Prévia do material em texto
Sexualidade na Escola � SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Unidade I – Sexo e gênero • Masculino e feminino na qualidade da Educação Escolar. • Sexo e gênero: da natureza e cultura. • A escola entre a Biologia e a Cultura. • A influência da psicanálise na discussão sobre a relação entre e a repressão sexual da criança. Unidade II – Sexualidade, isto é, intimidade: redefinindo limites e alcances para a escola • Freud e o temido sexo dos anjos. • Da vontade em saber em Foucault. • Até onde vai a escola no que diz respeito à sexualidade. • Aprendendo nas cercanias da sexualidade, isto é, da intimidade. • A individualidade impedida: Sexualidade no espaço escolar. • Sexualidade e desenvolvimento da pessoa: A perspectiva Walloniana. • Sexualidade e afetividade. • Sexualidade e individualidade. • A sexualidade nos dois primeiros anos de vida: As primeiras manifestações, a importância dos pais e a aquisição das identidades sexual e de gênero. • Adolescência e conhecimento • Sexualidade e escola. � • Saber o sexo? Os problemas da informação sexual e o papel da escola. • Informação versus informação educativa. • As atuações da escola. • A mídia e as informações sexuais. Unidade III – Orientação sexual na escola: os territórios possíveis e necessários • A orientação sexual: Da escola para vida e vice-versa. • Orientação sexual versus sexualidade: Em busca de alguns limites. • O profissional: A orientação sexual em atos. • Os eixos básicos da orientação sexual. Unidade IV - Projeto de orientação na escola • Por que é necessário que a escola trabalhe com a sexualidade? • Orientação Sexual e os PCNs. • O trabalho com as crianças. • O trabalho com os adolescentes. • A institucionalização do projeto. • Por onde começar? - REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS � APRESENTAÇÃO O tema “Sexualidade” ainda é tratado na escola com muitas reservas. Diante da gama de estímulos que vemos hoje na mídia, Internet, música, etc., não podemos nós, educadores, fechar os olhos a um item tão importante para o desenvolvimento do ser humano. Neste Curso, o leitor encontrará suporte para desenvolver atividades relacionadas à sexualidade no espaço escolar, em projeto que inclua participação da comunidade escolar e família. Sexualidade e educação: quais os limites e chances concretas de conjugação desses dois termos, ou melhor, dessas duas instituições humanas fundamentais? De qualquer forma, é certo que a sexualidade humana figura como um dos temas mais inquietantes e, quase sempre, mais recusados no universo prático do educador. Entretanto, cada vez mais a escola tem sido convocada a enfrentar as transformações das práticas sexuais contemporâneas, principalmente na adolescência, uma vez que seus efeitos se fazem alardear no cotidiano escolar. Cabe-nos, então, indagar: como fazê-lo efetivamente, ultrapassando os limites dos conhecidos guias de orientação sexual? Enfim, qual o papel desejável da escola perante a sexualidade? Para melhor situar o escopo da sexualidade na escola é importante contextualizar as diferentes dimensões que a conceitue: biológica, psicológica, histórica, cultural, etc. Essa é uma das tarefas deste módulo, que se propõe a desdobrar o tema com base no referencial teórico de diferentes áreas e orientações. � UNIDADE I - SEXO E GÊNERO: MASCULINO E FEMININO NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR Na linguagem corriqueira, própria de nossa vida cotidiana, sexo e gênero são muitas vezes utilizados como sinônimos, como palavras que se referem às diferenças constitutivas de homens e mulheres, de machos e fêmeas. A construção do gênero, como categoria de análise da realidade, supõe, na sociedade ocidental contemporânea, o seu distanciamento do termo sexo. Este passa, então, a associar-se a interpretações biológicas, enquanto o gênero procura resgatar o caráter histórico e cultural dos diferentes significados masculino e feminino presentes na sociedade. SEXO E GÊNERO: da natureza à cultura Existem características que podem ser definidas como especificamente masculinas ou femininas nas relações sociais e, portanto, nas relações escolares? Cabe indagar se essas características são inatas, próprias apenas à natureza biológica de homens e mulheres, ou se são socialmente construídas. Essas são as principais questões que a discussão sobre a relação entre sexo e gênero deve priorizar. Comumente, as diversidades entre homens e mulheres remetem à noção de sexo. � Em nossa sociedade encontramos nas mais variadas áreas do conhecimento, explicações sobre diferenças entre homens e mulheres baseadas nas distinções de sexo, e fundamentadas em características físicas e naturais. Faz-se frequentemente uma polarização entre homens e mulheres com base em suas condições biológicas. As mulheres muitas vezes simbolizam o corpo, a reprodução da espécie, a natureza; e os homens representam o social. As decorrências desses pressupostos são muitas. As mulheres passam a ser geralmente associadas a atividades como alimentação, maternidade, cuidado e educação, enquanto os homens são vistos como provedores e relacionados ao uso do poder. Criam-se vários estereótipos sobre homens e ao longo da história das sociedades ocidentais, especialmente as européias, nem sempre foi assim. Nicholson (1994) destaca que até o século XVII, momento em que a vida social de homens e mulheres não era enfaticamente separada entre a esfera pública (para eles) e a esfera privada (para elas), os corpos masculinos e femininos eram descritos a partir de um corte vertical no qual as mulheres eram consideradas culturalmente inferiores porque menos desenvolvidas e portanto incompletas do ponto de vista biológico do que os homens. Assim, apesar de muitas vezes a polaridade que hoje caracteriza homens e mulheres ser considerada universal e a-histórica, vemos que esse modo de compreensão se amplia somente após o processo de industrialização e urbanização, com a consequente separação entre a vida doméstica e a vida pública: “O corpo, agora bipolar e oposto - um sexo e o outro sexo - testemunha a natureza do indivíduo que o abriga”. (Vianna; Lima; 1996). � Essas mudanças são reforçadas pelas explicações oriundas da medicina e das ciências biológicas. É o determinismo biológico que passa a justificar a caracterização de mulheres e homens como seres qualitativamente distintos. São muitos e qualitativamente variados os usos do termo gênero. Procurando superar o determinismo biológico como fator explicativo, há aqueles que o utilizam para resgatar a produção cultural e histórica das diferenças sexuais, mas que mantêm o sexo, isto é, as distinções biológicas como referência explicativa. Outros não vêem nenhuma contribuição da biologia para explicar as diferenças e semelhanças entre homens e mulheres, fenômeno este considerado eminentemente cultural. Com maior ou menor ênfase em suas interpretações, todos esses usos do gênero têm em comum a afirmação da construção social das distinções sexuais. Procuram elaborar explicações que resgatam o caráter social, histórica e culturalmente produzido, de conceitos como biologia e natureza, das hierarquias baseadas sobre o corpo. Defendem que as relações de gênero se transformam ao longo da história e nas diferentes culturas e sociedades. Gênero aqui está sendo usado com essa mesma preocupação, ou seja, como um “elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos um primeiro modo de dar significado às relações de poder”. (Scott,1990). Nesse sentido, gênero é relacional, constitui qualquer aspecto da experiência humana e interagecom as demais atividades e relações sociais. Podemos então afirmar que a nossa socialização como homens e mulheres interfere na forma como nós nos relacionamos, nas profissões que escolhemos, e na maneira como atuamos. A escola, entre a biologia e a cultura Quais comentários se podem fazer a respeito do conhecimento da sexualidade humana por meio da psicanálise e sua relação com a escola? Em primeiro lugar, a escola está filiada a uma tradição iluminista que se fundamenta na idéia de que o conhecimento científico tem um potencial libertador. No que tange à sexualidade, a escola não é herdeira da ars erótica, mas da scientia sexualis. A psicanálise foi, em parte, responsável pelo fato de se levantar, na escola, o tabu sobre o sexo e de se dar à criança informações sobre a sexualidade, pela afirmação de que a criança tem o direito à verdade. Entretanto, a informação sobre o sexo destinada à criança, por meio dos manuais de educação sexual, se apoia na fisiologia do aparelho genital, de forma tal que qualquer criança percebe que um livro educativo explica tudo, menos o prazer do exercício da sexualidade. Apesar da aparente facilidade com que as idéias de Freud parecem ser atualmente aceitas, os meios de comunicação que tratam pedagogicamente da sexualidade, sobretudo nesses tempos da AIDS, analisam o sexo como coisa biológica, só que, curiosamente, já não mais ligado à reprodução, mas à totalitária, paradoxal e angustiante obrigação de saúde e prazer. � A psicanálise parte da premissa de que há uma contradição no comportamento humano, entre a sexualidade e o saber de seu objeto. A psicanálise não é assim uma sexologia. Ela se situa nos limites da sexologia, porque o que ela ocupa do sexo é aquilo que, de dentro ou de fora da própria vida pessoal, não é suficiente para dominar, para domesticar: é aquilo que é avesso ao conhecimento. Exatamente o efeito, tão conhecido pela educação, do que nas relações humanas, resulta diferente de nossas intenções. A influência da psicanálise na discussão sobre a relação entre a educação e a repressão sexual da criança Num primeiro momento, sobretudo na década de 60, uma série de livros e publicações de inspiração psicanalítica dizia que a repressão devia ser combatida. Denunciavam não só os castigos, as humilhações, que estavam relacionados à manifestação da sexualidade na escola, mas também a violência contida na educação quando ela procura proibir alguma coisa à criança, antes que ela possa entender o porquê. Isso ia de tolerar diferentes manifestações da sexualidade infantil, como erotizar, de certa forma, a relação professor-aluno. Insistiam sobre a importância do vínculo afetivo que se estabelece (a obrigação de amar o aluno), do oportunismo de atender ao interesse da criança, do dever de ensinar e, ao mesmo tempo, acolher e compreender suas manifestações afetivas. O combate à repressão sexual infantil se estendeu a qualquer tipo de repressão. Psicanalistas como Anna Freud mostravam que o �� castigo dos maus hábitos das crianças, como a masturbação, o exibicionismo, a voracidade, a agressividade, o erro, era uma maneira de matar pardais com canhões. Os estragos eram maiores do que os ganhos. Por meio de um uso abusivo da psicanálise diziam que a repressão escolar tornava a criança tímida, inibida, recalcitrante quanto à escola, incapaz de se defender e de aprender autonomamente. Acreditava-se ingenuamente que abdicar da repressão era criar as bases da felicidade. Ao apregoar a felicidade como objetivo, por meio da crítica à escola no que tinha de repressiva, essa literatura pedagógica de inspiração psicanalítica da década de 60 contrariava frontalmente o que Freud pensava a respeito. “Tem-se das crianças civilizadas a impressão de que a construção dessas barreiras (contra a sexualidade infantil) é um produto da educação e, sem dúvida, a educação muito tem a ver com elas”. “Pois a sociedade deve assumir como uma das suas mais importantes tarefas educativas dosar e restringir a pulsão sexual... e sujeitá-la a uma vontade individual que é idêntica à ordem da sociedade”. O confronto entre educação e sexualidade tem uma longa tradição no pensamento de Freud. Ele chama a atenção para uma norma sexual que não leva em conta a individualidade e a idiossincrasia de cada um de seus membros, o que torna a moral sexual civilizada uma das principais responsáveis pela neurose. Mas se aponta os exageros dessa moral e lamenta suas vítimas, não espera que a educação possa ser outra coisa que a repressão �� sem tréguas ao preenchimento do desejo humano, porque a civilização supõe essa repressão para constituir-se, para estabelecer vínculos cada vez mais amplos entre os homens, para a criação das produções mais altas da cultura. Vendo nisso um resquício vitoriano na teoria de Freud, o pensamento libertário da década de 60 assumiu que o amor e a sexualidade eram necessariamente positivos, e a repressão, liminarmente destruidora e negativa. Esqueceu-se de que há formas destrutivas de amor e que, algumas vezes, a repressão pode ser constitutiva. Anos depois, os psicanalistas começaram a criticar pais e professores pela falta de limites dados às crianças. As crianças estavam se tornando egoístas, mimadas, e essa falta de limites era o maior responsável, depois, por uma futura fragilização psíquica, tornando irresistível o apelo das drogas ou fazendo jovens sucumbirem à frustração – às frustrações que a vida oferece e àquelas relativas ao fato de não poderem consumir tudo o que a publicidade veicula. A ausência de limites também seria responsável pela falta de ética e de respeito mútuos, e, simultaneamente, pela falta de respeito por si no que diz respeito ao exercício da sexualidade. É como se todos esses discursos tivessem tirado da escola uma coisa que a escola tradicional possuía, com todos os crimes que cometeu em nome da repressão: a convicção de que o que fazia tinha um significado profundamente enraizado na cultura. Hoje, talvez seja impossível recuperar essa certeza. �� Freud dizia que qualquer coisa que se faça, quando se é educador, estará errada. Pois se a escola acolhe demandas sociais múltiplas, contraditórias ou impossíveis, forçosamente fracassará. Se a sociedade estabelece que a educação é onipotente, condena liminarmente os professores à impotência e justifica sua irresponsabilidade. Os professores não são capazes de produzir futuros adultos felizes na sua vida amorosa; são capazes, no entanto, de ensinar alguns conteúdos, dentro da tradição cultural em que a escola está enraizada. Se a tradição da cultura escolar é iluminista, ela não é, porém, necessariamente caudatária de um mito ou de uma banalidade científica. A percepção da sexualidade saudável que é oferecida às crianças e jovens, dentro e fora da escola, é restritiva, banalizadora e totalitária. A própria tradição escolar, pelo fato de estar ligada a uma tradição cultural que além de científica é também literária, poética e filosófica, pode encontrar o veio pelo qual, no Ocidente, se encontram outras percepções acerca da sexualidade. Talvez possa colocar os alunos diante da cultura que soube, um dia, o que era a difícil arte de amar. Orientação sexual na escola 86% das pessoas são favoráveis à Orientação Sexual nas escolas. 32% dos pais conversam sobre sexo com os filhos. 