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Universidade Estadual do Piauí – UESPI Campus Poeta Torquato Neto Centro de Ciências Sociais e Aplicadas – CCSA Coordenação do Curso de Direito – CCD Disciplina: Hermenêutica Jurídica Professora: Esther Maria Sá Castelo Branco RESENHA CRÍTICA Hermenêutica Jurídica e(m) Crise Uma exploração hermenêutica da construção do Direito Alinne Pereira Jorge Teresina, PI 18/12/17 RESENHA CRÍTICA INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11 ed. rev., atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. DADOS SOBRE O AUTOR Nascido aos 21 dias do mês de novembro de 1955 no município gaúcho de Agudos, Lenio Luiz Streck é um renomado jurista brasileiro, mormente reconhecido por suas realizações nas áreas da filosofia do direito e do direito constitucional, bem como da hermenêutica jurídica. Procurador de Justiça aposentado, foi membro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul no período compreendido entre 2 de setembro de 1986 e 31 de maio de 2014. Tendo-se formado bacharel em direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) no ano de 1980, tornou-se mestre em direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1988. Também nessa universidade recebeu o título de doutor em 1995, tornando-se, logo em seguida, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos-RS), onde auxiliou a elaboração do Programa de Pós-Graduação em Direito, lugar em que atua até os dias atuais como coordenador das linhas de pesquisa do programa. No ano de 2001, concluiu o pós- doutorado pela Universidade de Lisboa. Streck figura como Membro Catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) desde 2003, sendo também Presidente de Honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica. Colabora como professor visitante em algumas instituições, como a Universidade Estácio de Sá (UNESA-RJ), a Facultad de Ciencias Jurídicas da Pontifícia Universidad Javeriana de Bogotá e a Universidade de Coimbra, em Portugal. Focando nas áreas do direito constitucional, administrativo, eleitoral e penal, fundou o escritório de advocacia Streck, Trindade & Rosenfield no ano de 2015. Coordenou, junto a José Joaquim Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Léo Ferreira Leoncy, a produção do livro Comentários à Constituição do Brasil, obra que venceu o Prêmio Jabuti 2014, segundo lugar na categoria direito. Concorreu como finalista na mesma edição da premiação com o livro Compreender Direito. Em 2016, concorreu novamente ao Prêmio Jabuti com o livro Os Modelos de Juiz: Ensaios de Direito e Literatura, escrito em coautoria com André Karam Trindade, tendo ficado como um dos finalistas. Publicou dezenas de livros como autor e/ou coautor versando sobre hermenêutica jurídica, direito constitucional, direito processual e direito penal. Sua obra “O que é isto - decido conforme minha consciência? ” é o primeiro volume da Coleção "O que é isto?" – lançada pelo autor – cuja problematização constitui verdadeira “acusação” contra o decisionismo judicial. Presentemente, leciona nos cursos de pós-graduação em direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e atua como advogado, além de apresentar semanalmente o programa Direito & Literatura, levado ao ar pela TV Justiça, bem como pela TV Unisinos. Faz parte do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público e lidera, na Unisinos, o grupo de pesquisa "Hermenêutica Jurídica", vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/BR), atuando também como coordenador do DASEIN - Núcleo de Estudos Hermenêuticos. Tanto por sua postura investigativa, questionamentos pertinentes e caráter perscrutador quanto pela sua capacidade de elaborar respostas significativas às problematizações, é frequentemente convidado para proferir palestras, participar de Simpósios e ministrar cursos no Brasil e no exterior, tendo sido recorrentemente cotado para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. DADOS SOBRE A OBRA O livro de quatrocentas e cinquenta e cinco páginas prefaciado pelo filósofo, professor e escritor brasileiro Ernildo Stein traz, em doze