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Filosofando - Unidade 6 - Cap 24

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Capítulo 
2'1 
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Ciência antiga 
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Detalhe de iluminura medieval (1385) que mostra Boécio ensinando seus disclpulos. 
Como senador romano, Boécio foi preso e condenado à morte sob a acusação 
de traição. Enquanto estava na prisão escreveu A consolação da filosofia . 
A propósito da conquista da Grécia pelos romanos no século li a.C., 
o poeta Horácio comentou que "a Grécia conquistada conquistou o feroz 
vencedor". Ou seja, a cultura grega foi apropriada pelos latinos. No 
século V d.C., inicio da Idade Média, viveu o erudito Severino Boécio 
(LJB0-52l.J), considerado "o último dos romanos e o primeiro dos 
escolásticos". Conhecedor de grego e latim, era leitor dos clássicos gregos, 
principalmente de filosofia. Divulgou a obra de Platão e traduziu textos de 
lógica de Aristóteles. Por sua vez, os cristãos adaptavam à fé a herança 
greco-romana pagã. 
Veremos neste capitulo como a filosofia grega expandiu-se, assumindo 
contornos diferentes no decorrer do tempo. 
~ 292 Unidade 6 ·Filosofia das ciências 
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D Filosofia e ciência 
A filosofia surgiu na Grécia por volta dos séculos 
VII e VI a.C., mais propriamente nas colônias gregas 
da Jônia e da Magna Grécia. Conhecida como filosofia 
pré-socrática, representou um esforço de raciona-
lização para desvincular-se do pensamento mítico. 
Caracterizou-se pelas questões cosmológicas, por 
especular a respeito da natureza do mundo físico e de 
sua origem (a arkhé), o princípio de todas as coisas. 
Naquele período, filosofia e ciência estavam vin-
culadas: era o "filósofo natural" que se debruçava 
sobre questões científicas porque a ciência grega 
ainda não tinha um método próprio. 
D Geometria e medicina 
Nas civilizações mais antigas do Egito, da Índia e 
da China, já havia referências a diversas propriedades 
geométricas, sempre visando à aplicação prática. 
Foram os gregos pré-socráticos que, por meio de 
demonstrações racionais, desenvolveram a geome-
tria de forma abstrata. 
Tales de Mileto (c.620-c.546 a.C.), matemático 
e astrônomo, é considerado o mais antigo filósofo. 
A artista norte-americana Marion Orennem prestou uma 
homenagem a Pitágoras. Na obra, sem título, há a inscrição 
"O número regula o Universo". Pitágoras demonstrou o 
teorema que leva seu nome e generaliza a seguinte relação, 
válida para todo triângulo retângulo: "O quadrado da 
hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos". 
Tales teria também calculado a altura de uma pirâmide comparan-
do a sombra dela com a sombra de uma estaca de madeira. 
Como não deixou nada escrito, o que conhecemos 
dele são relatos de outros autores, havendo muita 
discrepância e lendas em torno de suas teorias e 
atuação. É atribuída a ele a demonstração dos triân-
gulos semelhantes: dois triângulos são congruentes 
quando as medidas de dois ângulos e do lado com-
preendido entre eles são exatamente as mesmas. 
Como astrônomo, teria previsto um eclipse solar. 
Outro filósofo pioneiro da geometria foi Pitágoras 
de Sarnas (c.570-c.495 a.C.), para quem o número é a 
arkhé de todas as coisas, o princípio de onde deriva 
a harmonia da natureza. Demonstrou vários teore-
mas e estudou as relações proporcionais entre os 
diferentes comprimentos de uma corda, bem como 
as alterações de tensão ou espessura que mudam 
os sons emitidos pela lira. 
Com a medicina ocorreu semelhante processo 
de racionalização da prática, ao desvincular-se 
tanto quanto possível das superstições e da magia, 
a partir da atuação de Hipócrates de Cós (século V 
a.C.), conhecido como o "pai da medicina". Com seus 
colegas e discípulos, elaborou o Corpus Hipocraticum 
(Coleção Hipocrática), título latino da obra que contém 
a identificação de várias doenças e formas de trata-
mento, além da orientação para uma vida saudável. 
Hipócrates observou os efeitos do clima e do meio 
ambiente na saúde e desenvolveu a doutrina dos 
humores (ou líquidos corporais), que foi aceita até o 
século XVII. Ainda hoje ele é lembrado no tradicional 
"juramento hipocrático", o comprometimento ético dos 
profissionais da saúde no exercício de sua atividade. 
Platão 
Mais explicações sobre a teoria das ideias de 
Platão poderão ser encontradas no capítulo 
10, "A busca da verdade". 
A concepção científica de Platão (428-347 a.C.) 
baseia-se na teoria das ideias. Para ele, a razão tem 
dificuldade em atingir o verdadeiro conhecimento por 
causa da deformação que os sentidos inevitavelmen-
te provocam. Por esse motivo, cabe à razão depurar 
os enganos, para que se possa ter a verdadeira con-
templação das ideias. O propósito de Platão é elevar 
o conhecimento da simples opinião até a ciência, o 
conhecimento do ser verdadeiro. 
No pórtico da Academia de Platão existia os 
seguintes dizeres: "Não entre aqui quem não sou-
ber geometria". Para o filósofo a matemática era 
fundamental para tornar possível o conhecimento. 
A matemática descreve as realidades não sensíveis 
e é capaz de se dissociar dos sentidos e da prática. 
E, na geometria, a figura sobre a qual raciocinamos 
não depende da figura sensível que representa. Por 
exemplo, uma bola real é sempre imperfeita, enquan-
to a ideia de esfera é abstrata e perfeita. 
