Buscar

Aristóteles: História Ilustrada da Ciência

Prévia do material em texto

Aristóteles 
Trechos de História Ilustrada da Ciência, de 
Colin A. Ronan, Universidade de Cambridge, 
volume 1. 
 
 Com Arisóteles, chegamos à mais significativa figura da ciência grega. Seu 
nascimento, em 384 A.C., anunciou uma nova era. Aristóteles nasceu em Estagira, na 
Calcídica, península do monte Atos, na costa setentrional do mar Egeu, originalmente 
colonizada pelos gregos de Cálcis, cerca de 230 quilômetros mais ao sul. A Calcídica 
estava próxima da Macedônia e, quando o pai de Aristóteles foi designado médico 
pessoal de Amintas III da Macedônia, avô de Alexandre Magno, a família se mudou 
para a capital, Péla. Os macedônios tinham gradualmente se tornado mais amigos dos 
gregos e, nessa época, consideravam-se helenizados: de fato, durante o reino de 
Arquelau (413-399 a.C.,), a capital se tornou um centro de cultura grega, e foi aí que 
Eurípides escreveu sua grande tragédia As Bacantes. Lutas internas pelo poder 
seguiram-se à morte de Arquelau, mas, em 359, Filipe II restaurou a paz, anexou a 
Calcídica e, então, através de uma mistura de força e diplomacia, ganhou o controle de 
toda a Grécia. Esse poder macedônio deveria ter conseqüências importantes para a 
cultura grega, como se tornará evidente depois. 
Os pais de Aristóteles morreram quando ele era criança e quando completou 
dezessete anos, seu tutor, Proxenos, mandou-o a Atenas para completar sua educação. 
Lá Aristóteles matriculou-se na Academia de Platão e foi logo apreciado por sua 
precocidade e seu entusiasmo; Platão o chamou de "o leitor" e "o intelecto". 
Oficialmente, Aristóteles ficou na Academia durante os vinte anos seguintes, até a 
morte de Platão, mas parece que sua característica inquiridora o teria, de fato, conduzido 
a aprender oratória e política com outros, além de Platão. Com o correr do tempo, ele 
começou a divergir de Platão em muitas coisas e, de acordo com o historiador grego 
Diógenes Laércio, Aristóteles deixou realmente a Academia antes da morte de Platão, 
que comentou: "Aristóteles me despreza como o potro que escoiceia a mãe que o deu à 
luz". Com a morte de Platão, seu sobrinho Seusipo passou a dirigir a Academia e talvez 
por causa disso, ou da onda de sentimentos antimacedônios na cidade, Aristóteles 
deixou Atenas. Foi acompanhado por Xenócrates, outro acadêmico; eles cruzaram o 
Egeu rumo à corte em Atarneos, perto de Lesbos, na Jônia. Lá foram recebidos por 
Hérmias, o governante, ele próprio ex-estudante da Academia. Foi então que Aristóteles 
se casou com sua primeira mulher, Pítias, sobrinha de Hérmias. Aristóteles ficou na 
vizinha Assos durante três anos, visitando a ilha de Lesbos, onde encontrou e se tornou 
amigo do naturalista Teofrasto e onde também fez uma série de observações biológicas 
por sua própria conta. Em 343 A.C., Filipe da Macedônia convidou Aristóteles a ir a 
Pela para ser o tutor de seu filho, Alexandre; Aristóteles aceitou. Foi tutor do príncipe 
por três anos até, de fato, o jovem ter de assumir como regente, enquanto seu pai estava 
fora, em expedições militares. Aristóteles ficou na Macedônia até 335 e, então, quando 
Alexandre assumiu o trono, retornou a Atenas para organizar sua própria escola e centro 
de pesquisas. Organizou-a em um bosque antes consagrado a Apolo Liceu, que por isso 
se tornou conhecido como o Liceu - termo que poderia ser usado mais adequadamente 
pelas instituições científicas modernas do que "academia". Uma vez que Aristóteles 
tinha o hábito de andar pelo bosque enquanto ensinava a seus alunos, eles se tornaram 
conhecidos como "andarilhos" ou filósofos "peripatéticos". Aristóteles viveu e trabalhou 
no Liceu durante os treze anos seguintes, estabelecendo uma escola animada e uma 
biblioteca, assim como um museu de objetos naturais de diversas espécies - concepção 
muito diferente da de Platão, que teria rejeitado tais auxílios, já que ele acreditava que 
se podia visualizar uma figura do universo apenas pelo pensamento. Aristóteles, ao 
contrário, pensava serem necessários todos os fatos difíceis passados em revista antes de 
se poder obter uma visão do mundo natural. 0 museu foi montado pelo próprio 
Alexandre, que também contribuiu com fundos para o Liceu, mas, quando ele morreu, 
em 323, o partido antimacedônio de Atenas foi mais uma vez vingativo. Acusou 
Aristóteles de impiedade, e este se refugiou em Cálcis, onde morreu depois de alguns 
meses. 0 Liceu continuou sob a direção de Teofrasto. 
0 trabalho de Aristóteles pode ser dividido em dois períodos, o realizado durante 
a sua estada na Academia e o que executou depois de deixá-la. 0 primeiro período é 
caracterizado por uma série de livros que mostram a influência de Platão; o segundo, 
