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1 MATERIAL DIDÁTICO EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 3.445 DO DIA 19/11/2003 Impressão e Editoração 0800 283 8380 www.portalprominas.com.br 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 03 UNIDADE 1 – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................................... 06 1.1 Teoria dos direitos fundamentais ........................................................................ 06 1.2 As declarações universais dos direitos e os tratados internacionais ................... 09 1.3 As dimensões/gerações dos direitos fundamentais ............................................ 16 UNIDADE 2 – PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH) ................................................................................................................... 22 2.1 Contextualização histórico-política e justificativas ao plano ................................ 22 2.2 As dimensões da educação em direitos humanos .............................................. 26 2.3 Objetivos gerais da PNEDH ................................................................................ 28 UNIDADE 3 – PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS ................................................................................................................ 30 3.1 Na Educação Básica ........................................................................................... 30 3.2 Na educação Superior ......................................................................................... 33 3.3 Na educação não-formal ..................................................................................... 36 UNIDADE 4 – METODOLOGIAS DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS ...... 39 UNIDADE 5 – ÉTICA, CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA E CIDADANIA - EIXOS TEMÁTICOS PARA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ............................................ 43 5.1 Ética .................................................................................................................... 44 5.2 Convivência democrática .................................................................................... 46 5.3 Cidadania ............................................................................................................ 47 UNIDADE 6 – OS DIREITOS DAS MINORIAS ÉTNICAS E RACIAIS ..................... 50 UNIDADE 7 – POLÍTICAS DE RECONHECIMENTO/AÇÕES AFIRMATIVAS ........ 54 7.1 Política de reconhecimento ................................................................................. 54 7.2 Educação étnico-racial reconhecida como política pública ................................. 56 7.3 Ações afirmativas e a SEPPIR ............................................................................ 58 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64 3 INTRODUÇÃO Em 1997, Arendt já ponderava que globalização, políticas neoliberais, segurança global, eram realidades que estavam acentuando a exclusão, em suas diferentes formas e manifestações. Evidentemente não afetam, igualmente, a todos os grupos sociais e culturais, nem a todos os países e, dentro de cada país, às diferentes regiões e pessoas. São os considerados “diferentes”, aqueles que, por suas características sociais e/ou étnicas, por serem pessoas com “necessidades especiais”, por não se adequarem a uma sociedade cada vez mais marcada pela competitividade e pela lógica do mercado, os “perdedores”, os “descartáveis”, que vêm, a cada dia, negado o seu “direito a ter direitos”. Entretanto, bem antes, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) já havia desencadeado um processo de mudança no comportamento social e a produção de instrumentos e mecanismos internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao ordenamento jurídico dos países signatários. Esse processo resultou na base dos atuais sistemas global e regionais de produção dos direitos humanos (PNEDH, 2007). Concordamos com Candau (2007) ao inferir que a Educação em Direitos Humanos ainda é um desafio fundamental, principalmente no sentido de avançar em sintonia com sua paixão fundante: seu compromisso histórico com uma mudança estrutural que viabilize uma sociedade inclusiva e a centralidade dos setores populares nesta busca. Estas opções constituíram – e acreditamos que continuam sendo – a fonte de sua energia ética e política. Este módulo que busca refletir, discutir, analisar, conhecer os objetivos da Educação em Direitos Humanos tem suas bases teóricas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e em três dimensões que são indispensáveis para o desenvolvimento dessa educação e para a cidadania democrática, a saber: a dimensão intelectual e a informação, pois o início da formação do cidadão começa por informá-lo e introduzi-lo nas diferentes áreas do conhecimento. A falta ou insuficiência de informações reforça as 4 desigualdades, fomenta injustiças e pode levar a uma verdadeira segregação. No Brasil, aqueles que não têm acesso ao ensino, à informação e às diversas expressões da cultura “lato sensu”, são, justamente, os mais marginalizados e “excluídos”; a dimensão ética, vinculada a uma didática dos valores republicanos e democráticos, que não se aprendem intelectualmente apenas, mas especialmente através da consciência ética, formada tanto por sentimentos quanto pela razão; fruto da conquista de corações e mentes; a dimensão política, desde a escola de educação infantil e ensino fundamental, no sentido de enraizar hábitos de tolerância diante do diferente ou divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum. Pois bem, nosso caminho passa necessariamente por uma introdução aos direitos fundamentais, a evolução das declarações e dos tratados internacionais, as dimensões/gerações desses direitos. Num