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LESÃO CORPORAL (art. 129, CP) BEM JURÍDICO TUTELADO Item 42, Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. O crime de lesão corporal é definido como ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental. (...) TOPOGRAFIA DO CRIME DE LESÃO CORPORAL É a seguinte construção exposta do artigo 129, CP, que trata da lesão corporal e de suas formas: 1) Artigo 129, caput, CP – lesão dolosa leve; 2) Artigo 129, §1º, CP – lesão dolosa grave (e forma preterdolosa); 3) Artigo 129, §2º, CP – lesão dolosa gravíssima (e forma preterdolosa); 4) Artigo 129, §3º, CP – lesão corporal seguida de morte; 5) Artigo 129, §4/5º, CP – lesão dolosa privilegiada; 6) Artigo 129, 6º, CP – lesão corporal culposa; 7) Artigo 129, §7º, CP – majorantes; 8) Artigo 129, §8º, CP – perdão judicial; 9) Artigo 129, §§ 9º, 10 e 11, CP - lesão corporal no âmbito doméstico ou familiar. Bem jurídico do crime de lesão corporal é a INCOLUMIDADE PESSOAL DO INDIVÍDUO Saúde 4ísica/ anatômica Saúde 4isiológica Saúde mental SUJEITO ATIVO Em regra, o crime de lesão corporal é considerado como crime comum, isto é, poder ser praticado por qualquer pessoa. E se for praticado por policial militar em sua atividade, quando abusando de sua autoridade, este acaba por ferir alguém? Como as condutas não atingem os mesmos bens jurídicos – a lesão corporal, a incolumidade pessoal e abuso de autoridade, a dignidade da função pública e a lisura do exercício da autoridade pelo Estado/ liberdade, incolumidade, sigilo e privacidade do cidadão – então um não absorve o outro. Prevalece na jurisprudência que há propriamente o concurso material entre os dois delitos. E haverá separação do julgamento dos crimes: o crime de lesão corporal é crime militar impróprio e está previsto no Código Penal Militar; enquanto o crime de abuso de autoridade não é julgado na Justiça Castrense, por não se tratar de crime militar. Súmula 172, STJ - COMPETE À JUSTIÇA COMUM PROCESSAR E JULGAR MILITAR POR CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE, AINDA QUE PRATICADO EM SERVIÇO. SUJEITO PASSIVO A vítima pode ser qualquer pessoa, qualquer homem vivo, em regra, o crime de lesão corporal é considerado como crime comum. Mas existem duas hipóteses do crime de lesão corporal em que serão necessárias as condições especiais das vítimas: Art. 129, CP § 1º Se resulta: IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos. E § 2° Se resulta: V - aborto: Em ambos os casos expostos acima a vítima/sujeito passivo é específico, é a gestante; um crime é o de lesão corporal que resulta em aceleração de parto e o outro o crime de lesão corporal que é gerador do abortamento. O direito penal não pune a autolesão, como já dito inúmeras vezes anteriormente. No entanto, que crime responde o agente que convence um incapaz a cortar seu próprio braço? O agente responde por lesão corporal na hipótese de autor mediato. Isto é, o agente utiliza-se da incapacidade como instrumento de realização do crime. O instrumento utilizado pelo agente é a incapacidade da vítima. E se o agente vai dar um soco na vítima; esta se esquiva e se desequilibra, caindo em cima do braço, que vem a ser fraturado. Responderá por qual crime o agente? Existem duas causas concorrendo para o resultado – sistema das concausas – o soco e a queda. A causa para a fratura foi a queda que não foi independente da outra concausa; ela é uma concausa relativamente independente do soco (isto é, somente houve a queda porque antecedentemente houve o soco do agente). Como a queda é superveniente e não por si só causou o resultado, então não saiu da linha de desdobramento causal normal. Em suma, a queda é uma concausa relativamente independente superveniente e que não por si só causou o resultado (art. 13, §1º, CP, a contrario sensu). Quem desencadeou os desdobramentos que culminaram na lesão responderá por ela. Deste modo, a fratura do braço pode ser imputada ao agente que deu o soco. Art. 13, CP § 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO Art. 129, CP - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: (...) A expressão “Ofender a integridade corporal ou a saúde” pode ser tanto causar como agravar uma enfermidade já existente. Não é possível que se restrinja o tipo penal apenas à ofensa à integridade física da vítima, mas também deve ser considerada a afronta psicológica e a fisiológica. O crime de lesão corporal é um crime de execução livre. O crime pode ser causado por ação ou omissão (meios diretos ou indiretos). A dor é um elemento do tipo da lesão corporal? Não, a dor é dispensável para a configuração do crime de lesão corporal. Mas, em havendo a configuração dor, o Juiz pode levar em consideração o acontecimento na hora de fixar a pena. Não é uma elementar do tipo a dor, não é necessário que ela aconteça para que o tipo se adéque à conduta. Qual é o crime que comete o agente que corta o cabelo da vítima sem a sua autorização? Existem três correntes que tentam explicar este questionamento: 1ª corrente Pode configurar esta conduta o crime de lesão corporal, desde que a ação provoque uma alteração desfavorável no aspecto exterior do indivíduo. 2ª corrente Configura esta conduta, tipifica-se como o delito de injúria real, crime contra a honra. É uma ofensa à honra mediante lesão. 