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FACULDADE DE HISTÓRIA THALES FERNANDES PROF. DR. IVAN GOMES MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA I ANÁLISE DO FILME “RASHOMON”, DE AKIRA KUROSAWA Trata-se de um filme japonês da década de 50 - pós-guerra - com fotografia em preto e branco. É baseado no conto “Em um bosque”, de Ryunosuke Akutagawa. O título do filme é devido ao local onde se passa a história, no qual, sob forte chuva, um “sábio padre” e um lenhador se abrigam embaixo do telhado de uma espécie de casa abandonada, em ruínas. Eles encontram-se perplexos, desconfiados das histórias que ouviram sobre um crime, um estupro seguido de um assassinato, cometido pelo criminoso Tajomaru. Um terceiro sujeito, bastante irônico, se aproxima para também abrigar-se da chuva, encontrando os dois e perguntando sobre o ocorrido. A partir das histórias contadas pelo lenhador e o padre, tomamos conhecimento da visão do criminoso, da vítima estuprada e do samurai assassinado (através de uma médium), que testemunharam no Palácio da Justiça. As três visões são conflitantes entre si, cada uma trazendo um aspecto divergente das outras. Mas, para além das três visões dos presentes conscientemente na cena (atuando diretamente dentro do ocorrido), existe um espectador, o lenhador, que observou tudo a partir de uma visão “privilegiada”, de fora da cena, o que deu a ele uma capacidade de observação, discernimento e compreensão acerca do ocorrido e das histórias contadas pelos envolvidos (a moça, o samurai e o criminoso). O lenhador assemelha-se de certa forma à posição do historiador diante de um fato, sendo que este interpreta o fato a partir do próprio ocorrido e de suas fontes, conjuntamente com os testemunhos dos contemporâneos. No caso em questão, o lenhador observa tudo com seus próprios olhos e não através de apenas documentos, registros e fontes. O lenhador não possui intermediário entre ele e o ocorrido, ele mesmo estava lá no exato momento em que ocorreu (claro, segundo o que ele afirmou). Os testemunhos mostram os personagens diferentes do que são. A moça, diferentemente dos testemunhos - inclusive o dela -, possui um protagonismo na cena real, influenciando diretamente no combate de Tajomaru com o samurai, resultando na morte deste. Ambos estão com medo durante a luta, diferentemente da postura corajosa e “honrada” que assumiram durante os relatos. O interessante é que há implicitamente uma reflexão sobre as narrativas, sobre como, diante de um mesmo fato, os envolvidos criam histórias diferentes de acordo com a conveniência. O filme deu inspiração para a criação do termo “efeito Rashomon”, criado pelo antropólogo americano Karl G. Heider. 1 Além disso é um filme que, na nossa perspectiva, retrata o cenário japonês após a Segunda Guerra Mundial. A casa em ruínas, a chuva, o crime, o padre quase perdendo a fé na humanidade (citando as guerras, a fome, etc.) são conjuntamente uma representação da realidade japonesa do pós-guerra. Há uma reflexão moral sobre a confiança do homem pelo homem, da esperança que trará dias melhores. Quando o terceiro sujeito rouba o quimono do bebê que aparece no final do filme escondido atrás de uma parede de madeira da casa, o egoísmo e a desonestidade são confrontados pelo lenhador e o padre. A chuva que para, o sol que se abre, o bebê - com toda uma vida nova pela frente - que é levado pelo lenhador, olhando pra cima, esperançoso e ansioso pelo futuro, são todos indícios de que o Estado-nação japonês (e o povo japonês no geral) irá se recuperar, que dias melhores virão. Assim como disse o padre em seu testemunho, “a vida realmente é delicada e passageira como o orvalho da manhã”. Na figura do lenhador e do bebê, a fé na sociedade japonesa - e na humanidade em geral -, depositada pelo padre, é mantida. 1 Acesso em 23/11/2017 <epocanegocios.globo.com/Inteligencia/noticia/2014/05/o-efeito-rashomon.html>