Ciência antiga e medieval · Capitulo 2~ 293 C 
) O Timeu 
As teorias cosmológicas, físicas e fisiológicas de 
Platão encontram-se sobretudo no diálogo Timeu, 
que provavelmente não se destinava ao público leigo, 
mas a iniciados, daí as inúmeras interpretações a 
que deu margem, no decorrer do tempo, inclusive a 
elocubrações astrológicas. 
Para os gregos antigos a matéria é eterna, não 
criada, e Platão atribui a um .OemLurgp, princípio di-
vino que organiza a matéria preexistente, a função 
de pôr ordem no caos inicial. Em algumas passagens, 
esse princípio é associado à ideia do bem e, como 
tal, é o fim último para onde tendem todas as coisas 
na busca da perfeição. Para transformar o caos em 
cosmo o Demiurgo contempla os modelos do mundo 
das ide ias para criar a Alma do Mundo. Isso significa 
que, para Platão, o mundo sensível é uma cópia im-
perfeita do mundo inteligível. 
Demiurgo. Do grego demiourgós, "artista", "arte-
são". Para Platão, trata-se do "artesão do mundo". 
Cosmo. Do grego kósmos, "ordem", "harmonia", 
"beleza". 
Na síntese científica levada a efeito no Tímeu, Pia-
tão incorpora observações pessoais e conhecimentos 
recolhidos de seus contemporâneos e também de 
anteriores, sobretudo de Empédocles e dos pitagó-
ricos. O professor Marco Zingano realça o fascínio 
do esforço intelectual de Platão no período em que 
a reflexão sobre a ciência se iniciava. Mas completa: 
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~ 29Q Unidade 6 · Filosofia das ciências 
"Porém, tal fascínio é temperado por um igualmente 
inegável distanciamento da experiência e do senso 
comum. Seu legado é, assim, duplo. De um lado, 
a aventura da ciência teve nele um momento 
extraordinário, que a marcou, aliás, por vários séculos. A 
razão tem nele seu primeiro e infatigável elogio. Por outro 
lado, Platão foi longe demais, exigindo de si e de seus 
discípulos um certo desprezo do mundo da experiência 
que terminou por impedir um maior desenvolvimento." 
ZINGANO, Marco. Platão e Aristóteles: o fascfnio da 
filosofia. São Paulo: Odysseus, 2002. p. 58. 
I) Aristóteles 
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, 
recusou o mundo separado das ideias platônicas, 
voltando-se para a realidade concreta. Tampouco 
deu continuidade à valorização da matemática como 
instrumento indispensável para alcançar a ciência, 
porque a matemática só nos diz sobre a quantidade, ~ 
mas não explica a natureza das coisas. Valorizou a 
observação, habilidade por ele desenvolvida nos es-
tudos de zoologia, e aperfeiçoou a lógica, instrumento 
intelectual para garantir o rigor de sua argumentação. 
Sobre lógica, consulte o capítulo 9, "A lógica". 
) A física aristotélica 
O termo grego physis, que traduzimos por "física", 
significa propriamente "natureza", por isso não deve 
ser confundido com o que hoje entendemos pela ciên-
cia de mesmo nome. Refere-se a tudo o que atualmen-
te denominamos física, biologia, química, geologia 
etc., ou todos os seres da natureza em movimento. 
Manuscrito medieval 
de uma tradução para 
o latim do diálogo 
Timeu, de Platão, escrito 
por volta de 360 a.C. 
Participam desse diálogo 
Sócrates, Crftias, Timeu 
e Hermócrates, embora 
seja Ti meu quem discorre 
sobre o "mito verossfmil" 
do cosmo, desde a 
gênese do Universo até 
a descrição da natureza 
humana do ponto de 
vista ffsico e moral. 
) A teoria do lugar natural 
Segundo Aristóteles, o movimento é a transição 
do corpo que busca o estado de repouso, no seu 
lugar natural. Recorre à teoria dos quatro elementos 
de Empédocles (terra, água, ar e fogo) para explicar 
como os corpos se encontram em constante movi-
mento retilíneo em direção ao centro da Terra ou em 
sentido contrário a ele. Ou seja: 
• os corpos pesados (graves), como a terra e a 
água, tendem para baixo, pois esse é o seu lugar 
natural; 
• os corpos leves, como o ar e o fogo, tendem para 
cima. 
Com base nessa teoria, Aristóteles explica a queda 
dos corpos: um corpo cai porque sua essência é ten-
der para baixo e seu movimento só é interrompido 
se algo impedir seu deslocamento. Pa ra os gregos, 
não havia necessidade de explicar o repouso , pois 
a própria natureza do corpo o justifica. O que para 
eles precisa ser explicado é o movimento violento (ou 
forçado), porque, nesse caso, a ordem natural - de 
tudo tender ao repouso- é alterada pela aplicação 
de uma força exterior. 
Enquanto o movimento natural é o da pedra que 
cai , do fogo que sobe, o movimento violento é o 
da pedra lançada para cima, da flecha arremessada 
pelo arco. Esse movimento necessita, durante toda 
sua duração, de um motor unido ao móvel, já que, 
suprimido o motor, o movimento cessará. 
No detalhe de A escola de Atenas (1509-151Dl, afresco de 
Rafael Sanzio, vemos Platão apontando para o alto - o mundo 
das ideias- e Arist óteles indica ndo a rea lidade concreta. 
) A biologia 
Embora a ciência de Aristóteles tenha sido mais 
valorizada pelas suas contribuições no campo da 
física e da astronomia, é preciso fazer justiça aos 
cuidadosos estudos de zoologia, resultado de via-
gens em que observou atentamente um número 
grande de animais. 