3ª corrente Pode também esta conduta configurar a contravenção penal de vias de fato, em posição doutrinária minoritária. O professor Rogério Sanches entende que as duas primeiras correntes estão corretas e serão aplicadas de acordo com o dolo do agente. Se o agente queria atingir a incolumidade da vítima, será considerado o crime de lesão corporal. Mas, se apenas queria humilhar e atingir a sua honra, neste caso, o crime que é cometido é o de injúria real. A pluralidade de lesões/ferimentos, se realizadas um mesmo contexto fático não desnatura a unidade do crime de lesão corporal. Exemplo: lesões corporais que são sofridas com proveniência de em uma surra. No entanto, o Juiz a despeito de não considerar um concurso de delitos, deverá considerar a quantidade dos ferimentos na fixação da pena base, não deixando o crime de ser único. A integridade física/ fisiológica/ psicológica ou a incolumidade é um bem disponível ou indisponível? Também a doutrina diverge sobre este questionamento: 1ª corrente A doutrina tradicional sempre entendeu que a integridade física/ psicológica/ fisiológica ou a incolumidade de cada pessoa é um bem absolutamente indisponível. 2ª corrente A doutrina penalista mais moderna entende que a incolumidade pessoal é um bem relativamente disponível; desde que preenchidos os seguintes requisitos para o consentimento, é possível que a lesão seja efetuada: a) Desde que seja uma lesão corporal leve; b) E que não contrarie a moral e os bons costumes. Este raciocínio da relatividade quanto à disponibilidade da integridade física ou incolumidade pessoal é de Cezar Roberto Bittencourt. A lei seguiu esta tendência da doutrina moderna, especialmente na edição do artigo 88 da lei 9099/1995. Há regramento previsto de que o crime de lesão corporal leve depende de representação.Art. 88, lei 9099/1995 - Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. Exemplo de lesões leves que são aceitas pela sociedade e não contrariam a moral e os bons costumes: pessoa que autoriza que nela seja colocado um piercing; os pais autorizarem que se fure a orelha de uma criança; que uma pessoa se deixe tatuar; etc. A ablação do órgão genital de um transexual para formação de outro órgão, propriamente é conduta que configura lesão corporal? O médico estará escudado em sua conduta pela excludente do exercício regular de um direito. Não interessa se a vítima com ele consentiu ou não, ele agiu de acordo com o que lhe era permitido, em razão de sua profissão. Diferenças entre lesão corporal e as vias de fato (contravenção penal): Na contravenção de vias de fato não existe e sequer é a intenção do agente qualquer dano à incolumidade física da vítima. Exemplo de vias de fato: empurrão, tapa que não deixa qualquer marca, puxão de orelha, puxão de cabelo. Intervenção médica, realizada em emergência, cirúrgica ou reparadora, e o crime de lesão corporal. O médico, em qualquer destes casos, não responderá pelo crime de lesão corporal neste caso em razão dos seguintes fundamentos, que são trazidos pela doutrina: a) Bento de Faria diz que é um caso de atipicidade a conduta deste médico que procede com intervenção cirúrgica; e também é posição defendida por Guilherme de Souza Nucci; b) Francisco de Assis Toledo afirma que não há dolo; o médico quando intervém na incolumidade de um paciente não o faz para realizar um dano, mas sim para reparar, tem o objetivo de evitar um dano; c) Cezar Roberto Bittencourt fala que nesta situação se está diante de um bem relativamente disponível e havendo consentimento da vítima há exclusão do crime (questão vista anteriormente de ser a incolumidade pessoal um bem jurídico considerado como relativamente disponível; d) Luis Flávio Gomes diz que o médico não cria, não incrementa risco proibido. Desta feita, entende que a intervenção médica é verdadeiramente um exercício regular de um direito ou uma atuação em estado de necessidade. É a consagração da teoria da imputação objetiva, em razão de não haver a criação do risco proibido; e) Zaffaroni atesta que, neste caso da intervenção cirúrgica realizada pelo médico, há não há sequer a tipicidade conglobante, portanto não há qualquer consagração de um tipo previsto, muito menos um crime. A atividade do médico em intervir na incolumidade pessoal do indivíduo para reparar os danos é um ato determinado ou incentivado por todo o ordenamento (sendo causas de estrito cumprimento de um dever legal ou de exercício regular de um direito incentivado). Logo, em sua conduta, não há um ato anti-normativo, não havendo deste modo a tipicidade conglobante e nem a tipicidade penal, excluindo o crime. Lesão corporal praticada por meios não violentos. Também é admitida pela doutrina esta espécie de lesão corporal, no caso do agente que ameaça gravemente a vítima, provocando-lhe uma séria perturbação mental, ou transmite-lhe deliberadamente uma doença através de um contato sexual consentido (Guilherme de Souza Nucci). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consuma-se o crime de lesão corporal com a efetiva ofensa à integridade corporal dispensando a dor, que pode ser sentida ou não pela vítima. O crime de lesão corporal admite a tentativa, principalmente nas modalidades dolosas. ESPÉCIES DE LESÃO CORPORAL De acordo com a topografia do crime do artigo 129, CP enunciada acima, serão estudadas as espécies de lesão corporal previstas no Código Penal: TIPICIDADE PENAL Tipicidade Formal (operação de ajuste/ subsunção) Tipicidade Conglobante Tipicidade Material (relevante lesão ao bem tutelado) Atos anti-‐normativos (não determinados ou não incentivados por lei) 1) ARTIGO 129, CAPUT – LESÃO DOLOSA LEVE; Art. 129, CP - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. O tipo descrito no caput do art. 129, CP, da lesão corporal leve é caracterizada como uma infração penal de menor potencial ofensivo e é condicionada sua ação à representação da vítima (art. 88, lei 9099/1995), e punida com detenção de três meses a um ano. A lesão corporal leve possui um conceito que se extrai por exclusão vista as demais espécies de lesão corporal. A lesão leve é a lesão que não é grave, nem gravíssima e nem seguida de morte. Cabe prisão em flagrante na lesão leve e demais infrações penais de menor potencial ofensivo? SIM. O indivíduo que pratica a infração leve pode ser levado coercitivamente para a Delegacia e somente não será feito o auto de prisão em flagrante desde que se comprometa depois a comparecer no Juizado. Tem cabimento o princípio da insignificância (causa de atipicidade) na lesão leve? A jurisprudência admite a aplicação do princípio da insignificância e também a doutrina, a exemplo de Heleno Fragoso e Pierangelli. Exemplo: aplicação da insignificância junto à lesão que incorre em uma pequena arranhadura. O Professor Rogério Sanches entende que não poderia em termos de lesão dolosa (em culposa até se poderia). 2) ARTIGO 129, §1º, CP – LESÃO DOLOSA (OU PRETERDOLOSA) GRAVE; Art. 129, CP § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; A expressão “ocupação habitual” refere-se à atividade corporal rotineira, não necessariamente ligada a trabalho ou ocupação lucrativa, devendo ser lícita, ainda que imoral. Observação: desta feita, a prostituta pode ser considerada vítima da lesão corporal grave, caso a sofra e dela resulte incapacidade para a sua ocupação habitual (que precisa ser corporal) por mais de 30 dias; mesmo sendo sua atividade lícita, ela é imoral, e mesmo assim, abrangida pela qualificadora. Um bebê de seis meses pode ser vítima nesta qualificadora? SIM, um bebê que fica sem poder ser amamentado pela mãe, sendo amamentado por sonda por mais de trinta dias em razão de lesão no maxilar pode ser considerado como vítima desta lesão grave (há jurisprudência neste sentido). Por meio desta qualificadora do inciso I, há o significado de que a incapacidade por mais de trinta dias deverá ser comprovada através de uma perícia realizada logo após a configuração da lesão. Se houver posteriormente a remanescente incapacidade por 30 dias da vítima, deverá ser demonstrada através de um laudo complementar. Trata-se de infração penal que deixa vestígio real (art. 158, CPP e artigo 168, §2º, CPP). Será necessária a realização de duas perícias: Art. 158, CPP - Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 168, CPP - Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor. § 1o No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá- lo. § 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime (prazo penal). (...) Art. 129, CP § 1º Se resulta: II - perigo de vida; A expressão“perigo de vida” refere-se à probabilidade séria, concreta, imediata do êxito letal, devidamente comprovada por perícia médica. Não é um perigo presumido, ele deverá ser efetivo, precisa ser comprovado através de perícia. A região da lesão, por si só, não faz o Juiz presumir o perigo de vida desta qualificadora. Exemplo: lesão ocorrida no pescoço, na altura do coração, etc. Deverá haver um laudo para saber se o perigo foi concreto e imediato à vida. Trata-se de um diagnóstico atestado pelo laudo pericial e não através de um prognóstico dado pelo Juiz, por sua percepção. Este inciso II necessariamente é preterdoloso. É uma qualificadora em que o agente não assume o risco de matar a vítima, havendo culpa na qualificadora. Caso o agente assuma o risco de causar perigo, caracterizando o dolo eventual, haverá configuração propriamente do crime de tentativa de homicídio (art.14, II, CP c/c art. 121, CP). Art. 129, CP § 1º Se resulta: III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; É o inciso com maior incidência em concurso. As suas expressões devem ser analisadas. “Função” engloba as duas expressões constantes do inciso, membros, como braço, perna, etc. e também a de “sentido”, como a visão, o olfato, etc. A “debilidade” é o enfraquecimento, a diminuição da capacidade funcional; e a expressão “permanente” refere-se à recuperação incerta e por tempo indeterminado. E se a vítima perdeu um dente decorrente da lesão corporal, gerará esta qualificadora? Dependerá da perícia para a configuração deste inciso. É o laudo pericial que irá dizer se o dente perdido enfraquecerá ou não o órgão de mastigação. Mesmo raciocínio aplicado na perda de um dedo. Também dependerá do caso concreto; vai depender de perícia, sobre o que a perda do dedo decorreu a perda de alguma função. E se a debilidade puder ser atenuada pelo uso de aparelho de prótese, desaparece a qualificadora? NÃO desaparece, a jurisprudência entende que mesmo neste caso a qualificadora se mantém. Não importa que o enfraquecimento possa se atenuar ou se reduzir com aparelhos de prótese. Esta jurisprudência é tranqüila nos Tribunais. Art. 129, CP § 1º Se resulta: IV - aceleração de parto: É preciso que as seguintes circunstâncias sejam observadas e também a consequente tipificação da doutrina: a) Se a lesão do agente resultou na vítima um parto prematuro/ antecipado, mas o feto nasceu com vida, incorre o agente no crime do art. 129, §1º, IV, CP – crime de lesão corporal qualificado pela aceleração do parto. b) Se a intenção do agente com a lesão não for apenas a aceleração do parto, mas tem o objetivo de o feto nascer sem vida, o agente incorrerá nas penas do art. 