por um estado de espírito mais independente. 
Seus trabalhos iniciais mostram grande respeito pela matemática, mas são 
basicamente voltados para o uso da dialética, para métodos de pergunta e resposta 
destinados a orientar axiomas. Revelam que ele aceitava certas idéias platônicas, a 
imortalidade da alma e a natureza divina dos corpos celestes, mas, mesmo nesse caso, é 
interessante notar, Aristóteles encarava os últimos como corpos tangíveis, não como 
arquétipos: considerava-os não como uma idéia, mas como movimentos perfeitos 
daquilo que eram estrelas e planetas reais, autênticos corpos físicos. Apesar disso, 
aceitava que havia algo diferente a respeito deles, e foi nessa época que passou a encarar 
a possibilidade de que eles fossem compostos de uma quintessência incorruptível, algo 
diferente, e complementar, os quatro elementos de Empédocles. 
Aceitando o fato de que a matéria física era tão importante quanto sua Forma ou 
Idéia, Aristóteles definiu uma esfera de influência dentro da qual poderia ser realizado 
um trabalho verdadeiramente científico. Nesse sentido, foi muito mais cientista que 
Platão, que não via qualquer valor na investigação da matéria. Como resultado, 
Aristóteles fundamentou uma grande quantidade de conhecimentos em vários campos, 
inclusive o da biologia, da astronomia e da física. Em todas essas observações, aplicou 
seu rigoroso método lógico, que investigava as várias causas dos objetos que ele 
observava; só uma essas causas, a "força motriz", ele considerou além do âmbito da 
investigação racional. 
Um campo em que o método científico de Aristóteles pode ser facilmente 
comprovado é a lógica, o instrumento de precisão do discurso filosófico. Em vários 
trabalhos, como Categorias e os dois livros Analítica, ele começou a apresentar as leis 
do raciocínio. Proposições, falácias, o procedimento para o raciocínio correto e um 
sistema dedutivo de argumentação formal (silogismo) estão todos especificados com 
detalhes. Temos de admitir que o que ele escreveu poderia ser considerado muito 
prolixo pelos padrões da lógica simbólica moderna, que expressa condições e relações 
com símbolos algébricos especiais, e não com palavras, mas este é um desenvolvimento 
relativamente recente. 0 que Aristóteles fez - e não foi uma realização desprezível - foi 
lançar os firmes fundamentos do assunto. 
 Aristóteles devotou - o que não surpreende - muito tempo à discussão de 
questões que hoje classificaríamos como astronomia e física. A atração desses dois 
assuntos científicos residia no fato de apresentarem uma quantidade de problemas 
definidos que podiam ser isolados e para os quais era possível dar algumas respostas 
específicas. Assim, podia-se tentar considerar os movimentos regulares dos planetas, a 
distância em que se encontravam, sua grandeza; ou era possível investigar os 
movimentos dos corpos na Terra, a razão por que a água corria para baixo nas encostas 
ou o fogo queimava para cima. E, certamente, essa especificação era a razão pela qual 
esses dois assuntos tinham tanta evidência na ciência primitiva. Eram aqueles com os 
quais se podia realmente passar à ação. 
Para Aristóteles, o universo era uma esfera com a Terra fixa no centro;era finito 
em tamanho porque, argumentava ele, se fosse infinito, não teria centro. A opinião de 
Aristóteles de que a Terra era fixa não foi aceita imediatamente; ele realmente 
considerou se ela poderia mover-se como, por exemplo, Filolau havia sugerido. 
Rejeitou a idéia, pois, em sua opinião, a Terra não experimentava os tipos de fenômenos 
- ventos impetuosos ou instabilidade - que poderiam aparecer caso ela se movesse; 
admite-se que esses efeitos só podiam ser esperados com base nas leis de movimento do 
próprio Aristóteles, como descritas abaixo, mas, na época, os argumentos - e as leis - 
pareciam bastante razoáveis, o produto lógico das provas disponíveis. 
Ele concordava em que as estrelas e os corpos celestes se moviam em órbitas 
circulares. Esteticamente, isso era satisfatório e, com um mecanismo como as esferas 
homocêntricas para explicá-lo, parecia estar de acordo com as observações. Contudo, 
parece que Aristóteles atribuiu às esferas como uma existência física real; não lhe era 
aceitável uma explicação matemática solta no espaço. Assim, a idéia de um universo de 
claras esferas de cristal ganhou aceitação. Mas o que as movia? Por que todas essas 
esferas girariam? Novamente essas perguntas dependiam das leis do movimento de 
Aristóteles, as quais declaravam que um corpo em movimento necessitava de uma força 
constante para mantê-lo assim; por fim, ele concluiu que a esfera externa - a esfera das 
estrelas era a "força motriz". Foi mais adiante quando sugeriu que, por trás de tudo, 