As descrições dos animais decorreram não só 
da observação, mas também de práticas de disse-
cação para estudar suas estruturas anatômicas. 
Classificou cerca de 540 espécies de animais 
e estabeleceu relações entre elas. Devemos a 
Aristóteles a descrição da evolução embrionária do 
pinto, os costumes das abelhas, o acasalamento 
dos insetos. Ele reali zou inúmeras observações 
sobre a vida marinha e concluiu que a baleia é um 
mamífero. 
Ao interpretar a ordem da natureza, Aristóte-
les desenvolveu uma concepção te I ' i a. Ou 
seja, na natureza, todos os seres têm um fim, um 
desígnio. Por exemplo, os seres vivos tendem a 
atingir a forma que lhes é própr ia e o fim a que se 
destinam. Do mesmo modo, a semente tem em po-
tência a árvore que virá a ser, as raízes adentram no 
solo com o fim de nutrir a planta, os patos têm 
pés com membranas porque têm como fim nadar. 
A concepção teleológica foi aceita até as des-
cobertas da ciência moderna, sobretudo com 
Charles Darwin. 
ft ETIMOLOGIA 
Teleologia. Do grego télos, "fim". No contexto, 
expl icação pelos f ins. Não confundir com teolo-
gia, "estudo de Deus". 
) A astronomia: o cosmo 
hierarquizado 
A observação do movimento dos astros é muito 
antiga. Povos como os babilônios já manifestavam 
esse interesse dois ou três mil anos antes de Cristo. 
Foram os gregos que, pela primeira vez, explicaram 
racionalmente o movimento dos astros e procura-
ram entender a natureza do cosmo. 
Apesar da ênfase grega na razão , persistia 
ainda certa mística nessas explicações, porque, 
ao associar a perfeição ao repouso, a cosmologia 
grega desenvolveu uma concepção estática do 
mundo. Diferentemente da física , na qual prevalecia 
a noção de movimento como imperfeição, os corpos 
celestes são considerados perfeitos. 
Ciência antiga e medieval· Capitulo 2q 295 C 
Os gregos privilegiavam o círculo como forma 
perfeita, diferente do movimento retilíneo dos 
imperfeitos corpos terrestres. O movimento circular 
não tem início nem fim porque volta sobre si mesmo 
e continua sempre, é movimento sem mudança. 
Acrescente-se a isso a concepção do Universo fini-
to, limitado pela esfera do Céu, fora do qual não há 
lugar nem vácuo e nem tempo. 
Contudo, de onde viria o movimento inicial? Se-
gundo Aristóte les, Deus é o Primeiro Motor Imóvel 
que determina o movimento da última esfera, a esfera 
das estrelas fixas, transmitido por atrito às esferas 
contíguas, até a Lua, na última esfera interna. No 
centro encontra-se a Terra, imóvel. 
O modelo geocêntrico e a 
hierarquização do cosmo 
Na astronomia da Antiguidade e da Idade Média 
prevaleceu o modelo geocêntrico, da Terra imóvel no 
centro do Universo. Essa tradição começou com Eu-
doxo (século IV a.C.), um dos discípulos de Platão. Foi 
confirmada por Aristóteles e mais tarde por Cláudio 
Ptolomeu (século IIJ. 
Mapa celeste (l660-l66ll, de Andreas Cellarius, 
publicado por Johannes Janssonius, em Amsterdã. 
O modelo geocêntrico de Ptolomeu: esférico, finito , 
contornado pela esfera das estrelas fixas. 
Outra característica importante na cosmologia 
aristotélica é a hierarquização do cosmo: o Céu tem 
uma natureza superior à da Terra. Sob essa perspec-
tiva, o Universo está dividido em: 
• mundo supralunar- constituído pelos Céus, que 
incluem, na ordem, a Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, 
Marte, Júpiter, Saturno e, finalmente, a esfera das 
estrelas fixas; os corpos celestes são constituí-
dos pelo éter (que não se confunde com a subs-
tância química hoje conhecida); sua natureza é 
296 Unidade 6 ·Filosofia das ciências 
cristalina, inalterável, imperecível, transparente 
e imponderável ; o éter é também chamado de 
quinta-essência, em contraposição aos quatro 
elementos; os corpos celestes são incorruptíveis, 
perfeitos, não sujeitos a transformações; o movi-
mento das esferas é circular, que é o movimento 
perfeito; 
• mundo sublunar- corresponde à região da Terra 
que, embora imóvel, é o local dos corpos em cons-
tante mudança, portanto perecíveis, corruptíveis, 
sujeitos a movimentos imperfeitos, como o retilí-
neo para baixo e para cima; os elementos consti-
tutivos são os quatro elementos (terra, água,ar 
e fogo). 
) Considerações sobre Aristóteles 
A física aristotélica é qualitativa, porque construí-
da sobre os princípios que definem as coisas, a partir 
dos quais são deduzidas as consequências. Trata-se 
da valorização do método dedutiva, cujo modelo de 
rigor encontra-se na matemática. Apesar disso, os 
gregos não matematizaram a física, com exceção 
de Arquimedes, como veremos. Embora tenha feito 
observações pertinentes, Aristóteles não recorreu à 
experimentação, fato que pode ser entendido pela 
resistência dos gregos em utilizar as técnicas ma-
nuais em áreas de investigação para ele restritas ao 
saber puramente teórico. 
Ao enveredar pela procura das causas, a ciência 
antiga desembocou na discussão metafísica da 
essência dos corpos. Por isso, essa ciência é propria-
mente filosófica, baseada em princípios metafísicos 
e centrada na argumentação. 
