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1 Rua Dias Adorno, 367 – 6º andar – Santo Agostinho 30190-100 – BELO HORIZONTE – MG Telefone: 3330-9515/33308399 – e-mail: caosaude@mpmg.mp.br PARECER TÉCNICO JURÍDICO Nº 001/2017 Objeto: Criação do Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro – SSA-HMDCC, pelo município de Belo Horizonte, com base na Lei autorizativa nº 10.754/14, para fins de gerenciamento do Hospital Metropolitano do Barreiro. 1. RELATÓRIO Cuida-se de consulta, formulada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde de Belo Horizonte, para fins de análise técnica e jurídica, acerca da iniciativa do município de Belo Horizonte de criar um Serviço Social Autônomo (SSA), com o objetivo de prestar serviços públicos de assistência à saúde no Hospital Metropolitano do Barreiro. Narra que o prefeito municipal da capital mineira apresentou à Câmara de Vereadores projeto de lei com o propósito de autorizar que seja instituído o Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro – SSA-HMDCC, pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos, para prestar serviços públicos de saúde. Referido projeto foi aprovado pelo Legislativo Municipal, tendo resultado na edição da Lei municipal nº 10.754/14. A respeito da presente demanda, cadastrada no Sistema de Registro Único (SRU), como Procedimento de Apoio à Atividade Fim – PAAF – sob o n. 002415000397-8, ressaltamos que este CAOSAUDE prestou à época, em caráter de urgência, informações técnico-jurídicas à essa Promotoria de Justiça consulente, por meio do Ofício nº 088/15. Segundo consta, embora o projeto tenha sido aprovado pela Câmara de Vereadores, não teria sido submetido à análise do Conselho Municipal de Saúde (CMS), 2 órgão colegiado responsável pela formulação e controle da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, na forma da lei federal. Previsto para ser inaugurado em 2012, o Hospital do Barreiro teve atrasos nas obras com paralisações por problemas com as construtoras, em 2011 e 2013. A estrutura compreende 46.857 m2 de área construída, dividida em 12 andares, com 449 leitos ao todo, dos quais 80 são de CTI. Foi concluído sob regime de Parceria Público- Privada (PPP) e teve iniciado o seu funcionamento parcial em dezembro de 2015. As justificativas apresentadas pelo Poder Executivo para criar o Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro (SSA-HMDCC), o qual fora formalmente instituído por meio do Decreto nº 15785/14, são de que este modelo de gestão “trará maior flexibilidade gerencial, buscando a produtividade, qualidade, celeridade e efetividade dos resultados”1. O regime jurídico previsto é o de direito privado, com a incidência parcial de normas de direito público, a exemplo da necessidade de realização de processo seletivo público para contratação de pessoal e da observância de princípios constitucionais como impessoalidade, moralidade e publicidade para o seu regime de compras, a ser definido mediante regulamento próprio. De acordo com informações recentes da Prefeitura de Belo Horizonte2, o funcionamento pleno do hospital custará R$ 20 milhões por mês e dependerá de financiamento solidário do Ministério da Saúde (MS) e da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG). Atualmente, esse custeio mensal tem sido de R$ 4 milhões, provenientes dos cofres municipais e, de R$ 1,25 milhão repassados pelo Ministério da Saúde, permitindo-se os atendimentos com 90 leitos, sendo 80 para internação e 10 de CTI. 2. FUNDAMENTAÇÃO 1 Justificativas estas constantes do PL 1130/14, de autoria do Poder Executivo, encaminhado à Câmara Municipal de Belo Horizonte. Disponível para acesso por meio do sítio eletrônico http://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-proposicoes 2 Conforme matéria intitulada “Prefeitura amplia quantidade de leitos do Hospital do Barreiro”, publicada em 22.11.2016 no sítio eletrônico da PBH, disponível m por meio da página http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=248785&pIdPlc= &app=salanoticias 3 Os serviços sociais autônomos são entes de direito privado que atuam em colaboração com o Poder Público. Nesse sentido, é a definição apresentada por Hely Lopes Meirelles3: Serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias. São exemplos desses entes