Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PERTUBAÇÕES DO CICLO MENSTRUAL AMENORREIA DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA É definida como a ausência de menstruação no período da menacme (período que vai da menarca à menopausa), sendo classicamente dividida primária (a não ocorrência de menarca até os 16 anos de idade, com presença de caracteres sexuais secundários, ou a não ocorrência de menarca até os 14 anos de idade em meninas sem desenvolvimento de caracteres sexuais secundários) e secundária (a ausência de menstruação por seis meses ou por um período equivalente a três ciclos habituais, em mulher que previamente menstruava. Períodos menores de ausência de menstruação são referidos comumente como atraso menstrual). Podemos, ainda, enquadrá-la como de curta e longa duração, de causa local ou sistêmica, funcional ou orgânica. É importante ressaltar que a amenorreia é um sinal clínico, traduzindo alguma disfunção no sistema neuroendócrino que controla o ciclo menstrual ou alguma alteração no endométrio ou no sistema canalicular que origina e possibilita a exteriorização do sangue menstrual. É estimado que a prevalência de amenorreia secundária na população geral seja de 1,8 a 3,0%, podendo chegar até 20% em pacientes inférteis. Há também a amenorreia falsa ou criptomenorreia, que é apenas a falta de exteriorização do sangramento menstrual. O fluxo não se torna evidente por um obstáculo a seu escoamento, podendo ser causada por causas congênitas (agenesia de vagina ou do colo uterino, septo vaginal transverso, etc.) ou adquiridas (sinéquias cervicais ou vaginais). ETIOLOGIA Pode ser fisiológica (gestação, lactação, menopausa) ou patológica (atraso do desenvolvimento puberal, pseudo-hermafroditismo, sinéquias uterinas). Para que ocorra o fluxo menstrual, é necessária a integridade anatômica e fisiológica do sistema reprodutor feminino, dividido didaticamente em quatro “compartimentos”: 1. Hipotálamo e Sistema Nervoso Central (SNC) – O hipotálamo e o sistema nervoso central (SNC), que representam o controle primário do ciclo menstrual, sofrendo influência endógena (esteroides sexuais e outros hormônios, por mecanismos de feedback) e também do ambiente externo; 2. Hipófise – A hipófise anterior, que, como resposta ao hormônio liberador de gonadotrofinas hipotalâmico (GnRH), secreta os hormônios foliculoestimulante (FSH) e luteinizante (LH), atuantes no ovário; 3. Ovário – O ovário, que secreta estrogênio e progesterona, em resposta às gonadotrofinas (LH e FSH) produzidas pelo eixo hipotálamo-hipófise; 4. Canalicular – A vagina e o útero, que devem ser patentes para exteriorização do fluxo, sendo que o útero deve ter um endométrio responsivo às variações hormonais cíclicas. A amenorreia primária é geralmente resultado de alguma anormalidade genética ou anatômica. As causas mais comuns de amenorreia primária são disgenesia gonadal (50%), hipogonadismo de causa hipotalâmica (20%), ausência de útero, cérvice ou vagina (15%), septo vaginal ou hímen imperfurado (5%) e doença hipofisária (5%). Todas as causas de amenorreia secundária podem se apresentar como amenorreia primária. Das mulheres com amenorreia secundária que não estão grávidas, cerca de 40% apresentam alterações ovarianas, 35% disfunção hipotalâmica, 19% alterações hipofisárias e 5% patologias uterinas. PROPEDÊUTICA Os aspectos mais importantes a serem avaliados nas amenorreias primárias são a presença ou ausência de caracteres sexuais secundários (entenda-se, aqui, especialmente a presença de mamas desenvolvidas), a presença ou ausência de útero e os níveis de FSH. Se não há desenvolvimento mamário (ausência de telarca), as etiologias mais prováveis são atraso funcional do desenvolvimento puberal (FSH baixo ou normal) e disgenesia gonadal (FSH elevado). Se há desenvolvimento mamário, há sinal de ação estrogênica e, portanto, de funcionamento ovariano. Nesses casos, quando o útero é ausente, os diagnósticos mais prováveis são agenesia mülleriana e insensibilidade androgênica. Se há desenvolvimento mamário e o útero é presente, as etiologias devem ser as mesmas das amenorreias secundárias, apenas ocorrendo antes que a adolescente tenha a sua primeira menstruação. Ao se avaliar a paciente com amenorreia primária e telarca presente, deve-se antes de tudo descartar gestação pela história ou por exame laboratorial. É necessário afastar a criptomenorreia, isto é, a ausência de fluxo menstrual devido ao bloqueio da saída da menstruação, por hímen imperfurado ou septo vaginal. É frequente a dor pélvica cíclica, podendo ocorrer hematocolpo, hematometra e até derrame intraperitoneal. O tratamento é cirúrgico, suscitando a procura de outras malformações congênitas no trato genital. O