D Alexandria e a escola 
helenística 
Quando a Grécia foi conquistada pelos macedô-
nios, em 338 a.C., teve início um processo de inte-
ração cultural denominado helenismo. Ao expandir 
as fronteiras do império, Alexandre Magno levou 
a cultura grega para pontos distantes, ao mesmo 
tempo que possibilitou as influências orientais 
no Ocidente. 
Após a divisão do império de Alexandre, foi funda-
do em Alexandria, na foz do Nilo, um avançado centro 
de estudos. Constituído por escolas de diversas 
ciências, um museu e a famosa biblioteca, que por 
muitos séculos atraiu intelectuais proeminentes de 
vários locais do mundo antigo. A biblioteca de Alexan-
dria, centro cultural do helenismo, sofreu diversos 
danos, desde um incêndio no século I a.C. a saques 
ao longo dos tempos, até ser totalmente destruída 
no século VII. 
) Euclides e Arquimedes: geometria 
e mecânica 
Logo de início destacou-se a contribuição de Eucli-
des, que, de 320 a 260 a.C., fundou e dirigiu a escola 
de matemática em Alexandria. Com a obra Elementos, 
sistematizou o conhecimento teórico. dando-lhe 
os fundamentos ao estabelecer os princípios da 
geometria, os conceitos primitivos e os postulados. 
Os conceitos primitivos são o ponto, a reta e o pla-
no, que não se definem, enquanto os postulados são 
enunciados que devem ser aceitos sem demonstra-
ção, por exemplo: "uma linha reta pode ser traçada 
de um para outro ponto qualquer". Tais princípios 
constituem o ponto de partida sobre o qual se cons-
trói o edifício teórico de qualquer demonstração. 
~ PARA SABER MAIS 
No século XIX alguns matemáticos construíram 
as chamadas geometrias não euclidianas, cujos 
princípios contradizem os postulados da geome-
tria plana de Euclides. 
Leia mais no capitulo 25, "A revolução científica: as ciências 
da natureza". 
A mecânica foi outra ciência que se desenvol-
veu no centro cultural de Alexandria. Suas bases 
foram estabelecidas por Arquimedes (287-212 a.C.), 
nascido na Sicília, e que teria passado um tempo 
em Alexandria. A fama de Arquimedes nos remete 
a acontecimentos interessantes, embora muitos 
deles envoltos em lendas. Para defender Siracusa, 
quando assediada pelos romanos, Arquimedes teria 
construído engenhos mecânicos (catapultas) para 
lançar pedras e teria também incendiado navios por 
meio de um sistema de lentes de grande alcance. 
Os artefatos de Arquimedes passaram da dimen-
são puramente técnica ou prática para a especulação 
teórica e científica ao ser descoberto o princípio da 
hidrostática (lei do empuxo), um dos princípios funda-
mentais da mecânica. Além disso, redigiu um tratado 
de estática, formulou a lei de equilíbrio das alavancas 
e fez estudos sobre o centro de gravidade dos corpos. 
~ PARA SABER MAIS 
Se você quiser conhecer o relato provável da 
maneira pela qual Arquimedes teria descoberto 
o princípio da hidrostática, consulte o capítulo 7, 
"O que podemos conhecer?". 
Galileu viu em Arquimedes o único cientista verda-
deiro da Grécia, por ter revelado aspectos fundamen-
tais da experimentação moderna: realizou medidas 
sistemáticas, determinou a influência de cada fator 
que atua no fenômeno e enunciou o resultado sob a 
forma de lei geral. 
No entanto, não podemos esquecer que a utilização 
de instrumentos na fase de investigação e a aplicação 
prática das ciências, levadas a efeito por Arquimedes e 
outros sábios atuantes em Alexandria, constituem exce-
ção na produção científica grega, que era mais voltada 
para a especulação racional e desvinculada da técnica. 
) Ptolomeu e o geocentrismo 
O matemático, geômetra e astrônomo Cláudio 
Ptolomeu foi uma das últimas grandes personali-
dades de Alexand r ia, já no século li da era cristã. 
Sua obra Almagesto representa o mais importante 
referencial da astronomia geocêntrica da Antigui-
dade, que exerceria influência durante toda a Idade 
Média até ser contestada por Copérnico e Galileu. 
Os modelos astronômicos dos gregos eram 
geocêntricos, exceto o de Aristarco de Samos 
[310-230 a.C.), que propusera um revolucionário 
modelo heliocêntrico, nunca aceito e até conside-
rado subversivo. 
D A ciência na Idade Média 
Com a queda do Império Romano do Ocidente (q76) 
e a implantação do modo de produção feudal, a cultura 
greco-romana quase desapareceu. Essa herança cultu-
ral foi preservada nos mosteiros pelos monges, únicos 
letrados em um mundo onde a maioria não sabia ler. A 
religião cristã impôs-se como elemento agregador dos 
inúmeros reinos bárbaros formados após sucessivas 
invasões. Seus chefes pouco a pouco se converteram 
ao cristianismo, e a Igreja tornou-se soberana abso-
luta da vida espiritual do mundo ocidental. 
Nesse panorama, conforme as obras de Platão 
e Aristóteles iam sendo traduzidas, preservava-se 
a concepção de ciência greco-latina. No período 
medieval, entretanto, o saber se vinculou aos inte-
resses religiosos e se subordinou aos critérios da 
revelação, já que a razão humana devia se submeter 
ao testemunho da fé. 
A filosofia expressou-se no pensamento de 
teólogos que adaptaram o pensamento antigo à 
fé. Pode-se destacar dois períodos importantes: 
a patrística, com Agostinho de Hipona (século Vl. e 
a escolástica, com Tomás de Aquino (século XIII). 
