de idade, inclusive tornando-se META do PNE- Lei 10172/2001; -LEI11274/2006: Finalmente institui-se o ensino fundamental de 9 (nove) anos de duração, com a inclusão das crianças de 6 (seis) anos de idade. A aprovação desta lei passa a favorecer crianças oriundas dos setores populares, muitas vezes menos favorecidas, também para o ingresso mais cedo na escola, uma vez que a classe média e alta já garante esse acesso mais cedo para seus filhos, incorporando-os ora na pré- escola, ora na primeira série do ensino fundamental. 120 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período possam contribuir para a superação de problemas e lacunas em sua prática docente (Ciclo Inicial de Alfabetização, 2003, v 3, p. 12). MEC. Provinha Brasil. Reflexões sobre a prática. Brasília: MEC/INEP, segundo semestre 2009. MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. PCNs. Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnologica /MEC PAUSAS, Ascen Díez de Ulzurrun &colaboradores. A aprendizagem da leitura e da escrita a partir de uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Artmed,2004. Programa Alfa e Beto ABC do Alfabetizador 2 ª edição, 2004 João Batista Araújo e Oliveira, Ph.D. Presidente, JM- Associados SANTOS, M. L. e BITTENCOURT, M. L. Classificação de Métodos. In: BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Verso e Reverso - Curso por correspondência para capacitação de professores de Educação Básica de Jovens e Adultos. 2ª ed. Brasília: MEC,1988. p. 9-16. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL. Matriz de referência da Proposta Curricular – Leitura e Escrita, 1º e 2º anos. Projeto para Alfabetização de crianças com seis e sete anos. Porto Alegre: SEDUC-RS, 2009. SIMAVE. Boletim Pedagógico 16 – Proalfa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, 2009. TEBEROSKY, Ana e COLOMER, Teresa. Aprender a ler e escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003. 121 RESUMO Unidade I: Alfabetização e Letramento no Brasil Nesta unidade vimos que, para o mundo ocidental, em diferentes temporalidades, o ato de alfabetizar tem sido compreendido como ferramenta importante para o desenvolvimento individual e social. Por sua vez, a erradicação do analfabetismo tem sido compreendida como bandeira de luta a ser assumida por todos, posto que o analfabeto tem sido associado a inúmeros problemas como ignorância, vícios, violência, marginalidade, falta de civismo. O conceito de alfabetização sofreu transformações ao longo da história, tendo em vista as necessidades de usos sociais da leitura e da escrita. Denomina-se de alfabetizado quem sabe ler e escrever; analfabeto quem não sabe ler e escrever; analfabeto funcional aquele que desenvolveu somente a capacidade mínima de decodificação e composição de frases, sentenças, textos curtos e operações matemáticas; e letrado quem sabe ler e escrever e usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita. O analfabetismo é ainda hoje um dos principais fatores de exclusão social. Isto ocorre porque, numa sociedade letrada como a nossa, o uso da linguagem escrita é praticamente um requisito para o pleno exercício da cidadania. Infelizmente o analfabetismo é um fenômeno que está presente com maior predominância não só nas regiões mais pobres do País como, também, na periferia das grandes cidades, inclusive com um grande número de analfabetos na faixa de 10 a 18 anos de idade. O quadro é triste e preocupante, pois parece que no Brasil, a frequência à escola não tem resolvido o problema do analfabetismo. Segundo Soares (2003) uma pessoa que sabe ler e escrever e não faz uso da leitura e da escrita é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita. O pressuposto é que uma pessoa que sabe ler e escrever e passa a usar a leitura e envolve-se com as práticas de leitura e escrita, torna-se uma pessoa diferente adquire um outro estado. Ocorre uma mudança social e cultural, pois o sujeito não é mais o mesmo que não possuía o domínio de tais tecnologias ou mesmo de quem não dominava a leitura e escrita, a sua condição é afetada passa a ser outra, ocorre então a inserção social e cultural, é possível observar mudanças significativas no uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e no vocabulário. É importante salientar 122 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período que existem tipos e níveis de letramento, dependem das necessidades, das demandas dos indivíduos e de seu meio, do contexto social, cultural e econômico, portanto é preciso que haja condições para o letramento, dentre delas se faz necessário apontar para a escolarização real e efetiva da população, uma outra condição é a disponibilidade de material de leitura. Unidade II: Escrita:Evolução Histórica e sua Construção pela Criança Em síntese, a história da escrita em seu conjunto pode ser compreendida a partir das três fases distintas: a Pictográfica, a Ideográfica e a fonográfica. A fase denominada Pictográfica se caracteriza pela escrita através de desenhos ou pictogramas e estes não estão associados à sonoridade ou mesmo a um som, mas a figura que se deseja representar. Na fase Ideográfica aparecem os desenhos chamados ideogramas, esses desenhosevoluem e tornaram-se uma convenção escrita, pois através do seu processo de evolução o ideograma perde o valor pictórico e transforma-se em uma representação fonética. E foi a partir dessa evolução que surgiram as letras do nosso alfabeto. A fase que representa o nosso sistema de escrita é a fase fonográfica que possibilitou o surgimento da escrita alfabética que se caracteriza pelo uso de letras, que foram originadas dos ideogramas. Somente os caracteres pertencentes ao sistema alfabético podem representar os sons da fala em unidades menores do que a silaba. Nessa unidade também abordamos algumas contribuições da psicolinguística para a construção de processos de alfabetização. Nos anos de 1980 foram divulgados no Brasil os resultados de estudos de Emilia Ferreiro, Teberosky e colaboradores, contendo uma nova abordagem do processo de aquisição da escrita pelas crianças, que resultaram em mudanças significativas para área da alfabetização. A partir destes estudos, Ferreiro e Teberosky (1985) demonstraram que as crianças não são passivas em seu processo de alfabetização. Ao contrário, as crianças ocupam lugar central, pois reinventam a escrita, reconstruindo o conhecimento sobre a língua escrita por meio de hipóteses que formulam sobre o objeto a ser conhecido. Dessa forma, as discussões sobre alfabetização se deslocaram da discussão sobre o “como se ensina” para o “como se aprende”. Para a psicogênese da língua escrita, são 3 os níveis de escrita, pelos quais a criança passa, até descobrir o sistema de escrita alfabética: escrita pré-silábica, escrita silábica e escrita alfabética, sendo que essas etapas lembram os estágios de evolução da escrita pela própria humanidade. Historicamente, os homens iniciaram sua escrita por meio de desenhos até inventar o alfabeto e uma escrita que associa letras a sons. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 123 Psicogeneticamente, a criança também inicia sua escrita por desenhos, até também descobrir as letras e as relações fonográficas, passando a escrever alfabeticamente. Unidade III: Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita É sabido que os professores que atuam na alfabetização devem tomar conhecimento da importância do papel da linguística no ensino da língua portuguesa. A linguística tem por objetivo o estudo da linguagem. O entendimento das contribuições da Linguística é relevante para a formação e atuação dos professores, pois a linguística, mesmo não sendo um método, irá auxiliar o professor na organização dos conteúdos e também na compreensão da produção e uso da linguagem escrita e falada pelas crianças. A psicolinguística aborda a necessidade de o professor alfabetizador compreender os processos mentais realizados pelas crianças no uso da linguagem. Dentre os estudos sobre a alfabetização destacam-se os trabalhos de Ferreiro e Teberosky (1985) com a psicogênese. E, por fim, para melhor compreensão dos estudos aqui realizados, abordamos as ideias de Cagliari (2009) quando o mesmo explica que a sociolinguística vai apresentar os problemas da variação linguística e da norma culta, muito comuns a nossa realidade brasileira, pois, se “linguisticamente não existe o certo e o errado, mas sim o diferente, socialmente as coisas não caminham desse modo.” Para Cagliari (2009) é imprescindível que o professor compreenda a importância da linguística, da psicolinguística e da sociolinguística, pois o autor entende que esses conhecimentos ajudam na compreensão da realidade linguística das crianças e a ensinar ao aluno como a fala ,a escrita e a leitura funcionam e assim, consequentemente, a linguística pode melhorar o ensino de língua portuguesa ,sobretudo no que se refere à alfabetização. Na perspectiva sociocultural a aprendizagem da leitura e da escrita está relacionada às interações que as crianças tenham vivido com o mundo físico e social que as rodeia. Nesse sentido o aprendizado das crianças começa muito antes delas frequentarem a escola. Unidade IV: Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Na unidade IV, apresentamos os métodos e processos que fundamentam a prática pedagógica alfabetizadora, com o propósito de elucidar as duas vertentes que tratam dos métodos sintéticos e dos métodos analíticos. Para tal, explicitamos os processos implícitos em cada uma das vertentes para que melhor possamos decidir acerca da escolha 124 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período do método e dos procedimentos que irão compor a prática pedagógica. Dentre os processos, alguns dificultam a aprendizagem da leitura e da escrita porque não fazem sentido para a criança enquanto outro mantém os alunos interessados porque parte de unidades significativas: palavras, sentenças e textos. Em seguida foram apresentadas as capacidades linguísticas e comunicativas que devem ser desenvolvidas nas crianças através da ação pedagógica. Considerando que as capacidades que deverão ser selecionadas estão organizadas em torno dos eixos mais relevantes para a apropriação da língua escrita: compreensão e valorização da cultura escrita; apropriação; apropriação do sistema de escrita; leitura; produção de textos escritos; desenvolvimento da oralidade. Vimos também que o domínio da leitura e da escrita é desenvolvido ao longo dos três primeiros anos do ensino fundamental. Nesse período algumas capacidades devem ser consolidadas no primeiro ano, outras no segundo e no terceiro. O conhecimento sobre os eixos e as capacidades é condição fundamental para o planejamento e trabalho do professor. É através dele que o professor organiza sua sala de aula, seleciona o material didático, elabora as atividades e avalia seus alunos. A avaliação é um instrumento relevante no processo de ensinoaprendizagem da leitura e da escrita. Uma de suas características é a possibilidade do professor obter dados sobre o desenvolvimento dos alunos, reorientando a sua prática e elaborando seu planejamento propondo assim situações capazes de gerar novos avanços na aprendizagem das crianças. 125 REFERÊNCIAS BÁSICAS BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica na formação em Psicologia. Petropolis:Vozes,2003. CURTO, L. MORILLO, M. TEIXIDÓ, M. Escrever e ler: Como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler.Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 000. FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1992. JOLIBERT. J . Além dos muros da escola: a escrita como ponte entre alunos e comunidade. Porto Alegre: Artmed, 2006 MEC. Provinha Brasil. Caderno do aluno. Teste 1. Primeiro semestre 2009. Brasília: MEC. Provinha Brasil. Matriz de Referência. Brasília: MEC/INEP, 2009. MEC. Provinha Brasil. Reflexões sobre a prática. Brasília: MEC/INEP, segundo semestre 2009. OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC do Alfabetizador. Belo Horizonte: Editora Alfa Educativa, 2004. OLIVEIRA, João Batista Araújo. Alfabetização de crianças e adultos: Novos parâmetros pág. 66 (Revista) Belo Horizonte, B. H 2004. SANTOS, M. L. e BITTENCOURT, M. L. Classificação de Métodos. In: BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Verso e Reverso - Curso por correspondência para capacitação de professores de Educação Básica de Jovens e Adultos. 2ª ed. Brasília: MEC, 1988. p. 9-16. SIMAVE. Boletim Pedagógico 16 – Proalfa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, 2009. SOARES, Magda. As Muitas Facetas da Alfabetização. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n. 52, 1985, p. 19-24. TEBEROSKY, Ana e COLOMER, Teresa. Aprender a ler e escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003. VIGOTSKY, Lev Smenovich - A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 126 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período COMPLEMENTARES A Escola vista por dentro / João Batista Araújo e Oliveira; Simon Schwartzman – Belo Horizonte: Alfa Educativa Editora , 2002. ABC. Relatório do Grupo de Trabalho sobre Educação Infantil e Alfabetização. Rio: Academia Brasileira de Ciências, 2009. ANALFABETOS DO SÉCULO XXI. MACHADO João Luís de Almeida. Disponível em assinar o seu próprionome, ou que consegue decodificar o texto escrito, pois a verdadeira alfabetização pressupõe que o sujeito seja capaz de entender o que foi lido e de expor suas ideias por meio da escrita. Como você pode perceber, contemporaneamente, o conceito de alfabetização não apresenta um único sentido, sofrendo transformações ao longo da história, tendo em vista as necessidades postas pela sociedade nas diversas situações de leitura e escrita. O conceito de alfabetizado na década de 80 não é o mesmo utilizado na atualidade, e também não é o mesmo que no final do século XIX, por exemplo. Conforme indica Soares (1998), até a década de 1940, para as pesquisas do Censo, era considerada como alfabetizada a pessoa que fosse capaz de assinar o seu nome. A partir O Brasil tem 14,4 milhões de analfabetos – cerca de 10% da população brasileira (com 15 anos ou mais de idade). (IBGE,2009) Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 19 da década de 1940, a exigência foi ampliada, sendo necessário saber ler e escrever um bilhete simples como condição suficiente para a pessoa ser considerada alfabetizada. No entanto, essas habilidades não mais atendem às demandas sociais de hoje. Espera-se que a pessoa alfabetizada, que saiba ler e escrever, mas que também seja capaz de produzir, ler e compreender vários tipos e gêneros textuais e fazer uso dessas habilidades. Ao discutir as transformações sofridas pelo conceito de alfabetização, Soares (2004) considera inadequado ampliar demais os significados atribuídos ao processo de alfabetizar. Para a autora: Pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar. Toma- -se, por isso, aqui, alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita (SOARES, 2003, p.15) Agora que compreendeu esses conceitos, discutiremos o analfabetismo e suas implicações para o sujeito que vive essa condição. Analfabetismo é o estado ou condição de analfabeto, mas também é compreendido como a ausência de instrução ou como instrução insuficiente, atraso intelectual, ignorância total. (KOOGAN/HOUAISS, 1994). Para Soares (2003), analfabetismo é definido como estado de quem não sabe ler e escrever. Por sua vez, Analfabeto