capítulos, uma ruptura paradigmática visando “des- velar” o que vem sendo encoberto pelo imaginário dos juristas, trazendo um enfrentamento a esse fato, bem como respostas oportunas e congruentes com o contexto apontado. No primeiro capítulo, o autor evidencia a realidade brasileira, onde a modernidade chega tardiamente. A realidade na qual há um esforço, inclusive do próprio Estado, de manter as desigualdades entre os cidadãos, por meio de situações esdrúxulas observadas na política nacional na tentativa de manter o estamento que configura o patrimonialismo estatal, bem como do empenho da mídia em reforçar a imagem de normalidade e consequente aceitação da exclusão social. Traz ainda à tona a intenção de institucionalização do crime de colarinho branco, o que denota claramente que, no Brasil, “o crime compensa”. Encerra este capítulo com o dizer de Jurandir Freire Costa: “hoje aposentamos os Rousseau. Em vez de utopias, (existem os) manuais de autoajuda, psicofármacos, cocaína e terapêuticas diversas para os que têm dinheiro; banditismo, vagabundagem, mendicância ou religiosismo fanático para os que apenas sobrevivem”. O segundo capítulo divide-se em quatro tópicos. No primeiro, o autor coloca a transição da interindividualidade à transindividualidade, anunciando uma disfuncionalidade do Direito brasileiro enquanto instrumento de transformação social, no sentido de estar preso ao modo de produção do Direito engendrado para a resolução de disputas interindividuais, não obstante estar a sociedade contemporânea permeada de conflitos transindividuais, o que o leva a questionar “qual é o papel do Direito e da dogmática jurídica neste contexto? ”. Já no segundo tópico, afirma que “por vezes, cumprir a letra da lei é um avanço considerável”, tendo em conta que o texto da lei, desde que democraticamente elaborado e com a moral funcionando como cooriginária do Direito, não equivale à hermenêutica exegética do positivismo primitivo. Fala ainda sobre o pamprincipiologismo que se apoderou do cenário jurídico nacional, defendendo que o elemento interpretativo deve ser explorado fenomenologicamente e finaliza afirmando que embora obtendo poder econômico e construindo estruturas sociais, mantemos os problemas inerentes à qualidade de vida, bem como propagamos e reproduzimos a injustiça. No tópico seguinte, aborda o papel do Direito e dos Tribunais no Estado Democrático de Direito, cujo conceito pressupõe uma valorização do jurídico, exigindo um reposicionamento teórico acerca do papel destinado ao judiciário no quadro instituído a partir do constitucionalismo surgido após a Segunda Grande Guerra. Segundo Streck, a noção de Estado Democrático de Direito está intrinsecamente associada à consumação dos direitos fundamentais, donde adviria seu “plus normativo” (nas palavras do autor) na direção da construção de uma sociedade na qual possam ser inaugurados “níveis reais de igualdades e liberdades”. Principia a exposição das divergências existentes entre a postura procedimentalista – a qual não reconheceria o caráter concretizador da jurisdição constitucional - em contraposição à postura substancialista – cujo raciocínio vê o judiciário como modo de garantir o fortalecimento da democracia, além de reconhecer o aspecto concretizador da jurisdição constitucional.Expõe os pensamentos inerentes às duas correntes teóricas, citando seus principais idealistas. Ainda dentro desta discussão, questiona a relação entre Direito e Política e até que ponto pode o Direito instaurar a edificação da sociedade, expondo novamente o dilema brasileiro de um judiciário ainda não preparado para lidar com as questões transindividuais que se colocam. O quarto e último tópico colocado neste capítulo denuncia o não cumprimento da Constituição pelos poderes Executivo e Legislativo. Os direcionamentos colocados no texto constitucional não vêm sendo implementados, todavia, não poderá o Judiciário ser o detentor da “fórmula milagrosa” que solucionará os fracassos das políticas públicas. Segundo o autor, a presente situação poderia ocasionar “o risco de ‘criar’ cidadãos de segunda classe, que, em vez