Na patrística predominou a influência do neopla-
tonismo e a de Aristóteles na escolástica. 
Ciência antiga e medieval ·Capítulo 214 297 C 
) A herança grega 
A ciência medieval, influenciada pelo cristianis-
mo, desprezou a herança helenística de Alexandria, 
bem como as pesquisas dos árabes, a que iremos 
nos referir adiante. Valorizando o conhecimento 
teórico em detrimento das atividades práticas, a 
ciência medieval continuou voltada para a discussão 
racional e permaneceu desligada da técnica e da 
pesquisa empírica. 
Gravura de Strasbourg (1516), mostrando o ábaco. 
Uma prancheta provida de bolas ou argolas usada 
para operações de cálculo, o ábaco é um instrumento 
que surgiu entre as mais antigas civilizações e 
que existe até hoje, com pequenas variações. 
Os instrumentos disponíveis eram rudimentares. 
Não havia sido inventado qualquer aparato para me-
dir a temperatura ou para ampliar a visibilidade, e os 
dispositivos utilizados para medir o tempo não eram 
rigorosos, restringindo-se a ampulhetas, clepsidras 
(relógios de água) e relógios de Sol. 
~ PARA SABER MAIS 
Na Idade Média, questões aparentemente simples, 
como a notação dos números, feita com os algaris-
mos romanos, dificultava os cálculos. Por exemplo, 
a divisão de MDCXXXII por IV é impossível de ser 
resolvida sem o auxílio do ábaco. Já os algarismos 
arábicos, apesar de conhecidos desde o século X, só 
tiveram seu uso general izado após o Renascimento. 
Qual era o lugar da ciência no mundo medieval? 
Pelo que pudemos observar até aqui, houve relu-
tância ou impossibilidade em incorporar a experimen-
• 298 Unidade 6 ·Filosofia das ciências 
tação e a matematização das ciências da natureza, 
mesmo porque os recursos disponíveis da matemática 
ainda eram incipientes para que se procedesse à 
matematização do mundo físico. A retomada do pen-
samento aristotélico reforçou a concepção qualitativada física, e a astronomia geocêntrica permaneceu 
como a última palavra até o século XVI. 
D Exceções à tradição 
As questões religiosas afastavam os filósofos 
das discussões referentes à natureza, mas algumas 
posições divergentes indicam pontos de ruptura que 
prepararam de certo modo a crise do modelo cientí-
fico da tradição greco-medieval. Essas divergências 
podem ser compreendidas pela revitalização dos 
centros urbanos e pela expansão do comércio: a 
economia capitalista emergente iria necessitar de 
um outro saber, mais prático e menos contemplativo. 
Nesse processo destacaram-se o trabalho dos 
alquimistas e a atuação de frades franciscanos na 
Inglaterra. 
) Os alquimistas 
A alquimia surgiu de especulações de artesãos 
metalúrgicos. Apesar da intolerância religiosa, essa 
prática era conhecida entre os árabes e no Ocidente 
cristão, tornando-se muito conhecida no século XIII. 
A alquimia foi responsável pelo desenvolvimento de 
noções sobre ácidos e seus derivados, pela desco-
berta de novas substâncias químicas, pelo processo 
para a extração de mercúrio e pelas fórmulas para 
preparar vidro e esmalte, procedimentos que cons-
tituíram o prelúdio da química. 
O saber oficial, contudo, sempre desdenhou 
essa atividade, por estar vinculada às práticas ma-
nuais. Mesmo assim, as técnicas descobertas eram 
guardadas em segredo, e os documentos, de difícil 
leitura, estavam envoltos em uma aura mística. Mui-
tas vezes as explicações teóricas .wJ.tÇ.O P...Q.!Jló[ficas 
conferiam às substâncias inorgânicas característi-
cas de seres vivos, como se fossem compostos de 
corpo e alma. 
Jl ETIMOLOGIA 
Antropomórfico. Do grego ánthropos, "homem" e 
morphé, "forma", ou seja, o que toma forma e/ou 
assume atributos humanos. 
Os alquimistas acreditavam na transmutação, 
isto é, na transferência do espírito de um metal nobre 
para a matéria de metais comuns. Surgiu daí a busca 
da "pedra filosofai", que permitiria transformar qual-
quer substância em ouro. A procura do "elixir da longa 
vida" foi outro projeto da alquimia medieval. Para a 
Igreja, essas práticas tinham um caráter herético 
e foram proibidas pelo Papa em 1317. A Inquisição 
perseguia os infratores com rigor e muitas vezes 
condenava-os à fogueira sob acusação de bruxaria. 
~
,~·~ 
~::: Objeto educacional digital Orientações para o 
professor no livro 
digital 
~~,,. 
A alquimia 
A Escola de Oxford 
Na Inglaterra, a Escola de Oxford representou 
a renovação da filosofia e das ciências medievais. 
Segundo alguns autores, a reintrodução das obras 
de Aristóteles, traduzidas pelos árabes, e de muitas 
outras no Ocidente deveu-se a Robert Grosseteste 
e aos seus seguidores franciscanos. 
Grosseteste (c.ll75-1253) viveu na Inglaterra e 
estimulou a mentalidade científica experimental na 
primeira metade do século XIII. Foi professor em 
diversas universidades, ensinando matemática e 
ciência natural, e escreveu textos sobre astronomia, 
som e óptica, campo em que desenvolveu uma teoria 
original sobre a luz. Estimulou a pesquisa, fez uma 
classificação das ciências e esboçou os passos do 
procedimento científico, como a observação, o levan-
tamento de hipóteses e sua confirmação. 