é o que não sabe ler e escrever, sendo que o Koogan/Houaiss (1994), acrescenta que analfabeto é aquele que é “muito ignorante”. (KOOGAN/HOUAISS, 1994). Pinto (2008) descreve o analfabeto como realidade humana e o analfabetismo como realidade sociológica. O analfabeto em sua essência não é aquele que não sabe ler, mas aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler. Ao discutir as relações entre analfabetismo, sociedade e cultura, Soares (1998; 2003), considera que as habilidades de leitura e escrita não podem ser dissociadas de seus usos sociais, sendo que a questão é pensada em termos das condições necessárias para que o sujeito funcione adequadamente em um determinado contexto social. Daí surge a expressão alfabetização funcional, que indica o conjunto de habilidades e conhecimentos que tornam a pessoa capaz de participar das atividades de leitura e escrita necessárias em sua cultura e em seu grupo. A partir dessa definição, podemos concluir que analfabeto funcional é o sujeito que, mesmo tendo participado dos processos sistemáticos de alfabetização, não domina as habilidades e conhecimentos 20 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período necessários para fazer frente às diferentes situações mediadas pela leitura e pela escrita. Ou seja, é a pessoa que, mesmo alfabetizada, não sabe utilizar funcionalmente a leitura e a escrita em situações sociais de uso. Isso significa dizer que muitos de nossos alunos podem ser considerados analfabetos funcionais, porque estão na escola, participaram das atividades que visavam a sua alfabetização, aprenderam a reconhecer as letras e sílabas, sabem decodificar o texto impresso, mas não dominam habilidades necessárias para resolver as questões e problemas que envolvem a leitura e a escrita. A expressão Analfabeto funcional ajusta-se, portanto, a uma pessoa que, mesmo sabendo ler escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer às demandas do seu dia a dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente. Agora que você já sabe o que é analfabetismo funcional, podemos discutir o modo como esse fenômeno se apresenta entre nós. São alarmantes os índices de analfabetismo funcional no Brasil, como também são muito baixos os desempenhos em leitura apresentados pelos alunos brasileiros. O Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF, produzido por pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, indica que, apesar da quase universalização do ensino fundamental e do aumento dos anos de escolaridade da população brasileira, a porcentagem de analfabetos funcionais é inaceitável. Em 2001, na faixa etária entre de 15 a 64 anos, 9% dos brasileiros são “analfabetos absolutos”; no nível rudimentar, temos 31%; no nível básico, temos 34% e apenas 26% conseguem o nível pleno. Em outras palavras, esses índices indicam que 40% dos brasileiros não dominam habilidades básicas de leitura e de escrita, não apresentando, portanto, condições para o exercício pleno da cidadania (RIBEIRO, 2004). Sobre a situação do analfabetismo no Brasil, e considerando suas diferentes dimensões, vale analisar os dados demográficos em conjunto com os dados do Censo Escolar, levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais/INEP, dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano/IDH, construído pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O analfabetismo funcional, segundo o IBGE (2009), afeta pessoas com 15 anos ou mais de idade e menos de quatro anos de estudo. O dado foi estimado em 20,3% das pessoas de 15 anos ou mais de idade. É um índice alto, inaceitável, mas as pesquisas indicam queda no analfabetismo. A queda foi de 0,7 ponto percentual em relação a 2008 e de 4,1 pontos percentuais em relação a 2004. A taxa de analfabetismo cai 1,8% em cinco anos no Brasil, mostra o Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD, pois o índice Analfabeto Funcional: Analfabeto Funcional pode ser considerado a pessoa que por ter 4 anos ou menos de escolaridade ou ainda que, mesmo tendo prosseguido em seus estudos e por ter enfrentado as precariedades dos sistemas e redes de ensino pelos quais passou o que lhe legou uma educação de qualidade inferior, desenvolveu somente capacidade mínima de decodificação e composição de frases, sentenças, textos curtos e números (operações matemáticas). (MACHADO). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 21 ficou em 9,7% em 2009 e a meta é chegar a 6,7% em 2015. A taxa de analfabetismo caiu 1,8% de 2004 a 2009, segundo a PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, entre as pessoas de 15 anos ou mais de idade. No ano passado, a taxa foi de 9,7% da população, um total de 14,1 milhões de pessoas, contra 11,5% em 2004. Em 2008, a taxa foi de 10%. 1.3 O Analfabetismo até a Década de 1980 Na obra História da instrução pública no Brasil (1500-1889), escrita em 1889, José Ricardo Pires de Almeida comenta o fato de que no Brasil/ Colônia “havia um grande número de negociantes ricos que não sabiam ler. Lembrando ainda que, no Império, admitia-se o voto do analfabeto, porém era exigido que este possuísse bens e títulos. O autor relata outro fato que também ajuda a entender o fenômeno do analfabetismo no Brasil, e que ainda hoje se encontra presente entre nós, sobretudo entre as pessoas das camadas populares: os baixos salários dos professores, que impediam a contratação de pessoal qualificado e levavam ao “afastamento natural das pessoas inteligentes de uma funçãomal remunerada e que não encontra na opinião pública a consideração a que tem direito” (1889, p. 65). No mesmo trabalho, ele mostra que, em 1886, enquanto o percentual da população escolarizada no Brasil era de apenas 1,8%, na Argentina este índice era de 6%. Como se pode perceber os problemas com alfabetização no Brasil não são recentes, posto que, historicamente, o analfabetismo se inscreve entre nós e preocupa estudiosos e outros pessoas interessadas na questão. O texto que se segue é um fragmento de uma Marchinha de Carnaval, de autoria de Noel Rosa, escrita no ano de 1932. De forma crítica e bem humorada, o autor revela as dificuldades com a alfabetização e os seguidos anos que a criança levava para aprender a ler e escrever. A.e.i.o.u. Noel Rosa A Juju já sabe ler, a Juju sabe escrever Há dez anos na carti...lha A Juju já sabe ler, a Juju sabe escrever Escreve sal com cê cedilha Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/humor/1957530H Essa dificuldade em ensinar e aprender a ler também foi constatada por Veloso (2008), que pesquisou facetas da história da alfabetização Acesse o site: www.inep.gov. br, que apresenta e discute dados relativos aos índices de alfabetismo no Brasil. 22 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período em Montes Claros/MG e também constatou que, no final do século XIX, a alfabetização era tarefa penosa e demorada para muitos alunos, que eram reprovados por não aprenderem a ler no 1º ano de escolaridade. No contexto montesclarense do ano de 1890, ao abordar as grandes transformações culturais em curso, o jornal Correio do Norte destaca a importância do uso de cartilhas para alfabetizar, mas também descreve as práticas alfabetizadoras. Conforme o jornal, o aluno consumia dois ou três meses no “berreiro do a,b,c”, depois era obrigado a memorizar uma longa série de cartas das sílabas e de nomes, a tarefa seguinte era ler a letra impressa e os textos, que se constituíam em “uma infinidade de cartas de sentenças”, “autos velhos, verdadeiros hieroglyphos difficilmente decifráveis”. Assim, pela adoção de métodos e materiais inadequados, o aluno ficava cinco ou seis anos na escola e, somente se fosse assíduo, aprendia a ler, escrever, contar e conhecer as quatro operações fundamentais. (VELOSO, 2008, p. 131-132) Além dos problemas relativos à qualificação e remuneração dos professores, aos métodos e materiais inadequados, outro fator que tem sido utilizado para explicar o alto índice de analfabetos no Brasil é o acesso à escola. Até a década de 1980, a escola não era para todos, e chegava a ser inexistente em algumas regiões e em outras, como nos grandes centros, a oferta de vagas era insuficiente. Isso quer dizer que a população analfabeta não era analfabeta por opção, porque não queria estudar, mas porque lhe faltava condições efetivas para acesso à escola. Além disso, o ingresso nas escolas nem sempre era estimulado, até mesmo pelas famílias. As condições de produção do analfabetismo têm suas causas em fatores sociais e educacionais. Para Cagliari (1989) a escrita, assim, como o saber acumulado que dela provém, tem significado, historicamente, um privilégio e, consequentemente, detenção de poder das classes dominantes. A diminuição do analfabetismo representaria o compartilhamento do saber do poder e do poder do saber. Com a Tabela 1, abaixo apresentada, pretendemos mostrar como evoluiu, neste século, o número de analfabetos no País. Nela podemos constatar que a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais caiu. Ininterruptamente, ao longo do século, saindo de um patamar de 65,3% em 1900 para chegar a 13,6% em 2000. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 23 Tabela 1 - Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais Brasil – 1900-2000 Ano População de 15 anos de idade e mais Total Analfabeta Taxa de analfabetismo 1900 9.728 6.348 65,3 1920 17.564 11.409 65,0 1940 23.648 13.268 56,1 1950 30.188 15.272 50,6 1960 40.233 15.964 39,7 1970 53.633 18.100 33,7 1980 74.600 19.366 25,9 1991 94.891 18.682 19,7 2000 19.533 16.295 13,6 Fonte: IBGE Censo Geográfico Vale lembrar que a ampliação do atendimento escolar tem sempre forte impacto num processo de desaceleração do analfabetismo, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. O ganho na escolaridade média da população, mesmo sendo expressivo, nem sempre significa a garantia de, pelo menos, o ensino fundamental completo para o cidadão. 1.4 O Analfabetismo no Brasil a partir da Década de 1990 Para iniciar a discussão relativa aos dados de analfabetismo no Brasil contemporâneo, apresentamos a tabela abaixo, cujos dados foram obtidos pelo IBGE. Tabela 2 - Taxa de analfabetismo por faixa etária Brasil – 1996/2001 Faixa Etária Ano 1996 1998 2001 10 a 14 8.3 6.9 4.2 15 a 19 6.0 4.8 3.2 20 a 29 7.6 6.9 6.0 30 a 44 11.1 10.8 9.5 45 a 59 21.9 20.1 17.6 60 e mais 37.4 35.9 34.0 Fonte: IBGE Pnads 1996, 1998, 2001 Nota: Excluindo a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá 24 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Analisando dados PNAD/IBGE (1996,1998 e 2001), nota-se que o Analfabetismo atinge as faixas etárias diversas, ainda que com percentuais diferenciados. Considerando que as pessoas são diferentes, populações com perfis e expectativas também diferentes, o analfabetismo só deverá ser reduzido com inovadoras e diferentes estratégias de alfabetização, contextualizadas com o desenvolvimento cultural, social, político e tecnológico do mundo contemporâneo. Se observarmos os dados da faixa etária de 10 a 19 anos, podemos afirmar que os sistemas educacionais brasileiros vêm fracassando, já que nesta faixa, 7,4% são ainda analfabetos. Estes jovens, provavelmente, frequentam a escola ou se evadiram dela, o que significa que nosso sistema educacional continua a produzir analfabetos. Dentre os motivos apontados por educadores/ pesquisadores para o fracasso da alfabetização dos jovens brasileiros estão: escola de baixa qualidade, em especial nas regiões mais pobres do país e nas periferias mais pobres das grandes cidades, trabalho precoce na adolescência, baixa escolarização dos pais, despreparo da rede de ensino para lidar com essa população e seus problemas familiares e sociais. Lembramos que o baixo desempenho dos sistemas de ensino, caracterizado pelas baixas taxas de sucesso escolar, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade, é motivo de preocupação de repensar a prática pedagógica e os processos de alfabetização e ensino aprendizagem na escola. Veja mais: Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), 20% dos brasileiros não conseguem compreender textos, enunciados matemáticos e estabelecer relações entre assuntos, apesar de conhecerem letras e números. A charge abaixo apresenta essa queda nos índices de analfabetismo e, ao mesmo tempo revela que o problema ainda precisa ser trabalhado. A sociedade brasileira precisa garantir condições para todos poderem fazer uso da leitura e da escrita, uma vez que parcela significativa da população tem sido impedida de usufruir dos bens culturais codificados pela escrita. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 25 Figura 1: Charge de Queda do analfabetismo no Brasil Fonte: Disponível em http://www.premiovladimirherzog.org.br/busca-resultado. asp?busca=analfabetismo, acessado em 12 de janeiro de 2011. A partir dessa discussão você deve estar refletindo sobre a grande responsabilidade da escola, que precisa alfabetizar e também garantir condições para desenvolver o letramento de todos os seus alunos. Você já sabe que não basta ensinar processos de decifração, pois a pessoa precisa compreender os textos para ser considerada alfabetizada. Apresentamos abaixo um texto diferente para sua leitura. Apesar de seu formato, o texto é perfeitamente legível, e você poderá compreendê-lo sem nenhum esforço, desde que você perceba a sua lógica de organização. Aliás, a lógica do texto é bastante simples e, quanto menor o esforço, melhor e mais eficiente será a sua leitura. Experimente:3M UM DI4 D3 V3R40, 3U 3574V4 N4 PR414, O853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R14NC4ND0. 3L45 7R484LAV4M MU170 CON57RU1ND0 UM C4S73L0 C0M 70RR35 P4R4L3L4S3 3 P455AG3N5 1NT3RN4S. QU4ND0 35T4V4M QU453 4C48AND0, V310 UM4 0ND4 3 D3S7RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0NT3 D3 3SPUM4. 4CH31 QU3, D3P015 D3 7AN70 35F0RC0 3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0. N0 3N74N70, CORR3R4M P3L4 PR414 4 B31R4 D4 4GU4, R1ND0 D3 M40S D4D45 3 COM3C4R4M 4 JUN74R 4R314 P4R4 C0N57RU1R 0U7R0 C45T3L0. Quadro 2: Texto: Desafio de Leitura Você gostou do desafio dessa leitura? Achou o texto interessante, mas sentiu um pouco de dificuldade para ler? Sabe por que encontrou um pouco de dificuldade no momento inicial, mas mesmo assim conseguiu ler o texto sem maiores problemas? É simples. A dificuldade se deu porque as vogais e algumas consoantes foram trocadas por números parecidos (A=4, E=3, I=1, O=0, T=7, S=5) e você pôde ler sem problema a partir do momento em que percebeu esse processo de codificação. E não foi necessário transcrever o texto, substituindo os números pelas letras 26 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período correspondentes porque você não fez leitura por decodificação letra a letra, mas processou o texto buscando os sentidos das palavras lidas. Com esse texto queremos que você perceba que estar alfabetizado implica em codificar (escrever) e decodificar (ler), mas é fundamental compreender as palavras lidas e construir sentido para os textos. É esse tipo de leitura que esperamos dos nossos alunos, que eles aprendam a decodificar, mas leiam as palavras globalmente e sem fazer silabação, com fluência e compreensão das ideias contidas no texto. 