50% dos pais nunca falaram sobre sexo com seus filhos. Pesquisa do Instituto DataFolha realizada em dez capitais brasileiras e divulgada em 27/06/93 constatou que 86% das 5.076 �� pessoas ouvidas são favoráveis à inclusão de Orientação Sexual nos currículos escolares. Apesar de favoráveis, ou por causa disso mesmo, somente32% dos pais conversam sobre sexo com seus filhos; 50% nunca chegaram a ter esta conversa. A pesquisa mostra que as mulheres conversam mais sobre sexo, AIDS e drogas com seus filhos do que os homens. Pais e mães têm mais facilidade para conversar sobre drogas do que sobre sexo. Pais separados conversam mais sobre sexo com seus filhos do que pais casados. Isto sugere que o apoio majoritário à Orientação Sexual nas escolas (82% entre os que têm filhos), além da aparente liberalidade, tem o caráter de transferência para a escola de uma responsabilidade que muitos pais não se dispõem ou encontram dificuldade em assumir. Dentre os praticantes das diversas religiões, os que mais se posicionam a favor de se falar sobre todos os assuntos com os filhos são os espíritas (70%), seguidos pelos protestantes tradicionais (59%) e pelos católicos praticantes (52%). Entretanto, mesmo achando que todos os temas devem ser abordados, um menor número o faz (47% dos espíritas, 48% dos protestantes tradicionais e 31% dos católicos praticantes conversam sempre sobre sexo com os filhos). Dentre os entrevistados que se posicionaram contra a Orientação Sexual nas escolas, a maioria mora no Nordeste, tem mais de 41 anos e escolaridade até o 1° grau. Quanto mai or o nível de instrução e de renda, mais as opiniões são favoráveis a que se fale de todos os temas. �� Entre as pessoas que dispõem de renda familiar superior a dez salários mínimos, 92% são favoráveis à Orientação Sexual nas escolas. Entre os que têm formação universitária, o apoio chega a 95%. Em maio de 1989, a Editora FTD realizou uma pesquisa enviando carta-resposta comercial para 10 mil professores, considerados como tendo poder de decisão junto à direção/coordenação da escola e junto aos demais professores de escolas públicas e particulares, classificadas como ótimas e grandes, da Ed. Infantil à 4ª série, nos grandes centros de todo o território nacional. Foram respondidas 5,5% das cartas, das quais 93,75% do sexo feminino, 54,45% vivendo maritalmente, 64,3% com curso superior, 79% católicos, 91,8% com idades entre 18 e 45 anos. Entre os pesquisados, 84,3% acham que não tiveram uma boa educação sexual ou a tiveram mais ou menos, contra 13% que se declararam satisfeitos. Para 42,8%, as pessoas mais procuradas para conversar eram amigos e colegas, sendo que somente 6,2% procuravam os pais ou orientadores da escola. A grande maioria declarou que não era permitido falar de sexo na escola onde estudara, fazendo acompanhar a afirmação com frases do tipo: “Era tudo pecado,” “Não se podia falar de sexo, mas a curiosidade era grande.” “Conversava-se nas reuniões de catequese.” “Só podia falar de menstruação.” “As reuniões eram só para as meninas.” �� “Toda iniciativa era sutilmente cortada.” "Havia muito tabu por parte dos professores, era pecaminoso. Hoje, as reações mudaram." Perguntados se a maioria dos pais se sentiria incomodada pelo fato de a escola responder às questões sobre sexualidade, 52,7% responderam "não", contra 27% que disseram "sim". Dos entrevistados, 55,4% acham importante discutir, explicar e orientar as crianças a respeito de sexo, sendo que 38,6% acham importante, mas não se sentem em condições de fazê-la por falta de preparo. 75,9% acreditam não ter tido formação profissional para lidar com a sexualidade das crianças. As afirmações são do tipo: "Preciso ter mais esclarecimento e didática para responder corretamente." "Gostaria de um curso especializado." "Não sei o que falar para as crianças quando sou surpreendida por perguntas sobre esse assunto." O que tem acontecido para que, apesar de todos perceberem a sua necessidade, o trabalho de Orientação Sexual seja ainda tão incipiente no país? A discrepância entre a prática e os desejos da população passam por razões diversas na rede pública e particular. �� Tem que existir, primeiro, uma vontade política (por parte dos governantes) de assumir programas desse tipo. Isso implica reconhecer como prioridade investimentos na área da saúde e educação da criança e do adolescente. Tanto na rede pública como na particular, existem os tabus e o preconceito contra assuntos ligados à sexualidade. Essas reações minam, de diferentes maneiras, as possibilidades de implantação desse tipo de trabalho. Na rede pública, exemplos de resistência aparecem na alegação de falta de espaço ou na não-divulgação dos cursos de Orientação Sexual para os professores; na rede particular, uma das objeções é o receio de os pais dos alunos se posicionarem contra e retirarem as crianças das escolas (o que raramente acontece) ou ainda, "tapando o sol com a peneira", não querendo investir recursos na formação de professores de Orientação Sexual. Muitas dessas escolas chamam um médico ou psicólogo para uma palestra e acham que está realizado o trabalho de Orientação Sexual. A reação dos pais, longe de ser resistente, é de querer passar essa responsabilidade à escola que, entretanto, não tem como função, nem conseguiria, substituir a educação sexual dada pela família. Existem, há mais de uma década, experiências significativas em escolas públicas e particulares de diversos Estados. Quando essas escolas implantaram, de forma pioneira, os seus projetos, a maioria dos pais deu seu apoio. Hoje, várias escolas são conhecidas e respeitadas também por esse diferencial. �� A análise de currículos de Ciências, de 4ª a 8ª série de escolas estaduais, municipais e de algumas escolas particulares de São Paulo, constatou a presença de temas como reprodução, fecundação, parto, características sexuais secundárias do homem e da mulher e sua influência nos papéis sociais de cada um, transformações físicas, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. Entretanto, os currículos variam no detalhamento do que é dado e na série em que a informação é oferecida. Segundo informação do Ministério da Educação, cada escola tem liberdade para desenvolver os conteúdos de Ciências da maneira que achar mais adequada. O fato de temas relacionados à sexualidade constarem dos programas não é garantia de que o assunto será abordado e, menos ainda, que o será de forma aberta e participativa. A pesquisa da FTD e a nossa experiência fazem supor que um grande número dos professores não se sente confortável para falar sobre temas da sexualidade, inclusive os de Ciências. A ênfase, na maioria das escolas, é para a informação biológica, não oferecendo ao aluno abertura para colocar outros tipos de questões sobre sexualidade. Mesmo que se sinta à vontade para desenvolver o tema, o professor dificilmente aborda o assunto do ponto de vista que interesse aos alunos. O professor deveria estar preparado para polemizar, lidar com valores, tabus, preconceitos e informar sobre as dúvidas, em vez de simplesmente transmitir conteúdos. Conteúdos sobre sexualidade, se não forem relacionados às questões vivenciadas por aquela idade, não são incorporados. � É alvissareiro constatar que muitos currículos já incluem alguns temas da sexualidade. Ao mesmo tempo, sabemos que pouquíssimos fazem um trabalho adequado na área de Orientação Sexual: seja porque os professores não contam com material que lhes propicie maior confiança quanto ao que deve ser abordado com cada idade, seja por não se sentirem preparados para responder às questões dos alunos, seja por não terem um horário especial para desenvolver adequadamente esses temas. Com o intuito de fazer frente às dificuldades e resistências acima citadas, parece-nos pertinente e atual a publicação deste Guia de Orientação Sexual, para o qual atribuímos dupla função. Por um lado, a função pedagógica e norteadorapara educadores e todos aqueles que, direta ou indiretamente, trabalham com crianças e adolescentes. Por outro, a função política de somar esforços para ampliar a discussão e o espaço em defesa do direito de toda criança e adolescente a receber Orientação Sexual, visando melhorar a qualidade de vida e a saúde dos cidadãos. Este Guia de Orientação Sexual também se propõe a fornecer subsídios a profissionais de saúde, legisladores, autores de novela, jornalistas e outros profissionais da mídia diante de questões tais como: • Em que idade ou estágio de desenvolvimento deveriam ser transmitidas determinadas informações especificas? • Tal comentário no rádio, na TV, nas revistas, está de acordo com a Ciência? • Tal opinião é preconceituoso, é sexista? � • Como falar sobre AIDS com crianças? • Como proteger uma criança de abuso sexual? • Que mensagens educativas seriam importantes para programas televisivos infantis? • Como a novela poderia veicular mensagens preventivas? Exercícios: 1) Como a sociedade utiliza o termo “sexo” e o termo “gênero” na construção social? ---------------------------------------------------------------------------------------------- ---------------------------------------------------------------------------------------------- ---------------------------------------------------------------------------------------------- 2) Comente: Psicanálise e educação sexual. ---------------------------------------------------------------------------------------------- ---------------------------------------------------------------------------------------------- ---------------------------------------------------------------------------------------------- �� UNIDADE II SEXUALIDADE: REDEFININDO LIMITES E ALCANCES PARA A ESCOLA Sexualidade é como um fantasma que ronda as cercanias e os interiores da escola e da sala de aula. Não é o único, sabemos disso. Mas é, sem dúvida, um daqueles que, quanto mais se busca erradicar, mais assombra a cada esquina. E isso, há séculos, ao que indica a história. A violência, as drogas, a bebida vêm mostrando seu traçado e incomodando há menos tempo, mas com força e colorido muito semelhantes. Até porque, diferentemente das questões cruciais do ensino brasileiro, como a evasão e a reprovação, sobretudo das primeiras séries no ensino público, deixam de ser, como a sexualidade, “privilégio” de uma classe social. Têm entrado na mira das estratégias de controle, deixando igualmente marcas de fracasso nos caminhos de seu combate. Todos, temas de complexidade sensível, que, por suas especificidades, merecem ser tratados no plano das pesquisas e escrituras, um a cada vez. É a hora e a vez de pensarmos a sexualidade. Freud e o temido sexo dos anjos Numa conferência proferida no início do século XX, Freud explicava, uma vez mais, que a sexualidade não era como sempre se pensou, algo que surgisse na adolescência. As crianças, desde o nascimento, apresentavam atividades auto-eróticas que, da sucção à �� masturbação, passando pelo controle das fezes como estímulo à mucosa anal, faziam-se acompanhar de fantasias e constituíam assim a história amorosa desses supostos anjos. A genitalidade, com a atividade auto-erótica que lhe corresponderia (a masturbação), estava sendo considerada por ele apenas como uma das formas da sexualidade: aquela que, em verdade e dentre todas, mais anunciaria sua qualidade sexual. Teria ela início, ainda na primeira infância, numa fase que batizou como fálica porque, na imaginação das crianças, os homens e as mulheres possuiriam, por natureza, o pênis. Na adolescência, o que estaria, então acontecendo? Somente o ressurgimento, depois de longos anos de latência (entre 7 e 12 anos, aproximadamente), da genitalidade. Dessa e de outras fases, também eróticas, pouco ou nada nos lembraríamos com o esforço da consciência, mas, com certeza, guardaríamos marcas, mais ou menos indiretas, em nossa vida psíquica. A repressão, conduzida em grande parte pelas atitudes e reações dos pais às manifestações espontâneas de seus filhos, seria a causa tanto do esquecimento quanto do reaparecimento distorcido, em sonhos, sintomas ou angústias de toda espécie, dessa história do desejo sexual. Freud tentava provar a propriedade da teoria que, há quase duas décadas, parecia ter vindo para incomodar as concepções sobre o homem e, especificamente, sobre a criança. Como imaginá-la capaz de pensamentos tão impuros? Aos médicos, educadores e pais de família Freud pergunta: se, de fato, não acreditassem na sexualidade �� desde a infância, por que haveriam de estar constantemente reprimindo as crianças nas escolas, no lar e nas prescrições de condutas saudáveis? Além disso, se não nos lembramos de nós, na mesma idade, é porque fomos também reprimidos. Apesar de todas as críticas, é inegável que Freud nos põe a tratar de forma menos convicta do que vínhamos fazendo, o tema da sexualidade. No mínimo, temos de parar e pensar se ele não teria razão. Da Vontade de saber em Foucault Se nos incluímos entre os que, reconhecem na teoria de Freud as virtudes do pioneirismo sério e rigorosamente consequente a respeito da sexualidade, podemos considerar que a repressão tem modos de agenciamento social que fazem com que a sexualidade, nas malhas dos dispositivos institucionais criados para reprimir, como diria Foucault, difunda-se, circule, aconteça. Foulcault em História da Sexualidade (1985) diz que a hipótese repressiva não daria conta de explicar os destinos do desejo ou da sexualidade. Ele parte da afirmação de que esta última é o sexo no discurso. Parte, ainda, da afirmação de que os discursos se produzem como dispositivos institucionais. Para melhor entender esses pressupostos, pensemos que, vida adentro, fazemos as instituições das quais julgamos apenas participar. Ou seja, falamos sempre na qualidade de atores, nos palcos ou cenários de práticas ou relações sociais como a família, a escola, o trabalho, a profissão, o lazer, a religião e assim por diante. �� Reconhecemo-nos sujeitos de nossa história na superposição ou, melhor, no intrincamento de todos os lugares por nós assumidos e aqueles atribuídos a nossos parceiros de jornada. Nascemos filhos, numa cultura que reserva à família um determinado estatuto no conjunto das instituições sociais de uma época. Recebemos um nome e um sobrenome que selam as expectativas em torno de nosso vir a ser, sobretudo para os nossos pais e parentes mais próximos. A partir daí, choramos, sorrimos, brincamos, aprendemos a ler e escrever, constituímos nossos vínculos de amizade, nossas inimizades, trabalhamos, ficamos desempregados, dormimos sob as pontes ou sob muitas cobertas, amamos ou odiamos e assim por diante. Em cada uma dessas aventuras, estamos sempre fazendo instituições, enquanto respondemos a expectativas mais ou menos veladas quanto ao nosso fazer. Tudo isto, com ou sem consciência da rede imaginária e simbólica em que nos enredamos. Por ela, com ela e nela, falamos e, de longe, indiferenciamos o que fazemos/somos/dizemos. A sexualidade não escapa desse agenciamento por dispositivos institucionais. Talvez escape mais de alguns do que de outros. Mas, sem dúvida, grande parte deles tem suas formas de trazer o sexo para o discurso. Segundo Foucault, os dispositivos criados para reprimir a sexualidade, acabam por ter efeitos contrários àqueles a que se propõem.. �� Até onde vai a escola no que diz respeito à sexualidade? Estamos usando o termo instituição, com um sentido bastante especial e que merece ser explicitado para que certas afirmaçõespossam ser mais bem compreendidas. Estamos definindo as instituições como relações ou práticas sociais que tendem a se repetir e que enquanto se repetem, legitimam-se. Existem, sempre, em nome de um “algo” abstrato, o que chamamos de seu objeto. Por exemplo, a medicina pode ser considerada, segundo nossa definição, uma instituição e seu objeto, pode se dizer, é a saúde. (Guillon,1978) As instituições fazem-se, sempre também, pela ação de seus agentes e de sua clientela. De tal forma que não há vida social fora das instituições e nem sequer há instituição fora do fazer de seus atores. Representamos o que fazemos como tendo de ser assim, como não havendo outro modo de fazê-lo, como natural, e não como relativo à prática institucional. Exemplo: para nós, professores e educadores, para os pais e para as crianças e/ou jovens que fazem a escola como sua clientela, parece tão natural que se aprendam os conhecimentos básicos da cultura por meio de aulas e disciplinas. Consideramos como objeto da instituição-escola: a aprendizagem de conhecimentos, por meio da constituição de esquemas de pensamento que dêem conta das possibilidades de aprender, bem como o desenvolvimento de uma atitude diante do conhecimento. �� É muito comum a escola tentar ampliar seu âmbito de ação dos hábitos alimentares ...à conduta sexual até se confundir com toda a educação possível da sociedade. Afirmamos que sua estratégia poderia ser a de deixar que a sexualidade surja para tomá-la em consideração. E não deixaria de ser a instituição que é. Poderia estar lidando com mais delicadeza na extensão de suas fronteiras. Como? O ambiente já está dado: as crianças ou adolescentes, como alunos, reeditam nas relações ali constituídas suas fantasias, seus desejos, conflitos, sua história; reeditam a posição que se vêem ocupando vida adentro nas relações entre gerações, gêneros, raças e/ou religiões; há um entrecruzamento fértil, circunstancialmente dado, desses e de outros vetores. Pretender organizar cada um desses planos, direcionando-os para um norte, ou melhor, pretender organizá-los em atitudes uniformes, conforme as metas de uma educação atitudinal, é, sem dúvida, uma tarefa a que a escola se propõe, como não poderia deixar de ser, para se fortalecer como instituição social. Mas é exatamente nisto que força a barra, que ultrapassa seus limites, anda na contramão de uma ética da relação social, e mesmo da intimidade. As iniciativas consideradas mais agressivas e modernas, como os grupos de discussão da sexualidade, perseguem este alvo. Quando, na verdade, deveria se garantir, nesse aspecto, um papel ou lugar menos decisivo e mais sóbrio. Poderia assim, estar agindo no território de sua especificidade, como instituição social, e com certeza, estaria fazendo muito. O que isto quer dizer? Eis uma situação concreta para esclarecimento: �� Dia desses, foi perguntado a uma criança de terceira série de Ensino Fundamental de uma das escolas mais à esquerda do eixo da tradição, como é que a professora lidava com o fato de os meninos andarem importunando um colega, por seus hábitos de irresistível apego aos dengos maternos. A resposta foi: “Ah, se alguém o chama de veado, em voz alta, no meio da aula, a professora diz, sem nem virar da lousa: “olha a boca...”