os diversos serviços sociais da indústria e comércio (SENAI, SENAC, SESC, SESI), com estrutura e organização especiais, genuinamente brasileiras. Essas instituições, embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, por considerados de interesse específico de determinados beneficiários. Recebem, por isso, oficialização do Poder Público e autorização legal para arrecadarem e utilizarem na sua manutenção contribuições parafiscais, quando não são subsidiadas diretamente por recursos orçamentários da entidade que as criou. Desse modo, é possível apontar os aspectos principais que caracterizam o Serviço Social Autônomo: a) trata-se de pessoa jurídica de direito privado; b) instituída por lei; c) atua em colaboração com o Poder Público, porém sem integrar a Administração direta nem indireta; d) desenvolve atividades de assistência ou de ensino. Observa-se que o modelo instituído pelo Município de Belo Horizonte se distancia em parte do conceito técnico-jurídico, haja vista que, no caso concreto, o supracitado Serviço Social Autônomo será mantido por recursos públicos repassados por meio de Contrato de Gestão, além de haver sido criado para atuar na prestação de serviços de saúde no Hospital Metropolitano do Barreiro. 3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 353 -354. 4 A jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro4 destaca que as funções do Estado nesse campo são de incentivo e fomento à iniciativa privada: Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas atividade privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado), e exatamente por isso são incentivadas pelo Poder Público. A atuação estatal, no caso, é de fomento, e não de prestação de serviço público. Por outras palavras, a participação do Estado, no ato de criação, se deu para incentivar a iniciativa privada, mediante subvenção garantida por meio da instituição compulsória de contribuições parafiscais, destinadas especificadamente a essa finalidade. Não se trata de atividade que incumbisse ao Estado, como serviço público, e que ele transferisse para outra pessoa jurídica, por meio do instrumento da descentralização. Trata-se, isto sim, de atividade privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar e subvencionar. O exemplo mais típico são as entidades do chamado “Sistema S”, que desempenham um importante papel em áreas como a de formação profissional e de apoio técnico, a exemplo do SENAI (ServiçoNacional de Aprendizagem Industrial), do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), do SESC (Serviço Social do Comércio), do SENAC (Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial), do SEST (Serviço Social do Transporte) e do SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte). Essas entidades se inserem no âmbito das relações capital-trabalho, com nítida organização desenvolvida pelo setor privado, instituídas a partir de autorizações legislativas e que contam com contribuições parafiscais para se manterem. Quanto a estes aspectos, não há dúvidas do distanciamento da proposta municipal, posto que ao invés de atuar para os fins de fomentar ou incentivar a iniciativa privada, resolveu criar uma pessoa jurídica desvinculada da Administração direta e indireta, para gestão de um serviço público em unidade (prédio) público, construído sob a forma de PPP – Parceria Público Privada. 4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 468. 5 Entre as circunstâncias fáticas mencionadas pela Promotoria de Justiça consulente, está a de que não houve aprovação pelo Conselho Municipal de Saúde da proposta da transferência da unidade hospitalar (Hospital do Barreiro) para o serviço social autônomo. A Constituição Federal ao criar o Sistema Único de Saúde – SUS, o qual foi encarregado de prestar assistência universal e gratuita de saúde, como reflexo dos ideais democráticos que a nortearam, teve a sabedoria de assegurar expressamente no art. 198 a participação da comunidade entre as suas diretrizes: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) III - participação da comunidade. Para conferir concretude a este relevante comando constitucional, foi editada a Lei Federal n. 8.142/90 que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS” e trata dos Conselhos de Saúde, enquanto órgãos permanentes e deliberativos, responsáveis em cada esfera de governo por formular estratégias, acompanhar, avaliar e fiscalizar a Política de Saúde: Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1.990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) [...] Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: (...) II - o Conselho de Saúde. (...) § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos 6 econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. Constata-se, portanto, que os Conselhos de Saúde são instâncias de participação da sociedade na gestão pública. A eles cabe definir o planejamento das ações de saúde, debater propostas e, inclusive, se for ocaso, indicar alternativas ou modificar propostas que lhes forem apresentadas. O Controle social no Brasil, exercido por meio dos Conselhos de Saúde, é uma conquista dos movimentos sociais. Enfrentar os desafios para uma efetiva participação social tem sido a rotina dos Conselhos de Saúde. Os Conselhos de Saúde dão voz da sociedade, que visa a melhoria contínua dos serviços prestados à população. A democracia participativa no Conselho de Saúde permite ao povo falar em seu próprio nome, expressar seus interesses diretamente, pressionar, acompanhar e fiscalizar as ações do Estado. Ao apreciar matéria semelhante sobre transferência de unidades públicas de saúde para organizações sociais, o Tribunal de Contas da União5 decidiu que: 362. Quanto às instâncias colegiadas de participação no SUS, o Conselho Municipal de Saúde não é ouvido no processo decisório acerca da transferência do gerenciamento de unidades públicas de saúde para organizações sociais. (...) 9.5. com relação à Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro: (...) 9.5.3.2. a não participação do Conselho de Saúde nas decisões relativas à terceirização dos serviços de saúde e na fiscalização da prestação de contas das organizações sociais contraria o disposto no art. 1º, §2º, da Lei Federal 8.142/1990, bem como o parágrafo único do art. 1º e o caput e incisos I, IV, VI, VII e XIII do art. 3º da Lei Municipal 5.104/2009. Em diligência, este CAOSAUDE verificou, por meio de pesquisa no Diário Oficial do Município (DOM), as resoluções aprovados nos últimos anos pelo Conselho Municipal de Saúde, o que demonstra que aquele colegiado não chegou a apreciar a 5 Tribunal de Contas da União – TCU. Acórdão n. 3239/2013. Plenário. 7 proposta do modelo de gestão de serviço social para gerenciamento do Hospital do Barreiro. Situação distinta ocorreu em 2010, quando o Conselho Municipal de Saúde aprovou, por meio da Resolução CMS/BH nº 272/10, a minuta de lei autorizativa que outorga a concessão de obras e serviços de apoio ao funcionamento do Hospital Metropolitano, sob regime de Parceria Público-Privada (PPP). Assim, constata-se uma injustificável assimetria de critérios, posto que fora apresentado ao Conselho e aprovado o regime de Parceria Público-Privada (PPP) para a conclusão das obras do hospital, porém quanto ao modelo de gestão de serviço social autônomo, questão inclusive de maior relevância, não houve a participação da instância própria para deliberar sobre o controle e formulação da política de saúde no município. Por conseguinte, tem-se evidenciado que a falta de participação do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte na transferência do estabelecimento público Hospital Metropolitano do Barreiro para o serviço social autônomo afronta o art. 198, III, da Constituição c/c art. art. 1º, §2º, da Lei n. 8.142/1990. É de se ressaltar que são esferas distintas de decisão: uma no âmbito administrativo e a outra inerente às atribuições da Câmara de Vereadores. Esta, ao aprovar o projeto de lei, apenas autorizou o Executivo a instituir o serviço social autônomo. No entanto, o Conselho de Saúde que deveria atuar no planejamento da política pública não foi ouvido quando da formulação da proposta nem no momento de sua implementação. A própria Lei municipal nº 5.903/91 de Belo Horizonte, que criou o Conselho Municipal de Saúde, reforça tais questões ao dispor que entre as competências deste órgão estão: “atuar na formação de estratégias e no controle da política municipal de Saúde”, “estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde” e “aprovar, controlar e avaliar o Plano Municipal de Saúde” (cf. art. 2º). Em igual sentido são as conclusões de estudo a que tivemos acesso denominado de “Opções de modelagem jurídica para o Hospital Metropolitano de Belo Horizonte”, realizado pelo CEPEDISA (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário) por solicitação do município de Belo Horizonte, o qual aponta que “A escolha 8 final do modelo a ser adotado, dentre os aqui listados, deverá ser feita oportunamente pelo Prefeito Municipal, em conjunto com os seus assessores e em diálogo com a Câmara de Vereadores e com todas as instituições representativas competentes, em especialo Conselho Municipal de Saúde”. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), tem-se o relevante precedente da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 1.864-9, com julgamento de mérito já concluído, que tratou do Serviço Social Autônomo denominado de “Paranaeducação”. A Corte se manifestou pela parcial procedência da demanda, cujos trechos do voto do Min. Joaquim Barbosa, relator para o acórdão, seguido pela maioria dos integrantes do Tribunal, assim sintetizam o exame da matéria controvertida: (...) os serviços sociais autônomos têm natureza jurídica muito específica, pois se destinam à gestão de determinada atividade privada, a qual, em virtude do interesse público subjacente, recebe o incentivo do Estado. (...) Pedi vista dos autos porque, num primeiro exame, entendi que a instituição criada pela lei impugnada estaria substituindo a atuação do Estado na prestação do serviço público de educação, atribuição que lhe seria vedada, ante sua natureza de serviço social autônomo e, portanto, pessoa jurídica de direito privado. Entretanto, conforme se lê do art. 1º da lei ora analisada, o PARANAEDUCAÇÃO é entidade instituída com o fim de “auxiliar na Gestão do Sistema Estadual de Educação”. O art. 3º da norma lista como finalidades do instituto a prestação de apoio técnico, administrativo, financeiro e pedagógico (inciso II) bem como o suprimento e aperfeiçoamento dos recursos humanos, administrativos e financeiros (inciso IV) da Secretaria Estadual de Educação. Como se vê, o serviço social autônomo tem atuação paralela à da Secretaria de Educação e com esta coopera, de modo que não tenho por violada a norma do art. 205 da Carta da República, que consagra a educação como dever do Estado. (ADI 1864, trechos do voto do Relator p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa). Desse voto do Ministro Joaquim Barbosa, o qual conduziu o julgamento, restou clarividente que o modelo de serviço social autônomo, instituído pelo Estado do 9 Paraná, foi considerado constitucional porque não visava substituir o ente federativo na prestação do serviço público de educação, mas sim nas finalidades de auxiliar, cooperar, e prestar apoio técnico à Administração Direta. Disso se concluir que a Lei nº 10.754/14, do município de Belo Horizonte, colide com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a pessoa jurídica cujos contornos são nela definidos não se destina a realizar atividades privadas de interesse coletivo com fins de auxílio, apoio ou cooperação. Seus objetivos vão além, ingressam no campo vedado no precedente do STF na medida em que terá por finalidade prestar ações e serviços públicos de saúde (cf. art. 2º, §2º), fazendo às vezes da municipalidade no exercício deste mister. Por outro lado, ao tratar das funções de chefia no SUS, a Lei Federal nº 8.080/90, norma de caráter geral editada pela União, de acordo com a competência que lhe foi definida pelo art. 24, XII e §1º da CR/88, estabelece no seu art. 28 que: Art. 28. Os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), só poderão ser exercidas em regime de tempo integral. O Judiciário6 e o Tribunal de Contas7 tem interpretado, conforme nosso entendimento, de forma acertada a expressão “tempo integral” como sinônimo de dedicação exclusiva. A tarefa complexa de planejar/gerenciar os serviços públicos de saúde poderia restar comprometida se fosse admitida a atuação profissional da pessoa em outras atividades. No entanto, a Lei municipal nº 10.754/14 prevê, no seu art. 4º, inciso I, que o Secretário Municipal de Saúde será um dos integrantes do Conselho de Administração do Serviço Social Autônomo. Tal dispositivo contraria o art. 28 da Lei n. 8.080/90, o que implica em sua invalidade por ofensa ao art. 24, §1º da Constituição da República. Ademais, não poderá o órgão contratante, regulador e de fiscalizador transmudar-se para órgão contratado, regulado e fiscalizado, demonstrando cabal conflito de interesses. 