129, §2º, V, CP – crime de lesão corporal qualificado pelo aborto; c) Se o agente tinha dolo em relação ao feto e ele nasce morto – art. 125, CP – propriamente configura-se o crime de aborto sem consentimento da vítima, tanto na modalidade consumado quanto na tentativa. Trata-se nesta hipótese de qualificadora propriamente de crime preterdoloso, ou seja, só se aplica a qualificadora tanto do §1º, IV quanto a do §2º, V do art. 129, CP quando fica provado que o agente não queria provocar o aborto (não tinha o dolo direcionado à realização do aborto). Se o agente quisesse praticar o aborto o crime seria de tentativa de aborto se com a lesão não foi ocasionada a interrupção da gravidez (tentativa do art. 125, CP). É imprescindível que o agente soubesse ou devesse saber que a vítima era gestante para a configuração desta qualificadora para que não ocorra a responsabilidade penal objetiva. PENA PARA AS LESÕES GRAVES QUALIFICADAS O §1º deixa de ser um crime de menor potencial ofensivo (como é o da lesão corporal leve, art. 129, caput, CP), mas continua admitindo suspensão condicional do processo (artigo 89, lei 9099/1995). As previsões vistas acima estão na forma qualificada. Art. 129, CP §1º Pena - reclusão, de um a cinco anos. 3) ARTIGO 129, §2º, CP - LESÃO DOLOSA (OU PRETERDOLOSA) GRAVÍSSIMA; A expressão lesão corporal de natureza “gravíssima” é criação doutrinária para diferenciar das hipóteses do §1º, por considerarem serem mais graves estas espécies de condutas/ resultados decorrentes. De acordo com a lei, as hipóteses de lesões graves são as constantes dos §§ 1º e 2º, sendo elas pertencentes a um único tópico somente, qual seja, das lesões corporais qualificadas. No entanto, a lei de tortura (9455/1997) em seu artigo 1º, §3º já adota o legislador a expressão “gravíssima” criada pela doutrina, abrangida pela lei: Art. 1º, lei nº 9455/1997 (...) § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. São as seguintes condutas que ensejarão a tipificação da lesão corporal gravíssima: Art. 129, CP § 2° Se resulta: I - Incapacidade permanente para o trabalho; A vítima fica incapaz para o seu trabalho, de forma duradoura e sem previsibilidade de cessação (caracterizando-se por uma espécie de lesão permanente). Esta expressão de “trabalho” é relativa ao trabalho que a vítima exercia antes de sofrer a lesão ou para qualquer tipo de trabalho? A doutrina é controvertida: 1ª corrente Prevalece para a doutrina majoritária que para incidir esta qualificadora deverá a vítima ficar incapaz para todo e qualquer tipo de trabalho. Para que seja configurada a qualificadora, a vítima tem de ficar inútil para a capacidade laborativa em geral. 2ª corrente Para Júlio Fabrinni Mirabete e doutrina minoritária basta que a vítima fique incapacitada para o trabalho que anteriormente exercia, para que ocorra a qualificadora do inciso I. Professor Rogério Sanches concorda com este entendimento, pois deveria incidir a qualificadora se ficasse incapaz para seu trabalho, aquele que exercia antes de sofrer a lesão. Art. 129, CP § 2° Se resulta: II - enfermidade incurável; A expressão da qualificadora “enfermidade incurável” caracteriza-se quando ocorre propriamente a alteração permanente da saúde em geral por processo patológico, ou seja, a transmissão intencional de uma doença para a qual não existe cura no estágio atual da medicina. A jurisprudência entende ser a qualificadora desta situação, como exemplo, o fato de a vítima ficar manca. Não há como a medicina curar a vítima, tornando-se uma enfermidade incurável para toda sua vida. Observação: a enfermidade incurável não pode ter natureza letal. Deste modo, a transmissão do vírus HIV que ocasiona a AIDS (doença de natureza mortal) não se caracteriza como o crime da conduta de lesão corporal gravíssima. Tem de ser transmitida ou causada uma enfermidade que não coloca a vida da vítima em risco mortal. A transmissão intencional do vírus da AIDS caracteriza a tentativa de homicídio, segundo decisão já consagrada do Superior Tribunal de Justiça (HC 9378/RS). HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PORTADOR VÍRUS DA AIDS. DESCLASSIFICAÇÃO. ARTIGO 131 DO CÓDIGO PENAL. 1. Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS é idônea para a caracterização da tentativa de homicídio. 2. Ordem denegada. (HC 9378/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/1999, DJ 23/10/2000 p. 186) Art. 129, CP § 2° Se resulta: III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função; Neste inciso se mencionam as expressões de “perda ou inutilização”, que são muito mais graves que a simples “debilidade permanente” constante do inciso III do §1º que enseja apenas a lesão corporal grave, juntamenteaos membros, sentidos ou funções de uma pessoa. A expressão “perda” refere-se à amputação ou à mutilação de um membro; quanto à “inutilização”, ela se dará quando o membro, o sentido ou a função tornar- se inoperante. Qual a tipicidade da conduta do agente que causa lesão corporal em uma vítima que vem a perder um testículo ou um rim? Tratando-se de órgãos duplos para que seja considerada como gravíssima, a lesão corporal deverá atingir ambos os órgãos. O mesmo raciocínio aplica-se à perda de um olho, por exemplo. E se a lesão corporal ocasionar a impotência (instrumental ou para gerar vida), no homem ou na mulher? Exemplo do médico que une as trompas ou faz vasectomia sem o consentimento de seus pacientes. Ou exemplo de uma lesão tão grave que gera a impotência coeundi ou generandi. São lesões