. O veado, no caso, deve ter estourado os limites do respeito para com a atividade em questão (aula de gramática), para com a atenção dos colegas a ela, para com as regras mínimas de emissão de opinião sobre um colega, para com as exposições, e (por que não?) para com os limites de tolerância da professora. De fato, é muito mais difícil lidar com situações deste tipo, no fio da navalha de sua dimensão social e psicológica, a sangue quente, sem estratégias instituídas, sem as certezas das táticas planejadas e, portanto, distantes do calor da hora, como os grupos de orientação e informação sexual ou oficinas de sexualidade. Aprendendo nas cercanias da sexualidade, isto é, da intimidade Sabemos, por exemplo, que a conquista da língua escrita é tarefa árdua para os que frequentam as primeiras séries do Ensino Fundamental. Sabemos também, que a língua falada pode ser o guia. Marcada pela possibilidade de “livre” expressão do pensamento de um narrador, é ocasião de uma produção escrita que deixa seu autor à vontade para contar. �� Às vezes com tema determinado (no caso, pelo professor), às vezes com tema livre, pode-se pôr o pequeno aprendiz, que domina melhor o fluxo da fala do que o da escrita, a falar por escrito. Com maior ou menor preocupação com a correção ortográfica, de acentuação ou pontuação, conforme o perfil e as exigências da criança e aquelas da escola em que estuda, vai contando. De preferência, o que lhe vier à cabeça. E o que lhe vem à cabeça, se penso conforme prevêem a psicanálise, as teorias sociológicas da representação e as teorias sobre instituições, terá sido, inevitavelmente, tecido em sua história pessoal, nas diferentes relações que foi constituindo com figuras significativas para ela. Ora, disso não se exclui o modo como foi organizando sua sexualidade, a intimidade de suas fantasias ou, em outra linguagem, suas representações dos vínculos afetivos, suas identificações. No modo como constroi sua narração, bem como nos focos temáticos que faz, está toda a criança. Claro que não precisa ser interpretada. Basta- lhe ser possível dizer e estará, sem dúvida, uma vez mais, podendo ser. Duas observações cabem aqui. Primeira: todo professor, sobretudo das séries iniciais, sabe o quanto as redações de seus alunos são, nesse sentido, autodemonstrativas. Segunda: o leitor já deve ter percebido que o termo sexualidade, mesmo que tenha perdido em precisão pontual, ganhou em abrangência, para não mais significar genitalidade ou analidade, e sim, propositadamente, confundir-se, nos seus efeitos, com intimidade, desejo, afetividade; tudo, com a aquiescência conceitual da psicanálise. � Se as narrativas têm, por si, potência expressiva (e psicopedagógica, como querem alguns), seu manejo, no entanto, pode explorar ou restringir essa potência. O confronto com exigências iniciais muito severas, no que diz respeito à correção, pode levar a escrituras que restringem também a expressividade do texto e do pensamento de seu autor. Mas dentro de certos limites de tolerância ao erro e ao estilo, talvez seja a “galinha dos ovos de ouro” na aprendizagem ou na recriação do conhecimento que a escola faz ou tem como seu objeto, na qualidade de instituição. O contato da criança com as ciências da linguagem, da história, dos estudos sociais, mais diretamente, ou, mais indiretamente com as ciências biológicas e matemáticas, em maior ou menor grau, podem, em tal contexto, passar pelo contato com o conjunto de sentidos, com a afetividade, a intimidade e, por que não?, com a sexualidade daquele que está no lugar de aprendiz. Quer o educador, e mesmo o leitor, situação mais interessante? A individualidade impedida: sexualidade no espaço escolar Analisar a relação entre sexualidade e escola é praticamente equivalente a articular os pólos de uma antítese. A escola tem-se mostrado persistentemente refratária ao impacto do que foi chamado por Reich de “revolução sexual”. As propostas de educação sexual parecem patinar, não conseguindo se impor. Talvez isso reflita o antagonismo essencial entre sexualidade e cultura postulado por Freud, ou a incapacidade de modernização da instituição educativa. � A utópica exigência reichiana que atribuía aos adultos não só a função de permitir, como também a de proteger o exercício da sexualidade infantil e juvenil, entendida como direito fundamental da pessoa, quando se concretizou, foi fora do espaço escolar,geralmente no interior da família. Dentro da escola, a interdição às manifestações do erotismo permanece mais rigorosa do que as que pesam sobre as expressões da hostilidade. Qualquer discussão realista sobre o vínculo entre escola e sexualidade deve reduzir-se, assim, ao âmbito da orientação sexual, isto é, ao aconselhamento possível acerca do destino a dar às pulsões genitais emergentes. A resposta, sem dúvida, depende de posições de natureza ideológica, mas tem a ver também com a natureza da concepção de desenvolvimento humano que se utiliza. Onde a sexualidade assume o lugar de eixo fundamental da pessoa, a orientação parece tender para a sua utilização imediata assim que ela se torna biologicamente disponível. Obstruí-la adquire o caráter de uma violência equivalente à de impedir o exercício de qualquer possibilidade nova: andar, falar, pensar. Quando, entretanto, a sexualidade é vista como apenas uma das dimensões da pessoa e o desenvolvimento como algo destinado a levar à sua expansão e diferenciação máximas, a resposta não é tão clara. O que se propõe é examinar o lugar da sexualidade dentro de uma perspectiva psicogenética deste tipo: a questão passa a se referir às relações entre escola e individualidade em formação. �� O TRABALHO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL: OBJETIVOS E VALORES Sexualidade e Aprendizagem O cidadão do século XI, de uma grande metrópole, não se comporta sexualmente como um cidadão de zona rural do início do século. As diferenças vão desde a "corte", o papel do homem e da mulher, até as liberdades permitidas no ato sexual. A sexualidade é construída, basicamente, a partir das primeiras experiências afetivas do bebê com a mãe e com o pai ou com quem cuida dele. Seguem-se as relações com família, amigos, e as influências do meio cultural. A capacidade da mãe de tocar o filho, aconchegá-lo, acolhê-lo psicologicamente, será a base para o desenvolvimento da resposta erótica e da capacidade de construir vínculos amorosos e do desejo de aprender. Papel da escola Apesar de trabalhos desenvolvidos por Freud, ainda no início do século XX, constatarem a existência da sexualidade infantil, da curiosidade natural das crianças a respeito de sua origem e das dificuldades decorrentes quando elas não conseguem responder a essas questões, alguns preconceitos e tabus têm impedido os pais de conversarem com seus filhos e as escolas de informarem as crianças. Sendo a sexualidade algo que se constroi e aprende, parte integrante do desenvolvimento da personalidade, capaz de interferir da alfabetização ao desempenho escolar, a escola não pode ignorar essa �� dimensão do ser humano e tem que investir na formação de professores para dar conta da tarefa. Orientação Sexual x Educação Sexual A Orientação Sexual, quando utilizada na área de educação, deriva do conceito pedagógico de Orientação Educacional, definindo- se como o processo de intervenção sistemática na área da sexualidade, realizado principalmente em escolas. A Orientação Sexual se propõe a fornecer informações sobre sexualidade e a organizar um espaço de reflexões e questionamento sobre postura, tabus, crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais. A Orientação Sexual abrange o desenvolvimento sexual compreendido como: saúde reprodutiva, relações interpessoais, afetividade, imagem corporal, auto-estima e relações de gênero. Enfoca as dimensões fisiológicas, sociológicas, psicológicas e espirituais da sexualidade através do desenvolvimento das áreas cognitiva, afetiva e comportamental incluindo as habilidades para a comunicação eficaz e a tomada responsável de decisões. O trabalho pode ser realizado por educador ou outro profissional capacitado para uma ação planejada, sistemática e transformadora, visando a promoção do bem-estar sexual, a partir de valores baseados nos direitos humanos, e relacionamentos de igualdade e respeito entre as pessoas. �� Por todas essas condições, diferencia-se da educação sexual, que inclui todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da vida, seja através da família, da religião, da comunidade, dos livros ou da mídia. O trabalho de Orientação Sexual procura ajudar crianças e adolescentes a terem uma visão positiva da sexualidade, a desenvolverem uma comunicação clara nas relações interpessoais, a elaborarem seus próprios valores a partir de um pensamento crítico, a compreenderem o seu comportamento e o do outro e a tomarem decisões responsáveis a respeito de sua vida sexual, agora e no futuro. Atração Sexual x Orientação Sexual No meio médico, jurídico e da sexologia, o termo Orientação Sexual é utilizado para denominar a identidade erótica dos cidadãos em hetero, homo ou bissexuais. Neste Guia, optamos pela expressão atração sexual para tratar do desejo sexual, no sentido de evitar a categorização dos indivíduos e ampliar a visão da sexualidade. Objetivos A Tabela n° 1 apresenta os objetivos a serem alcanç ados no trabalho de Orientação Sexual: TABELA N° 1: O objetivo de um trabalho de orientaçã o sexual é favorecer o bem-estar sexual dos indivíduos. Este Guia, através da discussão dos conceitos fundamentais, favorece condições �� para que o aluno possa: No desenvolvimento humano: Gostar do seu próprio corpo. Desenvolver a auto-estima. Buscar maiores informações sobre reprodução, quando necessitar. Encarar sem culpa a sexualidade. Compreender que a sexualidade faz parte do desenvolvimento humano sem, necessariamente, implicar reprodução. Relacionar-se com respeito e responsabilidade. Reconhecer e respeitar as diferentes formas de atração sexual. Exercer os direitos de cidadania nas diferentes manifestações da sexualidade. Nos relacionamentos: Identificar e expressar seus sentimentos. Usufruir de intimidade e de prazer. Defender-se de vínculos nos quais se sinta manipulado ou explorado. Escolher, dentre suas possibilidades, modos de vida e de convivência. Desenvolver relacionamentos significativos. Na comunicação: Identificar os valores socioculturais e posicionar-se de forma pessoal em relação a eles. Pensar por si mesmo em situações-problema, avaliando alternativas e consequências. Buscar informações e ajuda quando necessário. Responsabilizar-se por suas decisões. �� Considerar a comunicação como uma forma de expressão nos relacionamentos. Ser receptivo às mensagens do outro, ampliando sua própria visão de mundo. No comportamento sexual: Usufruir e expressar a própria sexualidade ao longo da vida. Viver a sexualidade de forma congruente com os próprios valores. Usufruir de fantasias sexuais como fonte de prazer, sem necessariamente realizá-las. Buscar informações que contribuam para o esclarecimento e o desenvolvimento da própria sexualidade. Discriminar entre comportamentos sexuais enriquecedores e prejudiciais a si e aos outros. Reconhecer os próprios limites e desejos sexuais e respeitar os dos outros. Ser capaz de tomar decisões e ser responsável por elas ao se envolver em relacionamentos sexuais. Ser capaz de conversar ou buscar ajuda entre os amigos, familiares, na escola, com uma pessoa de sua confiança ou com um profissional especializado, nas dúvidas ou dificuldades com a sexualidade. �� Na saúde sexual e reprodutiva: Aprender a conhecer o próprio corpo e a cuidar dele. Valorizar a saúde do corpo como condição necessária para usufruir de prazer sexual. Escolher um método anticoncepcional que considere as características pessoais, para poder usá-Ia de forma eficaz. Prevenir-se de abusos sexuais. Agir de modo consistentecom os próprios valores ao lidar com uma gravidez indesejada. Buscar acompanhamento médico integral durante a gravidez. Evitar contrair ou transmitir doença sexualmente transmissível, inclusive o vírus da AIDS. Realizar regularmente procedimentos preventivos, tais como: papanicolau, auto-exames dos seios e testículos. Vencer tabus e preconceitos relacionados à sexualidade. Respeitar pessoas com valores sexuais e estilos de vida diferentes dos seus. Exercer a cidadania desenvolvendo um posicionamento claro nas questões sexuais. Avaliar o impacto das comunicações familiares, culturais, da mídia e da sociedade nos próprios pensamentos, sentimentos, valores e comportamentos relacionados à sexualidade. Defender o direito de todas as pessoas obterem informações precisas a respeito da sexualidade. Evitar comportamentos discriminatórios e intolerantes. Rejeitar estereótipos a respeito da sexualidade. Valores Os pressupostos deste Guia de Orientação Sexual são a �� expressão de valores pluralistas relacionados à sexualidade, em consonância com os direitos de cidadania de uma sociedade democrática. Os pressupostos se apoiam nos seguintes valores: • Toda pessoa tem dignidade e valor próprio. • A sexualidade é parte da vida de todas as pessoas. • A sexualidade inclui dimensões biológicas, éticas, espirituais, psicológicas e culturais. • Os indivíduos expressam sua sexualidade de várias formas. O exercício da sexualidade compreende aprender. Os indivíduos expressam sua sexualidade de várias formas. O exercício da sexualidade compreende aprender o respeito ao corpo, aos próprios sentimentos e aos do outro. • Numa sociedade pluralista, as pessoas deveriam respeitar a diversidade de valores e crenças nela existentes sobre a sexualidade. • Todas as crianças deveriam ser amadas e cuidadas. • Indivíduos e sociedade se beneficiam quando as crianças são capazes de conversar sobre sexualidade com seus pais e/ou outros adultos confiáveis. • Todas as decisões sexuais têm efeitos ou consequências. • Todas as pessoas deveriam fazer escolhas sexuais res- ponsáveis. • Explorar a própria sexualidade faz parte da busca do bem- estar sexual. • Relacionamentos sexuais nunca deveriam ser coercitivos ou exploradores. �� • Pessoas jovens que têm relacionamentos sexuais precisam ter acesso a informações e programas de saúde de qualidade. METODOLOGIA PARA UM TRABALHO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL Quando este texto sobre Metodologia foi escrito para o Guia, ainda não haviam sido editados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do MEC. Nos PCN já está incorporada a Orientação Sexual como tema transversal além de indicada a pertinência do espaço específico para a temática da sexualidade. Os critérios para a eleição dos temas transversais consideraram sua urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino e aprendizagem no nível fundamental e para possibilitar aos alunos melhor compreensão da realidade e da participação social. Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e Trabalho e Consumo são os outros temas transversais contemplados nos PCN. Os temas transversais devem perpassar todos os conteúdos curriculares, sendo trabalhados em todas as disciplinas do ensino fundamental. A Orientação Sexual nos PCN incorporou ainda a ideia de eixos básicos de conteúdo. A saber: Corpo - Matriz da Sexualidade, Relações de Gênero e Prevenção das DST/AIDS. Esses três eixos devem ser sempre trabalhados em qualquer dos temas da sexualidade, tanto ao se debater um tema escolhido pelos alunos no espaço específico, quanto ao abordar algum assunto � relacionado a uma das matérias do currículo. O professor precisa ter sempre em mente a necessidade de problematizar questões ligadas ao conhecimento do corpo, erótico e reprodutivo, que envolve o prazer e a reprodução, às relações de gênero e toda sua importância social, sem esquecer de por em evidência a prevenção das DST/AIDS, talvez a questão mais urgente de nossa temática. O trabalho de Orientação Sexual nas escolas implica planejamento e ação pedagógicos sistemáticos, o que envolve espaço no currículo escolar. Não se trata de fenômeno episódico, como uma palestra ou uma semana especial de atividades, mas de abrir o canal para o debate permanente com crianças e adolescentes acerca das questões da sexualidade. A contrapartida é o estudo e a preparação contínua dos educadores envolvidos na tarefa, com trabalho de supervisão sistemática por especialistas ou profissionais com maior experiência na área. Os pais devem ser informados sobre os pressupostos e objetivos do trabalho de Orientação Sexual, o que pode ser feito por meio de reuniões, entrevistas ou comunicações por escrito. A compreensão dos pais sobre a importância do trabalho com a sexualidade infantil e adolescente fortalece o trabalho de Orientação Sexual e pode abrir novas perspectivas de diálogo na própria família. A Orientação Sexual deve começar quando a criança entra na escola e se desenvolver ao longo de toda a seriação escolar. Na Ed. Infantil e nas três primeiras séries do Ensino Fundamental, não se � estrutura com horários específicos, nem se constitui numa matéria. Ela atende à demanda natural da criança e depende da capacidade de o professor perceber as manifestações da sexualidade infantil, para poder lidar adequadamente com elas. O trabalho de Orientação Sexual com crianças é integrado às atividades diárias em situações como jogos, histórias, exercícios ou estudo do meio. Enfim, inúmeras situações aparecem, ou podem ser aproveitadas, para o trabalho de Orientação Sexual de crianças. A experiência mostra, porém, que isso só ocorrerá: a) se o professor se sentir tranquilo para abordar a sexualidade; b) se o professor estiver em contato permanente com a questão da sexualidade, lendo, estudando, debatendo; c) se houver respaldo da escola para esse tipo de trabalho - apoio da direção, equipe técnica e de colegas. Assim, apesar do fato de o trabalho não se estruturar formalmente para a criança, há a necessidade de que ele seja sistematicamente desenvolvido pelos educadores. A quarta série do Ensino fundamental já comporta a estruturação do conteúdo de Orientação Sexual. É nessa série que se costuma estudar, em ciências, os aparelhos do corpo humano. É um bom momento para, ao abordar o aparelho reprodutor, se ampliar a discussão para as inúmeras questões ligadas à concepção, gravidez, parto, às diferenças entre o corpo do homem e da mulher, às mudanças puberais que já estão acontecendo, sobretudo com as meninas, e tudo o mais que aparecer na conversa. A utilização de materiais concretos (vídeos, ilustrações, bonecos �� etc.) é um bom estimulador para a participação das crianças. O mais importante, no entanto, é a disposição interna do professor para ser perguntado. Sua maior ou menor disponibilidade será infalivelmente captada pelas crianças. Aqui, portanto, ainda não se trata de estruturar uma nova matéria, mas já se coloca a questão de planejar algumas aulas específicas. Da quinta série do Ensino Fundamental até a terceira série do segundo grau, impõe-se maior estruturação do trabalho. Não existe uma programação prévia a ser seguida; o programa a ser dado precisa ser montado com base na livre escolha dos alunos. A partir do levantamento de temas, perguntas, dúvidas ou sugestões dos alunos. Nada impede que o professor também sugira temas, acrescente coisas, desde que elas estejam relacionadas ao interesse dos alunos. As informações biológicas devem ser garantidas pelo professor e permear as discussões. Sempre que se forme um grupo de alunos para a discussão sobre a sexualidade,é importante que se estabeleça um contrato, antes de se iniciar o levantamento dos temas. O contrato é um conjunto de regras estabelecidas pelo grupo para reger o seu funcionamento, através das quais se obtém o compromisso dos alunos com relação ao bom andamento do trabalho. É preciso garantir a ética do trabalho, por parte dos alunos e do professor. O compromisso do educador deve ser o de manter sigilo e respeito por todas as manifestações dos alunos, sem levá-las ao conhecimento de outros colegas, pais, diretores ou orientadores, nem utilizá-las de nenhuma forma, para avaliar ou punir o aluno. �� Os alunos também devem se comprometer com o sigilo, acatando as diferentes formas de participação. O clima deve ser o mais aberto e respeitador possível. Todos precisam se sentir à vontade para manifestar suas ideias e opiniões, saber que serão ouvidos e respeitados pelos colegas. Assuntos polêmicos e delicados costumam propiciar debates acalorados, mas ninguém tem o monopólio da verdade nem o direito de fazer "chacota" ou "fofoca" com as opiniões alheias. A postura do professor é de condutor do debate, propondo atividades, levantando questões, problematizando o tema, completando com dados e informações que ajudem a reflexão dos alunos. Pequenos textos ou vídeos que abram a discussão, trabalho em subgrupos, assim como exercícios ou jogos, podem ser meios de conduzir um programa de Orientação Sexual. A dramatização de situações é um recurso particularmente interessante para possibilitar a vivência e a reelaboração de conceitos, bem como a discussão de tabus e preconceitos. Aulas do tipo expositivo cabem, às vezes, na forma de um diálogo com os alunos, abrindo novas perspectivas, sistematizando a conversa ou lançando novos questionamentos e buscando sempre a participação dos alunos. O professor pode estimular a realização de pesquisas pelos alunos, não só para colher a opinião da comunidade, mas também para que sistematizem informações científicas. Técnicas participativas, de todos os tipos, são a base dessas discussões. Os temas ligados à compreensão do corpo devem ser �� abordados para além das noções de um organismo, evitando a fragmentação. O corpo humano, como sede de sensações, desejos e emoções, a imagem que se tem dele e sua relação com a identidade de gênero, precisa ser percebido pelos alunos além de seus aspectos anatômicos e fisiológicos. Por isso, sempre procuramos abordar o corpo como um todo integrado e vinculado ao psiquismo e à sua construção sociocultural. Assim, a partir dessa visão, quando se discutir, por exemplo, os órgãos genitais, os alunos terão em mente uma visão integrada e não-fragmentada. A grande maioria dos temas trata de questões polêmicas, envolvendo valores e comportamentos, onde muitas alternativas são possíveis, cabem muitas verdades e os conhecimentos disponíveis são pontos de partida e não de chegada. O que se pretende é que o aluno seja capaz de elaborar res- postas às suas próprias dúvidas, questionamentos e angústias, a partir do debate aberto e democrático de todos os assuntos relacionados à sexualidade humana. Nos temas polêmicos, não se espera que os alunos cheguem a um consenso, mas que ampliem a própria visão acerca do assunto. Pensando, discutindo e refletindo regularmente sobre a sexualidade, o aluno estará mais bem-preparado para lidar com suas questões pessoais, sem precisar tratar diretamente delas em sala de aula. Nas discussões sobre Orientação Sexual, os temas são tratados em tese, sem a personalização da conversa. Passam pela vivência, mas não se tomam depoimentos pessoais, grupos de aconselhamento ou terapia. �� Os alunos expressam seus pensamentos, ideias e opiniões a respeito dos temas de seu interesse, mais do que sobre seus problemas, desejos ou preferências sexuais. Abrir espaço, vivenciar situações, trocar ideias, repensar: é isso o que se quer num trabalho que certamente, por seu significado para o jovem, tem efeitos terapêuticos. Sua estrutura e metodologia, porém, situam-se clara- mente no campo pedagógico. Não cabe ao professor virar conselheiro ou confidente dos alunos nem misturar os papéis, tentando fazer psicoterapia ou consulta médica na escola. O que pode caber a ele é encaminhar o aluno aos serviços ou profissionais especializados, quando isso se fizer necessário, e garantir um importante trabalho preventivo, in- vestindo num processo pedagógico cuidadoso e bem-planejado. Sexualidade e Afetividade Quando refletimos a partir da suposição Walloniana, que tem se revelado fecunda, de que o desenvolvimento pessoal resulta de uma trama em que se cruzam e se constituem inteligência e afetividade, a sexualidade aparece como um componente desta última, e, por conseguinte, também penetrada e modificada pela evolução cognitiva. A vida afetiva progride no sentido da incorporação de elementos elaborados pela inteligência. Ao amor “epidérmico”, única forma possível de manifestação afetiva durante os primeiros anos, vem se acrescentar uma forma de amor que poderia ser qualificada de “cognitiva”: em algum momento do desenvolvimento humano, amar começa a se confundir com conhecer, e é o que garante ao educador �� a possibilidade de exercer o seu ofício, único trabalho no qual o amor pelo objeto é uma exigência sine qua non. Condenado a “amar” todos aqueles a quem tiver a pretensão de ensinar. Ele estaria fadado ao insucesso se o concebesse apenas daquela maneira básica, primária, que, sendo por natureza seletiva, implica eleger uns e esquecer outros. Mas esta forma cognitiva de amor pode ser estendida a todos; pode ser colocada como exigência profissional: é possível conhecer a todos, saber sobre cada criança os fatos essenciais de sua história de vida, das suas condições de vida, do seu projeto de vida. O avanço da inteligência cria exigências cada vez maiores à afetividade e, por conseguinte, à sexualidade. As mulheres em seu processo de emancipação têm consciência clara desse fato; fazem a seus parceiros sexuais exigências de reciprocidade e igualdade de direitos e deveres que são da ordem da inteligência e da ética, desenvolvendo uma sexualidade profundamente penetrada pela racionalidade. Não importa discutir aqui qual o limite dessa penetração; é óbvio que ela não se completa, como nunca se completa a redução da emocionalidade pela racionalidade. Basta afirmar que a sexualidade não pode ficar, como não fica a vida afetiva, em seu conjunto, à margem do desenvolvimento da inteligência. Esse é um elemento fundamental para qualquer educação/orientação sexual que a escola queria realizar com as crianças. É preciso dizer-lhes, lembrar-lhes de que não são feitos �� apenas de libido, que as decisões vitais afetam a pessoa em seu todo, e esse todo carrega a inteligência como elemento inerradicável. Sexualidade e Individualidade O desenvolvimento da pessoa não é apenas uma ampliação por apropriação: é também uma diferenciação que implica eliminação do alheio, do exterior, do “inautêntico”. Seu destino é uma singularidade e uma unicidade que em nada se confundem com o isolamento. Realizada na relação interindividual, a construção do eu é também a construção do outro; é a sua diferenciação recíproca e dialeticamente complementar que permite a sua articulação. O ponto de partida da relação eu-outro é a simbiose, estado de fusão do eu ainda inexistente num outro também inexistente. Simbiose fetal, simbiose alimentar, simbiose afetiva constituem as etapas mais arcaicas da pessoa. Um longo e lento processo reduzirá esse estado fusional que será periodicamente restabelecido pela sexualidade, durante os momentos passionais do enamoramento. A comunicaçãohumana tem, portanto, uma origem e um destino, e dois padrões: o contágio afetivo imediato, fusional, empático e a refinada articulação possibilitada pelo recorte que dá aos dois pólos a nitidez sobre si mesmos. Essa diferenciação é laboriosa, precária, dolorida, mas o requinte do produto a que leva resgata o conflito que é o seu mecanismo constitutivo. Diferentes momentos do processo darão a ele diferentes conteúdos: “isto sou eu, isto não sou eu”; “este é o meu querer”, “isto é �� o que eu penso, isto é o que você pensa”. Recorte corporal, recorte afetivo, recorte cognitivo: o mesmo processo, ao se refazer em outro plano, leva a batalha interpessoal para novos campos. Quando a puberdade e a exacerbação pessoal que ela provoca ocorrem em um ambiente cultural complexo e heterogêneo, o conflito se estenderá a todas as áreas do conhecimento sobre as quais se torne necessário tomar posição. Um eu religioso, político, ideológico, profissional, ético, estético (musical, literário etc.) precisará se constituir, e a energia solicitada é tão grande que pode não bastar, deixando muitos setores presos ao estado anterior. Um esforço deste faz da puberdade e da adolescência um momento central de auto-elaboração. Essa maneira de concebê-las dá à experiência sexual precoce um tom de antecipação sobre si mesma. Se a “economia sexual”, para usar a expressão reichiana, supõe um envolvimento psicossomático, isto é, da pessoa inteira, então será preciso esperar por um acabamento mínimo da pessoa para que se torne possível a experiência sexual satisfatória. O namoro juvenil parece frequentemente corroborar essa hipótese: as longas confidências trocadas, os intermediários que parecem cumprir a função de manter os parceiros certa distância cautelosa. Mais do que exercer diretamente a sexualidade, parece ser função da adolescência nas culturas heterogêneas e complexas, dar acabamento ao eu, o que é sinônimo de dar expansão ao eu. Assim, a tarefa evolutiva é de ordem afetiva em sentido geral, mais do que sexual em sentido restrito. �� Se isso for verdadeiro, a incumbência adulta principal deve ser entendida como uma contribuição para o alargamento da pessoa, que se faz, nesse momento, no plano do conhecimento. Eis a escola recolocada em função cognitiva, agora recoberta de um sentido novo, e confrontada com a tarefa de ensinar a sujeitos que se supõe interessados, acima de tudo, em si mesmos. A sexualidade nos dois Primeiros Anos de Vida: as Primeiras Manifestações, a importância dos Pais e a Aquisição das Identidades Sexual e de Gênero Atualmente, admite-se que a sexualidade se manifesta desde o início da vida e se desenvolve juntamente com o desenvolvimento geral do indivíduo. Desde a concepção, o embrião sofre uma diferenciação genética (que divide os indivíduos em (XX e XY), proporcionando uma diferenciação gonádica (o desenvolvimento dos ovários nos indivíduos XX e dos testículos nos indivíduos XY) e caracteriza o somático feminino e masculino definindo os genitais internos e externos, assim como os ditos caracteres sexuais secundários dos indivíduos (no decorrer do desenvolvimento) (Canella e Nowak, 1997). De acordo com alguns autores, as manifestações sexuais iniciam-se antes do nascimento. Ereções penianas já foram captadas por exames de ultra-som, contudo, após o nascimento, é comum observar estas manifestações sexuais reflexas em meninos. Portanto, do ponto de vista fisiológico, os tecidos e as fibras nervosas do pênis e da vagina estão suficientemente formados para � que, desde o primeiro ano de vida, possam ocorrer ereções do pênis e lubrificações vaginais, de maneira espontânea ou como posta à estimulação tátil (na troca de fraldas ou no banho)(Lopez e Fuertes, 1992). Estes autores também afirmam, que desde o nascimento, existe a capacidade de sentir o prazer. Porém, neste momento, todas estas características sexuais infantis ainda não são reações aprendidas, mas parte de uma herança biológica (Kaplan,1983). Estas primeiras manifestações sexuais ocorrem juntamente com uma importante fase da sexualidade infantil que reside nos primeiros contatos do recém-nascido com o seu novo mundo. Esta experiência é decorrente da convivência com os pais, que serão os primeiros mediadores dessa nova realidade, especialmente a mãe. Segundo Gherpelli, Buralli e Rosenburg, a família é em primeira instância, o elemento formador da criança. Os pais, desde muito cedo, se encarregam da responsabilidade de educar sexualmente seus filhos, de maneira informal, passando seus valores culturais e suas crenças, no trato do dia a dia com a criança. É nesta fase inicial espontânea, onde ocorre a intimidade entre pais e filhos, através de carinhos, abraços e afagos. Essa ligação física, entre o bebê e seus pais, começa com o nascimento e estende- se através da amamentação, do trocar, do vestir, dar banho, entre outros. Segundo Masters e Johnson, a criança que for privada destes estreitos laços físicos e afetivos durante a infância, poderá vir a ter dificuldades de relações íntimas, e especulativamente, em se relacionar de modo despreocupado com sua própria sexualidade. � As respostas dos pais frente aos precoces sentimentos sexuais do bebê são variados. Muitas vezes o ato da amamentação causa excitabilidade no menino pela intensa estimulação