de reivindicarem seus direitos no campo da política, apostam no paternalismo juridicista”. De acordo com Streck, o Judiciário poderá atuar como via de resistência às tentativas dos Poderes Executivo e Legislativo de implementar políticas que tragam retrocesso social ou ineficácia dos direitos individuais ou sociais, muito embora não se possa pretender que o Judiciário passe a exercer funções Executivas, devendo funcionar o Direito como instrumento de “reforma” da sociedade. Declara ainda o posicionamento preponderante na história do Direito de funcionar mais como forma de sonegar aos cidadãos os seus direitos que de salvaguardá-los. Menciona estar o senso comum dos teóricos ainda presos à Filosofia da Consciência, utilizando-se da linguagem do sujeito isolado, apontando – por fim – a necessidade de não apenas sabermos o que as coisas são em si, mas principalmente sabermos o que dizemos quando delas falamos. O terceiro capítulo é voltado à discussão da não recepção da viragem ontológico- linguística pelos juristas, os quais ainda não se deram conta de que o Direito é linguagem, devendo ser considerado como tal. O autor afirma estar a atuação da dogmática jurídica brasileira vinculada a uma associação da metafísica clássica com o solipsismo, asseverando que essa visão é oriunda de uma má interpretação das ideias kelsenianas, o que acaba por levá-los a crer no uso da discricionariedade – que figurava como fatalidade em Kelsen – como uma salvação para as lacunas da Lei. Streck indica Alexy como aquele que teria realizado um maior avanço, por buscar harmonizar o método analítico da jurisprudência dos conceitos com o axiologismo da jurisprudência dos valores – no entanto – por ater-se ainda ao paradigma sujeito-objeto, a ponderação de Alexy não escapa ao subjetivismo. Ademais, a versão do pensamento de Alexy difundida no Brasil acabou por fazer que a ponderação funcionasse como álibi teórico para “autorizar” qualquer resolução. Lenio sustenta que a maioria dos juristas defensores do neoconstitucionalismo aposta na discricionariedade, acreditando, com isso, ser pós-positivistas – como se apenas isso lhes conferisse a ruptura que se faz necessária a essa mudança de paradigma. A partir daí, problematiza acerca do conhecimento acrítico que os juristas acabam por obter das palavras e atividades proferidas e realizadas habitualmente, sabendo o que dizem e fazem, mas não alcançando por que o dizem e o fazem, mantendo-se alheios à criticidade em relação ao panorama jurídico. Em vez disso, importam-se com a sua reputação e o seu prestígio, trabalhando mecanicamente sem questionar ou buscar compreender o cunho ideológico por trás de cada ato ligado ao Direito. O autor ainda faz duras críticas a várias leis e reformas realizadas, as quais intentariam a institucionalização de alguns crimes, bem como ao Código Penal, o qual – por vezes – puniria com mais rigor os crimes contra a propriedade do que os contra a vida. Busca-se apenas uma argumentação loquaz tencionando perpetuar a ideologia defendida, através da abstrativização de conflitos reais vivenciados por pessoas reais, as quais passam a ser tratadas também como abstrações, o que caracterizaria uma “coisificação” das relações jurídicas. Lenio conclui o presente capítulo contextualizando suas colocações ao citar acontecimentos jurídicos que exemplificam tal fenômeno, o qual teria ocasionado interpretações inteiramente afastadas das relações sociais, posto que o mais significante para os juristas atualmente é conceber uma “boa hermenêutica”, elucidando as antinomias do ordenamento jurídico. No quarto capítulo, Lenio expõe a “cegueira” dos juristas, envolvidos no interior do senso comum teórico, a ponto de não se darem conta do enorme paradoxo existente que ocasiona a impunidade de crimes mais danosos para a sociedade e punições relativamente severas para um “ladrão de galinha”. Essa cegueira se reproduz no ensino jurídico, formando gerações cada vez mais apegadas a manuais que levam à mera racionalidade instrumental. Tal crise no ensino jurídico traduz uma crise do Direito propriamente dito, pois o ensino da doutrina “mecânica” resulta em um Direito alienado da sociedade. O autor chama a atenção para o fato de haver uma busca pela “uniformização de sentido”, a qual impõe determinadas significações como legítimas, condicionando todos à aceitação daquilo que é convencionado como o Direito e a Lei. Conclui com a assertiva: “ou se acaba com a estandardização do Direito, ou ela acaba com o que resta da ciência jurídica”, ao tempo que aponta as mudanças que precisam ser implementadas para lograr a ruptura paradigmática que propõe. O quinto capítulo é iniciado pelo autor trazendo toda a trajetória histórica do positivismo, desde o período pré-codificação, passando por suas diversas fases e trazendo os conceitos e ideias de grandes nomes do Direito nos diversos momentos da existência do paradigma positivista. O autor perpassa sucintamente as ideias trazidas por todos os mais célebres expoentes da ciência jurídica até chegar ao neoconstitucionalismo, o qual compreende como mera “superação parcial do paleo-juspositivismo (Ferrajoli) ”. Levanta diversas questões acerca dos equívocos cometidos em torno do positivismo, pois segundo o autor, apegar-se à letra da lei pode ou não ser uma atitude positivista, a depender da compreensão que se faz da linguagem; não se apegar à letra da lei pode caracterizar ou não uma postura anti-positivista; o abuso no uso dos princípios pode findar por configurar atitude positivista e o uso dos princípios para driblar o texto constitucional acaba por remeter ao positivismo discricionário de Hart. O autor declara ultrapassada a abordagem Vontade da Lei X Vontade do Legislador, descrevendo – em seguida – os confrontos ideológicos entre Subjetivismo e Objetivismo e a forma como esses paradigmas filosóficos podem condicionar a interpretação nas mais diversas áreas e abordagens, bem como a influência que possui sobre o senso comum teórico dos juristas e finaliza por denunciar o crescimento exacerbado do número de desculpas teóricas “disfarçadas” de princípios e a necessidade de superar esse momento, a que chama pamprincipiologismo. O sexto capítulo remete ao Crátilo em seu Convencionalismo X Naturalismo, donde se extrai que a linguagem é apenas instrumento posto que através dela não se alcança a realidade verdadeira, apenas sendo possível o conhecimento desta sem a mediação linguística. São abordados os conceitos desde os sofistas, passando por Sócrates e Platão até chegar à metafísica aristotélica, a qual influenciou Heidegger, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, entre outros. Explicita o autor o fato de, na metafísica clássica, estar o sentido nas coisas, as quais teriam uma essência e - consequentemente - um sentido. O sujeito sujeitava-se ao objeto, posto que a subjetividade apenas surge com oadvento da modernidade. Lenio aborda ainda a importância da linguagem em Hobbes para a instituição do pacto formador do Estado, já que a má compreensão do pacto acarretaria a má formação do Estado. Já a partir do nominalismo e do conceitualismo versa-se de forma diversa no tocante à linguagem, dando a esta última um maior enfoque, o qual teria aberto caminho à viragem linguística que viria a seguir. O autor afirma ter sido a metafísica moderna iniciada por Descartes, a partir da “descoberta” da subjetividade, o que teria configurado uma ruptura em direção a uma iniciação filosófica da era moderna. O autor “esquematiza” no sétimo capítulo as fontes gadamerianas (nas palavras do autor). A crítica de Hamman a Kant teria influenciado a mudança paradigmática da filosofia da consciência para filosofia da linguagem. No entender de Herder, a linguagem é vista como abertura do mundo e o homem como criatura da língua. Em Herder, a linguagem seria fundamentada no sentimento. A partir do discurso de Humboldt receberia, a linguagem, evidência majorada, posto que, para ele a linguagem seria a condição que possibilitaria uma visão do mundo em sua totalidade, ultrapassando mesmo a importância da linguagem em Kant. A tese da linguagem humboldtiana teria, dessarte, sido utilizada como ponto de partida para as ideias de Gadamer. Inicia o capítulo oitavo discorrendo