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POVO TRADICIONAL POMERANO: UM DIÁLOGO SOBRE INTERCULTURALIDADE Erineu FOERSTE/UFES(*) RESUMO: O trabalho discute cultura e educação do povo tradicional pomerano (Decreto 6.040/2007). Coloca em questionamento principalmente a falta de políticas públicas na oferta de ensino bilíngue em comunidades tradicionais pomeranas. Abordagens sócio- históricas (Fichtner et al: 2013) fundamentam praxis de análise da problemática em questão na perspectiva das chamadas políticas afirmativas em comunidades de Vila Pavão, Pancas, Laranja da Terra, Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins no Estado do Espírito Santo, Brasil. Apresenta alguns resultados de investigações desenvolvidas até o momento a respeito do Programa de Educação Pomerana – PROEPO. Finaliza destacando a importância da inclusão dos povos tradicionais na agenda de pesquisa das universidades. Já se observam alguns impactos na valorização da identidade do tradicional pomerano em face às discussões de cultura e interculturalidade. Palavras-chave: Pomeranos;Povos tradicionais; Educação intercultural. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os primeiros pomeranos ao chegar no Brasil há 150 anos atrás desembarcaram no Porto de Vitória no Estado do Espírito Santo na Região Sudeste do Brasil e ajudaram a fundar a cidade de Santa Leopoldina em meio às montanhas, acerca de 50 Km do litoral. Aos poucos migraram para outras regiões do Estado, onde hoje vivem em municípios como Santa Maria de Jetibá, Laranja da Terra, Pancas, Vila Pavão entre outros. Este povo tradicional (BRASIL: 2007) (1) produz sua existência material e simbólica na sua relação com o mundo do trabalho, principalmente a partir da agricultura familiar agroecológica (Merler et al.: 2012). Os pomeranos, juntamente com outros povos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc.) fazem história não apenas sob as condições que lhes são dadas, como dizia Marx, mas nas contradições da sociedade de classes, conforme Fornet-Bitancourt (2001), colocando-a sempre em questão nas lutas coletivas por direitos sociais. Como o povo tradicional pomerano produz práticas sociais e políticas interculturais? Constituindo sua humanidade, ao mesmo tempo em que humanizam o mundo pela práxis, os trabalhadores em geral e os povos tradicionais de modo especial produzem culturas como forma de resistência ao projeto hegemônico de desenvolvimento e de educação do Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03445 capitalismo (Fichtner et al: 2013; Merler et al: 2013). Partindo desses pressupostos, este trabalho objetiva analisar, compreender e dar visibilidade a aspectos do patrimônio material e imaterial do povo tradicional pomerano. Aqui daremos ênfase às práticas políticas e pedagógicas que têm sido produzidas como ação coletiva para superar injustiças sociais e processos de exclusão cultural, especificamente no que se refere às comunidades pomeranas no Estado do Espírito Santo, Brasil. POVO POMERANO TRADICIONAL Nossas investigações emergem dos trabalhos desenvolvidos no Grupo de Pesquisa (CNPq) Culturas, parcerias e educação do campo do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE do Centro de Educação - CE da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Estabelecem-se interlocuções com a produção acadêmica acumulada sobre a questão pomerana no Brasil, em especial com o trabalho de mestrado de Adriana Vieira Guedes Hartwig, intitulado Professores (as) pomeranos (as): um estudo de caso sobre o Programa de Educação Escola Pomerana – PROEPO no município de Santa Maria de Jetibá/ES (Hartwig: 2011). Os debates identificam-se com a perspectiva teórico-prática de que é na luta pela redistribuição e pelo reconhecimento, conforme Semeraro (2006 e 2009), que os oprimidos produzem praxis sociais e culturais alternativas de emancipação humana. No geral essas pesquisas apontam para reivindicações dos pomeranos, articulados com outros povos tradicionais, por direitos sociais como luta intercultural (Fornet-Betancourt: 2001). O povo pomerano no Brasil (BRASIL: 2007) organiza-se internamente de forma crescente nos últimos decênios e é reconhecido publicamentepara fortalecer lutas coletivas pelos direitos sociais com povos indígenas (Tupinikim e Guarani), quilombolas, assentados de reforma agrária, caiçaras, ribeirinhos, pescadores, ciganos etc. Inscreve-se assim, no contexto de lutas históricas dos povos tradicionais e outras comunidades do campo (agricultores familiares em geral, trabalhadores rurais vinculados ao Movimento Sem Terra – MST, ao Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA etc.) como protagonismo na conquista de políticas afirmativas de inclusão social. Os povos europeus da imigração tardia (esses povos não estão alinhados ao projeto predatório de colonização promovido pelas coroas portuguesa e espanhola) chegaram ao Brasil no final da primeira metade do século XIX. No Estado do Espírito Santo os Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03446 primeiros imigrantes alemães vieram a partir de 1847 (2). As primeiras Comunidades Pomeranas começaram a se constituir nas montanhas espírito-santenses em 1859. A imigração fez parte do processo acelerado de transformações sociais que ocorreram no Brasil na segunda metade do século XIX e início do século XX. A ascensão das ideias republicanas, em substituição ao Brasil Império, com transformações políticas, sociais e culturais, teve impacto direto na população de imigrantes germânicos assentados em diversos Estados da Região Sudeste e Sul do país. (3) Especificamente no que se refere à educação escolar, o período inicial do século XX caracteriza-se pela forte influência do Projeto Escolanovista, criado por John Dewey, sobretudo através da Escola de Chicago. Este ideário norte-americano serve de base para incremento do projeto educacional nacionalista brasileiro de Getúlio Vargas. Isso significa, concretamente, a construção de estratégias pedagógicas e políticas para fortalecer a identidade nacional. A passagem do Brasil Colônia à consolidação da República é acompanhada de mudanças desde a reconstrução arquitetônica das cidades às esferas administrativas do estado brasileiro. No bojo das transformações por que passava o Brasil naquele período, vale destacar as reformas educacionais da era do Presidente Getúlio Vargas (4), com atenção à Reforma Educacional Francisco Campos (1931) e a Reforma Gustavo Capanema (1942), que são orientadas ideologicamente pelo discurso modernista e dão sustentação aos projetos de nacionalização do estado brasileiro, na lógica do Estado ditatorial. A educação, nessa perspectiva, ocupa papel fundamental na propaganda nacionalista. Segundo Nagle (1974), o movimento do otimismo pedagógico atribui à educação a tarefa redentora e unificadora do estado brasileiro; também favorece as medidas de nacionalização das escolas comunitárias, a proibição do ensino da língua e cultura alemãs em escolas das comunidades de imigrantes situadas grosso modo no Rio Grande do sul, Santa Catarina e Espírito Santo e a institucionalização da escola primária como “democratizadora” do acesso à formação dos trabalhadores. Também, na esteira da discussão nacionalista ganha força o movimento do ruralismo pedagógico, que defendia maior equidade na relação campo e cidade, para justificar formas de cobrança tributária. Este movimento suscita olhar do poder central da união sobre as escolas campesinas de comunidades de imigrantes para incremento da nacionalização dos projetos de educação locais como estratégia fundamental à unificação do Estado nacional e como campo de disseminação ideológica das concepçõeshegemônicas do “Estado Novo”. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03447 Conforme discussões da época, a imigração representava um mal necessário. Segundo Menucci (1934) a presença de imigrantes apresentou-se, sobretudo na primeira metade do século XX, como um problema que explicitava a dialética do progresso e da civilização. O estrangeiro foi considerado peça chave, ao mesmo tempo em que era tomado como indesejável. Para fazer frente ao problema, medidas foram tomadas como a obrigatoriedade do domínio da língua portuguesa, sobretudo pelas crianças em idade escolar. À revelia desse processo de nacionalização, em cujo movimento a educação foi afetada de forma muito especial, o povo tradicional pomerano (BRASIL: 2007) manteve suas culturas e identidades. A língua pomerana constitui uma das dimensões articuladoras, para reconhecimento dos pomeranos atualmente no cenário das lutas coletivas por direitos sociais. Ela é patrimônio cultural de um povo tradicional brasileiro. Hoje há cerca de 300 mil pomeranos no Brasil (5). No Estado do Espírito Santo estima- se uma população de 120 a 150 mil pomeranos, conforme levantamentos preliminares realizados por Jacob (2012), apresentados no quadro (6). Representantes dos municípios de Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Laranja da Terra, Vila Pavão e Pancas no Estado do Espírito Santo – Brasil articularam esforços interinstitucionais e estabeleceram parcerias (Foerste: 2005) para elaboração do Projeto de Educação Escolar Pomerana - PROEPO