neurológica, bem como, a sensação de estar aninhado e sentindo o calor do corpo da mãe. Esta combinação, envia ao cérebro mensagens que são interpretadas como sensações de prazer e ativam os reflexos sexuais. A reação dos pais a estas manifestações pode soar como um alarme diante de uma possível anormalidade. Estes tipos de sentimentos podem também ocorrer com outros sinais de ativação sexual reflexa como no trocar fralda, passar talco, dar banho e nas brincadeiras. Um dos problemas do não reconhecimento destas questões sexuais infantis consiste na perspectiva adulta sobre estes fatos. Como salienta Martinson, “a criança é pequena demais para ter consciência do encontro, de modo que não se pode dizer que foi despertado um erotismo sócio-cultural”. É importante perceber que as atividades sexuais infantis podem basear-se em motivações muito diferentes das dos adultos. Existe clara diferença motivacional entre adultos e crianças. “Os estímulos externos que para o adulto tem um significado erótico não são objetos de atração sexual durante a infância, ou, pelo menos, não são de modo tão claro e consistente. Na infância, a atração por outras pessoas é antes uma atração afetiva do que sexual. O desejo e a atração especificamente sexuais só ocorrem na infância de modo muito confuso. Os estímulos táteis sobre o próprio corpo são os que têm maior poder evocador de respostas fisiológicas sexuais” (López e Fuerets, 1992). �� Além desta perspectiva adulta sobre a sexualidade infantil, por sentimentos de culpa advindos da moral ou por preceitos religiosos, algumas mães chegam a rechaçar os importantes primeiros contatos constitutivos dos filhos, por achar estar praticando incesto ou algo deste tipo. Segundo Masters e Johson (1988), alguns pais já encaram o desenvolvimento da sexualidade de seus filhos de maneira mais objetiva e com maior aprovação. Por vários motivos, alguns outros pais sentem desconforto diante de qualquer forma de interesse ou comportamento sexual por parte dos filhos. Preocupam-se que haja anormalidade, ou não sabem como lidar com o fato, ou tem conflitos sexuais internos próprios. Independente do modo de agir dos pais em relação à sexualidade das crianças, a família em sua versão tradicional, desenvolve as funções de impor a própria autoridade, controlando a sexualidade dos filhos e apresentando-se como modelo ideal de comportamento sexual. Na verdade,não existe muita escolha por parte da criança, já que ela depende deste sistema para se humanizar. Retornando ao bebê, com o desenvolvimento e a maturação do sistema nervoso central, e com a gradual aquisição da coordenação motora, a criança se lança, à descoberta do seu corpo e dos prazeres que este lhe proporciona. Assim que um bebê, seja menino ou menina, consegue controlar suas mãos, vai procurar os órgãos genitais. Ele aprende a fazer isso, já como foi dito, porque estes órgãos estão diretamente ligados ao centro de prazer no cérebro. �� No terceiro ou quarto mês de vida, a estimulação genital é acompanhada por sorrisos e murmúrios, e com um ano de idade, é comum observar a brincadeira com os órgãos genitais quando a criança está sem roupa ou tomando banho. Segundo Vitiello e Conceição (1995), terminado o processo de controle dos esfíncteres, a criança conclui a fase de conhecimento do seu corpo e das descobertas por ele proporcionado. Adolescência e Conhecimento Para ensinar adolescentes é preciso transformar o conhecimento em caso pessoal, fazer o que se propõe chamar de “subjetivação do conhecimento”. E muitas vias se abrem na busca de realização desse propósito. A primeira e mais óbvia é a criação de uma vinculação interpessoal entre professores e alunos, suscetível de contaminar o conteúdo que aqueles representam. A diferenciação ainda inacabada nessa fase entre sujeito e objeto justifica a suposição de que um elo positivo com o professor de matemática por exemplo, tende a criar uma disposição positiva em relação à matemática, e assim por diante. Realizar a tarefa surge, então, como forma de presentear alguém amado. Outra possibilidade, provavelmente a que tem sido mais explorada, aponta para a busca de vinculação entre o conteúdo proposto e a vida cotidiana do aprendiz. É uma forma de “personalização” do ensino que implicitamente admite como correta a �� concepção de Ortega y Gasset (1983) de que conhecer algo é saber o que tem a ver “comigo”, com aquele que conhece. Um procedimento que poderia ser chamado de histórico- psicológico é uma outra possibilidade. A partir da constatação de que todas as leis e princípios científicos que se apresentam agora como abstratos e impessoais foram o resultado da descoberta pessoal de alguém, de algum cientista específico, trata-se de um ensino que apresente os problemas como questões que se colocaram em algum momento para alguém e resultaram em um insight; induzindo a identificação do aprendiz com o investigador, poderia levá-lo a acompanhar e reconstruir como sua descoberta. O problema da puberdade e da adolescência inicial não é estritamente o de dar destino às pulsões biológicas: é o de definir uma individualidade que se constrói, nesse momento, por expansão cultural e exige, por isso, um enorme investimento nessa direção, um grande esforço. Sexualidade e Escola As duas vias, empírica e teórica, levam à conclusão de que a escola é o espaço da não-sexualidade. Não apenas nela vigora, explícita ou implicitamente, a interdição a qualquer manifestação da sexualidade, como também dela emanam, inevitavelmente, recomendações tendentes ao adiamento do seu exercício. A ambígua educação sexual que ainda não conseguiu, nem sequer em nível de informação, introduzir-se generalizadamente no �� espaço escolar, hesita ainda mais em assumir um caráter de verdadeira “orientação sexual”. Tanto Wallon quanto Erikson nos encaminham à conclusão de que o problema maior da adolescência é o da construção da própria individualidade, quadro geral no qual se inscreve a sexualidade. Por outro lado, a observação do cotidiano escolar indica que a instituição escolar entre nós, de maneira geral, é tão hostil às manifestações da individualidade quanto às da sexualidade. Isso ocorre desde os anos em que se constituem as bases do eu até os anos pubertários e juvenis em que ele se amplia e fortalece. As instituições de educação infantil, creches e pré-escolas adotam, com frequência, procedimentos despersonalizadores que fazem lembrar os das instituições totais descritas por Goffman (1969): uniformes, filas, horários impessoais para realizar todas as atividades, ausência ou indução de objetos pessoais, a mediação permanente do adulto que distribui, sempre de maneira impessoal, material lúdico e de trabalho. Espaços vazios, impessoais, neutros: ainda é essa a paisagem dominante. A escola mantém o aspecto de platéia de cinema, com todas as carteiras voltadas para o cenário da ação do professor: o pressuposto é que a classe é o lugar onde todos fazem sempre a mesma coisa, durante o mesmo tempo. A possibilidade de diferentes atividades ocorrendo simultaneamente, em um mesmo espaço, parece assustar os educadores. Se entendermos que a função da escola é construir individualidades (identidades), e é dessa maneira indireta que dará �� sua contribuição ao amadurecimento da sexualidade juvenil, uma enorme transformação precisa ser realizada no seu interior. Intimidade é ainda um componente inteiramente ausente na concepção de escola. Toda ela está concebida em torno da situação pública da sala de aula, como se a idéia de “social” se confundisse com a de “coletivo”, e a dualidade escapasse daquela noção. Os horários de permanência dos professores supõem sempre reuniões pedagógicas de planejamento, mas que excluem sempre a possibilidade de encontros interindividuais. E, no entanto, é fácil constatar que muitas das dificuldades do cotidiano escolar, quer de ensino, quer disciplinares, não se resolvem no espaço coletivo, exigindo um tratamento privado. Provavelmente, um dos maiores talentos necessários para lidar com adolescentes é a capacidade de ouvi-los, de entrevistá-los empaticamente. Quando isso acontece, fluem opiniões surpreendentes, sugerindo que a imagem do “adolescente superficial” é, ela própria, uma visão superficial. Na intimidade, gera-se a cumplicidade, forjam-se alianças. Inexplicavelmente, ela se mantém circunscrita à sala de orientação psicológica. Parece utópico a ideia de uma escola que reservasse uma parte do tempo à livre utilização dos equipamentos: biblioteca, ludoteca, quadras, filmoteca, laboratórios. Lazer e escola parecem tão incompatíveis como sexualidade e escola. Se utilizarmos uma concepção da psicogênese, como a Walloniana, que supõe a reciprocidade da construção das duas dimensões (afetividade, em que se insere a sexualidade, e inteligência), então �� será necessário concluir que a melhor contribuição da escola consiste no exercício competente da sua própria função, que é cognitiva. Cabe-lhe realizar o adequado manejo das condições afetivas do desenvolvimento das inteligências, assim como dar lugar, no plano das relações interpessoais, para o exercício das possibilidades novas. Afinal a “utopia sexual, supõe não apenas condições históricas e sociais, mas também um desenvolvimento pessoal avançado”. Saber o Sexo? Os problemas da informação sexual e o papel da escola No final do século XX, as informações sobre a sexualidade correm (à) solta entre os jovens por meio de vários veículos entre eles a escola. Há muito tempo a escola veicula as informações biológicas sobre a sexualidade. Na disciplina ciências ou biologia, um dos objetivos é o de o aluno conhecer a anatomia e a fisiologia do corpo humano. O aparelho reprodutor é apresentado pela primeira vez para as crianças que chegam a cursar a terceira série do Ensino Fundamental. Nesse momento, o tema aparece na grade curricular como conteúdo mínimo e obrigatório a ser abordado. Dentro da disciplina biologia, o aparelho reprodutor vai sendo apresentado cada vez com um número maior de informações e grau de complexidade, de talmodo que, ao terminar o Ensino Médio, o jovem deveria estar dominando quase perfeitamente o funcionamento �� desse aparelho. Apesar do que imaginam e afirmam muitos, não é o que acontece. Os jovens têm a ilusão que sabem. Por quê? Por acaso algum aluno que completa a quarta série do Ensino Fundamental tem alguma dúvida a respeito do resultado de uma operação matemática simples qualquer? Ninguém esquece que 2+2 =4. Depois de aprendida, essa informação é incorporada pelo estudante, que vai usá-la em atividades do seu cotidiano. Mas o que acontece com as informações preciosas para a vida prática dos jovens, sobre o corpo, no que diz respeito à sexualidade? Consideremos os principais elementos que participam dessa transmissão: o professor, o aluno, a linguagem que medeia essa relação e o local onde esses ensinamentos ocorrem, a escola. Em primeiro lugar, devemos lembrar que muitos professores, mesmo sem perceber, já ficam incomodados em transmitir esse tipo de conteúdo para seus alunos. Não é difícil que, na apresentação dos aparelhos constitutivos do corpo humano, o reprodutor seja o último da sequência, o que significa que o professor pode terminar o ano letivo sem cumprir a tarefa. Mas por que tal dificuldade? Começa pelas reações dos alunos ao assistirem a tais aulas: sorrisinhos maliciosos, piadinhas, burburinho geral, perguntas. Perguntas indiscretas que ultrapassam o saber da biologia. O professor de biologia passa poucas e boas ao tentar ministrar com tranquilidade essas aulas. Além disso, ele mesmo tem sua própria concepção, convicções e valores sobre a vida sexual, incluindo-se aí a moral e os preconceitos. Em segundo lugar, temos os alunos com sua vida interna, suas convicções, curiosidades, seus anseios, medos e desejos sobre a vida �� sexual, entre eles alguns percebidos, compreendidos, e outros nem tanto. E isso faz com que cada informação que lhes é transmitida passe por um processo de transformação antes de ser incorporada, para ser compreendida e utilizada como conhecimento efetivo. Em terceiro, temos a linguagem que, sempre, além de expressar um pensamento, veicula também um estilo: o de quem fala. Raramente o estilo muito particular de quem ouve é considerado. Finalmente, temos a escola com seu corpo de regras e normas sobre as condutas sexuais, que se constituem em uma proposta nem sempre clara (ao contrário, muitas vezes contraditória) de educação sexual. Combinados todos esses ingredientes podemos ter uma salada que pode acabar provocando um terrível mal-estar e um grande engano: o de que quaisquer informações sobre a sexualidade que são veiculadas na escola têm valor educativo. Informação versus informação educativa Em tempos de AIDS e do crescimento da gravidez precoce, levada ou não a termo, em tempos em que os jovens iniciam muito cedo a prática sexual, pais e educadores preocupam-se em municiar os adolescentes, o mais cedo possível, do maior número de informações que, eles imaginam e julgam, devam ser devidamente utilizadas por eles pela vida afora. Muitas escolas, conscientes de sua responsabilidade social e/ou pressionadas pelos pais, estão procurando colocar em prática a � chamada “orientação sexual”. E os jovens, a cada dia que passa, mais informações recebem sobre o assunto. E o que fazem com elas? Por que esta geração, que é, talvez, a que mais dados tem sobre o corpo, o aparelho genital e o seu funcionamento, abriu um espaço enorme entre o saber e o agir? O índice de natalidade entre jovens de 14 a 19 anos cresceu nos últimos vinte anos, e esse é apenas um dos indicadores da distância que existe entre o acesso às informações e a utilização delas. A primeira questão que se levanta a partir desses dados é que a forma como estão sendo veiculadas essas informações está fazendo com que elas sejam inócuas, irrelevantes, esquecidas, deturpadas ou, pior, nefastas. O que diferencia uma informação de uma informação educativa? Simples: o reconhecimento do interlocutor a quem se dirige a informação. Quem é esse adolescente, afinal, que precisa ter os conhecimentos necessários a respeito da sexualidade e usá-los? Em primeiro lugar, é uma pessoa que passa pela maturação sexual fisiológica e que, portanto, sofre uma mudança radical, se bem que lenta, em seu corpo, o qual se torna um desconhecido para ele mesmo. Em segundo lugar, alguém que está submetido a vários tipos de excitações sexuais, tanto internas quanto externas: as do meio em que vive, as orgânicas, e as psicológicas, de seu mundo interno. Em terceiro, uma pessoa que, no trajeto de um caminho que é travessia, se esforça para não viver apenas respondendo aos anseios dos pais e adultos que o rodeiam, o que ganha o nome de “conflitos de � gerações”. E, mais importante, uma pessoa que quer falar, que quer viver e que, muitas vezes, não se dá conta do quanto ainda terá de vida pela frente. Então, como dar a qualidade educativa às informações sobre a sexualidade dirigidas a essas pessoas considerando essas características e outras ainda, como a classe social e econômica, o meio cultural, familiar e regional? A prática saudável da sexualidade supõe a conjunção de vários fatores: o funcionamento do corpo, os valores sociais, éticos e morais do meio social em que vive a pessoa, as leis culturais e a estrutura psíquica. Assim, as informações puramente orgânicas, adquiridas nas aulas de biologia, por exemplo, dizem sempre respeito ao corpo de um sujeito teórico, objeto de estudo das ciências, que não vive, não tem história, não deseja, não fala, não sofre, nem vive a angústia de crescer. Jamais serão utilizadas pelos jovens em sua vida sexual concreta. As informações sobre a sexualidade só serão educativas quando tiverem o endereço postado corretamente. E com o remetente identificado e devidamente qualificado. As atuações da escola Não há dúvida alguma de que a escola desempenha uma função na educação sexual de seus alunos. O grande problema é que os seus representantes diretos entre os jovens, os professores, nem sempre se dão conta disso em suas ações individuais e/ou coletivas. �� Como toda instituição, a escola tem seu corpo de regras, quase nunca explícitas e compartilhadas por todos os seus representantes, a respeito dos comportamentos dos alunos que expressam a sexualidade. Como o assunto é incômodo, complexo e não faz parte do conteúdo obrigatório, raramente é discutido pelo grupo dos educadores. Mas o que se verifica, no dia-a-dia, é que os alunos o tornam obrigatório em sala de