1.5 Alfabetização na Perspectiva do Letramento Agora buscaremos compreender a Alfabetização na perspectiva do Letramento. Inicialmente, apresentaremos o conceito de letramento, para depois discutirmos a relação que existe entre alfabetização e letramento. Para discutir o conceito de letramento, Soares (2009) ressalta que o termo letramento provoca certo estranhamento, sendo que outras palavras, como analfabeto, analfabetismo, alfabeto, alfabetizado, alfabetismo e alfabetização pertencem ao mesmo campo semântico e nos são bastante familiares. Esses são conceitos que já apresentamos na seção anterior dessa unidade. Caso ainda tenha dúvida, retome a leitura desses conceitos. Soares (1998) apresenta o conceito de letramento como uma palavra nova no vocabulário das ciências humanas e da educação. Nesse contexto destaca que a 3ª edição do Dicionário Contemporâneo a Língua Portuguesa, de Caudas Aulete, publicado em 1948, letramento aparece como uma palavra antiga, antiquada; que significa “investigar soletrando”; “adquirir letras ou conhecimentos literários” (SOARES, 1998, p. 16). Mas não é esse o sentido que hoje tem sido atribuído à palavra letramento. Para Soares (1998), o sentido etimológico de letramento vem da versão para o português da palavra inglesa literacy. Literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo cy (que denota qualidade, condição, como em innocency (condição ou qualidade de ser inocente). Literacy é a condição de ser literate (especialmente capaz de ler e escrever), é o estado ou condição que assume aquele que aprendeu a ler e escrever. Para a autora, letramento é expressão que passou a fazer parte de nosso vocabulário há pouco tempo e tem um significado mais amplo do que ler e compreender os textos lidos, pois pressupõe que o sujeito saiba fazer uso social da leitura e da escrita para resolver questões de seu cotidiano. Somente a partir da segunda metade da década de 1980 o termo letramento passou a ser utilizado por especialistas da área da Educação e das Ciências Humanas. No Brasil, uma das primeiras ocorrências de uso da palavra letramento é de 1986, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística” de Mary Kato. Em 1988, a expressão aparece em Leda Verdiane Tfoune no livro “Adultos não alfabetizados: o avesso do Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 27 avesso”, sendo que em 1995, Ângela Kleiman apresenta a expressão no título do livro “Significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”. Ao apresentar o termo como uma palavra nova no vocabulário das ciências humanas e da educação, a autora justifica sua introdução pelo surgimento da necessidade de identificar um fenômeno, até então, pouco discutido: “o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 1998, p. 18). Ainda conforme a autora, letrado é o indivíduo que sabe ler e escrever e usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita nas situações que demandarem por essa tecnologia. Soares (2009) também afirma que o entendimento de tais expressões é necessário para que possamos compreender as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado. Uma pessoa que sabe ler e escrever e faz uso da leitura e da escrita é alfabetizado, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita. Pois o pressuposto é que uma pessoa que sabe ler e escrever e passa a usar a leitura e envolve-se com as práticas de leitura e escrita tornase uma pessoa diferente, adquire um outro estado. Ocorre uma mudança social e cultural, pois o sujeito não é mais o mesmo que não possuía o domínio de tais tecnologias ou mesmo de quem não dominava a leitura e escrita, a sua condição é afetada, passa a ser outra, ocorre então a inserção social e cultural, é possível observar mudanças significativas no uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e no vocabulário. É importante salientar que existem tipos e níveis de letramento, dependem das necessidades, das demandas dos indivíduos e de seu meio, do contexto social, cultural e econômico, portanto é preciso que haja condições para o letramento, dentre delas se faz necessário apontar para a escolarização real e efetiva da população, uma outra condição é a disponibilidade de material de leitura. Ao discutir o conceito de letramento, Soares (1998) considera que o indivíduo pode ser alfabetizado e não ser letrado, pois letramento não é apenas a capacidade de ler e escrever, mas de fazer uso social da leitura e da escrita e responder às demandas sociais de leitura e escrita. Soares (1998) ainda discute a possibilidade de se considerar que um indivíduo que não sabe ler e escrever pode ser considerado de certa forma letrado. Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe carta que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 1998, p. 24). 28 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A discussão proposta por Soares (1998) indica que existem diferentes níveis de letramento, e que as pessoas podem usar a leitura e a escrita para realizar uma grande quantidade de atividades. Outro exemplo de analfabeto inserido em práticas de letramento é a criança que ainda não aprendeu a ler, mas ouve histórias lidas pelos pais ou pela professora e é capaz de compreender a narrativa e se apropriar dos conhecimentos presentes nos textos, a partir da leitura realizada por um adulto. Daí se pode depreender que as práticas de letramento não devem ocorrer após a alfabetização, mas paralelamente ao aprendizado do sistema de escrita. Ou seja, como defende Soares (2009), a escola deve alfabetizar letrando. w Figura 2: Filme Central do Brasil Fonte: Disponível em http://cinemacomrapadura.com.br/filmes/1093/central-do-brasil-1998. Acessado em 22 de janeiro de 2011 “O filme é uma produção nacional,dirigida por Walter Sales e protagonizada por Dora, personagem representada por Fernanda Montenegro. No filme, “Dora escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil. Nos relatos que ela ouve e transcreve, surge um Brasil desconhecido e fascinante, um verdadeiro panorama da população migrante, que tenta manter os laços com os parentes e o passado”. Uma das clientes de Dora é Ana, que vem escrever uma carta com seu filho, Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto de nove anos, que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Na saída da estação, Ana é atropelada e Josué fica abandonado. Mesmo a contragosto, Dora acaba acolhendo o menino e envolvendo-se com ele. Termina por levar Josué para o interior do nordeste, à procura do pai. À medida que vão entrando país adentro, estes dois personagens, tão diferentes, vão se aproximando... Começa então uma viagem fascinante ao coração do Brasil, à procura do pai desaparecido, e uma viagem profundamente emotiva ao coração de cada um dos personagens do filme”. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 29 Além de alfabetizar letrando, ou seja, de ensinar a ler/escrever e ao mesmo tempo desenvolver práticas de uso social da leitura e da escrita, as discussões contemporâneas também apontam a necessidade de integrar as práticas escolares com o contexto das práticas que ocorrem no ambiente doméstico e da comunidade. Sobre a questão, Purcell-Gates (2004) considera que diferentes atividades de leitura e escrita que se dão no ambiente familiar sempre existiram e são chamadas de “práticas letradas”. No entanto, apenas nas últimas décadas é que essas práticas se converteram em objeto de estudo, apresentando-se como elementos-chave para a educação e o desenvolvimento das habilidades básicas de leitura e escrita. São práticas socialmente organizadas que tem como finalidade a participação das pessoas em diferentes contextos, em situação na qual seja possível aplicar os conhecimentos sobre leitura e escrita de acordo com diferentes propósitos. O ambiente escolar tem o compromisso de criar diversas situações concretas para que seja possível efetivar o uso da leitura e da escrita, estabelecendo relações com as práticas que ocorrem no espaço do lar e da comunidade. Muito importante! Não acha? Agora que você já entendeu os conceitos de alfabetização e letramento, vamos exercitar essa nova aprendizagem e realizar a atividade abaixo proposta. ATIVIDADE: Abaixo, apresentamos algumas situações que envolvem leitura e escrita. Leia-as e responda: essas situações são de letramento ou de alfabetização? Por quê? Josias, 22 anos, vestido com uma calça caqui esfarrapada e uma camiseta regata branca cheia de buracos, aproxima-se de meu carro parado no sinal e pendura no espelho um saquinho de balas de hortelã em que há grampeado um bilhete com os seguintes dizeres: “Sou pai de família e estou desempregado. Vendo balas para sustentar meus filhos. Compre um saquinho. Somente R$2,00”. Leio o bilhete e compro as balas. (ROJO, 2009, p. 96) Pedro, 6 anos, está matriculado na escola pública próxima de sua casa e sua mãe se orgulha de seus primeiros aprendizados. Quando vai ao supermercado o garoto lê rótulos e placas que encontra, consegue identificar os nomes de alguns produtos, mais ainda tem dificuldade em compreender algumas palavras. Outro dia Pedro resolveu comparar os valores nutritivos dos biscoitos que sua mãe ia comprar, mas a tarefa estava complicada demais para ele, que ainda tem dificuldade em decifrar as palavras que não foram trabalhadas na escola. Para melhor entender a ideia do adulto analfabeto, que pode ser considerado, de certa forma, letrado, sugerimos que assista ao filme Central do Brasil. 30 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Suzana está sem dinheiro vivo na carteira e precisa comprar remédios. De duas uma: ou vai ao caixa automático e segue as instruções na tela, digitando códigos alfanuméricos para retirar dinheiro vivo, ou vai diretamente à farmácia e usa o cartão de crédito ou de débito, também seguindo as instruções da tela no terminal e digitando códigos alfanuméricos, para realizar a compra sem precisar do dinheiro. (ROJO, 2009, p. 96) Quadro 3: Atividade de Análise de situações de letramento e alfabetização Fonte: VELOSO,G.M.Janeiro de 2011 A tarefa de identificar letramento e alfabetização foi fácil para você? É isso. Ao lermos a descrição dessas situações, logo percebemos que em todas elas está presente a leitura e a escrita. Os sujeitos estão imersos em práticas sociais que demandam o uso do ler e do escrever. Na primeira situação, existe a possibilidade de o vendedor de balas não saber ler e escrever, mas está fazendo uso da leitura e da escrita, pois utiliza o bilhete impresso para se comunicar com a motorista, que entende o seu recado e compra o produto. Na segunda situação, o garoto Pedro encontra dificuldade em se inserir em práticas letradas, pois está em processo de alfabetização e ainda não desenvolver habilidades letradas que lhe permitam fazer um uso pleno da leitura e da escrita. Na terceira situação Suzana faz uso da leitura para ler instruções do caixa automático do banco e realizar a operação que necessita para sacar o dinheiro. Sabendo que alfabetizar e letrar são duas ações distintas. E você deve estar se perguntando, qual desses processos deve ocorrer primeiro? Ao trabalhar com alunos das camadas populares, qual dessas ações deve ser priorizada? Para responder às questões, novamente, buscamos suporte em Soares (1998), ao afirmar que alfabetizar e letrar são dois verbos, que indicam duas ações. Alfabetizar é a ação capaz de tornar o indivíduo capaz de ler e escrever, sendo que letrar á e ação que leva o indivíduo ao letramento. Contudo, alfabetizar e letrar não podem ser consideradas como ações separadas. Ao contrário, “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (1998, p. 47 - grifos da autora). Em outras palavras, se alfabetizar e letrar são processos inseparáveis, nenhuma das ações antecede a outra, pois devem ocorrer no processo de educação integral do aluno. O aluno aprende a utilizar-se da escrita como recurso importante no processo de comunicação e interação social, para acesso ao mundo da cultura, aprendizagem de novos conhecimentos, ao mesmo tempo em que também se apropria das normas e convenções do sistema de escrita alfabética, aprende a decifrar o texto escrito e entender o modo como as letras se organizam para formar palavras e textos. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 31 Na discussão sobre letramento ainda é importante considerar que à leitura podem ser associadas múltiplas finalidades pragmáticas ou construtivas. Ou seja, o ato de ler pode se constituir em instrumento necessário à participação social, mas também se tornar uma forma de lazer, uma prática desinteressada, em que o leitor não se orienta por finalidades imediatistas, mas busca no livro o espaço de ampliação da cultura, prazer e fruição estética. Oliveira (2004) também afirma que é importante compreender que a alfabetização e letramento são indissociáveis, simultâneos e interdependentes, pois o letramento antecede, acompanha e sucede a alfabetização. Por esta discussão, tornou-se necessária a distinção entre o indivíduo alfabetizado, aquele que sabe ler e escrever, e o indivíduo letrado, aquele que se encontra imerso em práticas sociais mediadas pela leitura e pela escrita, sendo capaz de responder adequadamente às demandas sociais. No entanto Kleiman (1995) considera que, enquanto principal agência do letramento, a escola não se preocupa com o letramento como prática social, mas com apenas um tipo de letramento – aquele que se relaciona com as competências individuais de alfabetização dos seus alunos. Ao centrar o foco no processo individual de aquisição do sistema de escrita, a escola deixa de considerar o seu uso social nas diferentes situações discursivas. Nesse sentido,o espaço escolar tem o compromisso de criar diversas situações concretas em que seja possível efetivar a alfabetização e o letramento, ou seja, o domínio do sistema de escrita e habilidades/ competências para uso da leitura e da escrita. O foco no letramento na educação escolar é fundamental, pois, conforme uma sociedade se torna letrada, grandes mudanças ocorrem: as pessoas entram em contato com as notícias e informações de um modo mais profundo e detalhado; a partir do maior acesso à informação compreenderão melhor o sistema político, econômico e social; em decorrência disso poderão construir uma visão crítica da realidade e do sistema no qual estão inseridas e ao qual estão subordinadas. A alfabetização é o momento em que o aluno compreende as regras que organizam o funcionamento do sistema de escrita, enquanto o processo de letramento deve ser entendido como a prática das funções sociais da língua escrita. As orientações do Ministério da Educação para o PRÓ-LETRAMENTO reafirmam a ideia de que alfabetização e letramento “são processos diferentes, cada uma com suas especificidades, mas complementares, ambos indispensáveis. Assim não se trata de escolher alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando.” (BRASIL/MEC, 2008, p.13). 