acerca da semiologia de Saussure (semiótica para Peirce). Em Saussure, a semiologia seria a ciência que estudaria a vida dos signos no seio da sociedade. Para ele, o signo seria composto de quatro características: arbitrariedade, imutabilidade, mutabilidade (no decurso do tempo) e linearidade. Lenio destaca a crítica realizada por Barthes, para quem a apresentação da semiologia seria como metalinguagem que toma outras linguagens como seu objeto. Já na semiótica de Peirce ocorrem as negativas ao cartesianismo, bem como a crítica às doze categorias fundamentais do pensamento de Kant. Para Peirce, existem apenas três formas elementares de significação: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade, as quais corresponderiam, respectivamente, às noções de imaginário, real e simbólico de Lacan, na analogia realizada por Santaella. Conclui explanando a importância que teve a semiótica no campo jurídico, posto que proveu regras metodológicas para considerar a natureza do discurso, obter critérios seguros de interpretação deste e referir-se ao problema do significado como fenômeno do discurso. Ocorre no nono capítulo a exposição de como se deu efetivamente a viragem linguística, ocasionando a ruptura com a metafísica, a partir das posturas adotadas por diversos teóricos, inicialmente com o neopositivismo lógico, seguido pela filosofia de Wittgenstein, e desembocando no desenvolvimento da Filosofia da Linguagem Ordinária, a qual romperia com o positivismo exatamente na valoração da trinca sintaxe-semântica-pragmática, dando ênfase a esta última. Seguidamente a isto, o autor traça as linhas gerais da fundamentação do pensamento de Kelsen, Hart e Ross. Para Lenio, a viragem ontológico-linguística configura a superação do elemento apofântico, representando o alvorecer de uma nova perspectiva de constituição de sentido. O décimo capítulo é dedicado a demonstrar o modo como a viragem linguística influenciou a interpretação do Direito. O autor afirma que o rompimento com essa tradição é deveras difícil e não se faz sem fissuras. Realiza inicialmente uma preparação no sentido de demarcar a trajetória da hermenêutica até chegar a uma radicalização do giro hermenêutico- ontológico, iniciado com a superação dos paradigmas metafísico, objetivista, aristotélico-tomista e subjetivista. Enumera os três estágios da hermenêutica, discorrendo acerca de cada um deles, quais sejam: técnica especial para interpretação, teoria geral da interpretação e hermenêutica fundamental. Segundo Lenio, a partir de Heidegger a hermenêutica dirige-se para a compreensão do ser-dos-entes, o que lhe teria conferido raízes existenciais. E é por todo o exposto que declara o século XX como a verdadeira “era da hermenêutica”, a qual teria recepcionado a revolução da linguagem, do fundamento e da ontologia. Tal recepção pode ser percebida nas obras de Josef Esser, Friedrich Müller, Arthur Kaufmann e Ronald Dworkin, na quais nota-se a presença de fundamental importância das ideias de Heidegger e Gadamer. A nova hermenêutica pretendida por este último questionará a totalidade do existente humano, bem como a forma em que este se encontra inserido no mundo. Já em Heidegger, deixaria a hermenêutica de possuir viés normativo, passando a assumir postura filosófica. De acordo com Gadamer, tanto historiador quanto jurista encontram a situação hermenêutica de forma similar, posto que - quando frente a um texto - colocamo-nos todos em expectativa de sentido imediata. Para Hesse, somente complementa-se o teor da norma no ato interpretativo. Lenio aborda, ainda neste capítulo, a necessidade de romper com a tradição metafísica da dogmática jurídica, promovendo assim o combate ao solipsismo. Para Lenio, “ fazer hermenêutica jurídica é realizar um processo de compreensão do Direito. Fazer hermenêutica é desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar o texto de soslaio. ” Trata o capítulo onze da crise da hermenêutica jurídica pela qual passa o Brasil, onde estão longe de ser realizados os legados da modernidade, mormente pelo fato de haver, grande dívida social a ser compensada. Esta é uma