aula. Respondendo a essa demanda, cada professor faz o que pode. E o resultado é que, em geral, cada um age de acordo com sua experiência pessoal e disponibilidade, norteado, geralmente por informações colhidas em breves cursos, palestras ou leituras realizadas por interesse próprio, e a sempre presente boa intenção. Esse tipo de atitude pode ter ressonância zero entre os alunos, dependendo do tipo de relação que eles tenham com o professor. Mas isso não é o pior: pode funcionar como um verdadeiro ato terrorista na tentativa, ingênua muitas vezes, de limitar algumas ações da vida sexual consideradas perigosas para os adolescentes. Para ilustrar, observe a resposta de uma professora a uma adolescente de 14 anos, que lhe perguntou o que era aborto. “É o assassinato de um filho”, foi a resposta pronta e apaixonada da professora. Na sua compreensão, essa resposta poderia auxiliar a garota a usar algum método anticoncepcional seguro quando praticasse o sexo; duplo engano: primeiro, o da crença de que a informação sexual moralizante possa inibir algum tipo de ação, e, segundo, o de creditar à jovem estudante uma conclusão que era ansiada pela professora mas não contida na perguntada aluna. �� Qual a resposta correta? Com toda a objetividade possível, o aborto é a interrupção da gravidez. Apenas isso. Mas a pergunta poderia significar um pedido não ouvido pelo adulto, de estabelecer um diálogo a respeito do assunto. A resposta da professora teve um efeito: o de calar a boca de quem queria falar. Algumas escolas, já atentas ao problema, se esforçam em encontrar serviços de orientação sexual com profissionais preparados para tal. Mas, quase sempre essas atuações alcançam um grau de êxito que aos poucos vai se diluindo e se perdendo no tempo, por não se constituir em um processo. Os profissionais da área sabem que apenas um trabalho que tenha continuidade pode ter resultados efetivos. O trabalho do dia-a-dia na escola é realizado pelos professores, que mantêm com os alunos uma relação de grande proximidade. São eles, portanto, os profissionais que poderão contribuir efetivamente para que seus alunos tenham uma visão positiva e responsável da sexualidade. O papel da Escola Existe nas escolas um estereótipo que o professor de biologia é o mais indicado para as demandas dos alunos com as questões da sexualidade. É compreensível que quem trabalha com o aparelho reprodutor, com o corpo, seja alvo de perguntas indiscretas dos alunos, mas nem sempre esses profissionais têm disponibilidade ou querem realizar essas tarefas. Se o professor tem disponibilidade, sua área de �� conhecimento pouco importa. Se ele pode estabelecer uma relação de confiança com os alunos sem criar cumplicidades; se ele consegue suspender seu juízo de valor quando conversa com os jovens; se ele é capaz de ouvir antes de falar, sempre mantendo a posição de assimetria com os alunos, requisito indispensável para que a angústia do jovem se expresse, os conhecimentos necessários para o bom exercício do trabalho serão adquiridos com facilidade. Os alunos trazem de casa valores, conceitos e preconceitos que estão colocando em xeque e, claro, solicitando sutilmente que os professores os auxiliem a ter condições de provocar choques. Para tanto, a parceria da escola com os pais é fundamental para que os esclarecimentos possam fluir, sem provocar grandes conflitos. Nem todos os pais conseguem ver que seus filhos cresceram e que já podem e querem saber de “certas coisas”. A escola pode, e deve, auxiliar os pais a deixar de praticar a política do avestruz. Parceria nem sempre significa concordância, o que não deve impedir o desenvolvimento do trabalho, desde que a escola saiba entender a angústia dos pais e suportá-la, sem criar impedimentos a partir disso. A escola deve reconhecer que cada família tem seus valores que são transmitidos para os filhos. Não cabe à escola competir com a família nem ocupar o seu lugar. Ela deve ter o seu papel claramente diferenciado e definido. Mesmo cumprindo o seu papel com responsabilidade e competência, a escola tem seus limites no trabalho de informar os alunos e auxiliá-los a terem seus próprios valores na vida sexual, sabendo respeitá-los com coerência. �� Um deles é o de o aluno falar e ouvir em grupo. Ele precisa, inclusive aprender a respeitar esse limite, a saber preservar sua intimidade, formulando suas dúvidas e questionando conteúdos sem se expor, sem colocar sua privacidade em risco. E é nesse limite que termina a possibilidade de trabalho na escola. Mas isso não significa que professores, orientadores, pais e alunos não possam contar com outros veículos auxiliares para complementar a formação dos alunos sobre a sexualidade. A mídia e as informações sexuais Sexo vende isso todo mundo sabe. O adolescente quer ler, quer saber, conversar a respeito, perguntar, trocar idéias sobre tudo que diz respeito a sexo. O mercado de publicações relacionadas a sexo cresce a cada dia. Mas é preciso saber o que há de aproveitável nisso. É preciso rigor científico, preparo profissional e formação pessoal para falar com adolescentes sobre sexo. É preciso também utilizar uma linguagem dirigida ao jovem. Não se trata de falar ou escrever em linguagem coloquial ou em usar gírias. É preciso que o estilo lhes seja íntimo, para que possam ouvir, sem deixar a posição de adulto e entrar com eles em um jogo de sedução. Todos sabem o quanto os jovens são cruéis e irônicos nas brincadeiras entre si, o quanto são criativos e inesperados em suas respostas. Pois esse é o estilo particular deles. E de acordo com esse estilo, acima de tudo prazeroso, que eles podem dizer muitas de suas verdades e ouvir outras tantas. �� A linguagem aprendida quando criança é o modelo dos pais e adultos que, hoje, os adolescentes tentam abandonar como marca de um corte. Ao entrar na adolescência, o jovem perde o corpo infantil, a segurança e a proteção dos pais, mesmo que ilusórias, e inicia o contato com a dura realidade: a impossibilidade de ser completo. Essa completude nunca existiu na verdade, mas sempre foi imaginada na infância, tendo como protagonista complementar principal a mãe. Essa mãe foi quem iniciou a criança no mundo das relações, pouco a pouco mediada pela linguagem. Pois essa linguagem, na adolescência, é rejeitada por representar tudo o que o jovem não mais pode ter. Rejeitar que o jovem se expresse em sua linguagem é negar uma de suas primeiras tentativas de experimentação na entrada nesse mundo diferente, misterioso, excitante e, ao mesmo tempo, perigoso e ameaçador da sexualidade adulta. O sexo para os jovens, tem caráter de prazer e sacanagem. E para que eles possam, realmente ouvir o que precisam, refletir, repensar, questionar o que pensam, o que falam e, o que fazem, é preciso que isso seja considerado. De nada adianta veicular as informações sobre o funcionamento do corpo desvinculado do prazer e da sacanagem, pois desse modo o jovem continuará do mesmo jeito que estava quando começou a leitura. É preciso ouvir o que ele pergunta. Nem sempre o jovem entende o que se passa com ele e sua sexualidade. Não é preciso compreendê- lo e sua sexualidade para poder acompanhá-lo em seu caminho. �� O que precisamos é permitir que ele mesmo se compreenda. Para isso, é necessário ouvir nas entrelinhas o que ele quer dizer. As melhores respostas às suas indagações são as que, além de passar as informações necessárias, vão levar o jovem de volta a si mesmo. O receio de ser indelicado, grosseiro ou vulgar ao tratar as questões da sexualidade com os jovens pode acabar reprimindo o que estava quase por vir à tona. A maioria das publicações na mídia sobre a vida sexual conta com um ponto de partida: as perguntas dos leitores, que chegam aos montes. O que significa esse fato? Por que os jovens, mesmo privilegiados, que têm pais esclarecidos, acesso a escolas preparadas para realizar esse trabalho, leituras e outros recursos mais, insistem em dúvidas e demandam respostas? A oportunidade de se reconhecer na mídia, ter sua dúvida respeitada, comentada, esclarecida, ser objeto de alguma brincadeira e, ao mesmo tempo, ter sua identidade preservada com o uso de algum recurso que permite o anonimato são algumas das pistas. O jovem reconhece suas palavras e suas dúvidas, sabe que é ele e ao mesmo tempo, que ninguém mais sabe. Ele se identifica com os problemas, as dúvidas e, especialmente, com a oportunidade de contar um fragmento de sua história para muitos desconhecidos. São principalmente esses motivos que concorrem para que o que é lido possa ser aproveitado como material e absorvido. Muitos professores, mesmo que intuitivamente, perceberam o valor dessas publicações e as usam com seus alunos como ponto de partida de um trabalho a ser realizado por um grupo de jovens �� identificados. E cada um deles sabe que aquela carta, com aquelahistória, bem poderia ser a dele. �� UNIDADE III - ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA: OS TERRITÓRIOS POSSÍVEIS E NECESSÁRIOS Em todo o mundo, a introdução de educação sexual nas escolas se deu através de motivos que iam do combate à masturbação, reprodução humana, prevenção de doenças, etc. No Brasil não foi diferente, a história da educação sexual tem sido marcada por avanços e recuos e por diferentes formas de veiculação. Em 1995, o MEC coordenou a elaboração dos “Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental”. Essa proposta inclui a orientação sexual como um dos “temas transversais” a serem abordados no Ensino Fundamental, de forma articulada com as disciplinas e outros temas como: ética, saúde, meio ambiente e pluralidade cultural. A orientação sexual: da escola para a vida e vice-versa Em sua origem, a educação sexual se caracteriza pelo aspecto informativo, biologizante e repressivo às manifestações da sexualidade. Em certos períodos teve como objetivo controle da natalidade, e, mais recentemente, tem visado associar a idéia do prazer à sexualidade. E hoje, como essas questões se colocam? Por que trabalhar com educação sexual na escola? E qual concepção adotar? A educação sexual ocorre, na verdade, desde o nascimento. É predominantemente no espaço familiar, da intimidade, que são transmitidas à criança as primeiras noções e valores associados à � sexualidade, em geral não explicitamente. O comportamento dos pais entre si, na relação com os filhos, no tipo de recomendações, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem, tudo isso transmite os valores que a criança incorpora. O fato de a família possuir valores conservadores, liberais ou progressistas, professar alguma crença religiosa ou não, e a forma como o faz, determina em grande parte a educação das crianças. Há ainda a influência de muitas outras fontes: pessoas significativas do círculo extrafamiliar, livros, produção artístico-cultural e ainda, nos dias de hoje, assumindo um grande espaço, a mídia e a escola. A televisão veicula novelas, filmes e propagandas intensamente erotizadas, revistas e jornais, não raras vezes, estampam material fotográfico aludindo à sexualidade. Isso gera excitação e incremento na ansiedade relacionada às curiosidades e fantasias sexuais da criança. Por outro lado, programas jornalísticos e científicos, campanhas de prevenção à AIDS veiculadas na TV enfocam a sexualidade dirigindo informações a um público adulto. As crianças também os assistem, mas não podem compreender por completo o significado dessas mensagens, construindo, por vezes, conceitos e explicações errôneas sobre a sexualidade. A mídia atua de forma marcante na construção da sexualidade das crianças. A escola também se constitui num importante agente nesse campo. Não é apenas nas portas de banheiros, muros, e carteiras que se inscreve a sexualidade no espaço escolar. Ela invade por completo essa “praia”. As atitudes dos alunos no convívio escolar, o � comportamento entre eles, as brincadeiras e paródias inventadas e repetidas, tudo isso transpira sexualidade. Ao não reconhecer essas múltiplas manifestações, é como se a escola realizasse o pedido, impossível de ser atendido, de que os alunos deixem sua sexualidade fora dela. No cotidiano escolar, quando se proíbe (ou inibe) certas manifestações, quando se intervém junto a um aluno que “se excedeu”, ou quando se convoca os pais para uma conversa reservada, em todas essas situações a escola está produzindo certos valores morais, mais ou menos rígidos, dependendo do profissional que protagoniza uma dada situação. E é exatamente por reconhecer o importante papel da escola na construção dos aspectos concernentes à sexualidade que se fundamenta a proposta de que a escola realize a denominada orientação sexual. O conceito de orientação aqui adotado é similar ao modelo padagógico de não-diretividade, ou seja, a problematização das questões trazidas pelos alunos. Trata-se, de um processo de intervenção planejado, intencional e sistemático, que inclui o esclarecimento das dúvidas, o questionamento das posições estanques e a ressignificação das informações e valores incorporados e vivenciados no decorrer da vida de cada criança ou jovem. Uma vez que, querendo ou não, a escola interfere na construção da sexualidade de cada aluno, a proposta é a de que a escola reflita sobre seu papel, e ao abordar esse tema o faça de forma consciente e profissional. Há ainda outro aspecto envolvido na importante relação entre escola e sexualidade: o desejo de saber. Sabemos que o aprendizado, �� de uma forma geral, está subordinado às primeiras curiosidades infantis. A não satisfação das curiosidades da criança sobre a sexualidade gera tensão e ansiedade na medida em que se constituem em questões significativas para cada sujeito e em núcleos importantes que impulsionam o desejo de saber ao longo da vida. A paixão pelo aprender pode articular-se com o prazer que também é vivido no âmbito da sexualidade. A sexualidade, assim como a inteligência, será construída a partir das características singulares e de sua articulação com o meio e a cultura. Como decorrência, devemos delimitar a atuação do educador, situando, portanto, a escola num patamar diferente da família. Coloca- se também a necessidade de formação específica aos educadores e a eleição de princípios norteadores da proposta de orientação sexual. O trabalho de orientação sexual desenvolvido pela escola deve diferenciar-se, pois, da abordagem assistemática realizada pela família, principalmente no que diz respeito à transmissão dos valores morais indissociáveis à sexualidade. Se por um lado, os pais exercem legitimamente seu papel ao transmitirem seus valores particulares aos filhos, por outro lado, o papel da escola é o de ampliar esse conhecimento em direção à diversidade de valores existentes na sociedade, para que o aluno possa, ao discuti-los, opinar sobre o que lhe foi ou é apresentado. Por meio da reflexão poderá, então, encontrar um ponto de auto- referência, o que possibilitará o desenvolvimento de atitudes coerentes com os valores que ele próprio elegeu como seus. �� Orientação sexual versus Sexualidade: em busca de alguns limites A orientação sexual proposta fundamenta-se numa concepção pluralista da sexualidade, ou seja, no reconhecimento da multiplicidade de comportamentos sexuais e de valores a eles associados. Independentemente de sua potencialidade reprodutiva, a sexualidade relaciona-se, antes de mais nada, com a busca do prazer, necessidade fundamental dos seres humanos. Fruto da cultura, ela se expressa com singularidade em cada sujeito. A vivência da sexualidade é estruturante da trajetória pessoal e constitui-se na complexa combinação de muitos elementos de cunho subjetivo e da relação com o outro. Isso ocorre desde o nascimento, a partir da sexuação e da erotização do corpo. Inclui fatores de natureza bastante distintas: do aprendizado, da descoberta e da invenção. À ordem do aprendizado, especificamente, que é aquela mais afeita ao domínio escolar, pertencem temáticas como conhecimento do corpo humano e seu funcionamento, a reflexão sobre a diversidade de valores existentes na sociedade, o estudo e análise das relações de gênero ao longo da história, informações sobre doenças sexualmente transmissíveis (a AIDS em particular), sobre formas de prevenção etc. Nos trabalhos relativos à orientação, a distinção dos diferentes níveis da vivência da sexualidade (o aprendizado, a descoberta e a invenção) nos auxilia a delimitar o âmbito de atuação e a concepção da orientaçãosexual, pois ela deve claramente se restringir à ordem �� do que pode ser aprendido, não