32 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Você já pensou o que a escola pode fazer para alfabetizar as crianças na perspectiva do letramento? A escola junto com sua equipe pedagógica tem de pensar que o processo de alfabetização em uma perspectiva de letramento tem um compromisso direto com a formação de sujeitos linguisticamente mais competentes e que assim contribuirá para sua emancipação. É preciso considerar que a alfabetização para o letramento é aquela em que o professor aproveita todos os espaços e tempos do processo de ensino-aprendizagem para ler e escrever com seus alunos, explorar imagens e antecipar sentidos, compreender as ideias contidas nos textos, discutir os modos de organização dos diferentes gêneros textuais, perceber que os textos têm título e autor, etc. Contudo, discutir, ler, escrever e discutir os textos com a colaboração do professor é ação necessária, mas não suficiente para aprender a ler e escrever. É ainda necessário considerar as especificidades da alfabetização e, a partir dos textos lidos escritos com os alunos, o professor deve trabalhar com as palavras e com o alfabeto; ensinar a forma e os traços que diferenciam as letras entre si, explorar as relações entre os grafemas (letras) e os valores sonoros que lhes correspondem (fonemas), etc. Os alunos devem perceber que se lê de cima para baixo e da esquerda para a direita, que as palavras são separadas por espaços, que além das letras há os acentos e sinais de pontuação, que as letras são diferentes dos números, etc. Além disso, é necessário compreender que promover este processo requer criatividade, conhecimento, compromisso e o entendimento de que os temas cultura, classe social, política estão ligados às práticas alfabetizadoras, pois estes sujeitos irão colocar à mostra através do uso da linguagem o que foi construído no espaço educacional. Convidamos-lhe a pensar o processo de alfabetização como uma maneira real de mudar a sociedade e, para tal, precisamos ter esperança de que a educação seja um dispositivo que irá contribuir de forma significativa na construção de novos leitores e escritores. É relevante que a escola amplie as práticas de letramento, fazendo circular toda diversidade de textos que fazem parte do mundo atual. Observe como Magda Soares explica o termo letramento através do poema que segue: Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 33 O que é Letramento? Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é um treinamento repetitivo de uma habilidade , nem um martelo quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São noticias sobre o presidente, o tempo, os artistas da TV é mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É um a receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos. É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos. É um atlas do mundo, sinais de transito, caças ao tesouro, Manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido. Letramento é sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo que você pode ser. (De Kate M.Chong, estudante norte-americana, 1996, citada por SOARES, 1998, p. 42-43) Quadro 4: Poesia: O que Letramento Fonte: De Kate M.Chong, 1996, citada por SOARES, 1998, p. 42-43 34 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Como se percebe no poema acima é necessário estabelecer distinção entre a alfabetização e o letramento. Isso porque o letramento envolve o uso da leitura e da escrita nas mais diferentes situações: ler notícias e se informar; ler histórias em quadrinhos como momentos de lazer e entretenimento; ler receitas culinárias e aprender a preparar alimentos; escrever listas e recados como apoio à memória. Enfim, uma ampla quantidade de ações que realizamos no cotidiano e que se apoiam no texto escrito. Sobre o letramento, vale registrar que a sua ausência hoje é um dos principais fatores de exclusão social. Isto ocorre porque numa sociedade letrada como a nossa, o uso da leitura e da escrita é praticamente um requisito para o pleno exercício da cidadania. 1.6 Conceituando alfabetismo Agora que discutimos diferentes conceitos pertencentes ao campo semântico da alfabetização, você deve estar se perguntando: Se alfabetizado é aquele que aprendeu a ler e escrever, o que é alfabetismo? Soares (1998) considera que alfabetismo é o estado ou qualidade de alfabetizado, aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se alfabetizou e incorporou a leitura e a escrita às práticas sociais que as demandam. E, diante do conceito de alfabetismo, você deve estar se perguntando: Se letramento é o estado ou condição de quem sabe ler e escrever, qual é a diferença entre alfabetismo e letramento? E a resposta para essa questão é simples. Não há diferença, esse dois conceitos podem ser considerados como sinônimos. Para situar a questão, vale destacar que Magda Soares, pesquisadora do CEALE/UFMG, que contribuiu de forma bastante significativa para disseminar o conceito de letramento, iniciou suas discussões sobre esse fenômeno fazendo uso do conceito de alfabetismo. Em 1995, a autora publicou o texto “Língua escrita, sociedade e cultura: relações, dimensões e perspectivas”, conceituando alfabetismo e destacando a estranheza que o termo produzia aos falantes de português, dado o pouco uso da expressão, enquanto analfabetismo, que designa o seu contrário, era palavra de uso corrente (SOARES, 2003). Em 1999, Vera Masagão Ribeiro publicou o livro denominado “Alfabetismo e Atitudes: pesquisa com jovens e adultos”, produzido a partir de sua tese de doutorado. A autora é professora da Unicamp e integrante da Ação Educativa – instituição que pesquisa e apoia ações que visam à educação de jovens e adultos, sendo que o livro não limita as discussões em torno do analfabetismo. Ao contrário, a discussão proposta está relacionada às habilidades de leitura que caracterizariam um indivíduo Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 35 capaz de ler e escrever e fazer frente às demandas sociais apresentadas pela sociedade grafocêntrica em que estamos inseridos. Isso significa que a autora utiliza o conceito de alfabetismo com o mesmo sentido que está sendo atribuído ao letramento. Por fim, você deve estar se perguntando sobre o porquê desses dois conceitos. Nesse caso, a resposta não é tão simples. Aconteceu que o termo alfabetismo não “pegou”, não foi amplamente utilizado, enquanto o termo letramento ganhou espaço no campo acadêmico e entre os professores. Daí a hegemonia do termo letramento entre nós. Como discutimos anteriormente, no Brasil, o cenárioeducacional tem apontado que a nossa escola tem gerado um quadro de exclusão, por não garantir condições de alfabetização e letramento para todos. No entanto, diferentes pesquisadores apontam que a quase universalização do acesso ao ensino fundamental tem ampliado não apenas a escolarização, pois, aos poucos, a escola tem ampliado a qualidade do seu ensino. Hoje não mais lutamos por ampliação de vagas na escola fundamental, mas discutimos a qualidade dos processos educativos e a nova condição que a alfabetização tem construído para os sujeitos que se apropriaram dessa tecnologia. Ou seja, desde as últimas décadas do século XX, os pesquisadores intensificaram as discussões sobre a alfabetização e suas consequências para os sujeitos e para as sociedades que conquistam a leitura e a escrita. No entanto, como ainda não tínhamos um conceito para denominar essa condição individual e social, os pesquisadores passaram a utilizar os dois conceitos – alfabetismo e letramento. Para ilustrar a utilização paralela dos dois termos destacamos que o livro “Letramento: um tema em três gêneros” de Magda Soares foi publicado em 1998, enquanto o livro de Vera Masagão Ribeiro, acima mencionado, foi publicado em 1999. Em 2003 foi publicado o livro “Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF”, organizado por Vera Masagão Ribeiro, sendo que o próprio título do livro apresenta os dois termos, pois se constitui como discussão sobre o letramento, mas as reflexões foram produzidas a partir da pesquisa do INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. Na apresentação da obra, Ribeiro afirma que “o livro reúne artigos de pesquisadores e especialistas em leitura, letramento e educação, todos eles comentando os resultados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (RIBEIRO, 2004, p. 09). Isso significa que os dois conceitos foram e ainda são utilizados por pesquisadores de destaque no âmbito nacional. Mas, aos poucos, tem sido construída a hegemonia do termo letramento, ainda que muitos pesquisadores utilizem o termo alfabetismo. 36 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período 1.7 Políticas públicas para jovens e adultos Para encerrar a unidade I da nossa disciplina vamos registrar as iniciativas e tentativas da luta contra o analfabetismo no Brasil, ao longo da história: Podemos citar, dentre outros: • Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947, governo Eurico Gaspar Dutra); • Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958, governo Juscelino Kubitschek); • Movimento de Educação de Base (1961, criado pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil – CNBB); • Programa Nacional de Alfabetização, valendo-se do método Paulo Freire (1964, governo João Goulart); • Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral (1968- 1978, governos da ditadura militar); • Fundação Nacional de Educação de Jovens e Adultos – Educar (1985, governo José Sarney) • Programa Nacional de Alfabetização de Educação para Todos (assinada em 1993, pelo Brasil, em Jomtien, Tailândia); • Plano Decenal de Educação para Todos (1993, governo Itamar Franco); • Programa de Alfabetização Solidária (1997, governo Fernando Henrique Cardoso). • Programa Brasil Alfabetizado (governo Luiz Inácio Lula da Silva, 2002) Se, por um lado, sempre existiram e ainda hoje existem esforços, por parte dos governos, e aqui lembramos que os diversos estados brasileiros, juntamente com os municípios sempre estiveram presentes nesta luta, por outro lado, precisamos tomar consciência: sociedade, famílias, escolas, universidades, educadores, sistemas de ensino e alfabetizadores, que toda proposta neste sentido precisa ser de responsabilidade e compromisso de todos, quer seja para promover o ingresso e cuidar da permanência, juntamente com o controle da qualidade desta oferta, através dos Conselhos, quer sejam escolares, municipais, estaduais e ou nacionais, além dos Sistemas, é ainda importante que cada professor assuma a responsabilidade com a qualidade dos processos pedagógicos desenvolvidos em sala de aula. Em todo País registra-se um grande número de experiências/ programas que se valem de variadas metodologias e processos de alfabetização que têm, com sucesso, alfabetizado suas crianças, jovens e adultos e com qualidade evitando assim o crescimento de futuros analfabetos. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 37 O que se sabe é que a população de jovens e adultos para se engajar em programas de alfabetização precisa ter motivos para tal. Nesse sentido, espera que estes sejam atrativos e capazes de ajudá-los a melhorar de vida, mas que também tenham uma carga horária e uma dinâmica / metodologia compatível com as suas possibilidades. Muitas vezes programas são esvaziados, ao longo do calendário escolar por falta de qualidade, e atendimento aos seus diferentes perfis, e expectativas diversificadas, além é claro de um nível alto de profissionalização que se espera de qualquer alfabetizador e Instituição que se propõe a atender tão grande atividade - alfabetização e letramento. Portanto, ensinar a ler e a escrever não pode se resumir ao simples processo de ensino da decodificação da língua. Pressupõe momentos de uso efetivo dos tipos e gêneros textuais. Consequentemente envolve, também, práticas pedagógicas que contemplem situações concretas de uso ativo da leitura e da escrita. Para melhor entender o modo como a escola pode alfabetizar e desenvolver o letramento é importante compreender, além dos fundamentos que embasam o processo, as metodologias adequadas a este processo. Por isso, nas próximas unidades desse caderno didático, vamos discutir alguns fundamentos teóricos de alguns campos do conhecimento como a linguística, a psicolinguística, a sociolinguística, bem como as tendências contemporâneas que orientam o ensino da leitura e da escrita: a psicogênese da alfabetização (incluindo a compreensão do que seja realismo nominal) e a consciência fonológica, discutindo as implicações desses conhecimentos para a sua prática pedagógica. ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil, 1500-1889. São aulo: Ed. da PUC; Brasília: MEC/INEP, 2000. Edição original em francês de 1889 ANALFABETISMO no Brasil. Educação no Brasil: Suapesquisa.com. br. Disponível em Acesso em outubro de 2010. ANALFABETOS DO SÉCULO XXI. MACHADO João Luís de Almeida. Disponível em . Acesso em02-12-2010. OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC do Alfabetizador. Belo Horizonte: Alfa Educativa, 2004. RIBEIRO, Vera Masagão. Por mais e melhores leitores: uma introdução. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF de 2001. 2 ed. São Paulo: Global, 2004. ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 1ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. PINTO; Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Editora Cortez/ Editora Autores Associados. 1982. PURCELL-GATES, Victoria. A Alfabetização familiar: coordenação entre as aprendizagens da escola e as de casa. In: TEBEROSK, Ana e GALLART, Teresa Soller (orgs). Contextos da Alfabetização Inicial. Porto Alegre: Artmed, 2004. TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1971. VELOSO, Geisa Magela. A missão “desanalfabetizadora” do jornal Gazeta do Norte, em Montes Claros (1918-1938). Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 2008 (Tese de Doutorado) 39 UNIDADE 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SUA CONSTRUÇÃO PELA CRIANÇA Introdução Prezado(a) Acadêmico(a): A presente unidade de estudo tem por objetivo apresentar uma breve história da escrita, que caminhou do registro por desenhos para a invenção do sistema de escrita alfabética. Também pretendemos analisar a construção da escrita pela criança que se alfabetiza, discutindo a importância dos estudos psicogenéticos para o desenvolvimento de processos metodológicos de alfabetização. Nesta unidade temos o propósito de apresentar a evolução histórica da escrita para que você compreenda a importância da mesmano ensino da leitura e escrita e, ao mesmo tempo, compreenda que a escrita é um conhecimento inventado pelo homem e que, portanto, precisa ser ensinado. Você vai descobrir que a escrita foi inventada pelo homem, a partir de suas necessidades de registro e preservação de informações e conhecimento. Vai descobrir ainda que, para se alfabetizar cada criança, de certa forma, reinventa-se a leitura e a escrita, redescobre-se o sistema de escrita alfabética, iniciando sua escrita por meio de desenho e de registros que desconsideram as relações entre letras e sons. A nossa expectativa é de contribuir para o entendimento do processo que cada indivíduo vivencia na aprendizagem da leitura e escrita e, consequentemente, no trabalho pedagógico do professor. Nesse sentido, iniciaremos nosso estudo com a apresentação da história da escrita para, em um segundo momento, apresentar os níveis conceptuais produzidos pela criança em seu processo de alfabetização. 2.1 A História e a evolução da escrita Você já parou para pensar o que é a escrita? E qual a sua origem? Para Vanoye (1988, p.69), a origem da escrita situa-se na necessidade que os homens encontraram de conservar as mensagens da linguagem articulada, para veiculá-las ou transmiti-las. A escrita é uma construção social e sofreu inúmeras transformações ao longo da história da humanidade. Vamos conhecer como a escrita evoluiu? Para explicar o funcionamento do sistema de escrita, Rojo (2009) aborda primeiramente o processo de evolução da escrita e afirma que: as primeiras escritas da época das cavernas, onde os povos nômades deixavam grafados em suas paredes 40 pictogramas que, enquanto desenhos, representavam, com suas propriedades concretas, animais, ações, perigos existentes no entorno. Esses pictogramas eram “motivados” pelas características dos objetos representados, como vemos na cabra ao lado (ROJO, 2009, p.61). Figura 3: Pictograma de uma cabra Fonte: ROXANE,Rojo. Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social. 2009, p.61. A forma mais antiga de escrita de que temos notícia é a pictográfica! Figura 4: Escrita Pictográfica Fonte: disponível em http://www.xtec.es/~aguiu1/calaix/037alfabets.htm. Acessada em 18-12-2010. A escrita pictográfica só permitia a representação dos objetos que se podia desenhar. (FERREIRO e TEBEROSKY,1980, p.359) 2.2 O que é um Pictograma? Pictograma é uma forma de escrita onde as ideias são transmitidas através de desenhos. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 41 Figura 5: Sinal de passagem de pedestres Fonte: www.photaki.com Acessado em 18-10-2010 Com o desenvolvimento das transações no comércio, percebeuse a necessidade de tornar mais simples os desenhos, pois os pictogramas começam a ser utilizados nas relações comerciais, mas limitavam o registro nas trocas, pois este tipo de escrita era limitado. De acordo com as ideias de Gladis Massine-Cagliari,(1999), a escrita ideográfica é todo sistema que parte da representação das ideias veiculadas pelas palavras, para depois chegar aos seus sons. Se prestarmos atenção a nossa volta veremos que esse sistema aparece em diversos lugares, como nas placas de trânsito, nas portas de banheiro, na forma como escrevemos os números, etc. Em algumas situações a autora entende que a escrita ideográfica funciona com muita eficiência. Observe o exemplo que ela utiliza para ilustrar esta afirmação. Figura 6: Ciclismo Fonte:www.fotosearch.com.br/fotos..18-10-2010 Figura 7: Sinal de Restaurante Fonte: www.fotosearch.com.br/fotos.. Acessado em 18-10-2010 42 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Para o motorista é mais difícil perceber rapidamente uma placa como: Figura 8: Sinal de Proibido Estacionar Fonte: Disponível em www.fotosdahora.com.br/imagens. Acessado em 18-10-2010 Esta é uma situação onde a informação a ser transmitida é mais relevante do que a leitura correta de todas as palavras que compõem a frase. Portanto, o que deve ser compreendido é a mensagem que é representada através do ideograma. Então surge outro sistema de escrita que é o Logograma também conhecido como Ideograma, que eram os pictogramas mais estilizados, os dois sistemas representavam o objeto, porém o ideograma dá uma ideia do objeto representado. A escrita ideográfica evoluiu da escrita pictográfica, pois a ideia é representar os signos pictóricos que não se limitam mais à representação de objetos e ideias, mas também aos sons Em relação à estilização Kato (1996) afirma: A princípio, a estilização consistiu em retificar as linhas arredondadas dos pictogramas, de modo que, no início, os ideogramas eram “letras de forma”. A escrita cursiva aparece bem depois para a estilização, principalmente por sua tendência de simplificar os traços. O sistema deixa de ser icônico para ser simbólico (KATO, 1996, p. 14). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 43 Figura 9: Ideograma-Estrela Fonte: Kato, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 1996, p.14 A possibilidade de representar os sons permitiu a invenção da escrita fonográfica que é escrever a partir dos sons produzidos na fala. Desse sistema de escrita surgiu a escrita fonética (aquela que registra os sons do jeito que se fala), a escrita consonantal (que representa apenas as consoantes) e a escrita alfabética. 2.3 E o que é escrever alfabeticamente? A escrita alfabética é aquela em que os usuários utilizam do alfabeto grego romano. Nesse tipo de escrita não há relação dos sinais gráficos com o objeto a ser representado, mas sim com os sons emitidos na fala. Uma das características da escrita alfabética é a sua arbitrariedade já que o nome das coisas são convenções sociais. Também é importante destacar o que Saussure (1988) denomina de signo linguístico que é a união do significante com o significado. Na palavra escrita os grafemas formam o significante e a ideia forma o significado. Quando lemos a palavra vilipendiar temos o significante (que é a palavra), mas poderemos não entender se não tivermos o significado. Porém, se compreendemos que vilipendiar significa desprezar, teremos então o signo linguístico, ou seja, o significante e o significado. Figura 10: Escrita pictográfica Acessado em 18-10-2010 Fonte: http://www.antropos.galeon.com/ Você sabia que? O alfabeto grego romano surgiu antes de Cristo 44 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Os pictogramas e ideogramas até por volta de 3000 a.C são também utilizados com valor fonético, cada signo representando uma sílaba. São signos-sons. “A fonetização da escrita começa com o logograma.” (Cf. GELB, 1962). Assim compreendemos que os sistemas de escrita podem ser ideográficos ou fonográficos, enquanto o sistema ideográfico está embasado nos significados, o sistema fonográfico fundamenta-se nos significantes e depende dos elementos sonoros que fazem parte de uma língua. Em relação a essa ideia, Vanoye afirma que: A escrita fonética marca não mais as palavras, mas os sons. De fato, os sons da linguagem articulada são pouco numerosos, ao passo que existe um número muito grande de palavras. Obter um desenho para cada palavra supõe um trabalho imenso e uma memória equivalente. A escrita fonética, de início silábico, (um signo para cada grupo de sons), depois fonético (um signo por som), permite uma economia considerável (VANOYE, 1988, p. 70). Você sabia? Que a Mesopotâmia e o Egito viram florescer as primeiras civilizações do Mundo Antigo? A invenção da escrita coube aos sumérios. Os sumérios que viviam na Mesopotâmia organizam a contagem dos seus animais, ou efetuavam trocas, utilizando bolinhas feitas de argila - e cada bolinha representava um animal e assim a noção de número e o registro foi se desenvolvendo, mas as dificuldades apareceram e eles começaram a fazer tracinhos em uma placa de barro para representar cada animal. Observe a imagem abaixo: Figura 11: Bolinhas de argila e troncos de árvore, correspondentes a contagens de animais. Fonte: Professor da Pré-escola. v.II. Ministério a Educação. SP.1995.p.45. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 45Através dos logogramas surge então o processo de fonetização da escrita, com o propósito de clarificar o sentido de algum logograma, aplica-se a ele elementos fonéticos. Para Gelb, citado por Kato (1996), a fonetização da escrita inicia-se com o logograma. Paralelo a este processo ocorre a metaforização, “que é o uso de mais de um símbolo, no interior de um mesmo logograma, para representar metaforicamente, um terceiro conceito”. Kato (1986) apresenta o exemplo abaixo para ilustrar a estilização de um pictograma em que uma pessoa aparece embaixo de uma árvore resulta no logograma que significa ’descansar’, em escrita chinesa. Figura 12: logogramas Fonte: Kato, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 1996, p.11 Gelb (1962) aponta que uma das dificuldades dos povos antigos era a escrita de nomes próprios e que desta forma inicia-se a fonetização com a logografia. Veja o exemplo de como poderia ser a escrita da palavra Soldado: Ex: sol dado Figura 13: Logografia – sol + dado Os desenhos não mais se referem ao objeto representado e sim a seus nomes A fonetização da escrita desenvolve-se rapidamente em direção à escrita silábica. Este sistema desvencilha-se do desenho e a escrita passa a representar o valor sonoro das palavras então surge a necessidade de valores sonoros convencionais estáveis. A escrita alfabética evoluiu da escrita silábica, e este processo alcança uma evolução através da reflexão e das propriedades da linguagem. Atenção: a escrita silábica é utilizada principalmente pelos japoneses. Neste sistema de escrita existe um símbolo para cada sílaba 46 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período oral. Não existe dificuldade ortográfica já que cada sílaba possui uma única representação (silabário) o que é diferente da escrita alfabética onde seus usuários precisam combinar os grafemas (consoante e vogal) para formar uma sílaba. Escrita japonesa Veja abaixo as Imagens dos silabários hiragana e katakana: Figura 14: Escrita Japonesa Fonte: madeinjapan.uol.com.br/japantype/acessado em 22-12-2010 Figura 15: Escrita Japonesa Fonte: madeinjapan.uol.com.br/japantype/ Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 47 2.4 A invenção do alfabeto A invenção do alfabeto ocorre no século X a.C. Existe uma grande variedade de alfabetos no mundo, cada um com suas diferenças formais e externas, mas a maioria utiliza os princípios estabelecidos pela escrita grega, a colocação da vogal depois da consoante, o que era feito raramente pelos fenícios, passando da escrita silábica para escrita alfabética. Gelb afirma que depois da descoberta desse sistema não aconteceu nenhuma inovação significativa na história da escrita. “Os gregos tomaram emprestado o silabário fenício para a base de sua escrita”. (KATO, 1996.p.16 Alfabeto Fenício Figura 16: Alfabeto Fenício Fonte: Disponível em http://naniedias.blogspot.com/2010/10/historia-da-escrita-parte-iv- -o-alfabeto.html. Acessado em 22 de janeiro de 2011. Para Sven Ohman (1966) citado por Kato (1986), na verdade, a invenção da escrita alfabética é uma “descoberta”, pois, quando o homem começou a usar um símbolo para cada som, ele apenas operou conscientemente com o seu conhecimento da organização fonológica de sua língua. (KATO, 1996, p.16). E esta ideia nos remete ao entendimento de que as crianças no seu processo individual de descoberta da escrita registra não só objetos, pessoas passeios, cenas do cotidiano, mas também a própria fala, e esta descoberta é fundamental no processo de aprendizagem da escrita. Na próxima seção dessa unidade vamos refletir acerca das contribuições da psicolinguística para o processo de aprendizagem da leitura 48 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período e escrita e veremos que o processo que a criança vivencia na construção da escrita em busca da compreensão do que a escrita representa é muito semelhante ao que acabamos de estudar. 2.5 Contribuições da Psicolinguística para a Alfabetização Cagliari (2009) afirma que a Psicolinguística se interessa pelo comportamento envolvido no uso da linguagem, inclusive destaca a importância dos processos interacionais na construção e no uso da linguagem. A partir da década de 1980, o foco de análise da alfabetização voltou-se para abordagens cognitivas, sobretudo no quadro da Psicologia Genética. Vários pesquisadores, entre eles Emilia Ferreiro e Teberosky, têm realizado investigações sobre os estágios de conceptualização da escrita e o desenvolvimento da lecto-escrita na criança, à luz da teoria dos processos de aquisição do conhecimento de Piaget. No Brasil tem sido realizados estudos por essa perspectiva, sendo que Carraher e Rego (1981) apresentam-se como pesquisadoras pioneiras nessa discussão. Neste sentido se faz necessário indagar: O que a criança conhece sobre a língua escrita antes de ser alfabetizada, isto é, antes de ingressar na escola? Como ela se apropria deste objeto social? Qual é a relação entre a criança e o objeto de conhecimento (língua escrita)? Em uma perspectiva construtivista, estas perguntas são obrigatórias. A psicolinguística se interessa também pelos processos mentais relacionados com a produção da linguagem, estudando as relações entre pensamento e linguagem. (CAGLIARI, 2009) A aquisição da representação escrita da linguagem tem sido tradicionalmente considerada como uma aprendizagem escolar. A pesquisa psicogenética trouxe dados sólidos que comprovam que o começo do conhecimento pode ser situado em torno de um limite pré-escolar. As crianças não chegam ignorantes à escola, elas têm conhecimentos específicos sobre a língua escrita, ainda que não compreendam a natureza do código alfabético. Esses conhecimentos é que determinam o ponto de partida da aprendizagem, e não as decisões escolares. Há uma evolução da escrita na criança, evolução influenciada, mas não totalmente determinada, pela ação das instituições educativas; pode-se descrever uma psicogênese nesse domínio, com sua própria lógica interna, significando que as informações provenientes dos meios são incorporadas em sistemas interpretativos, cuja sucessão não é aleatória, embora a duração de cada momento de organização e, consequentemente, das idades de aparecimento, dependam de um conjunto de influências diversas (sociais, familiares, educativas, individuais). Como profissionais da educação é importante salientar que, como já somos alfabetizados, o sistema alfabético parece muito fácil e a única forma possível de escrita, mas é relevante lembrar que a humanidade precisou de milhões de anos e de um processo importante de reflexão para construí-lo. Retome a leitura do Caderno Didático de Psicologia, do 2º período, Unidade 8, em que foi abordada A Psicogenética de Jean Piaget Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 49 2.6 O que é psicogênese da língua escrita? Para iniciar a discussão apresentaremos conceituação da Ferreiro e Teberosky (1982), autoras que pesquisaram processos mentais produzidos pelas crianças na construção da leitura e da escrita. A psicogênese da língua escrita é uma teoria, isto é, um modelo explicativo do real. É um estudo sobre como a criança aprende a ler e escrever, processos cognitivos envolvidos em cada etapa (FERREIRO, 1982, p.22). No âmbito de compreensão da escrita, a criança encontra e resolve problemas de natureza lógica, como em qualquer outro domínio de conhecimento. Na teoria piagetiana, o conhecimento objetivo é compreendido como uma aquisição, uma construção. O conhecimento não é doado passo a passo e sim construído através das grandes reestruturações globais, onde muitas vezes ocorrem os erros construtivos. Na perspectiva piagetiana, os erros construtivos são essenciais, eles não ocorrem em função da falta de atenção ou de memória e sim para que os sujeitos possam construir o objeto, compreendendo as regras da sua composição. Nesta concepção o sujeito da aprendizagem não é um mero receptor, ele é um produtor de conhecimento. Ferreiro (1985) afirma que esta é a diferença que separa as concepções condutistas da concepção piagetiana e quea alfabetização é a apropriação de um objeto conceitual. Há uma diferença fundamental entre a concepção tradicional de alfabetização, que considera que o primeiro passo na aquisição da língua escrita é a aquisição de uma técnica de codificação/decodificação, e a caracterização desse processo de aquisição como a compreensão de um modo particular de representar a linguagem. A pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1979) questiona os métodos tradicionais utilizados no processo de alfabetização e nos trouxe novas indagações acerca de como a criança aprende a linguagem escrita. Para responder a tais questionamentos faz-se necessário conhecer como a criança constrói conhecimento e as etapas que ela vivencia durante o processo de construção da escrita. Os estudos de Emilia Ferreiro e colaboradores e a publicação no Brasil do livro “Psicogênese da língua da língua escrita” (FERREIRO e TEBEROSKY, 1985) provocaram enorme impacto sobre os processos de alfabetização. Essa teorização nos permitiu compreender os processos de construção da leitura e escrita pelas crianças e nos ajudam a construir respostas para essas questões apresentadas. 