segundo passo é verificar a normalidade do restante da anatomia, isto é, se a paciente apresenta útero e vagina, e se esta é completa ou curta. Lança-se mão do exame físico, da ultrassonografia e/ou da ressonância nuclear magnética. Uma prova de progesterona pode ser utilizada nesse momento, caso não se disponha de outros meios diagnósticos; quando positiva, estabelece a anovulação como etiologia, pois indica tanto uma anatomia íntegra e responsiva à estimulação hormonal quanto um ovário produtor de estrogênio. Os casos com anatomia normal representam uma disfunção do eixo hipotálamo-hipófise- gonadal, e o restante da investigação segue o mesmo protocolo para amenorreias secundárias Nas pacientes com vagina ausente ou curta, ou com útero ausente ou rudimentar, é aconselhável a realização de cariótipo. Caso o cariótipo seja normal (46 XX), estamos frente a uma síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. No caso de ausência de útero/vagina, mas com cariótipo 46 XY, trata-se de uma insensibilidade completa aos androgênios (síndrome de Morris ou feminização testicular). Todas as mulheres que buscam atendimento devido à amenorreia secundária deveriam iniciar investigação ou, no mínimo, receber orientações adequadas, antes mesmo de decorridos 6 meses de ausência de fluxo menstrual. A investigação das amenorreias secundárias segue um “roteiro” didaticamente estabelecido. Os “tempos” de investigação da amenorreia são uma orientação que não necessariamente tem de ser seguida, pois depende do caso em estudo, da experiência do médico e dos recursos técnicos e laboratoriais colocados à sua disposição: Primeiro tempo: Em primeiro lugar, é essencial descartar gravidez, pois é a causa mais comum de amenorreia secundária. É importante lembrar que mesmo a presença de um aparente sangramento menstrual não exclui gravidez, visto que um número substancial de gestações está associado a sangramento no primeiro trimestre. A solicitação de um β-hCG é fundamental. Nesse primeiro tempo, a história e o exame físico vão orientar possíveis diagnósticos etiológicos a serem confirmados no seguimento da investigação: 1. A síndrome de Asherman (sinéquias uterinas) é a única causa uterina de amenorreia secundária e deve ser excluída e buscada na história clínica. A paciente deve ser questionada quanto à ocorrência prévia de hemorragia pós- parto, infecção endometrial, manipulação uterina, como curetagem, histeroscopia cirúrgica, dilatação, etc.; 2. O peso e a altura da paciente devem ser obtidos para estimativa do Índice de Massa Corporal (IMC). IMC > 30 kg/m2 é observado em aproximadamente 50% das pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP). Mulheres com IMC < 18,5 kg/m2 têm com frequência amenorreia funcional hipotalâmica, associada a distúrbios dietéticos ou exercícios extenuantes. Alterações na dieta, perda de peso recente, estresse, hábitos de exercícios físicos, doenças agudas e crônicas devem ser investigados, pois suscitama possibilidade de amenorreia hipotalâmica, um diagnóstico geralmente de exclusão. 3. A ocorrência de alguns sintomas de deficiência estrogênica, como fogachos, secura vaginal, diminuição da libido e alterações no sono, podem estar associados a estágios iniciais de falência ovariana; 4. O uso de medicamentos que podem se associar à amenorreia deve ser investigado: recente iniciação ou descontinuação de contraceptivos orais, uso prolongado de contraceptivos de baixa dosagem, drogas androgênicas como danazol e progestágenos em alta dose, drogas que podem cursar com aumento da prolactina sérica (metoclopramida, antipsicóticos, ranitidina, etc.); 5. Sintomas de hiperandrogenismo, como acne e hirsutismo, também podem sugerir o diagnóstico de SOP. Segundo tempo: Além do β-HCG, devem-se solicitar prolactina (PRL, para excluir hiperprolactinemia), FSH (para excluir falência ovariana) e hormônio estimulante da tireoide (TSH, para doenças tireoidianas). Se houver sinais de hiperandrogenismo, sulfato de de- hidroepiandrosterona (S-DHEA) e testosterona também devem ser solicitados. Concomitantemente, podemos realizar o teste da progesterona, que verifica, além da patência do trato genital, a presença de estrogênio suficiente circulante. Administram-se 5 a 10 mg de acetato de medroxiprogesterona (ou outro progestágeno em dose equivalente) durante 7 a 10 dias. Decorridos 2 a 7 dias do fim da administração, se ocorrer hemorragia de privação, o teste será considerado positivo, e poderemos concluir que: a) O trato genital é competente; b) O endométrio se prolifera em resposta aos estrogênios circulantes; c) O ovário secreta estrogênios, que apresentam níveis séricos normais (> 40 pg/mL); d) Hipófise e hipotálamo atuam conjunta e adequadamente, estimulando