devendo ser invasiva à intimidade de cada um ou tentando normatizar e/ou moralizar comportamentos. São infinitas as possibilidades de descoberta e invenção na sexualidade ao longo da vida, potencialidade esta típica da esfera privada de cada sujeito. A orientação sexual na escola deve se dar em âmbito coletivo, não tendo portanto caráter de aconselhamento individual ou psicoterapêutico. Deve também promover informações e discussões acerca das diferentes temáticas considerando a sexualidade em suas dimensões biológica, psíquica e sociocultural, articulando-se a um projeto educativo que exerça uma ação integradora das experiências vividas pelo aluno e que inclua a sexualidade como algo ligado à vida, à saúde e ao bem-estar de cada criança ou jovem. Faz -se necessária a adoção de princípios norteadores do trabalho, condizentes com uma educação voltada para a cidadania numa sociedade democrática, priorizando o reconhecimento do aspecto saudável da busca do prazer, o respeito a si próprio e ao outro, bem como o respeito à diversidade de valores, crenças e comportamentos relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano. Outro dado importante é o de que a orientação sexual deve se adequar à faixa etária dos alunos, isto é, às suas necessidades e capacidades cognitivas particulares. De modo geral, da educação infantil até a quarta série do Ensino Fundamental, o trabalho ocorre de forma integrada às disciplinas, e por vezes, abrindo espaço na programação para abordar um conteúdo específico. A partir da quinta série, já se faz necessário um espaço �� específico, pela oferta de hora-aula semanal, incluída na grade horária ou não. O ponto de partida é sempre dado pelas questões trazidas pelos alunos, às vezes clara e diretamente, às vezes de forma encoberta, via brincadeiras e atitudes entre eles. O profissional: a orientação sexual em ato Muitas escolas, reconhecendo a importância do tema, convocam psicólogos para uma conversa ou palestra com os alunos. A eficácia de tal intervenção é limitada na medida em que não há continuidade e conhecimento do contexto particular da instituição. Na verdade, são os profissionais da própria escola (professores ou orientadores), na qualidade de adultos significativos para os alunos, que se constituem em interlocutores confiáveis para as questões da sexualidade. O trabalho em orientação sexual deve ser iniciado com profissional que se sentir disponível para tal, requisito necessário, mas não suficiente. Não há necessidade de habilitação desse profissional na área biológica, uma vez que o fundamental é a postura do professor, sua capacidade de reconhecer como legítimas as questões dos alunos, acolhendo-as com respeito. É claro que serão necessários conhecimentos de anatomia do corpo humano, mas nada tão profundo e detalhado que não possa ser assimilado por um professor de outra área por meio de estudo e/ou pesquisa. O fundamental para a preparação do profissional da educação em orientação sexual é a sua formação em temas afins à sexualidade. O educador interessado deve entrar em contato com as diversas �� abordagens, assim como ter acesso a um espaço grupal de supervisão do trabalho realizado. Esse espaço deve ser sistemático para que seja possível acompanhar as dificuldades ao longo do percurso. Cursos apenas teóricos não abarcam as questões que surgem nas aulas com as crianças e jovens. O grupo de supervisão constitui-se num espaço de reflexão de valores e preconceitos dos próprios educadores - o que é imprescindível para que não haja imposição de valores pessoais ou julgamentos moralistas no trabalho com os alunos. Os eixos básicos da orientação sexual Em primeiro lugar, é fundamental que o programa de orientação sexual se construa a partir das questões e dúvidas trazidas pelos alunos. Há, no entanto, três eixos estruturantes do trabalho, divididos apenas para efeito didático, pois são, na verdade, intimamente relacionados entre si e constituem as dimensões que se colocam na abordagem de qualquer conteúdo escolhido. São eles: 1. O corpo humano; 2. As relações de gênero; 3. A prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e à AIDS. A abordagem do tema parte da noção de corpo integrado, conjunto uno de sistemas interligados, que deve ser conhecido em seus aspectos biológico e erótico. Devem também ser abordadas as �� emoções, sentimentos, imagem corporal, sensações de prazer e desprazer, as transformações desse corpo ao longo da vida, os cuidados necessários para a promoção da saúde e a ação dos métodos contraceptivos. Dessa forma, os aspectos biológicos devem ser circunstanciados num corpo que pulsa e sente. Quanto às relações de gênero, é fundamental a compreensão do tema para sua inclusão no trabalho de orientação sexual. Esse conceito diz respeito ao conjunto das representações sociais e culturais, construídas a partir da diferença biológica dos sexos. Cabe, então, avaliar criticamente a diferenciação entre os sexos como oriunda da “natureza”. Se o sexo diz respeito ao atributo anatômico, no âmbito do gênero tomamos o desenvolvimento das noções de masculino e feminino como construção social. Historicamente têm havido privilégios concedidos aos homens e ainda persistem muitas discriminações relacionadas ao gênero. Trata-se , então, de trabalhar-se com base na equidade dos gêneros, possibilitando um reposicionamento de cada um em relação aos papéis preestabelecidos para cada um dos sexos. Não se trata de eliminar as diferenças, mas sim de favorecer sua vivência a partir da singularidade de cada sujeito. Essa questão se reflete na sexualidade e nos relacionamentos a dois, devendo, também ser objeto de reflexão no trabalho de orientação sexual. Coerentemente com a proposta de desvincular a sexualidade dos tabus e preconceitos, na discussão das doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, o enfoque deve ser o da promoção de condutas preventivas. Esse ponto é imperativo no trabalho, uma vez que numerosas pesquisas sobre o assunto têm mostrado a necessidade �� da prevenção entre os adolescentes, mostrando também que só a informação não basta. Reconhecem-se como mais eficazes na prevenção da AIDS as ações educativas continuadas que oferecem possibilidades de elaboração das informações recebidas e explicitação dos obstáculos emocionais e culturais que impedem a adoção de condutas preventivas. Dado o tempo de permanência dos jovens na escola e as oportunidades de despertar para o relacionamento amoroso, a escola constitui-se em local privilegiado para a abordagem da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Devem também ser discutidos os preconceitos ligados à AIDS, que atingem os portadores de HIV e os doentes de AIDS. A orientação sexual, ao proporcionar maior consciência de si e do outro e reconhecer como lícito o direito ao prazer, propicia às crianças e jovens melhores condições de buscar sua própria felicidade e exercer a cidadania de forma mais qualificada. �� UNIDADE IV PROJETO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA A sexualidade está presente na vida de todos nós, desde que nascemos até morrermos, e a educação sexual acontece constantemente, de uma forma ou de outra. Recebemos o tempo todo informações e uma carga de idéias e de preconceitos a respeito da sexualidade. Sempre fomos educados sexualmente, ainda que não pareça. E quando não falamos sobre sexo também estamos educando. Estamos dizendo que sexo é uma coisa proibida, que não se fala abertamente, que não é um assunto que caiba à escola. Estamos reprimindoou omitindo, mas de alguma forma, estamos educando as pessoas sexualmente. Educação sexual todos tivemos e continuamos a ter sempre. Quando vamos a um bar tomar um chope, conversar e contar piada, estamos passando e recebendo informações e valores a respeito da sexualidade. O mesmo ocorre quando vamos a uma festa, ao cinema ou até quando fazemos alguma leitura relacionada ao tema. A escola, às vezes, nega-se a discutir essa questão por incapacidade ou por dificuldade de lidar com o assunto. Por isso, a sexualidade não está na escola? Ela está sim, só que fica à margem do que a escola faz. Ou seja, ela se expressa no intervalo, entre as aulas, na hora do recreio, nos bilhetinhos, nas conversas paralelas durante as aulas, nas reações dos alunos diante do que está acontecendo enquanto se estuda Matemática, História, Português ou Geografia... � A sexualidade está lá na escola. Se a escola se omite, se não trabalha o assunto, está deixando que essa sexualidade continue a ser tratada só informalmente, pelo que acontece em casa, na rua, pelo que se recebe da mídia. Estabelece-se que a sexualidade é função da família. Em primeiro lugar, a família não costuma ter o domínio da questão para lidar adequadamente com ela. Segundo, não tem o controle dos meios, dos aportes de informação e estímulos que vêm de todos os lados. Diante disso, o que estamos fazendo quando nos omitimos ou quando a escola fica fora da questão da sexualidade? Estamos deixando o jovem na dependência de fontes informais, de pessoas que ele encontra ao longo da vida, dos amigos que terá, das coisas que ler e assistir e da família que tem. O jovem pode até ter uma família adequada e receptiva, que seja capaz de prover um diálogo. Pode até encontrar pessoas interessantes entre seus colegas e adultos que possam ajudá-lo a responder às ansiedades e lacunas de informação, debatendo a sexualidade. Mas há de se convir que isso é improvável. É raro encontrarmos esse espaço de informação de maneira informal. É por isso que acreditamos ser muito importante que a escola possa trabalhar sistematicamente a questão da sexualidade. Isto não compete só à família. O seu papel será sempre primordial em relação à educação sexual dos filhos. Os modelos de sexualidade e formas de ser homem e de ser mulher aprendem-se na relação com os pais, desde pequeno. É na primeira infância que se moldam esses modelos. O convívio � social vai sempre reforçando ou modificando essa perspectiva e essa estrutura que a gente adquiriu muito cedo. Portanto, é importante perceber que a família tem um papel primordial, essencial, na educação de seus filhos. Mas se a escola não participar, vai deixar o jovem muito à mercê de experiências que provavelmente não vão dar conta dos medos, das ansiedades, das dúvidas e dos questionamentos que vão se desenvolvendo ao longo da vida. Para diferenciar o trabalho pedagógico sistemático da escola desse processo informal, utilizamos a denominação “orientação sexual”. É apenas uma questão de estabelecer diferenças de espaço e abordagem, descomplicar. A expressão acaba sendo mais clara para designar que se trata de trabalho sistematizado, de caráter educativo. Mas o que entendemos por sexualidade? Pelo conceito da Organização Mundial de Saúde, emitido em 1975: “A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso, é a energia que motiva a encontrar o amor, o contato e a intimidade e se expressa na forma de sentir, na forma de as pessoas tocarem e serem tocadas. �� A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental. Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como um direito humano básico.” Por que é necessário que a escola trabalhe com a sexualidade? Antes de mais nada, porque ela não pode fugir da responsabilidade. A escola é um lugar onde se está discutindo conhecimento, onde se está produzindo diálogo e reflexão. É, portanto, um espaço privilegiado para discutir a sexualidade com crianças e adolescentes. Na medida em que a escola se nega ou não consegue se capacitar para dar conta dessa responsabilidade, ela reforça a idéia de que a sexualidade não faz parte do conhecimento humano. Ela transmite a informação de que a sexualidade é mesmo para se aprender na rua, como alguma coisa suja e informal, aprendida de qualquer jeito. Estamos passando uma informação muito clara quando nos negamos a discutir a sexualidade. Estamos negando que compreender a sexualidade faça parte do conhecimento humano. Se reservarmos espaços específicos para aprender Matemática, Português, História ou Ciências e não reservarmos espaço para discutir questões que estão afetando diretamente a vida do jovem, como a sexualidade, as drogas, além do próprio desenvolvimento da �� adolescência, estamos dando um status diferente às informações discutidas na escola. Estamos dizendo que é muito importante aprender a fazer cálculos, mas não é importante ter domínio sobre seu próprio corpo e sobre sua vida sexual, sobre sua saúde sexual. Para que a sexualidade passe a ser tratada seriamente e seja entendida e debatida pelo jovem, ela deve fazer parte da estrutura que a escola tem hoje. Porque se o assunto permanecer à margem, se ficar em momentos eventuais, não tem maior significado na vida dos alunos, nem dá conta das suas necessidades. É evidente que esse trabalho pode ser feito também na área da saúde, em associações, clubes, igrejas. Mas a escola é um espaço onde as crianças e os adolescentes convivem por mais tempo. Então, é o melhor lugar para que esse trabalho aconteça de forma regular. Porque também é importante continuar discutindo a sexualidade, não só pelas dificuldades históricas que todos conhecemos (repressão, censura, discriminações de gênero, preconceitos), mas porque ainda hoje a desinformação é muito grande. Acho que nunca se falou tanto em sexo como atualmente. Nunca se mostrou, pelo menos no Brasil, tanta coisa a respeito de sexo, mas não existe espaço para reflexão. Há muito estímulo, muita excitação, mas pouca ou nenhuma reflexão. O que acontece com as crianças e adolescentes é que eles não conseguem se situar nesse emaranhado de coisas e ficam respondendo àquela sexualidade “sacana”, àquela coisa consumista. A sexualidade que é passada pelos meios de comunicação é consumo, é excitação, atrai e estimula crianças e adolescentes. Os �� índices de audiência de programas televisivos perversos, onde sexo é escancarado, mostram isso. Os jovens, e mesmo as crianças são platéia garantida. Mas o que recebem com isso? Muito estímulo e nenhuma reflexão. O que a escola tem que fazer? Provocar essa reflexão e o espírito crítico naquilo que é consumido pelas crianças e pelos jovens. Por incrível que pareça, ainda existe muita desinformação, muita coisa não se sabe a respeito do corpo, da contracepção, das doenças sexualmente transmissíveis, da AIDS etc., apesar de toda essa estimulação. É importante ajudar a decodificar as mensagens dos meios de comunicação por meio de uma visão crítica. Também é importante que o trabalho da escola ajude a refletir e a debater valores, porque esses valores não são passados só pela família, mas por todos esses outros meios, e geralmente não são explicitados. O ideal seria que a família sempre conseguisse explicitar no que ela acredita e por que ela acredita. Com certeza, os outros meios não o fazem. Quando a genteri de uma piada francamente machista ou preconceituosa em relação aos homossexuais, por exemplo, não estão explicitados os valores presentes nessa risada. Mas os valores estão sendo passados, estão sendo consumidos tanto por quem conta quanto por quem ouve a piada. Na escola, até podemos falar das piadas, para ver o que há por trás delas, discutir quais são os valores envolvidos. Também precisamos ajudar a superar os tabus, os medos e os preconceitos. Não é fácil, é complexo e exige um trabalho continuado. �� O que a escola quer, além de evitar problemas como a questão da gravidez não planejada na adolescência e a prevenção de doenças, é promover a saúde e esclarecer o direito ao prazer. A grande mudança que um trabalho de orientação sexual na escola traz é poder discutir a questão do prazer. As aulas de Ciências e Biologia sempre discutiram o corpo humano, mas de uma forma completamente assexuada, por meio de cortes laterais que mostram os órgãos. Ali não se discute a excitação, o desejo. Aquelas gravuras não representam um corpo que tenha a ver com a criança e com o jovem. O jovem não vê nelas o seu corpo nem nada do que sente. O que ele sente é desejo, é uma coisa que não consegue controlar direito. É fundamental que a escola possa ajudar na formação da identidade e possibilitar um desenvolvimento mais harmonioso, porque todo mundo sabe que a sexualidade é fator essencial na questão da identidade: o “ser menino” ou o “ser menina”, o que é ser homem ou ser mulher, os comportamentos e ações de cada gênero. Essas são as primeiras questões que aparecem para as crianças na escola e têm a ver com essa identidade básica, com a formação de sua