~) QUEMÉ? 
Roger Bacon (1214-1283), f iló-
sofo inglês, estudou em Oxford 
sob a orientação de Robert 
Grosseteste e depois ensinou 
em Paris por dez anos. Conhecido 
como Ooctor Mirabi/is (Doutor 
Admirável), escreveu Opus Majus 
(Obra Maior), de caráter enci-
clopédico, em que expõe suas 
ideias, aprofundadas em outros Roger Bacon 
dois livros. Retornando a Oxford (1650), gravura 
em 1275, ingressou na ordem de autor 
franciscana. Apesar de argumen- desconhecido. 
tar que "ver com seus próprios 
olhos" não é incompatível com a fé, não conseguiu 
demover os medievais da desconfiança gerada por 
qualquer tipo de experimentação. Como se interes-
sava por astrologia e alquimia, sofreu várias per-
seguições, tendo sido acusado de introduzir "novi-
dades perigosas", nada enquadradas ao mundo 
escolástico, motivo pelo qual foi levado à prisão. 
Em Oxford, onde lecionou para frades francisca-
nos, Roger Bacon foi o principal discípulo de Gros-
seteste. Seguidor entusiasmado do mestre, Bacon 
aplicou o método matemático à ciência da natureza 
e fez diversas tentativas para torná-la experimental, 
sobretudo no campo da óptica. Embora sem compro-
vação, parece que tanto Grosseteste como Roger 
Bacon utilizaram lentes de aumento e de diminuição 
para ajudar a vista fraca. 
D A contribuição árabe 
Os árabes exerceram longa e fecunda influência 
no continente europeu, cuja herança cultural até 
hoje pode ser constatada, sobretudo na bela região 
de Andaluzia, sul da Espanha. 
A expansão árabe na Europa teve início no sécu-
lo VII, marcada pela religião islâmica, fundada por 
Maomé. Ocupou diversas regiões do Oriente Médio 
e, depois, todo o norte da África, alcançando o sul 
de Portugal e da Espanha no início do século VIII. 
Trouxeram a tradição do cultivo de estudos de 
óptica, geografia, geologia e meteorologia; criaram 
observatórios astronômicos, já conheciam a álgebra 
e faziam uso de algarismos, a nova notação de nú-
meros assimilada dos indianos. Também traduziram 
obras de Platão, Aristóteles e Platina. 
Do século XI ao XV, os reis cristãos do norte da 
península hispânica pressionaram pouco a pouco 
os invasores até expulsá-los de seu último reduto, o 
reino de Granada, em 1L.t92. 
) A filosofia árabe: Averróis 
Na península hispânica, foi notável a atuação 
de Averróis (século XII). Nascido em Córdoba, viveu 
em Sevilha e no Marrocos, foi médico, astrônomo e 
filósofo. Na discussão dos embates entre fé e razão 
conservou a mente aberta, defendendo uma ciên-
cia laica e uma sociedade civil separada da Igreja. 
Respeitado comentarista de Aristóteles, Averróis foi 
responsável pela retomada do pensamento aristoté-
lico no Ocidente cristão. 
Tomás de Aquino, o principal representante cris-
tão da escolástica, deve a Averróis o primeiro contato 
com Aristóteles, cujas obras só então foram traduzi-
das para o latim. No entanto, o chamado averroísmo 
foi motivo de perseguição pela Igreja, temerosa da 
influência de interpretações feitas pela versão árabe. 
A cultura árabe exerceu indiscutível influência no 
desenvolvimento da ciência, inclusive no Ocidente, no 
período do século VIII ao XII. Depois disso, a tensão 
que existia no islamismo entre pensamento racional 
e fé religiosa acabou pendendo para esta última. Pelo 
menos no período medieval, a pesquisa científica in-
dependente ficou prejudicada, provocando a retração 
temporária da valiosa contribuição árabe. 
Ciência antiga e medieval· Capitulo 2q 299 C 
A mesquita de Córdoba deslumbra pela arquitetura e beleza de ornamentos. É tão grande 
que, no século XIII, após a reconquista cristã, uma pequena parte de suas colunas foi 
demolida para a construção de uma catedral gótica em seu interior. Foto de 2007. 
D A decadência da escolástica 
No final da Idade Média, a escolástica padecia 
com o autoritarismo de seus seguidores, o que pro-
vocou nefastas consequências no pensamento filo-
sófico e científico. Posturas dogmáticas, contrárias 
à reflexão, obstruíam as pesquisas e a livre investi-
gação. O princípio da autoridade, ou seja, a aceitação 
cega das afirmações contidas nos textos bíblicos e 
nos livros dos grandes pensadores, sobretudo Aris-
tóteles, impedia qualquer inovação. 
O rigor do controle da Igreja era exercido nos 
julgamentos do Santo Ofício (Inquisição), órgão que 
julgava as doutrinas consideradas heréticas e punia 
os transgressores. Foi trágico o desfecho do proces-
so contra Giordano Bruno (sécu lo XVI), acusado de 
panteísmo, foi queimado vivo por defender com exal-
tação poética a doutrina da infinitude do Universo e 
por concebê-lo como um conjunto que se transforma 
continuamente. A lembrança ainda recente desse 
acontecimento ta lvez tenha levado Galileu, no sécu-
lo seguinte, a abjurar suas convicções, por temer o 
mesmo destino de Bruno. 
As estruturasrígidas defendidas na Idade Média 
podem ser comparadas à organização da Igreja, 
constituída por papa, cardeais, bispos etc. que, por 
sua vez, refletia-se na divisão da sociedade em reis, 
suseranos, vassalos e servos. Encontramos seme-
lhanças desse modelo na astronomia medieval, que 
reproduz o desejo de permanência de uma ordem 
estabelecida: a hierarquia existiria na superiorida-
de dos Céus sobre a Terra, o que nos leva a pensar 
como a ciência é uma construção histórica. 