consideradas nestes casos como lesões corporais gravíssimas. Art. 129, CP § 2° Se resulta: IV - deformidade permanente; A expressão “deformidade” consiste no dano estético aparente, considerável, irreparável pela própria força da natureza e capaz de provocar impressão vexatória, isto é, a que causa o desconforto para quem olha e humilhação para a vítima. A idade, o sexo e a condição social da vítima são qualidades que interferem nesta qualificadora. O que é vitriolagem? Vitriolagem é a lesão corporal gravíssima em razão da deformidade permanente oriunda do emprego de ácido. Não é preciso que se atinja o rosto da vítima para que se caracterize esta qualificadora da deformidade permanente, como é na Itália e na Argentina. Na sistemática do direito penal brasileiro, entende-se que pode ser qualquer parte do corpo afetada pela lesão desde que haja deformidade permanente. E também há a condição de que haja a exposição da referida deformidade, ainda que em momento mais íntimo. Mas, segundo Nucci, a doutrina entende que deverá ser a deformidade visível para aqueles que convivem com a vítima da lesão, mas ele discorda sobre esta afirmativa. Art. 129, CP § 2° Se resulta: V - aborto: É outra qualificadora necessariamente preterdolosa (assim como a da qualificadora de causar o risco de vida para a vítima; art. 129, §1º, II, CP). Deve haver a configuração do dolo na lesão e a culpa no aborto, caso contrário, a tipificação da conduta da vítima será propriamente nas penas do crime de aborto (art. 125, CP). É o que diferencia esta lesão qualificada pelo aborto (art. 129, §2º, V, CP) do aborto qualificado pela lesão (art. 127, CP). É necessário que o agente saiba ou teria como saber que a vítima estava grávida e ele poderia ocasionar o aborto, para que não se configure a responsabilidade penal objetiva. PENA PARA AS LESÕES GRAVÍSSIMAS QUALIFICADAS Esta hipótese de qualificadora, dos crimes de lesão corporal gravíssima, não admite mais a suspensão condicional do processo (art. 89, lei 9099/1995); no entanto, continua admitindo a suspensão condicional da pena (sursis). art. 127, CP dolo no aborto culpa na lesão art. 129, §2º, V, CP dolo na lesão culpa no aborto Art. 129, CP §2º Pena - reclusão, de dois a oito anos. INCIDÊNCIA DAS QUALIFICADORAS CONCOMITANTEMENTE Será possível que haja a incidência das qualificadoras concomitantemente, da lesão corporal grave e da lesão corporal gravíssima. O problema é conciliar as penas diferentes, dispostas entre o § 1º e o § 2º. Qualquer dos incisos do §2º mais grave será usado como qualificadora (pena de 2 a 8 anos). E a incidência dos incisos do §1º servirá verdadeiramente como circunstâncias judiciais na fase da fixação da pena-base (art. 59, CP). 4) ART. 129, §3º, CP – LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE; Art. 129, CP § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzi- lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. O art. 129, §3º possui dois sinônimos: homicídio preterdoloso ou homicídio preterintencional. A parte final delimita que a intenção “morte do agente” não poderá fazer parte do dolo direto ou do dolo eventual, sendo ela culposa. Este crime de lesão corporal seguida de morte não é crime doloso contra a vida, e por isso não irá ter seu julgamento realizado perante o Tribunal do Júri. São os elementos do dolo: 1) Vontade; 2) Consciência; e os elementos da culpa: 1) Conduta; 2) Resultado naturalístico; 3) Nexo Causal; 4) Previsibilidade; 5) Violação de um dever de cuidado objetivo; 6) Tipicidade. Desta feita, devem ser analisados os elementos do preterdolo, especialmente deste §3º, artigo 129, CP: Se o resultado morte advém de caso fortuito ou força maior, haverá a falta o nexo causal entre a conduta e o resultado, que não era previsível, então não se imputará o resultado, sendo o agente imputado apenas pela lesão corporal. Em geral, por se tratar de um crime preterdoloso não se admite a forma tentada. CASUÍSTICA a) Briga em uma boate – se a vítima cai com o soco do agente e bate a cabeça em uma mesa e acaba morrendo. Era previsível o resultado morte. Então responde o agente pelo art. 129, § 3º, CP. b) Mas, se em um tatame próprio para a briga um dos lutadores cai e bate a cabeça no canto do tablado e morre – não há previsibilidade para que o outro lutador pense que ele vai morrer – responde apenas pela lesão corporal. c) E se o agente empurra (contravenção penal de vias de fato) a vítima e esta cai e bate a cabeça na calçada – vias de fato seguida de morte – não poderia configurar o preterdolo do §3º do art. 129, CP porque seria neste caso analogia in malan partem; a doutrina diz que é homicídio culposo (art. 121, §3º, CP) e o empurrão da vias de fato fica por este crime absorvido. 5) ARTIGO 129, §4º, CP – LESÃO CORPORAL PRIVILEGIADA; O privilégio se aplica em todas as modalidades vistas anteriormente: do artigo 129, caput e §§ 1º, 2º e 3º, Código Penal. O privilégio é um direito subjetivo do réu e não um poder discricionário do Juiz. A discricionariedade do Juiz diz respeito somente ao quantum da diminuição da pena. Elementos do art. 129, §3º, CP (elementos do preterdolo) Conduta dolosa visando ofender a incolumidade pessoal da vítima -‐ LESÃO CORPORAL Resultado culposo (previsto ou previsível) mais grave e involuntário -‐ MORTE Nexo causal entre a conduta e o resultado Art. 129, CP § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social (lesionar o traidor da pátria) ou moral (espancar o traficante que viciou seu filho) ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima (perda do autocontrole que todos possuem ao sofrer qualquer tipo de agressão sem causa legítima), o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. 