a secreção ovariana. Um teste de progesterona positivo diagnostica como anovulação a causa da amenorreia. Caso não ocorra hemorragia de privação, o teste é considerado negativo. Isso acontece por algum dos seguintes motivos: a) Gestação; b) Obstrução nas vias de drenagem ou ausência de útero; c) Inexistência de endométrio ou ausência de receptores endometriais para estrogênio (amenorreia primária); d) Ausência de atividade estrogênica (hipogonadismo: estradiol < 30 pg/mL). Uma vez afastada a primeira possibilidade, procede-se ao passo seguinte. A prova de progesterona é uma maneira indireta e clássica de determinar se há estrogênio suficiente para produzir proliferação endometrial. Hoje em dia, entretanto, com a grande disponibilidade dos ensaios para estradiol sérico, o teste de progesterona pode ter pouco valor, visto que uma coleta única pode aferir concomitantemente os níveis basais de vários outros hormônios e ser rapidamente elucidativa. O teste é válido, sim, no sentido de reafirmar à mulher que ela tem condições de menstruar novamente, que a secreção de estrogênio não é marcadamente reduzida (geralmente > 40 pg/mL) e que a causa da amenorreia provavelmente é uma disfunção hormonal de mais fácil resolução. Terceiro tempo: Conforme os resultados dos exames, são pensadas as primeiras conclusões: 1. PRL elevada: o nível de prolactina pode estar transitoriamente aumentado devido ao estresse ou à alimentação. Repetir a medida do pool da prolactina e a pesquisa da macroprolactina, apenas após a confirmação dessa alteração, seguir a abordagem apropriada da hiperprolactinemia; 2. TSH diminuído/aumentado: seguir investigação e tratamento para doenças da tireoide (hipertireoidismo e hipotireodismo); 3. FSH aumentado: quando há hipoestrinismo, indica hipogonadismo hipergonadotrófico – em outras palavras, falência ovariana precoce (ou disgenesia gonadal nas amenorreias primárias). O cariótipo deve ser considerado em pacientes com menos de 30 anos, e causas autoimunes devem ser buscadas. 4. FSH diminuído ou normal (FSH ≤): pode ser indicativo de hipogonidismo hipogonadotrófico. O teste da progesterona é uma boa conduta se não foi realizado no segundo tempo da investigação. 5. Teste da progesterona positivo: as etiologias prováveis após uma prova de progesterona positiva são a SOP, a interferência de medicações, a perda de peso, o estresse, os exercícios físicos moderados a intensos ou a disfunção hipotálamo-hipofisária autolimitada sem causa específica. 6. Teste da progesterona negativo: quando não ocorre sangramento de privação, é importante revisar a anamnese da paciente em busca de história de infecção ou manipulação uterina, principalmente instrumentada. Caso não haja essa possibilidade, passa-se diretamente ao “quinto tempo” da investigação. Caso a história seja indicativa ou suspeita de alteração/manipulação uterina, pode-se passar ao “quarto tempo” da avaliação. Quarto tempo: Diante de uma prova de progesterona negativa e já excluídas as outras causas de amenorreia, pode-se realizar o teste de estrogênio + progestágeno, o qual servirá para determinar se o fluxo menstrual é ausente por inoperância dos órgãos-alvo ou por ausência de proliferação endometrial induzida pelo estrogênio. Administra-se um estrogênio para induzir proliferação, seguido de um progestágeno para decidualização (p. ex., estrogênios conjugados 1,25 mg/dia ou estradiol 2 mg/dia por 21 dias, com adição de acetato de medroxiprogesterona 10 mg/dia nos últimos 5 dias): 1. Ciclo estrogênio + progestágeno negativo: define a amenorreia como de causa uterina. 2. Ciclo estrogênio + progestágeno positivo: pressupõe-se cavidade endometrial normal e indica-se seguir investigação (passar ao “quinto tempo”). Do ponto de vista prático, em paciente com amenorreia secundária sem história de infecção ou manipulação que possa explicar a existência de sinéquias uterinas, esse passo pode ser omitido. Pode ocorrer sangramento de privação em alguns casos de sinéquias uterinas parciais. Por isso, havendo história sugestiva, a cavidade uterina deve ser avaliada preferencialmente com histeroscopia. Quinto tempo: A obtenção de exames de neuroimagem nesse tempo é indicada, pois várias lesões orgânicas no crânio podem causar disfunção no hipotálamo ou na hipófise. Quando diagnosticadas tais lesões, o principal foco da atenção médica se volta ao tratamento destas, sendo o retorno da menstruação geralmente uma consequência natural. REFERÊNCIAS Freitas F. Rotinas em Ginecologia. 6ª Edição – Artmed, 2011. Silveira G. P. G. Ginecologia Baseada em Evidências. 2ª Edição – Editora Atheneu, 2007. Marinho R. M., Piazza J. M., Caetano J. P. J. Ginecologia Endócrina: Manual de Orientação – Ponto, 2003.
Compartilhar