A resistência dos inte lectuais que se opunham 
às mudanças seria rompida com o crescimento do 
poder econômico e político da burguesia e, concomi-
tantemente, com o desenvolvimento do capitalismo 
comercial. 
No Renascimento, os escolásticos eram acusados 
de privilegiar o magister dixit, que em latim sig-
nifica "o mestre disse". Discuta com seu colega 
como ainda hoje o princípio da autoridade é um 
risco que ameaça a autonomia do pensar. • 
• Discussão livre. O impulso para obedecer a uma autoridade de maneira dogmática, ou seja, sem crítica nenhuma, costuma reaparecer em situa-
ções diferentes. Por exemplo, na aceitação de certezas do senso comum quando se diz "sempre foi assim" ... De maneira mais radical, o espírito da 
3 O O . . . . _ . obediência cega reaparece nos governos autoritários e, de maneira mais sutil, na exaltação de uma Umdade 6 • Filosofia das c1enc1as corrente de pensamento a que se adere sem crítica, seja na política, seja na vida moral ou religiosa. 
LEITURA COMPLEMENTAR 
Um método para chegar a uma verdade provável 
No romance O nome da rosa, ambientado na Idade Média, mais precisamente em 1327, 
Umberto Eco conta a história de um franciscano inglês, Guilherme de Baskerville, e seu 
discfpulo, o noviço Adso, que chegam a um mosteiro dominicano na Itália a fim de inves-
tigar o assassinato de vários frades. Guilherme é um filósofo e foi esta uma das inúme-
ras conversas entre ele e seu discípulo. 
,(J''Diante de alguns fatos inexplicáveis deves tentar 
imaginar muitas leis gerais, em que não vês ainda a cone-
xão com os fatos de que estás te ocupando: e de repente, 
na conexão imprevista de um resultado, um caso e uma 
lei, esboça-se um raciocínio que te parece mais convin-
cente do que os outros. Experimentas aplicá-lo em todos 
os casos similares, usá-lo para daí obter previsões, e des-
cobres que adivinhaste. Mas até o fim não ficarás nunca 
sabendo quais predicados introduzir no teu raciocínio e 
quais deixar de fora. E assim faço eu agora. Alinho mui-
tos elementos desconexos e imagino as hipóteses. Mas 
preciso imaginar muitas delas, e numerosas delas são tão 
absurdas que me envergonharia de contá-las. Vê, no caso 
do cavalo Brunello, quando vi as pegadas, eu imaginei mui-
tas hipóteses complementares e contraditórias: podia ser 
um cavalo em fuga, podia ser que montado naquele belo 
cavalo o Abade tivesse descido pelo declive, podia ser que 
um cavalo Brunello tivesse deixado os sinais sobre a neve 
e um outro cavalo Favello, no dia anterior, as crinas na 
moita, e que os ramos tivessem sido partidos por homens. 
Eu não sabia qual era a hipótese correta até que vi o 
despenseiro e os servos que procuravam ansiosamente. 
Então compreendi que a hipótese de Brunello era a única 
boa, e tentei provar se era verdadeira, apostrofando os 
monges como fiz. Venci, mas também poderia ter perdido. 
Os outros consideraram-me sábio porque venci, mas não 
conheciam os muitos casos em que fui tolo porque perdi, e 
não sabiam que poucos segundos antes de vencer, eu não 
estava certo de não ter perdido. Agora, nos casos da aba-
dia, tenho muitas belas hipóteses, mas não há nenhum fato 
evidente que me permita dizer qual seja a melhor. E então, 
para não parecer tolo mais tarde, renuncio a ser astuto 
agora. Deixa-me pensar mais, até amanhã, pelo menos.' 
Entendi naquele momento qual era o modo de racio-
cinar do meu mestre, e pareceu-me demasiado diferente 
daquele do filósofo que raciocina sobre os princípios pri-
meiros, tanto que o seu intelecto assume quase os modos 
do intelecto divino. Compreendi que, quando não tinha 
uma resposta, Guilherme se propunha muitas delas e 
muito diferentes entre si. Fiquei perplexo. 
'Mas então', ousei comentar, 'estais ainda longe da 
solução .. . ' 
'Estou pertíssimo', disse Guilherme, 'mas não sei de qual.' 
'Então não tendes uma única resposta para vossas 
perguntas?' 
'Adso, se a tivesse ensinaria teologia em Paris.' 
'Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira?' 
'Nunca', disse Guilherme, 'mas são muito seguros de 
seus erros.' 
'E vós', disse eu com impertinência infantil, 'nunca 
cometeis erros?' 
'Frequentemente', respondeu. 'Mas ao invés de conce-
ber um único erro imagino muitos, assim não me torno 
escravo de nenhum.' " 
ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: 
Nova Fronteira, 1883. p. 350-351. 
Despenseiro. Encarregado da despensa, onde são guarda-
dos os mantimentos. 
Apostrofar. No contexto, " interpelar", "interrogar". 
Outro trecho do romance foi citado no capítulo 1 O, "A busca da 
verdade". 
11 Na obra ficcional do escritor italiano Umberto Eco, Guilherme 
é um frade franciscano . Tendo em vista o que lemos no capí-
tulo, qual seria a orientação de Guilherme no que diz respeito à 
ciência? 
lEI Quando Guilherme responde que, se tivesse certezas, lecionaria 
teologia em Paris, está fazendo uma crítica ao modo pelo qual a 
ciência era encarada no seu tempo. Explique por quê. 