6) ARTIGO 129, §5º, CP – SUBSTITUIÇÃO DA PENA; O §5º do artigo 129, CP, que cuida da substituição da pena, só se aplica para a ocorrência das lesões corporais leves. Não será aplicado para as lesões graves ou gravíssimas. E será aplicado desde que seja a lesão leve e se preenchidas as seguintes situações: a) Lesões leves recíprocas; b) Lesão privilegiada. Art. 129, CP (...) § 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis: I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II - se as lesões são recíprocas (Nucci faz a ressalva de que as duas partes devemter entrado em luta injustamente, isto é, por culpa de ambos – já que não haveria cabimento algum conceder privilégio ao agressor, cuja vítima, para ela se desvencilhar tenha sido obrigada a agredi-lo – agindo em legítima defesa). 7) ARTIGO 129, §6º, CP – LESÃO CORPORAL CULPOSA; Art. 129, CP (...) § 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano. Será configurada a lesão culposa de acordo com o animus do agente, que age com imprudência, negligência ou imperícia. Independentemente da lesão efetuada, se é leve, grave ou gravíssima. O Juiz é quem vai analisar a gravidade da lesão na fixação da pena. A gravidade da lesão somente terá mudança na tipificação se a lesão for dolosa. Se a lesão, qualquer gravidade que seja, for considerada como culposa, sempre recairá a conduta nas penas do artigo 129, §6º, CP. Se for cometida uma lesão culposa na direção de veículo automotor, o agente incorrerá nas penas do artigo 303, Código de Trânsito Brasileiro: Art. 303, CTB - Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior. Lesão corporal culposa Lesão corporal culposa no CTB Pena: 02 meses a 01 ano. Pena: 06 meses a 02 anos. Desvalor do resultado é igual Desvalor do resultado é igual Desvalor da conduta é diferente da lesão ocorrida no trânsito. Desvalor da conduta é maior se ocorrer no trânsito. Em virtude da diferença do desvalor da conduta já se consideraria constitucional a diferenciação entre as penas, não atentando contra o princípio da igualdade. Mesmo raciocínio utilizado na comparação do homicídio culposo no Código Penal e o homicídio culposo ocorrido no trânsito, abarcado pelo CTB. Observação: o problema repousa na questão de que não se ofende o princípio da igualdade, mas sim ao princípio da proporcionalidade. A lesão dolosa no Código Penal é de 03 meses a 1 ano; enquanto a lesão culposa no trânsito é de 06 meses a 02 anos. Aqui está a inconstitucionalidade, uma clara desproporção entre a lesão culposa prevista no CTB e a lesão dolosa aplicada aos crimes de trânsito, em que se utiliza o CP, sendo menor que a culposa lá prevista. 8) ART. 129, § 7º, CP – CAUSAS DE AUMENTO DE PENA; Art. 129, CP § 7º - Aumenta-se a pena de um terço (para a correspondente lesão corporal dolosa ou lesão corporal culposa), se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º (majorantes para o homicídio culposo e majorantes para o homicídio doloso). (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990) Art. 121, CP (...) § 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício( considerada pela doutrina como inaplicável em virtude de incorrer em “bis in idem” com o conceito de imperícia), ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima (mínimo que se espera é a prestação da solidariedade), não procura diminuir as conseqüências do seu ato (deveria o agente por não ter querido o resultado buscar alguma atitude solidária para amenizar o mal causado), ou foge para evitar prisão em flagrante (como já visto no tópico sobre homicídio, esta hipótese é considerada inconstitucional). Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) 9) ART. 129, § 8º, CP – HIPÓTESE DE PERDÃO JUDICIAL Art. 129, CP (...) § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990) A hipótese de perdão judicial é dada apenas para a lesão culposa, abrangendo o tipo inserido dentro do Código de Trânsito Brasileiro. A aplicação do perdão judicial nos mesmos moldes da aplicação do benefício dentro da prática do homicídio. 10) ARTIGO 129, §§ 9º, 10, 11 – LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DO DOMICILIAR OU FAMILIAR. Art. 129, CP Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta- se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006) Todos estes parágrafos foram inseridos/modificados pela lei Maria da Penha. Antes de serem analisados propriamente, precisa-se analisar o histórico desta lei. LEI MARIA DA PENHA (lei nº 11.340/2006) Nascimento da lei Maria da Penha Até 1990 tudo o que era relacionado às lesões corporais ficava em uma vala comum. A partir deste ano, o Brasil entra na fase de especializar-se a punição contra a violência direcionada a certos grupos, com base em estatísticas. Como decorrência desta nova fase, houve o surgimento das seguintes leis especiais para coibir a violência em cada um destes grupos de ocorrência: a) Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente): especializou o crime para o combate da violência realizada contra o menor; b) Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos): especializou o combate aos crimes que eram baseados nas violências mais graves cometidas contra o ser humano; c) Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor): especializou o tipo do crime praticado mediante a violência contra o consumidor; d) Lei