50 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A partir da psicogênese da língua escrita passamos a perceber que, antes de entrar na escola e se ver diante de um professor, a criança já produziu muitos conhecimentos e hipóteses sobre leitura e escrita, a partir de seu contato com a linguagem escrita no meio em que vive e da participação efetiva em práticas sociais de leitura e escrita. Emilia Ferreiro é uma psicolinguista argentina que desvendou os mecanismos pelos quais as crianças aprendem a ler e escrever, sendo que esse conhecimento revolucionou as discussões sobre alfabetização, levando os educadores a rever radicalmente seus métodos e práticas de alfabetização. Figura 17: Emilia Ferreiro e o livro Psicogênese da Língua Escrita Fonte: Disponível em educarnadiversidadee.blogspot.com; culturamarcas.com.br. acessados em 17 de janeiro de 2011 Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), antes de compreender o sistema de representação alfabético, a criança elabora hipóteses explicativas para a leitura, a escrita e os modos de organização e funcionamento das letras, palavras e textos. Em suas pesquisas, as autoras identificaram três níveis básicos de desenvolvimento do pensamento infantil sobre leitura e escrita. São eles, o nível pré-silábico, o nível intermediário I, o nível silábico, o nível silábico-alfabético (considerado como intermediário II) e o alfabético. Weisz (S/D) acredita que os resultados dos estudos de Ferreiro e Teberosky produziram maiores impactos no Brasil do que em outros países da América Latina, provavelmente porque em nosso país o fracasso escolar fosse muito maior. Segundo a autora, o primeiro impacto da psicogênese da língua escrita foi a possibilidade de compreender que, em relação à leitura e à escrita, as crianças não são passivas. Ao contrário, são ativas e constroem hipóteses, que são totalmente contrárias a tudo que a escola ensinava. O segundo impacto da teorização foi permitir a percepção de que as crianças que fracassavam na escola eram justamente as que possuíam hipóteses mais primitivas, nem mesmo percebendo a escrita como forma de representação da fala, posto que a escrita é um encadeamento de letras, Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 51 regido por normas e convenções. (WEISZ, S/D) Soares (2003) também acredita que as pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita alteraram significativamente as representações sobre a aquisição da leitura, que passa a ser vista como processo de construção, em que a criança é compreendida como sujeito ativo, capaz de interagir com o objeto de ensino. Nesse sentido, para que as práticas de ensino possam efetivamente interferir nas construções infantis, e favorecer a construção de novas hipóteses, até descobrir os princípios da escrita alfabética, é importante que o professor compreenda o que as crianças pensam. A seguir, apresentaremos as características básicas do pensamento infantil em cada um desses níveis. 2.7 Níveis de escrita, conforme a Psicogênese da Língua Escrita 2.7.1 Nível Pré-silábico de Escrita O primeiro estágio das hipóteses da criança sobre a escrita é denominado por Ferreiro e Teberosky (1985) como nível Pré-silábico, em que a criança não entende a escrita como sistema de representação, não estabelece relação entre a escrita e a fala, mas entre a escrita e os objetos. Conforme as autoras, o nível pré-silábico não é uniforme, sendo possível identificar 3 fases distintas: 1) a fase pictórica; 2) a fase gráfico-primitiva; 3) a fase pré-silábica propriamente dita. 2.7.1.1 Fase Pictográfica Inicialmente, na etapa pictórica, a criança não é capaz de estabelecer distinção entre escrita e desenho, utilizando-se de desenhos para escrever. Perceba que essa primeira etapa de construção da escrita, de certa forma, corresponde ao primeiro estágio de invenção da escrita pela humanidade, pois os primeiros registros escritos do homem também foram feitos pela utilização dos desenhos. Na figura abaixo é possível perceber que a criança não escreve letras, mas faz desenhos para escrever a frase “o menino brincando”. 52 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Figura 18: Escrita pré-silábica pictórica Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das professoras Emilia Murta Moraes, Francely Aparecida dos Santos e Rita Tavares de Mello, do DMTE/Unimontes Além de solicitar que a criança escreva, observar sua escrita e conversar com ela sobre o que escreveu, para diagnosticar a presença da concepção pictográfica, você poderá apresentar para a criança um livro com textos e imagens e pedir-lhe para apontar com o dedo o lugar em que tem algo para ser lido. A criança pré-silábica que se encontra na etapa pictórica irá apontar os desenhos, porque não compreende que se possam ler as palavras. Outra atividade que pode ser utilizada para diagnóstico é apresentar à criança um livro composto apenas de letras (que não contenha desenhos) e perguntar se naquela página tem algo que pode ser lido. Na fase pictórica a criança diz que não há nada para ler, pela mesma razão anterior: ela não compreende que os leitores leiam as letras, por acreditar que os desenhos é que se constituem em objetos de leitura. Ao superar essa fase, a criança compreende a função do desenho como uma forma de registro e das letras no processo de escrita, passando a perceber que os desenhos não servem para ler. 2.7.1.2 Fase Gráfico-primitiva Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), a fase gráfico-primitiva constitui-se como estágio do nível pré-silábico, em que a criança estabelece diferença entre desenhar e escrever. No entanto, por ainda não saber traçar as letras de forma convencional, a criança utiliza garatujas e outros traços pouco definidos para representar as letras. Quando está habituada com a letra cursiva, fará grafismos ondulados, que se assemelham com a escrita cursiva realiza pelos adultos que vê escrevendo. Já para representar a letra de imprensa usará linhas retas e curvas, mas o seu traçado ainda não representa as letras convencionais. As crianças fazem o que é considerado de pseudo-letras (falsas letras). Nas crianças deste estágio, verificamos a presença do realismo nominal, pois, para elas, “o nome de coisas grandes se escreve com muitas letras” e vice-versa. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 53 Nessa fase a criança faz leitura global das palavras, ou seja, quando se pede para a criança ler o que escreveu acompanhando com o dedo, ela não separa, aponta partes da palavra e não faz segmentação silábica ao ler. Nesse estágio a criança também já é capaz de diferenciar desenho de escrita. Na figura abaixo, você tem um exemplo do que é denominado de escrita gráfico-primitiva. À esquerda se podem observar traços que tentam imitar a letra cursiva, enquanto à direita temos traços que ainda não tem o formato convencional das letras, mas lembram as letras de imprensa.Figura 19 : Escrita gráfico-primitiva Fonte: Disponível em http://www.uclm.es/varios/revistas/docenciaeinvestigacion/numero3/mrdiaz.asp. Acessado em 17 de janeiro de 2011. 2.7.1.3 Fase Pré-silábica Ainda conforme Ferreiro e Teberosky (1985), a terceira fase é denominada de escrita pré-silábica propriamente dita, em que a criança percebe que se escreve com letras e já aprendeu a fazer o seu traçado convencional. Nesse estágio a criança costuma usar letras do próprio nome e outras letras para escrever as palavras, sendo comum misturar letras com números dentro de uma mesma palavra. A escrita individual é instável, pois a criança ainda não sabe quantas e quais palavras são necessárias para escrever as palavras. Somente a criança é capaz de ler o que escreveu. Ainda segundo as autoras, ao compreender que a escrita é realizada pelo uso das letras, a criança se vê diante da necessidade de estabelecer a quantidade de letras necessária para registrar as palavras. Por não compreender que a escrita representa a fala, a criança elabora a hipótese da quantidade de caracteres que precisa utilizar para escrever os nomes das coisas. E a quantidade mínima de letras para escrever qualquer nome é de pelo menos três. Por estarem na fase do realismo nominal, as 54 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período crianças pensam que os nomes dos objetos grandes precisam de muitas letras para escrever, enquanto objetos pequenos necessitam de poucas letras. Nesse estágio, a criança começa a compreender que coisas diferentes possuem nomes diferentes e elabora a hipótese da variedade de caracteres, ou seja, para escrever palavras diferentes, a sequência das letras utilizadas também precisa ser diferente. Assim, quando vai escrever uma palavra, modifica a ordem das letras (diferenciação qualitativa). Para a criança, uma palavra não pode ser lida ou interpretada se possuir as mesmas letras. Na figura abaixo vemos uma escrita pré-silábica em que a criança utiliza um número aleatório de letras para escrever as palavras. Se você contar as letras irá perceber que abacaxi tem mais letras que maçã e banana, por ser uma fruta maior. Figura 20: Escrita pré-silábica Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Analisando o registro é possível perceber que a criança está no nível pré- silábico, utilizando uma sequência aleatória de letras para registrar as palavras. Observando as letras é possível perceber que a criança utiliza, sobretudo, as letras do seu nome (RYAN). Essa forma de compreender a escrita, como uma derivação dos objetos, é compreendida por Ferreiro e Teberosky (1985) como Realismo Nominal. O realismo nominal é uma característica do pensamento infantil, em que a criança compreende a escrita como representação do objeto, produzindo o registro dos nomes a partir das características físicas do objeto apresentado. Ou seja, a criança não compreende a relação entre palavra Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 55 escrita e palavra falada, por ainda não ter construído consciência da palavra enquanto uma sequência sonora, e por isso acredita que a quantidade de letras e, portanto, o tamanho das palavras está relacionado com o tamanho dos objetos. Assim, objetos grandes precisam de muitas letras para escrever o nome e objetos pequenos precisam de poucas letras. Para facilitar a compreensão dessa teorização relativa ao nível pré-silábico de escrita e leitura, apresentaremos o Realismo Nominal e sua relação com a alfabetização. Após essa discussão apresentaremos as características dos demais níveis de escrita descritos por Ferreiro e Teberosky (1985). 2.7.1.4 A relação entre Realismo Nominal e alfabetização Para iniciar a discussão, esclarecemos que o Realismo Nominal é uma das características do nível pré-silábico de escrita, sendo que a sua superação se constitui como aprendizagem essencial para que ocorra a alfabetização. Como dissemos anteriormente, aprender a ler e escrever é um processo complexo para o aprendiz, que enfrenta uma série de dificuldades – dificuldades que, conforme Soares (2003), relacionam-se a vários fatores: ao método, ao material utilizado, ao contexto cultural da criança, ao professor, ao código escrito. Contudo, alfabetizar também está relacionado às capacidades cognitivas da criança e às concepções e hipóteses que ela elabora na busca de compreensão do código. Acerca desse processo de construção e cognição, Carraher e Rego (1985) consideram que o Realismo Nominal Lógico está relacionado com a não aquisição da alfabetização. Mas o que é Realismo Nominal Lógico? Para você entender esse conceito, vamos considerar as teorizações de Piaget (1967, apud CÓCCO, 1996), que identificou um estágio de Realismo Nominal em crianças na faixa etária entre 6 e 9 anos. A partir de seus estudos, Piaget demonstrou que o realismo nominal faz parte do desenvolvimento cognitivo e constitui-se característica do pensamento infantil, em que a criança não consegue conceber a palavra e o objeto a que esta se refere como duas realidades distintas. Para Piaget, o realismo nominal consiste na atribuição de um valor lógico intrínseco aos nomes, sendo que a criança não compreende que a relação entre nome e coisa é arbitrária. Isso significa que a criança relaciona a representação gráfica de um objeto com as características ou o significado desse objeto e não com a pauta sonora que lhe corresponde. Por exemplo, ao solicitar à criança que diga uma palavra grande, ela diz o nome de um objeto grande, como casa ou trem, e justifica que o nome deve ser grande, porque o objeto é grande. Em seus estudos, Carraher e Rego (1981) descobriram mudanças no pensamento da criança entre os cinco e sete anos, o que consideraram 56 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período como outro um estágio de realismo nominal. Para as autoras, o primeiro estágio (1A), termina por volta dos seis anos, sendo que, nessa etapa, a criança apresenta uma profunda confusão entre palavra e coisa. Para as crianças neste estágio, mudar os nomes das coisas implica mudar a própria coisa. Isso significa que trocar os nomes significa trocar as características específicas de cada objeto. Já no segundo estágio (1B), as autoras consideram que há “uma redução significativa do realismo nominal lógico, pois, embora a relação entre o nome e coisa ainda seja vista como motivada, o nome não recebe mais as características da coisa.” (CARRAHER e REGO, 1981, p.6). O nível 1B é considerado um estágio de transição entre o nível 1A e o nível 2 – que representa a ausência de realismo nominal. No nível 1B as autoras perceberam que as crianças já tinham uma certa consciência da palavra, mas deixavam-se levar pelo significado, principalmente por palavras sugestivas, tais como “anãozinho”, que acaba sendo percebida como palavra menor que “gigante”. No nível 2, que representa a superação do realismo nominal, as crianças apresentam capacidades de focalizar a palavra como tal, independente do seu significado. Abaixo, transcrevemos algumas respostas apresentadas por criança pesquisada por Carraher e Rego (1981), que revelam a presença do nível 1A de Realismo Nominal: E. A lua podia ter o nome de sol e o sol o nome de lua? C. Não; E. Por que não? C. Porque o sol esquenta e a lua ilumina. E. A lua podia ter o nome de sol e o sol o nome de lua? C. Não; E. Por que não? C. Porque aí a gente ia dormir de dia e agora na escola era noite. (EH, 7 anos) (CARRAHER e REGO, 1981, p. 6) Ao discutir as relações entre Realismo Nominal e alfabetização, Carraher e Rego (1981) enfatizam que aprender a ler envolve a consciência de que as características da palavra não dependem das características da coisa que representa. Ou seja, a palavra não é grande porque o objeto é grande (gordo ou forte), nem é pequena porque o objetoé pequeno (magro ou fraco). Ainda segundo as autoras, no estágio de realismo nominal, a confusão da criança se manifesta em dois sentidos: 1) a criança acredita que mudar o nome das coisas significa mudar as características da coisa. Para a criança, lua não pode ter o nome do sol, porque o sol esquenta e a lua ilumina; 2) o nome da coisa apresenta características da coisa em si (boi é palavra grande porque o animal é grande). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 57 A confusão entre nome e coisa manifesta-se, ainda, na dificuldade em ver semelhanças entre as palavras, independentemente da semelhança entre os objetos. Para a criança em realismo nominal, laranja é parecida com bola, porque as duas coisas são redondas. Ainda conforme Carraher e Rego (1981), essa forma de compreender a relação entre os objetos e seus nomes constitui-se como um obstáculo para a alfabetização. A criança que não superar esse 1º estágio do Realismo Nominal Lógico (o estágio 1A) poderá memorizar as letras, as sílabas e as palavras, mas dificilmente se tornará hábil em leitura. Isso porque, ao confundir nome e coisa, a criança não é capaz de compreender uma característica básica do nosso sistema alfabético, que envolve a representação da palavra enquanto sequência de sons. Por isso, para aprender a ler, a criança precisa ser capaz de lidar com essa sequência de sons (a palavra, a frase, o texto) para compreender a sequência entre palavra escrita e palavra falada. Diagnosticar a presença de concepções de Realismo Nominal entre os alunos é uma tarefa fundamental para o professor alfabetizador, porque lhe permite compreender o pensamento da criança e intervir didaticamente sobre a sua dificuldade de alfabetização. Mas como podemos diagnosticar a presença de características de Realismo Nominal entre os alunos? Os testes realizados por Ferreiro e Teberosky (1985) são bastante diversificados e simples para quem entende a teoria da psicogênese da língua escrita. No quadro abaixo apresentaremos dois testes que você irá aplicar a crianças em processo de alfabetização. 58 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Atividade: Escolha 2 crianças entre 5/6 anos, em processo de alfabetização, no primeiro ano de escolaridade e 2 outras de 7/8 anos, no 2º ano de escolaridade, mas que ainda não se alfabetizaram. Primeiro, pergunte às crianças qual é a palavra maior: boi ou formiguinha? Peça-lhes para justificar sua resposta. Observe com atenção as respostas e anote-as. Se a criança que você entrevistou estiver no Realismo Nominal irá dizer que o nome do boi é maior e irá justificar sua resposta a partir das características do animal, que é grande. Do mesmo modo, a criança dirá que formiguinha é palavra pequena, porque o animal é muito pequenininho. Para o segundo teste você precisa de duas fichas de igual tamanho em que estão escritas as palavras boi e formiguinha e duas outras fichas com os desenhos de um boi e de uma formiguinha. Peça à criança para dizer os nomes dos animais que estão nos desenhos (boi e formiguinha). Em seguida, apresente as fichas com nomes, diga à criança que nelas está escrito o nome do boi e nome da formiguinha e peça-lhe que forme dois pares: o desenho do boi com o seu nome, o desenho da formiguinha com o seu nome. Se a criança estiver no Realismo Nominal ela irá colocar o boi junto com o nome da formiguinha e irá justificar que o nome do boi precisa de muitas letras, porque o animal é grande, e vice-versa. Quadro 5: Teste diagnóstico de características de Realismo nominal entre os alunos Fonte: Adaptado de FERREIRO e TEBEROSKY (1985) Em nossas pesquisas temos procurado identificar a presença de características do Realismo Nominal entre as crianças (BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009). Veja algumas das respostas que obtivemos de crianças do 1º ano de escolaridade, em uma escola pública de Montes Claros/MG. Flor é palavra grande, porque a flor cresce muito pequena. Laranja é palavra pequena, porque lá em casa elas é pequena. (E, 6 anos). Pedra é palavra pequena, porque a pedra é pequena. Brinco é palavra pequena, porque meu brinco é pequeno. (D, 6 anos). Escola porque tem muito colega. Árvore é palavra grande, porque ela é grande. (E, 6 anos). Quadra é grande porque a quadra é grande. Pé de manga é grande porque ele é grande (D, 6 anos).(BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009. p. 03). Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 59 Ao analisar esses dados, as autoras consideram que nas respostas apresentadas por essas crianças é possível perceber que os nomes (palavras) são considerados grandes, porque seus referentes são objetos/ coisas grandes. Já nos exemplos abaixo, a ideia de palavras grandes não está relacionada com o tamanho dos objetos, mas encontra-se relacionada a outras características dos objetos representados. A lógica da criança permanece a mesma e revela características no nível 1A, que Carraher e Rego (1981) consideram como o primeiro estágio de Realismo Nominal, pois os significantes (palavras) são pensados a partir dos significados (objetos/coisas). Veja as respostas abaixo, em que as crianças não falam do tamanho dos objetos, mas de outras características físicas deles: Amor é palavra pequena porque meu pai me adula muito e gosta de mim. Casa é palavra pequena porque eu gosto de ficar dentro da casa. Parede é palavra grande porque elas foi feita pras casas ficar em pé. Árvore é palavra grande porque foi feita para ter manga para a gente rancar e comer (L, 6anos) BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009. p. 04). O nível 1B de Realismo Nominal, discutido por Carraher e Rego (1981), é um estágio em que as crianças apresentam respostas mescladas – ora são associadas ao significado e às características físicas dos objetos representados, ora são apresentadas a partir do significante e das letras ou sílabas utilizadas para escrever os nomes. Em nossas pesquisas, ao ser solicitado para dizer palavras grandes e pequenas, VR (6 anos) diz que a palavra quadra é grande, porque: Se a quadra fosse pequena não cabia ninguém. Coqueiro é grande porque é pé de coco e pé de coco é grande, e tem pé de coco pequeno também. Aranha é palavra pequena, porque aranha é pequena, tem grande daquelas caranguejeira, mas tem daquelas pequenininha” (VR, 6 anos) (BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009, p. 04). Nessas respostas, a criança é orientada pelas características físicas dos objetos. No entanto, diante da solicitação de dizer uma palavra parecida com a palavra cachorro, a mesma criança pensa na sonoridade das palavras e nas letras/sons que as compõem e apresenta a seguinte resposta: Cal é palavra parecida com cachorro, porque parece com o nome de caldo. Cachorro começa com CA, é CA-CHORRO. Laru começa igual a laranja. Laru parece com Lara, parece com laranja” (VR, 6 anos). (BRAGA, VELOSO e DOMINGUES, 2009, p. 04). 60 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período Nessa resposta a criança não é induzida pelas características dos objetos e apresenta respostas considerando a lógica do nosso sistema de escrita alfabética. Daí, podemos dizer que a criança encontra-se em fase de transição, em vias de superar o Realismo Nominal Lógico. Em outras palavras, no estágio do Realismo Nominal, a criança não é capaz de compreender que a escrita seja uma representação da fala. Para os adultos alfabetizados parece óbvio que uma palavra escrita corresponda aos sons da fala. Contudo, para a criança, essa não é uma relação transparente, sendo necessário “reinventar” esse processo e compreender as relações que se estabelecem entre a escrita e a fala. Por isso, ensinar a ler e escrever não pode ser compreendido como um processo pelo qual a criança memoriza letras, sons e sílabas, juntando essas partes para formar palavras, frases e textos. Diante do que foi exposto a respeito do Realismo Nominal, percebe-se que a criança associa o nome da coisa ao seu significado, ainda não sendo capaz de focalizar o significante (palavra) como signo linguístico. Por isso, conforme Carraher e Rego (1981), a criança que ainda não desenvolveu conhecimentos que permitamcompreender as relações entre a grafia e os sons da fala poderá memorizar letras, sílabas e palavras, mas não irá se alfabetizar, por não compreender o modo como se organiza o sistema de escrita. Por isso, para uma alfabetização bem sucedida, a criança precisa superar o Realismo Nominal, sendo que o professor deve assumir o seu papel como mediador deste processo, conduzindo a criança na superação dessas hipóteses mais primitivas sobre a leitura e a escrita. Contudo, além do Realismo Nominal, há outra questão que precisa ser pensada pelo professor, de forma a facilitar o processo de alfabetização pelos alunos – a consciência fonológica. Agora que discutimos o Realismo Nominal, e que você já compreende essa importante característica do pensamento presente no nível pré-silábico de escrita, vamos discutir as características dos demais níveis da construção da leitura/escrita pelas crianças, descritos por Ferreiro e Teberosky (1985). 2.7.2 Nível Intermediário I Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), o nível intermediário I constitui-se como momento de transição, em que a criança pré-silábica faz algumas descobertas em direção à construção da hipótese silábica de escrita. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 61 Figura 21: Escrita de nível intermediário I Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Analisando a escrita é possível perceber a hipótese pré-silábica, em que a criança escreve uma série de letras para registrar as palavras. Contudo, é possível perceber o início do processo de fonetização e a criança utiliza as letras G, B e P, letras iniciais das palavras galinha, bode e pato, em seu registro. 2.7.3 Nível silábico de escrita Ao superar o Realismo Nominal, a criança já começa a entender a relação entre fala e escrita, percebe que a escrita é a representação da fala, percebe que escrevemos as palavras faladas e que essa escrita não tem relação com o tamanho dos objetos. Nessa fase ocorre uma nova construção, que Ferreiro e Teberosky (1985) denominam de fonetização da escrita, ou seja, a descoberta dos sons na fala. Por essa compreensão, a criança elabora novas hipóteses explicativas para a leitura e a escrita, passando a perceber a segmentação das palavras em sílabas e a acreditar que cada letra representa uma sílaba. A criança cria a representação silábica e passa a escrever uma letra para cada sílaba oral das palavras faladas. Nesse nível, a criança sente-se confiante em relação à sua capacidade de escrita, porque descobre que pode escrever com lógica. Ela conta os pedaços sonoros, isto é, as sílabas, e coloca um símbolo para cada pedaço. As características principais dessa fase são: uso de uma letra ou sinal gráfico para representar cada uma das sílabas orais da palavra; aceitação da escrita de palavras com uma ou duas letras, mas ainda com conflito, sendo que algumas vezes acrescenta letras depois de escrever 62 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período como forma de conciliar essa nova hipótese com a hipótese anterior que indicava a necessidade de, pelo menos três letras, para escrever uma palavra; utilização de uma letra para cada palavra quando escreve uma frase. No nível silábico nem sempre as crianças conhecem o valor sonoro convencional das letras e, por isso, usam qualquer letra para escrever qualquer palavra. Contudo, ao perceber que as letras correspondem a determinados sons, a criança passa fazer uma escrita silábica com valor sonoro convencional. Ou seja, passa a escrever as palavras fazendo uso de letras que, de fato, têm nessa palavra. Veja abaixo um exemplo de escrita silábica. Figura 22: Escrita silábica Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/ Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Analisando a escrita acima, é possível perceber que a criança registra uma letra para cada sílaba das palavras galinha, bode e pato. É uma escrita silábica com valor sonoro convencional, posto que a criança registrou uma letra para cada som pronunciado, sendo que as letras representam os sons da sílaba em questão, ou seja, a criança não utiliza uma letra qualquer para escrever, mas uma letra que corresponde a um dos fonemas da sílaba. Abaixo você tem outro registro de palavras produzidas por crianças no nível silábico. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 63 Figura 23: Escrita silábica Fonte: Pró-letramento 2008. 2.7.4 Nível silábico-alfabético O nível silábico-alfabético constitui-se como uma fase de transição entre a escrita silábica e a escrita alfabética. É o que Ferreiro e Teberosky (1985) consideram como nível Silábico-alfabético, em que fica evidente para a criança a ideia de que a sílaba não é representada somente por uma letra, podendo ser segmentada por unidades menores. Portanto, a criança passa a acrescentar letras em suas escritas, produzindo uma escrita mista e bastante próxima da escrita alfabética. É comum que as sílabas completas estejam no início ou no fim das palavras. Veja um exemplo de escrita silábico-alfabética. Figura 24: Escrita silábico-alfabética Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. 64 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período A escrita acima revela o nível silábico-alfabético, em que a palavra pata já está alfabeticamente escrita. Na palavra galinha a criança registra o GA alfabeticamente, e apenas o I para a sílaba LI e a letra A para a sílaba GA – que caracteriza o nível silábico de escrita (uma letra para cada sílaba). Na palavra bode a criança registra a letra O para a sílaba BO, revelando uma escrita silábica; em seguida registra as letras DI para a sílaba DE, revelando uma escrita alfabética, com problema de ortografia por fazer transcrição da fala. 2.7.5 Nível alfabético de escrita Conforme Ferreiro e Teberosky (1985), o nível alfabético é uma etapa em que a criança já compreende que cada letra corresponde a uma parte menor da sílaba e sua escrita passa a considerar os princípios alfabéticos. Nesse momento a criança consegue entender que a escrita representa um significado linguístico, contudo é comum a presença dos erros ortográficos, pois a criança faz a fonetização da escrita, produzindo uma escrita muito próxima da fala. Quando a criança chega neste estágio, podemos dizer que ela já compreende o sistema de representação da linguagem escrita, percebendo que uma palavra é composta de letras que formam sílabas, já é capaz de analisar os fonemas das palavras. Figura 25: Escrita alfabética Fonte: Arquivo pessoal de Geisa Magela Veloso, produzido em pesquisa realizada com a participação das acadêmicas bolsistas Alessandra Braga Costa e Renata Durães Domingues do curso de Pedagogia/Unimontes. A escrita acima foi produzida por criança de 6 anos, no primeiro ano de escolaridade de uma escola da rede municipal de Montes Claros. Observe que a escrita já está alfabeticamente constituída, mas a criança Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 65 comete um erro de ortografia na palavra galinha, em uma sílaba considerada como dificuldade ortográfica. Pausas (2004) com base em Teberosky (1989) apresenta sinteticamente os diferentes níveis de conhecimento sobre leitura e escrita produzidos pela criança. ESCRITAS PRÉ-SILÁBICAS • Desenho: escrever o nome do objeto é o próprio objeto.