E1 Em que sentido o pensar do frade está mais próximo do que hoje 
se entende por ciência? 
Ciência antiga e medieval· Capitulo 2q 301 (C 
li~ 
._. Revendo o capítulo 
.. Em que consiste para Aristóteles a teoria do lugar natu-
ral? Que tipo de ciência decorre dessas explicações? 
lEI Com base na concepção grega da hierarquia do 
mundo sublunar e supralunar, explique por que a 
física e a astronomia aristotélicas constituem ciên-
cias absolutamente diversas. 
IIJ Explique por que Arquimedes representa uma exce-
ção na mentalidade científica antiga. 
IIIJ Sob que aspectos a ciência medieval identifica-se 
com as concepções gregas e em que medida delas 
se distancia? 
liJ Quais foram, na Idade Média, as exceções à tradição 
da ciência grega? Como a Igreja reagia a elas? 
._. Aplicando os conceitos 
11!1 Com base na citação, responda às questões. 
"Tal como em relação ao Egito, uma visão da me-
dicina nos auxiliará a avaliar o conhecimento biológico 
dos mesopotâmios. Ela também empregava a magia e 
a adivinhação, pois os meios mágicos, assim como os 
científicos, eram usados no tratamento de moléstias 
ou na cura de doenças, enquanto, ao aplicar seus re-
médios, um médico procuraria o auxílio da adivinhação 
para prever o possível sucesso de suas poções. Como 
em todas as civilizações primitivas, os mesopotâmios 
empregaram largamente as drogas produzidas a partir 
de ervas. [ ... ] não há dúvida de que eles reconheceram a 
hidropisia, a febre, a hérnia, a sarna e a lepra, bem como 
vários problemas de pele e outras afecções que atingiam 
oca belo, a garganta, os pulmões e o estômago, e tinham 
remédios para o tratamento desses distúrbios." 
RONAN, Co !in A. História ilustrada da ciência. Das origens à Grécia. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 35. v. l. 
a) Sob que aspectos a medicina dos egípcios e 
mesopotâmios, bem como a de todos os povos 
da Antiguidade remota, distingue-se da medicina 
grega? 
b) Explique em que sentido também a matemática, 
a física e a astronomia mereceram dos gregos um 
tratamento diferente do concedido por outros 
povos antigos. 
• O "juramento hipocrático" era uma espécie de código 
ético dos médicos. A essência desse documento per-
siste até hoje, só que as normas variam conforme 
as descobertas da ciência e o avanço da tecnologia, 
como também dependem dos costumes regionais. 
Por exemplo, até o século XVI era proibido dissecar 
seres humanos; atualmente, o aborto é proibido ou 
permitido dependendo da legislação de cada país. 
Você saberia citar outrostemas controversos sobre 
normas médicas? 
~) 302 Unidade 6 ·Filosofia das ciências 
11!1 Considerando a pergunta "Por que os animais têm 
olhos?", observe as duas explicações a seguir e iden-
tifique a que obedece à perspectiva teleológica. 
Justifique sua resposta. 
a) Os animais que têm olhos os têm porque a 
sensação é um dos fins para os quais existem 
esses animais, um dos caracteres essenciais do 
animal. 
b) Como os animais têm olhos, eles veem. 
lliJ Leia a citação e a seguir responda às questões. 
"Ernst Renan, filósofo francês do século XIX, foi quem 
primeiro detectou a influência de Averróis em Santo 
Tomás, afirmando: 'Santo Tomás é, ao mesmo tempo, 
o maior adversário e- pode-se afirmar sem paradoxo- o 
primeiro discípulo do grande comentado r. Santo Alberto 
Magno deve tudo a Avicena; Santo Tomás, como filóso-
fo, deve quase tudo a Averróis' ." 
COSTA, José Silveira da. Averróis: o aristotelismo radical. 
São Paulo: Moderna, l99Ll. p. 57. 
a) Por que Tomás de Aquino é considerado o maior 
adversário e, ao mesmo tempo, discípulo de 
Averróis? 
b) Qual foi a importância dos árabes para a ciência 
ocidental? 
lllJ Leia a citação de Giordano Bruno extraída de um diá-
logo por meio do qual ele expõe suas ideias e res-
ponda às questões. 
"Continue a fazer-nos conhecer o que é verdadeira-
mente o céu, os planetas e todos os astros; como são 
distintos, uns dos outros, os infinitos mundos; como 
um espaço infinito não é impossível, mas necessário; 
como um tal efeito infinito se ajusta a uma causa in-
finita. [ ... ] Ridicularize as diversas esferas móveis e as 
estrelas fixas. [ ... ] Destrone-se a ideia de esta terra ser 
única e propriamente centro do universo. Desterre a fé 
ignóbil na existência de uma quinta-essência. Dê-n os a 
demonstração da igual composição deste nosso astro 
e mundo à de quantos astros e mundos podemos ver. 
[ ... ] Aniquile os motores extrínsecos juntamente com 
os limites destes céus. [ ... ]Torne evidente que o movi-
mento de todos provém da alma interior, a fim de que, 
com a luz de semelhante contemplação, a passos mais 
seguros, possamos proceder rumo ao conhecimento 
da natureza. " 
BRUNO, Giordano. Sobre o infinito, o Universo e os mundos. 
São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 96-97. 
a) Bruno foi julgado e morto pela Inquisição. Iden-
tifique no texto os elementos considerados heré-
ticos pelos inquisidores. 
b) Analise a interferência religiosa (ou política) à livre 
expressão do pensamento e quais os seus efeitos.

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