das razões pelas quais há a necessidade de repensar a dogmática jurídica. O autor faz uma analogia do momento atual vivenciado pelos operadores do Direito com a metáfora do contrato social hobbesiano, reforçando novamente a crítica de como o Direito está sendo ensinado nas Faculdades de Direito. Para Streck, não pode o Direito ser visto como mera instrumentalidade formal, e não se pode confundir direito positivo com positivismo jurídico. Conclui o capítulo enumerando dezenas de pontos que necessitam ser revisados, bem como as circunstâncias passíveis de mudança no meio jurídico no Brasil, fundamentando tais críticas nos conceitos dos teóricos, ao passo que apresenta proposições para a resolução das problematizações colocadas, o que continua por todo o capítulo doze, denominado pelo autor como um (necessário) posfácio, sugerindo “o abrir de uma clareira”, referindo-se às ideias colocadas e possíveis resoluções apontadas no decorrer de todo o capítulo. O autor conclui a obra com um pós-posfácio, no qual alerta para a problemática da discricionariedade interpretativa advinda de uma resistência do positivismo no meio jurídico. Adverte ainda para a necessidade de preservação da Constituição, abordando ainda o paradigma que envolve as discricionariedades interpretativas, suas decorrências e seus efeitos. Perpassa pelo fenômeno atual e crescente da edição de súmulas, não o indicando como um “mal em si”, mas alertando para a possibilidade da formação de um círculo vicioso no interior da dogmática jurídica, onde, perante o predomínio do positivismo, são admitidas interpretações discricionárias e arbitrárias que posteriormente seriam “congeladas” sob a forma de súmulas. Curiosamente, encerra a obra convidando a uma leitura de Dworkin e Gadamer “a partir e do interior do giro linguístico-ontológico e, portanto, da superação do esquema sujeito-objeto”. POSICIONAMENTO CRÍTICO Trata-se de um texto que incorpora novos conteúdos ao campo teórico do qual é mister, produzindo um espaço que permite um reposicionamento do modo como, costumeiramente, os problemas da hermenêutica jurídica são demonstrados. Produz no leitor a capacidade de se apropriar dos conteúdos da hermenêutica jurídica, ao tempo que conduzum “olhar” para a direção das problemáticas capitais da teoria jurídica contemporânea. A obra apresenta, claramente, uma natureza denunciadora. O autor tem um talento inegável em romper os sentidos consolidados na linguagem ordinária dos operadores do Direito. Desta forma, a tese que constitui o texto é a de que o campo jurídico sofre de uma crise que possui dois aspectos: de um lado, a reprodução de um modelo de Estado que resiste às transformações que o paradigma do Estado Democrático de Direito operou nas relações entre Estado e sociedade. Do outro, a crise epistemológica perante as posturas teóricas que se mantêm aferradas ao esquema sujeito-objeto, oriundo da teoria do conhecimento idealizada por Kant. O autor nos chama a atenção para a importância do fator interpretativo na experiência jurídica, já que não existe nenhuma área do Direito que não a leve em consideração. Considera ainda que, muito embora toda apreciação voltada para a compreensão esteja vinculada à autocompreensão do intérprete, este não possui meios de lograr uma aproximação das questões jurídicas sem que realize um “bloqueio” de tais pré-conceitos no momento da busca interpretativa a fim de captar o sentido objetivo do texto, sob pena de “contaminar” todo o seu trabalho com as suas preconcepções. Entretanto, além das denúncias e do chamamento à ruptura paradigmática, o livro encerra uma proposta substancial no que se refere a uma nova forma de olhar a crise da hermenêutica jurídica. A proposição é a de oferecer a devida importância à hermenêutica, visto não ser uma disciplina coadjuvante na interpretação de textos de leis, doutrinas ou jurisprudências, mas tem um papel estruturante. É por tudo isso que o compêndio retrata uma guinada atinente à correta orientação da visão para a problemática enfrentada pela hermenêutica jurídica nos dias atuais.
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