6 TJMG. Apelação cível n. 1.0024.94.075713-1/001. Rel. Des. Belizário de Lacerda. DJ de 21.08.2009. 7 TCU. Acórdãos n. 201/2003, n. 969/2004 e n. 3131/2010. 10 A Portaria GM/MS nº 1.034/10 que trata da participação complementar de entidades privadas no SUS, estabelece: Art. 2º Quando as disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o gestor estadual ou municipal poderá complementar a oferta com serviços privados de assistência à saúde, desde que: I - comprovada a necessidade de complementação dos serviços públicos de saúde e, II - haja a impossibilidade de ampliação dos serviços públicos de saúde. § 1º A complementação dos serviços deverá observar aos princípios e as diretrizes do SUS, em especial, a regionalização, a pactuação, a programação, os parâmetros de cobertura assistencial e a universalidade do acesso. § 2º Para fins de organização da rede de serviços e justificativa da necessidade de complementaridade, deverá ser elaborado um Plano Operativo para os serviços públicos de saúde, nos termos do art. 7º da presente Portaria. § 3º A necessidade de complementação de serviços deverá ser aprovada pelo Conselho de Saúde e constar no Plano de Saúde respectivo. Além da necessária participação do Conselho de Saúde, mesmo que houvesse concordância deste órgão, se infere que o ato do Executivo de transferir a unidade hospitalar pública, de contornos regionais, para ente privado não é totalmente livre. Pelo contrário, deve ser motivado com base em elementos concretos que demonstrem consistir na melhor alternativa para atender o interesse coletivo. O requisito de “quando as disponibilidades forem insuficientes” pode ter sido interpretado pelo município para abranger aspectos gerenciais ou administrativos, diversos da estrutura física, no entanto precisaria estar caracterizado por dados objetivos. Ademais, esta necessidade de motivação é reforçada em precedente do Tribunal de Contas da União8 ao concluir que devem ser realizados “estudos específicos para cada unidade de saúde objeto de terceirização, contendo comparação, em termos de custos e produtividade, entre a gestão segundo o regime aplicável ao Poder Público e a gestão segundo o regime aplicável à entidade privada”. 8 TCU. Plenário. Acórdão n. 3239/2013. 11 Uma vez apurado que o ato expedido com alguma margem de competência discricionária não foi motivado, a consequência é a sua invalidade conforme enfatiza o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello9: “o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido”. Em audiência pública, realizada pela Câmara de Vereadores, na data de 11.06.201410, o Secretário Municipal de Saúde afirmou que o projeto atende a uma necessidade de flexibilização administrativa e que há a intenção do serviço social autônomo conseguir o certificado de entidade filantrópica, para ter direito de não pagar tributos. Tais argumentos, por si sós, são um pouco vagos para justificar a decisão tão relevante de transferir o hospital público para um ente privado. Ademais, se o objetivo de buscar o título de filantropia para reduzir custos tributários tenha sido preponderante, estar-se-ia diante de conduta passível de punição pelo Fisco. A doutrina11 define o abuso de forma como o uso de uma estrutura jurídica atípica com o intuito de evitar ou diminuir a incidência tributária. Numa auditoria fiscal, esta prática tende a ser caracterizada como irregular,com a cobrança retroativa dos créditos acrescida de juros e multas. A diferença é que até o Poder Público (município, no caso em tela) tem o dever de recolher a contribuição previdenciária patronal, cuja alíquota é de 20% sobre a folha de pagamento; enquanto que as instituições filantrópicas possuem o direito de imunidade a esta cobrança, previsto no art. 195, §7º da Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 2028, medida cautelar, realçou que a imunidade das entidades beneficentes (filantrópicas) foi instituída com o propósito de que auxiliem o Estado no campo da assistência social, não de 9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16ª edição, São Paulo: Malheiros. 