nº 9.099/ 1995 (Lei dos Juizados Especiais): especializou as condutas que combatem a violência de menor potencial ofensivo; e) Lei nº 9.455/1995 (Lei contra a Tortura): especializou esta legislação o combate à violência ocorrida em razão da tortura; f) Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro): especializou as tipificações penais no combate à violência ocorrida no transito; g) Lei nº 9.605/1998 (Lei dos crimes ambientais): especializou o combate à violência que ocorre no âmbito do meio ambiente. h) Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso): especializou as condutas criminosas no combate à violência realizada contra o idoso; i) Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha): especializou as condutas no combate à violência praticada contra a mulher. A lei Maria da Penha nasce deste espírito da coibição das condutas de forma específica da violência; estas leis vão surgindo de acordo com as estatísticas e necessidades da sociedade, e não foi diferente quanto à percepção que a realidade da violência contra a mulher somente crescia e que, esta necessitava de uma proteção maior por parte do Estado. Observação: a lei Maria da Penha, apesar de apenas agasalhar a proteção da mulher, reconheceu que o homem pode ser vítima da violência doméstica e familiar. Por isso ela previu no artigo 129, §§ 9º, 10 e 11 CP, inserindo estes dispositivos e tendo como possibilidade de serem vítimas, tanto o homem como a mulher. Finalidades da lei Maria da Penha Art. 1o, lei 11.340/2006 - Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica efamiliar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Não há razão em dizer que a lei Maria da Penha prega a desigualdade já que ela mesma inseriu os §§ 9º, 10 e 11 direcionando medidas para quando for o homem a vítima da violência doméstica ou familiar. Já a mulher possui tanto a proteção dos parágrafos supracitados do art. 129, CP quanto a proteção específica da lei Maria da Penha (lei 11.340/2006). Esta superproteção que o ordenamento passa a conceder com a edição da lei Maria da Penha, em relação à mulher, é considerada como constitucional? A doutrina diverge sobre o assunto: 1ª corrente Diz que a lei Maria da Penha é inconstitucional por ferir os §§ 5º e 8º do art. 226, CF, infringindo a isonomia familiar e ignorando estes parágrafos: Finalidades da lei Maria da Penha Previnir a mulher Assistir a mulher Proteger a mulher Art. 226, CF - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram (proteção deve ser igual para cada um dos membros da família), criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. 2ª corrente Esta é a corrente que entende ser constitucional a lei Maria da Penha e esta proteção direcionada à mulher. Com o fundamento de haver dois sistemas diferentes de proteção no ordenamento jurídico brasileiro: a) Um sistema GERAL, voltado a destinatários incertos (art. 129, §§ 9º a 11, CP – o sistema penal é geral, sem destinatário certo); b) E um sistema ESPECIAL, com um destinatário certo (caso da lei Maria da Penha que tem a mulher como destinatária, visando a IGUALAR DE FATO a mulher ao homem – já que ela é igual perante a lei – possui apenas a igualdade formal). Há uma AÇÃO AFIRMATIVA feita pelo legislador visando alcançar a igualdade substancial, a igualdade de fato. Professor Rogério Sanches menciona um julgado importante no TJ/MG que menciona que se a lei for inconstitucional porque se esquece do homem, é necessário que se englobe o homem nas medidas desta lei de modo a não extirpá-la do ordenamento. Não seria analogia in malam partem porque a finalidade da lei não é punitiva para o agente e sim proteger, prevenir e assistir a vítima – seria nesta analogia tanto para o homem como para a mulher. ANÁLISE DOS §§ 9º A 11, ARTIGO 129, CP Art. 129, CP § 9o Se a lesão (leve) for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou (partícula que fundamenta a segunda corrente) com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) O §9º traz uma qualificadora do caput, da LESÃO LEVE, ou seja, trata-se de uma lesão leve qualificada, elevando a pena que era de três meses a um ano, em uma pena de três meses a três anos. Observação: a lesão leve é considerada como um delito de menor potencial ofensivo. Salvo se ela for praticada no ambiente doméstico ou familiar (03 meses a 03 anos a pena). A pena máxima da forma qualificada suplanta dois anos. É o caso em que a lesão leve deixa de ser de menor potencial ofensivo. O sujeito passivo tanto pode ser o homem quanto a mulher. O Código Penal não restringiu a vítima neste artigo. Aqui está questionada a super proteção da mulher, que está mais protegida com a lei Maria da Penha e este parágrafo. Quando ao sujeito ativo, diz o professor Rogério Sanches que o tipo exige uma relação especial unindo os dois sujeitos, sendo um crime bi-próprio (relação de ascendência, descendência, etc.). Mas, uma grande parte da doutrina entende ser um crime bi-comum. Entende ser mais correto entender que o crime é bi-comum em virtude dos seguintes relacionamentos e posições entre o agente e a vítima do crime do art. 129, §9º, CP: a) Crime contra ascendente, descendente ou irmão: pouco importa se o parentesco é biológico ou civil (discriminação repudiada inclusive pela Constituição Federal); Dispensa, por ora, coabitação. b) Crime contra cônjuge ou companheiro: incide este parágrafo mesmo que os cônjuges estejam separados de fato. Também se dispensa a coabitação. c) Crime com quem conviva ou tenha convivido: trata-se de um complemento às hipóteses anteriores ou uma terceira gama de pessoas? 