personalidade. É importante trabalhar com um conceito amplo de relações de gênero, que mostre que há infinitas formas de ser homem e de ser mulher. E de expressar isso. Devemos, portanto, ter essas discussões o tempo todo na escola, acolher esses questionamentos, essas ansiedades e ajudar crianças e jovens a se desenvolver de forma mais equilibrada e com menos angústia. �� A orientação sexual na escola contribui para isso. Também tem ajudado a abrir canais de participação e de comunicação, na medida em que usa metodologia participativa, estimula o jovem a pensar e a dizer o que pensa. Isso acaba fazendo com que ele seja um pouco mais ouvido na escola, que conquiste novos canais e também frequentemente que leve o assunto para casa e reabra, às vezes, canais que ficaram emperrados na comunicação familiar. Além disso, ele também pode levar questionamentos para casa. Porque é evidente que, muitas vezes, existem diferenças na visão da escola e na da família. E é importante que essas diferenças existam, porque à família cabe direcionar o que é certo, o que é errado, quais são os valores em que acredita. A escola faz um outro papel, que é o de ampliar a conversa e colocar tudo em discussão. A Orientação Sexual e os PCNs A orientação sexual na escola, junto com outros temas propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC, ajuda na formação da cidadania, que hoje é eixo fundamental de preocupação da escola. A orientação sexual na escola pode ser concebida como uma intervenção pedagógica que favorece a reflexão sobre a sexualidade, problematizando os temas polêmicos, favorecendo ampla liberdade de expressão em ambiente acolhedor, que visa a promover bem-estar sexual, vínculos mais significativos (a partir da relação professor- aluno), ampliando a cidadania. A problematização de temas polêmicos é a grande dificuldade: como conversar na escola sobre homossexualidade, aborto, �� prostituição, pornografia, abuso sexual? São questões muito complicadas e polêmicas, porque comportam muitas verdades. O papel da escola na orientação sexual é poder apresentar diferentes visões e colocar valores em discussão. Não é fácil. É por isso que é muito importante que a sexualidade esteja incluída nos temas transversais dos Parâmetros Curriculares. A questão da orientação sexual está muito além de saber por onde caminha o esparmatozóide, como ele se encontra com o óvulo, como se dá a divisão celular. Mas discutir o que está envolvido no aborto, na homossexualidade. A orientação sexual está concebida como um tema transversal ao longo do Ensino Fundamental e possui um espaço específico também. É necessário que haja trabalho planejado e sistematizado para todos os alunos da escola, e não apenas para alguns que se interessem. Não é conversar de vez em quando, quando o assunto entra na roda. Tem de haver uma continuidade de trabalho, que essa conversa aconteça regularmente, com aulas semanais, por exemplo. Há aqueles que acreditam que trazer um médico, um psicólogo, um especialista, resolve a questão. Ou, então, se diz: “Uma palestra é pouco, vamos fazer a Semana da AIDS, a Semana da Sexualidade”. Faz aquela Semana e fica só nisso! Não se pode limitar a informação, porque é importante produzir o debate, a reflexão. A informação é necessária, mas não é suficiente. Deve existir um canal aberto permanente para o debate. É preciso que haja um processo ininterrupto, que não fique na eventualidade. Por melhor ou mais elaborado que seja, um processo eventual não atinge os objetivos da orientação sexual, porque há �� questões que ocorrem para a criança pequena, outras ocorrem na 4ª série, na 5ª, na 7ª, na 1ª série do Ensino Médio ou na 3ª. Às vezes, os próprios professores alegam já ter discutido um assunto que é colocado em discussão novamente pelos alunos. Na verdade, não se trata de um mesmo assunto, porque a fase em que a criança está mudou e as necessidades são outras. Por exemplo, é importante discutir métodos anticoncepcionais na 6ª série, e essa informação tem caráter preventivo. Mas quando chegar ao Ensino Médio o aluno vai ter interesse em voltar a discutir esse tema, agora sob outra ótica, porque ele já está tendo uma vivência do assunto. Os assuntos voltam, e os alunos dizem: “ O que a gente aprendeu há três, quatro anos, agora é importante conversar de outro jeito”. Mudou o momento. É o processo que vai garantir alguma mudança. O trabalho com as crianças O trabalho de orientação sexual da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental deve ser transversalizado, com base na observação e na demanda das crianças. Dispensa o espaço específico, porque o professor ou a professora trabalha todos os temas da escola, há uma só professora por classe. Assim, não há então razão para se separar um determinado horário para orientação sexual. Tanto melhor se é a mesma pessoa que está atenta e acompanhando aquela classe, que ela perceba de que é que as crianças estão precisando para dar conta da necessidade daquele momento. Isso pode acontecer das formas mais naturais possíveis. �� Num jogo, numa brincadeira, num exercício que não tem nada a ver com o assunto. Se a professora estiver preparada, é capaz de aproveitar o momento. Um exemplo concreto que aconteceu numa turma de 3ª série: a professora buscava peças do vestuário que começassem com a letra “C”, perguntando quais as peças do vestuário que começavam com ela. Uma criança falou: “camisinha”. Camisinha é peça do vestuário? Estamos falando de Português, não é? Não dá para “fazer de conta” que não houve aquela colocação. E se a criança está se lembrando da camisinha é porque está presente para ela, ela tem alguma dúvida, quer falar algo.. Então é o momento para se discutir o que é uma camisinha, para que serve, onde se coloca, e aí o grupo pode decidir se é uma peça do vestuário ou não. Faz-se orientação sexual quando age assim. Em outra situação, uma professora trabalhando com montagem de sílabas do alfabeto inteiro, pediu que as crianças montassem palavras a partir dessas sílabas. Elachegou ao “XO” e um menininho montou a palavra “xoxota”. Certinho, ele usou a sílaba “XO” duas vezes até. Só que a professora vai dizer o quê? Essa palavra está certa? Está errada e ponto? Ou vai discutir o que ele quis dizer? Por que ele escolheu essa palavra? Que tipo de palavra é essa? É uma palavra que se pode por em qualquer texto? É um palavrão? É importante discutir isso até para a língua portuguesa. Mas, sem dúvida, ele está transmitindo alguma coisa e a professora precisa estar preparada para lidar com isso. Geralmente os professores não estão preparados para lidar com situações como essas e muito menos com masturbação em sala de aula. � Quem é professor do Ensino Fundamental sabe que criança pequena muitas vezes se masturba em plena sala de aula. Em geral os professores fogem do assunto, dão um jeito de a criança fazer algo, ir ao quadro, buscar qualquer coisa e fingem que não viram. Mas a criança sabe que foi vista e o professor não conseguiu falar do assunto, não conseguiu lidar com aquilo. É preciso abordar a criança, conversar com ela, investigar o que sente, esclarecer sobre o que é intimidade, mostrar que tudo tem sua hora e seu lugar. Esse tipo de atuação, que não é um processo planejado e sistematizado, pode ser bem difícil. Os professores precisam receber capacitação e supervisão para dar conta dessa demanda, porque não é só quando o professor resolve contar uma história que ela preparou em casa que se vai falar da reprodução, do parto, do bebê. As crianças manifestam questões sexuais o tempo inteiro. É preciso perceber e aprender a lidar com elas. A orientação sexual supõe uma sistematização do trabalho com educadores. O trabalho com Adolescentes Da 5ª à 8ª série, do Ensino Fundamental, e no Ensino Médio, devemos também ter a transversalização, que é a incorporação nas diferentes áreas tradicionais de estudo de temáticas da sexualidade que tenham a ver com essas áreas. A ideia não é parar a aula de Geografia e dizer: “Hoje vamos falar de um tema de sexualidade”. Mas é, discutir a incidência da AIDS nas áreas rurais e urbanas, de diferentes pontos do mundo, porque ela é maior em uma determinada região do que em outra. Isso faz parte da matéria de Geografia, não é algo de fora, o tema entra naturalmente. Questões amorosas estão na base da literatura. O corpo humano é matéria de estudo da Biologia. As relações de gênero são marcantes em todos os períodos históricos. Os preconceitos também. A sexualidade está em tudo. A transversalidade não dispensa a existência de um espaço específico para trabalhar com a sexualidade, que começa com um levantamento do interesse dos alunos, criando-se um projeto. Procura- se obter deles aquilo que querem saber e discutir. Não é uma aula de pergunta e resposta, em que se levantam vinte perguntas e se responde uma a uma, porque isso não vai dar uma noção integrada do tema. É preciso juntar todas as questões e elaborar os temas, buscando itens que são comuns aos diversos grupos. Não é uma matéria a que se atribui nota e a atitude do aluno é avaliada para efeito de aprovação. A ação pedagógica supõe um contrato de trabalho onde temos que conversar sobre o que é aquele espaço, como é que funciona para garantir sigilo, respeito ao outro, respeito às diferenças e oportunidade de participação de todos. Levantam-se as metas, os temas. As aulas são participativas, dando vez e voz ao aluno, problematizando e construindo o conhecimento em grupo, com técnicas ativas. É importante selecionar material didático que abra a discussão e ajude a levantar questões, possibilitando a reflexão. O material é para � abrir o debate, como um vídeo, um texto, um jogo, bonecos ou dramatização. A metodologia participativa é a essência do trabalho. A institucionalização do projeto O processo de orientação sexual na escola integra o projeto pedagógico, não é algo que um professor faça sozinho, tem que ser discutido pela equipe, exige planejamento e estudo contínuos, com supervisão, porque implantar o trabalho é difícil sem apoio técnico aos educadores. A orientação sexual precisa de apoio institucional declarado da escola, comunicação e debates nos diferentes setores do estabelecimento de ensino, bem como participação de pais e mães no processo. Eles devem ser envolvidos, informados do que está sendo feito, não para que se faça do jeito que eles querem, mas para que conheçam, colaborem e apóiem a escola. O que precisamos, é dizer que não vamos tomar o lugar dos pais, que é fundamental. Eles têm muito o que fazer. Muitas vezes, ao saberem que a escola está fazendo esse trabalho, ficam aliviados, pois resolve o problema deles de falar sobre um assunto tão delicado. Temos que esclarecer que não é assim que a coisa funciona. Escola e família têm papéis diferentes e complementares. Uma não substitui a outra. Há famílias que se preocupam com o fato de que essas aulas possam estimular um despertar sexual “precoce”. Está subentendida a � idéia de que a ignorância sobre sexo possa frear o desejo sexual ou suas manifestações. Todos sabemos que não é assim. A ignorância não protege ninguém de nada. Ao contrário, torna a pessoa mais vulnerável às situações, por não saber lidar adequadamente com elas. Quaisquer que sejam os temas escolhidos pelos alunos ou que estejam presentes nas diferentes matérias, os eixos básicos do trabalho envolvem o corpo erótico e reprodutivo, matriz da sexualidade, um corpo que tem sensações, que sente prazer, desejo. As relações de gênero, que são muito importantes, visam à equidade de direitos entre homens e mulheres e a prevenção das DST e AIDS, assunto indispensável e urgente nos tempos atuais. Esses eixos têm que estar sempre presentes na discussão da sexualidade na escola. Claro que a orientação sexual na escola não é garantia de que não vá ocorrer gravidez na adolescência, quando não planejada ou indesejada. Muitas vezes, a gravidez é uma fantasia da menina de que vai poder segurar o namorado. Ou é uma coisa de buscar na gravidez, e no fato de ser mãe, um papel social, respeito, um lugar social que a menina não tinha. Há muitas questões envolvidas. Não é simples. O trabalho não é diretivo. Não se pode dizer: “Você não vai engravidar”, mas se pode dizer: “Pense no que significa engravidar, no que significa uma doença. Pense no seu direito ao prazer”. O mesmo vale para o uso da camisinha. As aulas ajudam muito a se conscientizar do problema, a encarar as resistências, as dificuldades e riscos, a superar preconceitos, mas não podem garantir que o � comportamento aconteça. Ou mesmo que uma alternativa mais conservadora, como seria a abstinência, se instale em seu lugar. Atividades sobre o texto lido: 1) Qual a orientação expressa nos PCNs, sobre o trabalho com a sexualidade na escola? Por onde começar? Para quem vai empreender agora essa viagem desafiadora e apaixonante que é a Orientação sexual na escola, é preciso saber por onde começar. É bom começar lendo os Parâmetros curriculares Nacionais do MEC (indicação 9). O tema transversal Orientação Sexual ( um volume para a 1ª a 4ª séries e outro, para 5ª a 8ª séries) apresenta de forma estruturada os fundamentos para esta ação nas escolas. O GTPOS publicou dois livros importantes sobre o tema: o Guia de Orientação Sexual (indicação 28) e o Sexo se aprende na escola (indicação 27) O Guia é um instrumento indispensável para o planejamento e execução das aulas de Orientação sexual. Nele está organizado todo o conteúdo do trabalho com sexualidade em conceitos e tópicos, divididos por faixas etárias ( de 5 a 8 anos, de 9 a 12 anos, de 12 a 15 anos e de 15 a 18 anos). “Sexo se aprende na escola”- trata da orientação sexual para adolescentes, abordando como se dá o processo e relatando o projeto desenvolvido na rede municipal de ensino da cidade de São Paulo, de 1989 a 1992. Além disso, discute seis temas polêmicos, � incluindo sugestões práticas de como trabalhá-los em sala de aula (corpo, gênero, homossexualidade, aborto, AIDS, a primeira vez). O livro da Marta Suplicy Papai, mamãe e eu (indicação 57) trata muito bem da sexualidade infantil, tanto na escola como na família. E ainda traz pranchas para o trabalho com as crianças. Há também um bom material para adolescentes, também da Marta Suplicy (58). Porém, não é só a leitura que importa para a formação do educador em orientação sexual. A arte é fundamental. Ir ao cinema, ver filmes de diferentes partes do mundo, principalmente os que abordam questões de relacionamento, sexualidade, gênero, diversidades. Permitir que a imagem penetre, emocione, embeleze, encante, faça pensar. Ir ao teatro, concertos, dança, exposições de artes plásticas, tudo isso amplia enormemente o imaginário e os horizontes e nos faz entender o desejo, a juventude, a vida... Não dá para ocupar todo o tempo trabalhando, executando tarefas, cumprindo obrigações. Empobrece e nos distancia das crianças e dos jovens com quem trabalhamos, além de nos distanciar de nós mesmos e do mundo real. Tem educador que acha que a questão se resolve quando se encontram textos, vídeos, dinâmicas para trabalhar o tema. Não é assim. Se a questão da sexualidade não for objeto de elaboração pessoal e reflexão não é possível obter uma postura genuína de abertura para discussões mais consistentes com os alunos. É preciso poder olhar para dentro de si mesmo, se entender, se encontrar, lutar contra as idéias preconcebidas, as idiossincrasias. É � utopia querer um educador pleno? Se não tivermos utopia, jamais chegaremos a lugar algum. O que consola é que é possível fazer muito enquanto a gente se constrói. Se fôssemos esperar estar prontos para agir, nada seria feito, principalmente na área da orientação sexual. � REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AQUINO, Júlio Groppa. (Org). Sexualidade na escola. Alternativas - Teóricas e Práticas. São Paulo: Summus, 1997. 2. EGYPTO, Antônio Carlos (org.). Orientação sexual na escola: um projeto apaixonante. São Paulo: Cortez, 2003. 3. NEDEFF, Cristiano Carvalho. Contribuições da sexologia sobre a sexualidade infantil nos dois primeiros anos de vida: uma revisão bibliográfica. 4. Enguita, M.F. (1989) A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas. 5. Lourau,R.(1990)Em: Altoé, S. Infâncias perdidas. Rio de Janeiro:Xenon,pp.9 –10 6. O prazer e o pensar, vols 1e 2. São Paulo: Gente, 1999. 7. Guia de orientação sexual – Diretrizes e metodologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. 8. Sexo para adolescentes – Orientação para educadores. São Paulo: FTD,1988