2003. p. 368-369 10 “Em pauta, PL que autoriza gestão de hospital por ente privado”. Superintendência de Comunicação Institucional, disponível em http://www.cmbh.mg.gov.br/chapeu/hospital-do-barreiro 11 MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 10ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 435. 12 desonerar o próprio Estado de sua responsabilidade constitucional prevista no art. 195 de participar do custeio solidário da seguridade social: “Com efeito, a Constituição, ao conceder imunidade às entidades beneficentes de assistência social, o fez para que fossem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios auxiliados nesse terreno de assistência aos carentes (...)”12 Trata-se de nítido incentivo à atuação de particulares para cooperarem com o Estado no desempenho de funções que lhe são próprias. As características das entidades que compõem o terceiro setor são natureza de direito privado, sem relação institucional com os governos, autonomia administrativa, ausência de finalidades lucrativas e o desenvolvimento de atividades de interesse social. A doutrina tem utilizado, para se referir a este setor, a denominação de “público não-estatal”13. Por conseguinte, mostra-se inadequado buscar equiparar o Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro – SSA-HMDCC, criado e mantido pelo município de Belo Horizonte, a uma entidade típica do terceiro setor, para fins de definição do regime jurídico e fiscal incidentes. Também seria inconsistente eventual paralelo que se procurasse estabelecer entre o SSA-HMDCC e a Associação das Pioneiras Sociais (APS), serviço social autônomo responsável pela Rede Sarah, cuja instituição foi autorizada pela Lei Federal n. 8.246/91. Este presta serviços gratuitos de reabilitação, nas áreas neurológica e ortopédica, sendo que recebe recursos provenientes de rubrica específica do orçamento da União, em dotação global, com base em metas previstas nos Planos de Trabalho Anuais. Diferente da Associação das Pioneiras Sociais (APS), o Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro – SSA-HMDCC foi instituído 12 Trechos do voto do Relator, Min. Moreira Alves, MC-ADI n. 2028. 13 “A emergência do Terceiro Setor representa, em tese, uma mudança de orientação profunda e inédita no Brasil no que diz respeito ao papel do Estado e do Mercado e, em particular, à forma de participação do cidadão na esfera pública. Isto tem levado à aceitação crescente da ampliação do conceito de público como não exclusivamente sinônimo de estatal: ‘público não-estatal’” (FALCONER, Andrés Pablo. A Promessa do Terceiro Setor: um Estudo sobre a Construção do Papel das Organizações sem fins lucrativos e do seu Campo de Gestão. São Paulo: Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor, 1999.) 13 com o objetivo de atuar na prestação de serviços públicos de saúde (cf. art. 2º, §2º da Lei n. 10.754/14), fazendo às vezes do município, em contrariedade ao estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n. 1.864-9. Enquanto que, pela sua natureza jurídica, o serviço social autônomo é destinado a realizar atividades privadas de interesse coletivo com fins de auxílio, apoio ou cooperação. Ademais, a receita do SSA- HMDCC, de acordo com o previsto na lei autorizativa de sua criação, “será constituída pelos recursos decorrentes de compromissos que venha a assumir com a Secretaria Municipal de Saúde pela prestação de serviços ao município, mediante a celebração de contrato de gestão”, e de outras fontes como valores oriundos de auxílios, subvenções, transferências e repasses públicos, alienação de bens e da aplicação de valores patrimoniais (cf. art. 14 da Lei n. 10.754/14). Não se pode atribuir aos denominados Serviços Sociais Autônomos a relação jurídica do Contrato de Gestão, destinada para as Organizações Sociais (OS), conforme artigo 24, inciso XXIV, da Lei federal nº 8.666, de 1993. Nem mesmo a Política Nacional de Atenção Hospitalar, do Ministério da Saúde, definida pela Portaria MS nº 3.390, de 30 de dezembro de 2013, previu essa modalidade de contratualização. A esse respeito, a Portaria MS nº 3.410, de 30 de dezembro de 2013, que estabelece as diretrizes para a contratualização de hospitais no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) em