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História Antiga e Medieval Aula 20 Os direitos desta obra foram cedidos à Universidade Nove de Julho Este material é parte integrante da disciplina, oferecida pela UNINOVE. O acesso às atividades, conteúdos multimídia e interativo, encontros virtuais, fóruns de discussão e a comunicação com o professor devem ser feitos diretamente no ambiente virtual de aprendizagem UNINOVE. Uso consciente do papel. Cause boa impressão, imprima menos. Aula 20: A Baixa Idade Média: uma nova cultura letrada Objetivo: Abordar a elaboração de uma nova cultura letrada no contexto do desenvolvimento urbano durante a Baixa Idade Média. Os novos saberes e seus protagonistas O desenvolvimento da economia urbana durante a Idade Média Central, entre os séculos XI e XIII, não representou somente um natural desdobramento comercial e artesanal dos sucessos obtidos com a produção agrícola no contexto do modo de produção feudal, a vida citadina trouxe consigo também uma nova experiência de sociabilidades até então inusitadas naquela sociedade tipicamente agrária. O mercador e o artesão não foram os únicos novos personagens que surgiram nesse cenário urbano que florescia. Jacque Le Goff dedicou uma de suas obras mais conhecidas a uma nova categoria profissional no horizonte social medieval. É assim que o historiador dos Annales a apresenta: No princípio havia as cidades. O intelectual da Idade Média [...], nasce com elas. É com seu desenvolvimento, ligado à função comer- cial e industrial [...], que ele aparece, como mais um homem de ofício dentre os que se instalam nas cidades, onde se impõe a divisão do trabalho. (LE GOFF, 1989, p. 20) Isso é, para além do mercador e da grande variedade de artesãos, as cidades medievais fizeram surgir um novo tipo profissional: o intelectual. E é desta forma que o historiador define o seu labor: “Um homem cuja profissão seja escrever ou ensinar [...], um homem que tenha profissionalmente uma atividade de professor e de sábio, em resumo, um intelectual [...].” (LE GOFF, 1989: 20). Para o ocidente medieval, o aparecimento do intelectual como categoria profissional urbana representou não apenas uma grande novidade, mas, principalmente, explicitou, de forma emblemática, o caráter revolucionário daquela época. Até o final da Alta Idade Média, a cultura letrada esteve praticamente monopolizada pelo clero como atividade dos membros do alto clero e fundamentalmente pelos monges, no clero regular. Vale lembrar, a esse respeito, que a Igreja cumpria assim uma de suas atribuições, na medida em que o cristianismo é uma religião do livro, assim como os muçulmanos cultuam os ensinamentos do Alcorão e os israelitas possuem também os seus textos sagrados. Naquele período, antes, portanto, da utilização da impressão, os textos eram artesanalmente elaborados por legiões de monges copistas, tradutores e ilustradores, entre outros. Não somente os textos sagrados, mas todo rico patrimônio clássico, fundamental para a elaboração filosófica da teologia cristã, foi preservado. O século XII assinalou, segundo Jacques Le Goff (1989), o ponto de inflexão desta tradição, com a chegada dos intelectuais ao status de especialização profissional e com sua estreita relação com o universo citadino. As grandes cidades da Europa tornaram-se destino de grandes quantidades de estudantes e sábios em busca do contato com os grandes mestres e com os instrumentos do trabalho intelectual. Ao lado do intelectual havia o mercador de livros e o fornecedor de pergaminhos, que se tornaram mercadorias muito requisitadas. Mas não foi somente na ambientação dos estudos que o surgimento dos intelectuais trouxe mudanças significativas: os intelectuais urbanos — estudantes e mestres — procuraram construir uma identidade própria a partir desta experiência citadina, expressando-se então em oposição às demais categorias. Há aí uma ruptura importante entre a tradição da cultura monástica (e rural, certamente) e essa nova geração de intelectuais urbanos. Paris: cidade-luz ou Babilônia? Essa cisão ficará explícita diante dos testemunhos distintos, elaborados acerca da cidade de