que visa valorizar e fortalecer a cultura e língua pomeranas. EDUCAÇÃO POMERANA NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO: UM DIÁLOGO O ano de 2003 é um marco importante nesse processo, quando foi implementado o PROEPO. Surgiu a partir da preocupação de lideranças comunitárias articuladas a alguns dirigentes municipais, por um lado, a partir de avaliações que apontam situações concretas em que parte das gerações mais novas das comunidades pomeranas não se interessam mais em falar pomerano em contexto familiar e público. De outro lado, pais, mães, membros das comunidades (igreja, lideranças da sociedade civil), professores, pesquisadores, etc. manifestam há muito tempo preocupação com o fracasso escolar de crianças de origem pomerana, principalmente nas séries iniciais, pelo fato de dominarem o pomerano como língua materna e não falarem a língua portuguesa ao ingressarem na escola. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03448 Dentre as dificuldades mais preocupantes em relação à escolarização desses estudantes, as pesquisas de Mian (1993), Weber (1998), Siller (1999), Ramlow (2004) e Hartwig (2011) destacam: a) alto índice de reprovação; b) currículo desvinculado do contexto social; c) contratação de professores que não falam pomerano; d) gestores educacionais e equipe pedagógica que desconhecem a realidade local campesina e promovem fechamento de escolas locais (Merler et al: 2013; Foerste et al: 2013); e) subestimação da capacidade de aprendizagem das crianças pomeranas; f) exclusão dos alunos das práticas escolares por não serem compreendidos em sua língua nem compreender a língua portuguesa; g) reprodução do mito de que os pomeranos são tímidos. A criança de origem pomerana, ao ingressar na escola de Ensino Fundamental, é incumbida de duas tarefas simultâneas: aprender outra língua e atender aos objetivos do período de alfabetização (1º ao 2º anos do Ensino Fundamental, para desenvolver habilidades de leitura e produção de textos escritos na língua oficial (Língua Portuguesa), muitas vezes isso é feito em detrimento da língua materna (Língua Pomerana) (7). Estudiosos do campo da educação, vinculados a diferentes linhas de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES(8) na produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado, aprofundaram pesquisas em comunidades pomeranas (Mian: 1993; Weber: 1998; Siller: 1999; Ramlow: 2004; Delboni: 2006; Hartwig: 2011; Cosmo: 2014). Denunciam os ataques à alteridade e às especificidades do povo pomerano e sinalizam para a importância e a necessidade de reflexões, com implementação de políticas públicas que superem problemas que entravam a escolarização dos pomeranos. As práticas escolares desconsideram a cultura e a língua pomerana. Existem relatos de professoras que são orientadas a proibir que as crianças façam uso da língua materna pomerana durante os períodos escolares regulares, sob a alegação de que a função da escola é ensinar a ler e escrever na língua oficial. Este processo remete ao período de nacionalização instituído no Brasil, sobretudo no período da Segunda Guerra Mundial. O fato de muitas crianças falarem o pomerano como língua materna ao ingressarem na escola é apontado por muitos professores e gestores educacionais como causa de fracasso escolar em contextos sociais com presença do povo tradicional pomerano. As pesquisas colocam em evidência os impactos desse quadro. As crianças de descendência pomerana de modo geral, destacadamente as que ainda vivem com seus familiares em comunidades tradicionais, sentem-se na escola e são vistas pelos profissionais do ensino, no dizer de muitos pais, como estranhos fora do ninho ou estrangeiros na própria comunidade Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03449 tradicional, onde a absoluta maioria da população fala o pomerano no dia-a-dia. As dificuldades de se comunicar em português geram extremo constrangimento (confundido muitas vezes com timidez) para essas crianças e respectivas comunidades, impedindo- lhes de participar de forma espontânea e ativa da vida da escola, tornando a prática pedagógica cheia de significados culturais (Mclaren: 1997) ainda pouco estudado academicamente. Mesmo quando solicitadas a falar em sua língua ou em português, preferem ficar silenciosas. Presenciamos em nossas pesquisas, relatos de crianças que têm medo de fazer perguntas referentes aos conhecimentos escolares por causa da dificuldade de comunicação na Língua Portuguesa. Elas têm “medo” de falar errado. O recreio é, não raras vezes, o momento em que as crianças se sentem livres no