consonância com a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP), ao tratar do instrumento de contratualização com o SUS, em seu art. 23, contempla modalidades diversas como convênio com entidades beneficentes, e com Empresas e Fundações Públicas; contrato de gestão firmado com organização social (OS); Protocolo de Cooperação entre Entes Públicos (PCEP); Contrato Administrativo; e Termo de Parceria, firmado com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s); porém não abrange os serviços sociais autônomos. Há, ainda, notícia de situação paradigma de serviço social autônomo na área da saúde, do Hospital Alcides Carneiro de Petrópolis/RJ, que se encontra impugnado em demanda judicial, movida em conjunto pelos Ministérios Públicos Estadual, Federal e do Trabalho. Houve a concessão de tutela de urgência, no âmbito do processo judicial n. 00010026920104025106, para determinar ao município de Petrópolis 14 a suspensão de repasses de recursos públicos ao serviço social autônomo e para assumir a gestão do Hospital Alcides Carneiro, mantendo-se o atendimento à população, sem interrupção de qualquer serviço, sob pena de incidência de multa pessoal e diária em face do prefeito e do secretário municipal de saúde. No caso do município de Belo Horizonte, o estudo denominado “Opções de modelagem jurídica para o Hospital Metropolitano de Belo Horizonte”, realizado pelo CEPEDISA (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário) considerou que diversas alternativas seriam igualmente válidas, como a gestão do hospital pela Administração Direta, por fundação ou autarquia municipal ou pelo serviço social autônomo. Apesar de, naturalmente, as conclusões refletirem o entendimento de seus autores, incorreu em equivoco ao não conter advertência sobre a natureza controvertida da matéria, havendo, inclusive, importante precedente em sentido contrário de serviço social autônomo criado para gerir o Hospital Alcides Carneiro de Petrópolis/RJ. Esse trabalho realizado pelo CEPEDISA, conforme solicitação (contratação) feita pelo município de Belo Horizonte, teve como escopo estudos sobre a transferência do gerenciamento de serviços de saúde do Hospital Metropolitano do Barreiro. Contudo, conforme exigência da jurisprudência do Tribunal de Contas da União14, não consta que tenham sido realizados, “estudos específicos para cada unidade de saúde objeto de terceirização, contendo comparação, em termos de custos e produtividade, entre a gestão segundoo regime aplicável ao Poder Público e a gestão segundo o regime aplicável à entidade privada”. Por outro lado, quanto à seleção pública destinada a contratar pessoal para o Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro – SSA- HMDCC, com mais de 1.200 (mil e duzentas) vagas, com edital originado da Secretaria Municipal Adjunto de Recursos Humanos, por ordem do Prefeito Municipal, constata-se ter tido origem em pressuposto fático errôneo. Não se pode desconsiderar as diferenças existentes entre a Administração direta e a pessoa jurídica de direito privado que fora criada. 14 TCU. Plenário. Acórdão n. 3239/2013. 15 Essa situação poderá levar à consequência de indução dos candidatos a erros, supondo estarem concorrendo a cargos públicos para trabalhar no município de Belo Horizonte (Administração Direta), em prédio público, em serviço público. Ademais, há flagrante desrespeito à autonomia do Serviço Social Autônomo, posto que, dentre outras, suas atribuições definidas no artigo 5º da Lei n. 10.754/14 de “aprovar a política de pessoal, o plano de cargos, padrões de remuneração de pessoal e benefícios” e no art. 16 de estipular “o quadro de pessoal a ser admitido por meio de processo de seleção”. Não obstante reconhecer a complexidade temática, sua pouca literatura nacional, temos que o município de Belo Horizonte, no exercício de sua atuação discricionária, poderia ter apresentado estudos de viabilidade econômico-financeira e assistencial em face de outras modelagens de gerenciamento de equipamentos de saúde, tais como: a) própria, a ser exercida diretamente pela municipalidade, com observância dos princípios e diretrizes do Direito Administrativo Constitucional, subsidiado por recursos financeiros solidários do Ministério da Saúde (MS) e Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), preferencialmente para os já precedentes 50%, 25% e 25%;; b) pela Administração Pública Indireta, assim como ocorre com o Hospital Odilon Behrens, que tem natureza de autarquia municipal; c) por contrato de gestão, a ser exercido por entidade qualificada como Organização Social, na forma da Lei federal nº 9.637, de 1998; ou d) por consórcio público de saúde, nos termos da Lei federal n. 11.107, de 2005, situação que, independentemente daqueles recursos financeiros, originados do tesouro municipal, Ministério da Saúde e SES-MG, poderiam ser complementados, por meio de contrato de rateio, com os demais municípios consorciados.. 3. CONCLUSÃO Diante do exposto, não obstante, ressalto, reconhecer a complexidade temática, pela escassez de literatura ou precedentes no País, este Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAOSAUDE) conclui pela 16 inadequação do modelo de serviço social autônomo para gerenciamento do Hospital Metropolitano do Barreiro, pelos argumentos fático-jurídicos precedentes, em especial o fato de ser de natureza privada, sem efetiva comprovação de sua atuação cooperativa com o Poder Público, antes, ao contrário, sua nítida dependência econômico-financeira com a municipalidade. Assim, colide com os entendimentos esposados pela doutrina e da jurisprudência do STF na ADI n. 1.864-9. Contudo, tendo em vista os efeitos concretos consolidados pelo decurso do tempo, sugere-se uma atuação dessa Promotoria de Justiça com interpretação conforme, fazendo-se os contornos de adequação da medida, a fim de evitar-se maiores prejuízos à assistência da população usuária. Assim, sugere-se as seguintes providências por parte da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Belo Horizonte, sem prejuízo da adoção, como regra de orientação institucional às demais Promotorias de Justiça, a saber: a) Requisição de informações, em face da nova gestão, ao Prefeito Municipal, ao Secretário Municipal de Saúde e ao Procurador-Geral do Município, para fins de esclarecer, tendo em vista os entendimentos contrários da doutrina e da jurisprudência, bem como o precedente do Hospital Alcides Carneiro de Petrópolis/RJ, a manutenção da atual decisão de gerenciamento do Hospital Metropolitano do Barreiro na modelagem Serviço Social Autônomo. b) Requisição de informações ao Presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS) para elucidar se este órgão colegiado, a exemplo do que ocorreu com a Resolução CMS/BH n. 272/10, que aprovou a minuta de lei autorizativa que outorga a concessão de obras e serviços de apoio ao funcionamento do Hospital Metropolitano, sob regime de Parceria Público-Privada (PPP), participou da escolha do modelo de gestão de serviço social autônomo para o Hospital Metropolitano do Barreiro; 17 c) Havendo manifestação quanto à permanência da atual modelagem, deverá o município promover as necessárias adequações e regularizações, conforme já apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Não menos diferente, a conformação quanto a exclusão de participação do município, em especial do Secretário Municipal de Saúde, do Conselho Administrativo de órgão de natureza privada; assunção das responsabilidades como processos seletivos diretamente pelo Serviço Social Autônomo; possibilidade de recebimento de outros recursos ou subvenções, não originados da municipalidade; aprovação (convolação) da medida pelo Conselho Municipal de Saúde; atuação em regime de colaboração com o Poder Público. d) No caso de decisão por outra modelagem de gerenciamento, em especial da administração municipal, na forma de Hospital Regional, de natureza pública, a observância do obrigatório financiamento, preferencialmente, na regra 50%, 25% e 25%, respectivamente, pelo Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e Município de Belo Horizonte. e) No caso de outra modelagem, como assunção do gerenciamento pelo consórcio de saúde, na forma da lei, a observância do disposto no item anterior, quanto aos aspectos do financiamento, sem prejuízo da previsão da contrapartida dos municípios consorciados, na forma de contrato de rateio. É o presente Parecer. Belo Horizonte, 20 de fevereiro de 2017. GILMAR DE ASSIS Promotor de Saúde Coordenador do CAOSAUDE
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