• Escritas indiferenciadas: série igual de grafias, seja qual for o enunciado que a criança se propõe escrever. Marcas gráficas que simulam a escrita (garatuja, letras inventadas, letras conhecidas...) • Escritas diferenciadas: em objetos distintos, escritas diferentes. Não se escreve trem do mesmo modo que vaso. Letras inventadas: - Letras conhecidas: IAMS (MENINO) - Letras do próprio nome com combinações diferentes: SONIA-IONAO (MENINO) ESCRITAS SILÁBICAS • Correspondência do som com o que se escreve. Uma grafia para cada sílaba. - Silábicas: E I M (MENINO) - Silábicas vocálicas: E I O (MENINO) - Silábicas consoantes: M N N (MENINO) ESCRITAS SILÁBICO-ALFABÉTICAS • Mais de uma grafia para cada sílaba: ME N NO (MENINO) ESCRITAS ALFABÉTICAS • Correspondência entre o som e a grafia com valor sonoro convencional: ME NI NO (MENINO) Quadro 6: Síntese dos diferentes níveis de conhecimento Fonte: Teberosky (1989) Em síntese, a compreensão desses níveis de escrita produzidos pelas crianças é importante para o professor que deseja construir práticas pedagógicas que considerem os processos construtivos das crianças. Na próxima unidade de estudo serão abordadas contribuições de outros campos do conhecimento, que também são importantes para a construção de uma prática alfabetizadora teoricamente fundamentada, enquanto na 4ª unidade trataremos dessa abordagem pedagógica. 66 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período BRAGA, Alessandra Braga; VELOSO, Geisa Magela; DOMINGUES, Renata Durães. Realismo nominal e consciência fonológica: elementos importantes para o sucesso na aprendizagem inicial da leitura e da escrita. In: Anais do II Congresso Norte Mineiro de Pesquisa em Educação. Montes Claros: Unimontes, 2010. CARRAHER, Terezinha Nunes e REGO, Lúcia Lins Browne. O realismo nominal como obstáculo na aprendizagem da leitura. Cadernos de Pesquisa. São Paulo. v 39. Nov. 1981. p.3-10. CÓCCO, Maria Fernandes. HAILER, Marco Antônio. Didática da Alfabetização: decifrar o mundo - Alfabetização e Construtivismo. São Pulo: FTD,1996. FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita Porto Alegre: Artes Médicas,1984. FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1979. KATO, Mary A. No mundo da escrita: Uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ed. Ática, 1996. MASSINI-CAGLIARI, Gladis. Escrita ideográfica e escrita fonográfica. In: CAGLIARI, Luiz Carlos; MASSINI-CAGLIARI, Gladis. Diante das Letras: a escrita na alfabetização. São Paulo: Fapesp/Campinas: Mercado das Letras/ ALB,1999.(coleção Leituras do Brasil) p.19-31. ROJO, Roxane. Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola: 2009. VANOYE, Francis. Usos da Linguagem: Problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes: 1988. WEISZ, Telma. Coleção Emilia Ferreiro. Belo Horizonte: Cedic, SD. 67 UNIDADE 3 CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS E SOCIOLINGUÍSTICOS AO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA Introdução Prezado(a) Acadêmico(a) Nesta unidade o nosso objetivo maior é apresentar alguns estudos linguísticos e sociolinguísticos que podem subsidiar a construção da prática pedagógica dos professores alfabetizadores, sobretudo acerca da compreensão da escrita das crianças. Mais especificamente discutiremos as contribuições dos estudos teóricos da alfabetização, nas perspectivas linguística, sociolinguística e sociocultural e promover debate sobre as implicações pedagógicas destes estudos e a aplicação prática destas teorias. A complexidade do processo de alfabetização envolve uma busca permanente de várias explicações. É uma questão atual de discussão dos agentes educacionais que buscam maior compreensão acerca da natureza da escrita, de suas funções e usos no processo de alfabetização. Nas últimas décadas várias foram as ciências que têm contribuído para a compreensão do processo de aquisição da leitura e da escrita, dentre essas ciências destaca-se a linguística, sociolinguística, psicolinguística. No trabalho com a alfabetização é bastante comum encontrar alunos que se alfabetizam sem dificuldade, por um processo natural e prazeroso. Contudo, para muitas crianças, aprender a ler e escrever constitui-se uma tarefa difícil e penosa. Você já parou para se perguntar por que isso ocorre? Por que crianças oriundas de uma mesma classe social, estudando em uma mesma sala de aula não aprendem no mesmo ritmo? E por que muitos desses alunos permanecem por 3 ou 4 anos na escola e não se alfabetizam? Nessa unidade trabalharemos com conhecimentos que o ajudarão a entender a alfabetização e construir algumas respostas para essas questões. 3.1 CONCEITUANDO A LINGUÍSTICA A partir das ideias dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa (BRASIL/MEC, 2001), podemos compreender a Linguística como uma ciência interdisciplinar que se interessa pela linguagem em evolução. E produzir linguagem significa produzir discursos e o discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. E assim entendemos que para falarmos de linguística se faz necessário indagar: 68 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período O que é um texto? A definição de um texto não depende e sua extensão: não importa se é curto ou longo, importa ler, se comunica algo, de que forma e com que finalidade. (DEHEINZELIN, 1994, p.60) Entende-se que é a linguística que busca desvelar o modo de construção interna desse texto. Vários estudiosos têm contribuído para este trabalho, dentre eles ressaltamos os estudos realizados por Cagliari (2009), Soares (2003), Kato (1996), Moraes (2003) e outros. A nossa proposta é começarmos abordando de maneira direta alguns conceitos básicos sobre a língua que são fundamentais para a prática do professor alfabetizador. Cagliari (2009) esclarece que a linguística tem por objetivo o estudo da linguagem e, por conseguinte, não é por si um método de ensino; ela tem como propósito explicar como a linguagem humana funciona. O autor também ressalta a importância do uso da linguística no trabalho do professor alfabetizador. Para ele, o professor deve ser um grande conhecedor da língua portuguesa, pois, como pode um professor ensinar o que não sabe? Uma criança, quando entra para a escola, nas salas de alfabetização, já é capaz de entender e falar a língua portuguesa com desembaraço e precisão, nas mais diversas circunstâncias de sua vida. Parafraseando Smith (2002), o que as crianças aprendem e pensam em relação à alfabetização é profundamente determinado pelas práticas e atitudes das pessoas a sua volta. Pergunta-se como uma criança pode aprender a ler e escrever sem um treinamento formal, e conclui-se que “a interação social é a chave”, pois o desenvolvimento das crianças baseia-se nas atividades de leitura e escrita, que são mediadas pelos adultos alfabetizados e demais pessoas que fazem parte do dia-a-dia das crianças. A criança vai construindo e fazendo uso de um vocabulário na medida em que se faz necessário adquirir e usar no seu cotidiano, no espaço da sala de aula. Essas crianças revelam através da fala a sua realidade social, cultural e econômica, identificamos as diferenças, desde os apetrechos escolares, até a forma de cada um vestir e falar. A escola por sua vez não deve ignorar a realidade das crianças e muito menos discriminá-las. Soares (2002) diz que estas diferenças trazem alterações fundamentais no processo de alfabetização, “que não pode considerar a língua escrita meramente como um meio de comunicação “neutro” e não contextualizado, na verdade qualquer sistema de comunicação escrita é profundamente marcado por atitudes e valores culturais, pelo contexto social ou econômico em que é usado”. Os fundamentos teóricos, que sustentam a prática pedagógica, utilizados em algumas escolas na atualidade não levam em consideração a realidade social dos seus alunos. Nesse sentido, vale destacar que o Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 69 professor desempenha o papel de mediador entre o sujeito da educação, o objeto de conhecimentoe realidade histórico-cultural, pois o conteúdo a ser ensinado deve ser afetado pela necessidade de transformar a realidade das nossas crianças brasileiras. É importante que o professor se aproprie dos conhecimentos produzidos no campo da linguística, de forma a considerar suas contribuições no ensino da linguagem e da alfabetização. Nesse sentido, como contribuição da linguística, destacamos os estudos sobre consciência fonológica e sua relação com o processo de alfabetização. 3.2 Estudos sobre consciência fonológica e suas implicações na alfabetização Na discussão sobre as contribuições da psicolinguística, discutidas na unidade anterior, vimos que a teorização proposta por Ferreiro e Teberosky (1985), e que a psicogênese da língua escrita produziram um grande impacto nos processos de alfabetização, por permitir que os professores compreendam a alfabetização como processo de construção e não de memorização mecânica de dados. Vimos também que a superação do nível 1A de Realismo Nominal é construção importante, pois, para se alfabetizar, a criança precisa pensar o significante independente do seu significado e compreender a escrita como representação da fala. Ou seja, para avançar do nível pré-silábico de escrita e elaborar a hipótese silábica, a criança precisa produzir a fonetização da escrita, perceber a segmentação oral das palavras em sílabas e essa habilidade se encontra relacionada com os estudos sobre a consciência fonológica. Em outras palavras, a criança somente avança para o nível silábico de escrita quando se torna atenta às características sonoras da palavra, especialmente quando aprofunda o nível do conhecimento da sílaba. Nesse sentido, vale destacar que Emilia Ferreiro e outros pesquisadores construtivistas não conferem muita importância aos estudos sobre consciência fonológica. Morais e Albuquerque (2005) afirmam que os pesquisadores construtivistas acreditam que as crianças formulam hipóteses de “fonetização da escrita”. No entanto, esses pesquisadores não reconhecem o papel desempenhado pelas habilidades de análise fonológica na origem das hipóteses que conduzem à compreensão do sistema e à aquisição da escrita alfabética. Para os autores MORAIS e ALBUQUERQUE, 2005, p.213: Em lugar de atribuir à criança representações mentais idênticas às dos adultos letrados sobre o que é uma palavra ou um fonema, Ferreiro propõe que é a “opacidade” da notação escrita que permitirá aos aprendizes representarem A linguística: é o estudo da linguagem. Está voltada para a explicação de como a linguagem humana funciona e de como são as línguas em particular, quer fazendo o trabalho descritivo previsto pelas teorias, quer usando os conhecimentos adquiridos para beneficiar outras ciências e artes que usam, de algum modo, a linguagem falada. Fonte: CAGLIARI,Alfabetização e Linguistica.2009,p.36. Linguagem: é a capacidade que o homem tem de se comunicar por meio de um sistema de signos vocais (língua) (MAROTE e FERRO, 2000) 70 Pedagogia Caderno Didático - 5º Período mentalmente as propriedades das palavras da língua, entre elas a existência dos segmentos sonoros que as constituem. Com base nessa perspectiva teórica, os defensores da abordagem construtivista tendem a não propor atividades de análise fonológica ao apresentarem uma didática da alfabetização. Contudo, estudos realizados por Morais (2006), Freitas (2004), Santamaria, Leitão e Ferreira (2004) e outros pesquisadores sinalizam para a importância do trabalho com a sonoridade da linguagem, defendendo a consciência fonológica como conjunto de habilidades necessárias à alfabetização, de forma que os alunos possam perceber as relações entre as letras e os sons. Morais (2006) considera que o desenvolvimento da consciência fonológica é parte importante das habilidades necessárias para aprender a ler e escrever. Santamaria, Leitão e Ferreira (2004) também discutem a questão e entendem que o processo de alfabetização exige a habilidade de analisar as palavras e seus componentes e utilizar as regras de correspondência entre letras e sons. Para os autores, a consciência fonológica pode ser definida como uma habilidade de manipular a estrutura sonora das palavras, sendo que a criança deve ser capaz de realizar substituições de um determinado som por outro, segmentar as palavras em unidades menores, etc. Freitas (2004) considera que a consciência fonológica seja uma habilidade que permite fazer da língua um objeto de pensamento, possibilitando a reflexão sobre os sons da fala, o julgamento e a manipulação da estrutura sonora das palavras. Em seus estudos, a autora constatou que o desenvolvimento da consciência fonológica seja um processo contínuo, que ocorre em níveis: o nível das sílabas, o nível intra-silábico e o nível da consciência fonêmica. Conforme a autora, o nível dos fonemas é uma construção mais difícil, sendo que o nível das sílabas é o mais fácil, apresentando-se como um processo bastante natural no desenvolvimento fonológico das crianças. O nível das sílabas constitui-se, portanto, como a capacidade de dividir as palavras em sílabas, sendo o primeiro e mais óbvio caminho de segmentação sonora, que traz pouca dificuldade à maioria das crianças. Conforme a autora, nesse nível, a criança tem facilidade de segmentar as palavras e geralmente elas fazem a divisão silábica oralmente (FREITAS, 2004). Ainda conforme a autora, no nível das unidades intra-silábicas, a criança percebe que as palavras podem ser divididas em unidades que são maiores que um fonema individual, mas menores que uma sílaba. Assim, a percepção das rimas e das aliterações também são habilidades desenvolvidas pelas crianças. As rimas relacionam-se à percepção dos sons iguais no final das palavras, enquanto as aliterações apresentam-se como sons iguais no início das palavras. Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UAB/Unimontes 71 Para exemplificar o que sejam rimas e aliterações e facilitar a sua compreensão, vamos relembrar uma parlenda e um trava-língua, dois textos que fazem parte do nosso folclore e são bastante recitados pelas crianças. Na parlenda “Bão, balalão, senhor capitão, espada na cinta e ginete na mão” encontramos várias palavras terminadas em “ao”, e dizemos que, por essas repetições, essas palavras rimam. Já no trava-língua “O rato roeu a roupa do rei de Roma e a rainha ruim resolveu remendar” encontramos sons que se repetem no início das palavras, e essa repetição de sons iniciais é o que denominamos de aliterações. Para Morais (2006), o termo consciência fonológica e consciência fonêmica são considerados como sinônimos. Como vimos, essa é uma compreensão inadequada, posto que a percepção dos sons das sílabas e das rimas constitui-se como parte do que chamamos de consciência fonológica, sendo que a percepção dos fonemas é que deve ser denominada de consciência fonêmica. Ou seja, a consciência fonêmica é a capacidade de manipular e identificar os fonemas, sendo que a consciência fonológica apresenta um conceito mais amplo que inclui a manipulação das sílabas, das unidades intra-silábicas (rimas e aliterações) e os fonemas. Estudos sobre consciência fonológica permitem afirmar que as crianças com 6 anos de idade já apresentam os três níveis de consciência fonológica, sendo habilidades que vão se desenvolvendo aos poucos e são facilitadas pela maior vivência com a linguagem, com as brincadeiras cantadas, com trava-língua, parlendas, trovas populares, etc. Os estudos também permitem afirmar que esse conjunto de habilidades contribui positivamente no processo de alfabetização. Contudo, os resultados desses estudos divergem com relação ao papel da consciência fonológica e o processo de alfabetização. Na década de 1970, Liberman e colaboradores (1994 apud MORAIS, 2006) descobriram que crianças americanas tinham mais facilidade para segmentar as palavras em sílabas e contar a quantidade de sílabas do que segmentar as palavras em fonemas e fazer sua contagem. Desses estudos, os autores concluíram que a consciência sobre os fonemas parecia depender da escolarização,