contexto escolar para conversarem em pomerano, longe do controle da equipe pedagógica. Narrativas das famílias de crianças de origem pomerana explicitam sentimento de tristeza face ao fato dos filhos resistirem de forma crescente para falar a língua materna (o pomerano) de forma crescente também em casa, depois de ingressarem na escola. Ao mesmo tempo há aqueles que se sentem culpados por não ensinarem a língua pomerana aos filhos; chegam a confessar que agindo assim, podem proteger as gerações mais novas de enfrentar as mesmas dificuldades pelas quais passaram no período da escolarização, decorrentes de sofrimentos relacionados ao preconceito e exclusão vividos na própria pele. As pesquisas de Siller (1998), desenvolvidas no contexto da Educação Infantil em Santa Maria de Jetibá, demonstraram o desejo das famílias em ver uma escola que incentiva a valorização da cultura e da língua pomeranas. Há relatos de pais dizendo que as crianças deveriam aprender os saberes da escola por meio das duas línguas, português e pomerano; outras sugeriram duas professoras: uma professora para falar pomerano e outra para falar português. O bilingüismo foi apresentado como proposta de trabalho pela maioria das famílias entrevistadas. Porém, foi só a partir de fevereiro de 2005 que o PROEPO consolidou-se. Por iniciativa de novos administradores de Santa Maria de Jetibá, o debate foi retomado junto com os demais municípiosenvolvidos e resultou na contratação do etnolinguista Ismael Tressmann como assessor de educação pomerana, responsável de ministrar curso de formação em serviço para os professores dos cinco municípios que adotaram um programa específico de educação nas comunidades pomerana. Objetivou-se instituir o bilinguismo nas escolas a partir de ações do poder público local. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03450 A adesão dos professores nesse projeto vem sendo crescente, porém sempre de forma voluntária. Para participar do PROEPO exige-se que o professor seja falante da língua pomerana, uma vez que um dos objetivos é também promover o ensino da escrita do pomerano. Utiliza-se como material de apoio um dicionário pomerano/português elaborado pelo assessor do PROEPO e publicado em parceria com a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo - SEDU (Tressmann: 2006a). Em 2007, o projeto foi transformado em programa por se acreditar que esse seria um trabalho permanente e consistente. A criação deste programa concretizou-se através de parcerias interinstitucionais, fortalecendo formas antigas de organização social nas comunidades tradicionais pomeranas e práticas culturais diversas. Referem-se a práticas comunitárias identificadas entre os pomeranos já na época da imigração, mantendo-se até os dias atuais. O sentimento coletivo pode ser observado em narrativas de memórias. Ainda hoje, como nos primeiros tempos de formação das comunidades locais, quando esse povo tradicional se organizava em mutirões para realizar festas comunitárias, religiosas e casamentos, construção de casas, abertura de estradas, etc. As pesquisas de Ismael Tressmann recuperam narrativas populares, contadas de geração em geração; registram-se receitas da culinária pomerana (sopa de pêssego, sopa de frango com aipim, pão de banana etc.), tradições do casamento pomerano (Tressmann: 2006b). Filmes e documentários (9) sobre a cultura pomerana retratam eventos comunitários e em contextos familiares de um povo tradicional, alegre, participativo, solidário e interessado no trabalho coletivo. Os pomeranos, independente da faixa etária ou do gênero de cada pessoa, participam ativamente da organização do processo produtivo na da agricultura familiar agroecológica, integram-se aos momentos em que promovem trabalho coletivo para construir pontes, estradas, casas, organizar festas comunitárias, casamentos etc. até os dias atuais. O trabalho em mutirão é referência para o cultivo de uma forma tradicional peculiar do modo de se viver em comunidade. É uma tradição trazida da antiga Pomerânia e aqui, no contato e diálogo com outras culturas de povos tradicionais em seus respectivos territórios (indígenas, quilombolas, caiçaras, extrativistas, pescadores etc.), ressignifica- se e abre possibilidades de produzir outras culturas, apesar de manter muitos dos traços originais dos tempos ancestrais dessas práticas. Este encontro de culturas produz modos de se viver que podem ser definidos como práticas interculturais. Para Fornet-Betancourt (2001) a interculturalidade caracteriza como alternativa de lutas coletivas produzidas em contextos específicos por