Paris, grande centro intelectual daquela época. João de Salisbury, por exemplo, escreveu a Tomás Becket, em 1164: Dei uma volta por Paris. Quando vi ali a abundância de víveres, a alegria das pessoas, a consideração de que desfrutam os eruditos, a majestade e a glória de toda a Igreja, as diversas atividades dos filósofos, acreditei ver, cheio de admiração, a escada de Jacó, cujo cume tocava o céu e era percorrida por anjos subindo e descendo. Entusiasmado com essa feliz peregrinação, fui levado a admitir: o Senhor está aqui e eu não o sabia. (apud LE GOFF, 1989, p. 31) Outro entusiasta da riqueza intelectual de Paris, o abade Filipe de Harvengt, assim se expressa: Cidade feliz, onde os santos livros são lidos com tanto zelo, onde seus complicados mistérios são resolvidos graças aos dons do Santo Espírito, onde há tantos professores eminentes e há tanta ciência teológica que se poderia denominar a cidade das belas letras! (apud LE GOFF, 1989, p. 31) Mas houve também aqueles para os quais Paris não representa mais que um antro de perdição de almas. É o caso de São Bernardo, que assim se expressa: Fujam do meio da Babilônia, fujam e salvem suas almas. Apressem- se todos juntos em direção às cidades do recolhimento [isto é, nos mosteiros], onde poderão se arrepender do passado, viver na graça durante o presente, e esperar com confiança o futuro [...]. Vocês encontrarão muito mais nas florestas que nos livros. A madeira e as pedras ensinarão mais que qualquer mestre. (apud LE GOFF, 1989, p. 31) Paris para os intelectuais urbanos representava a cidade-luz, para outros, era vista como a pecaminosa Babilônia. Essas percepções divergentes opõem justamente os representantes da tradição monástica dominante durante a Alta Idade Média, como no caso do monge São Bernardo, aos novos intelectuais urbanos, fascinados pela exuberância cultural de Paris. O humanismo medieval e seu destino Declínio da dominação ideológica do tradicionalismo, portanto, e ascenção de uma nova geração de pensadores. Mas ocorreu, também, uma transformação no conteúdo dessa cultura letrada, que vê o declínio do interesse pela teologia diante da procura crescente por disciplinas como a lógica, a dialética e pelo conhecimento das ciências naturais. Ensaiou-se, assim, o desenvolvimento tanto de um pensamento naturalista quanto humanista, na medida em que está interessado também pelas obras de Aristóteles, por exemplo. O conteúdo dos debates e discussões entre os sábios aponta para a emergência de uma percepção antropocêntrica em oposição àquela teocêntrica até então em vigor. A proximidade dessas novas concepções com aquelas que surgirão no contexto do Renascimento no século XVI são bastante evidentes. Mas por qual razão este “humanismo” elaborado durante o século XII teve de esperar até o século XVI para se tornar revolucionário e instituinte, transferindo sua paternidade para os Renascentistas? Certamente este processo sofreu um severo refluxo durante a crise do século XIV, quando a peste negra, a Guerra dos Cem Anos, o recuo demográfico, a fome, e o retorno da experiência cotidiana da violência, da morte e da insegurança reativaram aqueles aspectos mais sombrios da mentalidade medieval, reinstalando a angústia pelo sagrado, a preocupação com asalvação da alma e os temas correlatos. São Bernardo ganhava, então, simbolicamente, sua vitória de Pirro. Eis o conteúdo desta aula. Acesse agora a plataforma AVA para aprofundar seus estudos e trocar informações com os colegas e com o professor. * O QR Code é um código de barras que armazena links às páginas da web. Utilize o leitor de QR Code de sua preferência para acessar esses links de um celular, tablet ou outro dispositivo com o plugin Flash instalado. REFERÊNCIAS BATISTA NETO, J. História da baixa idade média (1066-1453). São Paulo: Ática, 1989. DUBY, Georges. A Europa na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1988. FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001. LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida. A usura na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1989. ______. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1989.