estava um "motor imóvel" que dirigia todo o sistema, mas agora já estamos no campo 
da metafisica, não da física. Resvalamos da ciência para a intervenção divina, da 
explicação física para a motivação suprafisica. 
 Para Aristóteles, o céu era íntegro e imutável, suposição bastante razoável, 
considerando-se o fato de que nunca haviam sido observadas alterações nele. As 
mesmas estrelas e os mesmos planetas tinham aparecido para gerações sem conta. Por 
outro lado, as coisas eram bem diferentes na Terra; aqui, a mudança e a decadência 
eram parte da cena diária. Ele racionalizou isso, afirmando que as mudanças eram 
confinadas nesta parte do universo contida na esfera abaixo da Lua, isto é, a esfera mais 
interior de todas, que tinha a Terra como centro. Os corpos celestes eram formados por 
uma quintessência eterna e sem mancha; as mudanças e transformações eram restritas 
aos quatro elementos comuns. 
 Com essa divisão do universo em imutável e mutável, Aristóteles podia tentar 
resolver questões como a natureza das "estrelas cadentes", ou meteoros, que aparecem 
como clarões que atravessam o céu noturno, durante uma fração de segundo a alguns 
segundos, e a chegada de cometas, com suas cabeças nebulosas e longas caudas 
brilhantes, que permanecem no céu durante semanas e mesmo meses antes.de 
desaparecer tão misteriosamente como surgiram. Evidentemente, eles não podiam ser 
verdadeiros corpos celestes, pois eram efêmeros, fenômenos transitórios deviam existir 
no ar superior, na região sublunar. Ambos eram como meteoros, ou, como podemos 
dizer, meteorológicos. Mas, de fato, era um grande passo à frente explicar cometas e 
meteoros como corpos físicos, e não deuses ou demônios. As nuvens, a chuva e os 
ventos eram também parte desse esquema meteorológico sublunar. 
 A Terra era esférica: Aristóteles não tinha dúvida sobre isso. As razões para sua 
esfericidade eram parcialmente estéticas - uma esfera era uma figura totalmente 
simétrica - e parcialmente físicas. As razões físicas eram resultados da observação. 
Primeiramente, havia o modo pelo qual um navio parece afundar no horizonte, 
conseqüência natural de uma Terra esférica ou curva, mas não de uma Terra plana. Em 
segundo lugar, havia a observação de que, em qualquer lugar em que se estivesse, de um 
lado do Egeu ou de outro, os objetos sempre caíam verticalmente ao chão. Admite-se 
que isso podia acontecer com uma Terra plana, tanto quanto com uma Terra esférica, 
mas não com uma Terra simplesmente curva. Reunidas, as provas eram conclusivas. 
Mas por que as coisas caíam no chão? Por que a água sempre "encontra seu próprio 
nível", ou o ar se espalha pelo espaço circundante? Por que as chamas sempre queimam 
para cima? Essas também eram questões físicas que requeriam uma resposta, e a medida 
da grandeza de Arist6teles reside no fato de ter sido capaz de dá-la. 
 Sua solução era dizer que tudo tinha seu lugar natural. 0 dos materiais terrestres 
era o centro da Terra, e quanto mais elemento terra um corpo contivesse, mais 
fortemente ele procurava chegar lá. Assim, de acordo com Aristóteles, as coisas mais 
pesadas (isto é, com mais terra) cairiam ao chão mais depressa do que as mais leves. A 
água se espalha pelo chão como se tivesse sido derramada porque o lugar natural do 
elemento aquoso era a superfície da Terra. 0 lugar natural do elemento ar era em torno 
da Terra, cobrindo-a como um cobertor, enquanto o lugar natural do elemento fogo 
ficava em uma esfera acima das nossas cabeças. As chamas queimavam para cima 
porque procuravam retornar à sua morada natural. Era um sistema coerente, completo. 
 Quanto ao movimento dos corpos, Aristóteles distinguia três espécies . Primeiro, 
havia o movimento “natural”; era observado, por exemplo, quando um corpo caía ao 
chão, devido à sua “ gravidade”, ou se levantava, devido à sua “leveza”. O segundo, era 
o “movimento forçado”; era causado por forças externas e interferia no movimento 
natural, como quando e levantava um peso ou se atirava uma flecha. Em terceiro lugar, 
havia o movimento “voluntário”; este era executado pela vontade das criaturas vivas. 
Uma força era sempre necessária para gerar um movimento forçado, sendo a velocidade 
imposta proporcional a essa força, conseqüência que, incidentalmente, tornou 
impossível existir um vácuo, pois nesse caso uma velocidade infinitamente grande 
resultaria de uma força finita. Em conseqüência, Aristóteles rejeitou completamente os 
ponto de vistas dos atomistas. Tudo parecia bastante lógico, mas causou grande 
dificuldades quando se veio a considerar o movimento forçado de um projétil, como os 
cientistas medievais europeus viriam a constatar. 
 
......

Continue navegando