sujeitos Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03451 excluídos, quando se articulam para a conquista de direitos sociais. Os grupos se organizam e passam a lutar por condições dignas de vida para todos (educação, saúde, moradia, direito à terra etc.). Para Gramsci (1978), conforme dicute Semeraro (2006 e 2009), os sujeitos no mundo capitalista, considerada a correlação de forças entre os que detêm o processo produtivo (classe dirigente) e aqueles que vendem sua força de trabalho (os trabalhadores), produzem formas de ideologias que garantem a hegemonia daqueles que estão no comando. A interculturalidade é compreendida como alternativa de resistência dos povos tradicionais face ao projeto de desenvolvimento e de progresso do capital, que se institui a partir do agronegócio, do latifúndio, da industrialização etc. Paulo Freire (1970 e 1996) e Bakhtin (1991) falam-nos das práticas culturais como possibilidades de diálogo entre sujeitos que articulam esforços coletivos e desse modo produzem libertação de dominados e dominadores. Segundo Semeraro (Op. cit.) a emancipação humana pressupõe crítica ao capital internacional e ruptura com as desigualdades sociais por ele produzidas. Interculturalidade, portanto, é luta por direitos sociais dos oprimidos, como forma de resistência ao projeto hegemônico de progresso da elite. Por isso se define essencialmente como diálogo libertador, pelo qual opressor e oprimido se emancipam e superam as desigualdades sociais. Assim podemos dizer que o povo pomerano produz interculturalidade ao fortalecer lutas coletivas juntamente com outros povos tradicionais, o que se traduz, por exemplo, nas agendas específicas deste grupo social (e o PROEPO é uma causa apoiada pelos coletivos dos pomeranos) e/ou nas pautas discutidas e encaminhadas na Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6040/2007). São práticas de resistência e por isso mesmo também ações articuladas de libertação. A conquista de direitos sociais pelos excluídos é, portanto, mola propulsora da interculturalidade no cenário da América Latina. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os indivíduos do povo pomerano por muito tempo se consideraram e foram chamados pelos outros como alemães. Havia, porém, muito preconceito em relação à cultura pomerana, considerada inferior aos costumes dos alemães (Tressmann: 2005; Thum: 2009; Bahia: 2011; Siller: 1999). Hoje se produzem reconhecimentos acadêmicos com pesquisas sobre a cultura e língua pomeranas. Uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua, a exemplo do que ocorreu e continua muito Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03452 presente no Brasil em relação aos povos indígenas. Esse é o modo eficaz, apesar de se constituir um processo lento, de um grupo dominante impor sua cultura a outro grupo não hegemônico. De certa maneira, a nacionalização do ensino no Brasil cumpriu este papel em relação aos povos de cultura germânica no século passado. No ano de 1530, a Reforma Luterana é introduzida na Pomerânia (Röelke, 1996), assim, a língua alemã foi imposta e estabelecida nas igrejas, escolas e repartições públicas da Pomerânia. Depois da imigração do pomeranos, os pastores luteranos enviados para as comunidades realizavam os cultos nas igrejas e ministravam aulas nas primeiras escolas também na língua alemã. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a nacionalização do ensino, a política de Getúlio Vargas instituiu a proibição da língua alemã, tornando obrigatório somente o uso nas comunidades e nas escolas da Língua Portuguesa. Porém, mesmo à margem do projeto cultural hegemônico no país, os praticantes da língua pomerana falada, por inúmeras vezes, optaram por estratégias de transgressão ideológica e recusa à opressão das classes dominantes. Assim mantiveram sua língua materna em diferentes contextos sociais, longe do controle do poder oficial (lar, trabalho na lavoura, mutirões, festas comunitárias, casamentos etc.). A resistência dos pomeranos indica uma postura de luta pelos direitos sociais na perspectiva das práticas iterculturais, da mesma forma que outros povos tradicionais o fizeram e continuam fazendo no cenário brasileiro e da América Latina. Hoje os pomeranos se fortalecem no contato mais direto com outros povos tradicionais, como, entre outros, os indígenas e quilombolas, ribeirinhos, o que coloca para a universidade o desafiode aprofundamento de estudos na perspectiva intercultural, no esforço de se interpretar aspectos da língua e culturas do povo tradicional pomerano no Brasil. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS BAHIA, Joana. O tiro da bruxa; identidade, magia e religião na imigração alemã. Rio de Janeiro: Gramond/FAPERJ, 2011. BRASIL. Decreto Federal nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6040.htm Acesso em 25 de julho de 2013. COSMO, Marciane. Ser pomerana: história que desvelam a memória, a experiência e os sentidos de ser professora. Vitória: PPGE/UFES (dissertação de mestrado), 2014. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03453 DELBONE, J. H. B. 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Bate-paus. Documentário Revelandobrasis, 2005 ______. População pomerana no Estado do Espírito Santo – Brasil. Vila Pavão – ES: Secretaria Municiapl de Cultura, 2012. KRÜGER, Vanildo. "Pomeranos, a Trajetória de Um Povo". Filme. Santa Maria de Jetibá, ES, 2009. Disponível em: www.youtube.com MERLER, Alberto et al. Educação do campo: Diálogos interculturais em terras capixabas. Vitória: EDUFES, 2013. MIAN, Bernadete Gomes. Educação de filhos de imigrantes alemães no Espírito Santo: um processo pouco explorado. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1993. NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: E.P.U. –Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1974. RAMLOW, Leonardo. Conflitos no processo de ensino-aprendizagem escolar de crianças de origem pomerana: diagnóstico e perspectiva. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004. RÖELKE, Helmar Reinhard. Descobrindo raízes: aspectos geográficos e culturais da Pomerânia. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural, 1996. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03454 SÁ, Ricardo e FOERSTE, Erineu. A estrada silvestre. Documentário. Vitória – ES, 2010. SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os novos embates da filosofia da práxis. Aparecida/SP: Ideias e Letras, 2006. ______. Libertação e hegemonia; realizar a América Latina pelos movimentos populares. Aparecida/SP: Ideias e Letras, 2009. SILLER, Rosali Rauta. A constituição da subjetividade no cotidiano da Educação Infantil. Dissertação, (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1999. THUM, Carmo. Educação, história e memória: silêncios e reinvenções pomeranas na Serra dos Tapes. São Leopoldo: UNISINOS (tese de doutorado em educação), 2009. ______. Ethos pomerano. In.: Anais do III POMMER BR. 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NOTAS: (*)Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo. (1) O Decreto Federal nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007 institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Foi criada uma comissão nacional de povos tradicionais em que os pomeranos têm assento. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03455 (2) A primeira colônia de imigrantes germânicos estabelece-se em Santa Isabel, Domingos Martins no Estado do Espírito Santo. (3) Fonte: Acervo Família Foerste; Autor Emílio Schultz (Pancas); Data 1942. (4) A assim chamada Era Getúlio Vargas da história do governo brasileiro inicia-se em 1930 com a eleição democrática do caudilho legado pelo Estado do Rio Grande do Sul e termina com o seu suicídio em 1945. (5) O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE não incluiu ainda no censo nacional questões específicas sobre o povo pomerano, a exemplo do que já vem sendo feito oficialmete no caso dos indígenas e quilombolas (6) População Pomerana do Estado do Espírito Santo - Brasil - estimado MUNICÍPIOS POPULAÇÃO (IBGE\2010) PERCENTUAL ESTIMATIVA POMERANOS 1 - Santa Maria de Jetibá 34.774 80% 27.819 2 - Laranja da Terra 10.826 70% 7.578 3 - Vila Pavão 8.672 60% 5.203 4 - Domingos Martins 31.847 60% 19.108 5 - Pancas 21.548 40% 8.619 6 - Afonso Cláudio 31.091 60% 18.654 7 - Baixo Guandú 29.081 40% 11.632 8 – Itaguaçu 14.134 40% 5.653 9 – Itarana 10.881 50% 5.440 10 - Vila Valério 21.823 30% 6.546 11 - São Gabriel da Palha 31.859 10% 3.186 12 – Colatina 111.788 5% 5.589 13 - Marechal Floriano 14.262 30% 4.278 14 - outros Municípios 16.000 Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03456 Quadro: População Pomerana do Estado do Espírito Santo - Brasil (dados aproximados) (7) Sobre o conceito de língua pomerana consultar: Tressmann (2005) e Tressmann et al (2009). (8) Consultar as homepage: www.ufes.br e www.ppge.ufes.br (9) Ver filmes e documentários sobre os pomeranos: Jacob (2005) – Bate-paus; Krüger (2009) – A trajetória de um povo; Sá e Foerste (2010) – A estrada silvestre; entre outros. TOTAL 145.309 Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03457
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