1ª corrente Guilherme de Souza Nucci não concorda que seja uma terceira hipótese de relação especial que tenha o agente com a vítima. É uma expressão complementar necessária aos blocos anteriores (crime contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro). Posição minoritária de doutrina. 2ª corrente Professor Rogério Sanches e a maioria da doutrina entendem ser uma terceira hipótese, um terceiro bloco, em razão da partícula “ou”; não relacionada a ascendente, descendente, irmão, cônjuge, etc. Exemplo da incidência do parágrafo nono em uma república de estudantes; ou de namorados que estão morando temporariamente na mesma residência; relação entre amantes; etc. Com esta corrente, dispensa-se a coabitação, presente ou pretérita. d) Crime que ocorre quando o agente se prevalece das relações domésticas (consideradas as babás e as empregadas domésticas), de coabitação ou hospitalidade (visitas). A doutrina critica muito este encerramento da norma do §9º do artigo 129, Código Penal e diz que desnatura a relação doméstica propriamente dita. Observação: os parentes por afinidade não estão previstos no art. 129, §9º, CP. Somente haverá tipificação se conviva ou tenha convivido ou esteja o parente por afinidade de visita (relação de hospitalidade). Art. 129, CP § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o (lesão grave, gravíssima e seguida de morte) deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta- se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) O §10 do art. 129, CP trata de uma causa de aumento, isto é, uma majorante (aumentando-se de 1/3) sobre a pena relativa às penas da lesão grave, gravíssima e seguida de morte, no caso de ocorrer a violência doméstica ou familiar. Não se trata de uma qualificadora. Como se configura como uma causa de aumento é utilizada apenas na terceira fase de fixação da pena. Observação: lesão grave admite em tese suspensão condicional do processo. Mas, a lesão grave praticada no ambiente doméstico e familiar não admite a suspensão condicional do processo, pois a pena mínima aplicada a majorante suplanta 01 ano. Lesão gravíssima admite em tese sursis, a suspensão condicional da pena. No entanto, se praticada no ambiente doméstico e familiar não admite o sursis (a pena máxima é superior a 02 anos, requisito do sursis). Por fim, a lesão corporal seguida de morte admite em regra o cumprimento inicial em regime aberto. Não obstante, se praticada esta lesão seguida de morte no ambiente doméstico e familiar, não caberá tal benefício do regimeaberto (nunca a pena com a majorante incidente será menor de 04 anos). Art. 129, CP § 11. Na hipótese do § 9o (lesão leve) deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006) Na expressão “pessoa portadora de deficiência” será considerada aquele indivíduo que se enquadrar nos artigos 3º e 4º do decreto 3298/1999, que regulamentou a lei 7853/1989. Cezar Roberto Bittencourt discorda com a restrição da legislação para que haja a incidência desta causa de aumento, devendo ser analisado o caso concreto para decidir-se se a pessoa vítima da lesão leve é portadora de deficiência. Apenas incidirá a pena diferenciada deste §11 se a lesão corporal praticada for uma lesão leve. Caso contrário o Juiz não considerará este parágrafo propriamente, sendo aplicada a qualificadora relativa à espécie de lesão, e mais a circunstância será utilizada na fase de fixação da pena (art. 59, CP). Tratando-se de crime doloso o agente tem de ter conhecimento que a vítima é portadora de deficiência, para evitar-se a responsabilidade penal objetiva. DISTINÇÃO ENTRE AS ESPÉCIES DE AÇÕES PENAIS DENTRE OS CRIMES DE LESÃO CORPORAL Qual é a ação penal cabível no crime de lesão corporal? Artigo 129, CP Ação penal pública incondicionada (regra dos crimes do Código Penal). Lesão Leve/ Lesão Culposa Ação penal pública condicionada à representação do ofendido (exceção) – art. 88, 9099/1995. Lesão corporal dos §§ 9º, 10 e 11, art. 129, CP. Se a vítima for HOMEM. a) Art. 129, §9º, CP (lesão leve qualificada) – ação penal pública condicionada. Previsão do artigo 89, lei 9099/1995. Apesar de não ser um crime de menor potencial ofensivo o do art. 129, caput, CP, este artigo é aplicado ao crime de lesão leve. b) Art. 129, §10, CP (lesão grave, gravíssima ou seguida de morte) – ação penal pública incondicionada (segue a regra do Código Penal). c) Art. 129, §11, CP (lesão leve) – ação penal pública condicionada (art. 89, lei 9099/1995, seguindo a exceção para a qualquer espécie de lesão leve). Lesão corporal dos §§ 9º, 10 e 11, art. 129, CP. Se a vítima for MULHER. a) Art. 129, §9º, CP (lesão leve): 1ª corrente: diz que a ação penal é pública é incondicionada (art. 41, 11.340/2006, que proíbe a aplicação da lei 9099/1995). Não bastasse, trata-se de grave violação aos direitos humanos da mulher, incompatível com a ação penal pública condicionada. É a posição de Luiz Flávio Gomes, Maria Berenice Dias e recentemente do STJ e STF. b) Art. 129, §10, CP (lesão grave, gravíssima ou seguida de morte) – ação penal pública incondicionada. c) Art. 129, §11, CP (lesão leve) – como a lesão é leve segue a mesma discussão acima exposta, dividida em duas correntes. Art. 88, 9099/1995 - Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas (aplicada para todas as hipóteses de lesão leve). Art. 41, 11340/2006 - Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
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