segundo momento, veremos justamente o PNEDH, seus objetivos, os princípios norteadores e discorreremos sobre metodologias de Educação em Direitos Humanos. Não poderíamos deixar de fora os eixos que sustentam a cidadania, quais sejam, a ética, a convivência democrática e a própria cidadania; nem mesmo discorrer sobre os direitos das minorias étnicas e raciais, bem como ressaltar a importância das políticas de reconhecimento e ações afirmativas. Não só para aqueles que enveredam pela seara da educação, mas principalmente eles, é preciso sempre buscar caminhos que afirmem uma cultura de direitos humanos, que penetre todas as práticas sociais e seja capaz de favorecer processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sociocultural, de modo especial os direitos sociais e econômicos, com o reconhecimento dos direitos à diferença. Antes de iniciarmos nossas reflexões vamos a duas observações que se fazem necessárias: 5 Em primeiro lugar, sabemos que a escrita acadêmica tem como premissa ser científica, ou seja, baseada em normas e padrões da academia. Pedimos licença para fugir um pouco às regras com o objetivo de nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicas. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores,incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos. 6 UNIDADE 1 – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1 Teoria dos direitos fundamentais Definir conceitos e esclarecer confusões que se fazem entre os direitos fundamentais e os direitos humanos é o primeiro passo para a construção do nosso pensamento que pretende chegar à Educação em Direitos Humanos e aos direitos das minorias étnico-raciais. Grosso modo, os direitos do homem são os direitos naturais, intrínsecos ao homem e reconhecidos em documentos internacionais, já os direitos fundamentais tem a marca da positivação, isto é, é um direito reconhecido pelo sistema. Bulos (s.d. apud ABREU, 2010) afirma que os direitos humanos além de fundamentais são inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado. Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade, fraternidade e liberdade entre os homens. Homens não no sentido de sexo masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os direitos fundamentais do homem, nascem, morrem e extinguem-se. Não são obra da natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fato social cambiante. A expressão “direitos fundamentais” é empregada principalmente pelos autores alemães, na esteira da Constituição de Bonn, que dedicava o capítulo inicial aos Grundrechte, ou seja, exatamente direitos fundamentais (TORRES, 2006). Até a Emenda Constitucional nº 1/1969, o Brasil adotada a expressão “direitos individuais”, conforme se infere do seu artigo 153 (Capítulo IV – Dos Direitos e Garantias Individuais), como sinônimo da moderna denominação de “direitos fundamentais”. Naquela época vingava a influência dos albores do liberalismo, e a sua visão eminentemente individualista, que não distinguia as liberdades coletivas e não conhecia a definição de pessoa. 7 Lorenzetti (1998, p. 151) afirma que a expressão “direitos fundamentais” é a mais apropriada porque não exclui outros sujeitos que não sejam o homem e também porque se refere àqueles direitos que são fundantes do ordenamento jurídico e evita uma generalização prejudicial. Sarlet (2007, p. 36) apresenta um traço de distinção, ainda que de cunho predominantemente didático, entre as expressões “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, sendo a primeira de cunho jusnaturalista, ainda não positivados; a segunda relacionado à positivação no direito internacional; e, a terceira, como direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado. Segundo o doutrinador Pérez-Luño (1998 apud BELLINHO, 2010), os direitos fundamentais e os direitos humanos não se diferem apenas pelas suas abrangências geográficas, mas também pelo grau de concretização positiva que possuem, ou seja, pelo grau de concretização normativa. Os direitos fundamentais estão duplamente positivados, pois atuam no âmbito interno e no âmbito externo, possuindo maior grau de concretização positiva, enquanto que os direitos humanos estão positivados apenas no âmbito externo, caracterizando um menor grau de concretização positiva. Minardi (2008) afirma que o direito fundamental decorre de um processo legislativo interno de um determinado país, que eleva à positivação, sendo então um direito outorgado e/ou reconhecido. Já os direitos humanos possuem caráter supralegal, desvinculados a qualquer legislação escrita ou tratado internacional, pois preexiste a eles. Guerra (2007, p. 265) explica que a partir da Declaração dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948, confirmou-se a ideia de que os direitos humanos extrapolam o domínio reservado dos Estados, invalidando o recurso abusivo ao conceito de soberania para encobrir violações, ou seja, os direitos humanos não são mais matéria exclusiva das jurisdições nacionais. Assim sendo, a positivação dos direitos humanos, dando origem aos direitos fundamentais, é a nítida amostra da consciência de um determinado povo de que certos direitos do homem são de tal relevância que o seu desrespeito 8 inviabilizaria a sua própria existência do Estado. Aliás, ninguém mais nega, hoje, que a vigência de direitos humanos independe do seu reconhecimento constitucional, ou seja, de sua consagração no direito positivo estatal como direitos fundamentais (COMPARATO, 2003, p. 136). No Brasil, os direitos fundamentais estão preconizados no Título II da CRFB/88, sendo que o constituinte considerou ilegítima qualquer proposta tendente a aboli-los, artigo 60, § 4º, IV da Constituição (as chamadas cláusulas pétreas) (MINARDI, 2008). Os direitos fundamentais se aplicam tanto às pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas. Na primeira situação são titulares: a) brasileiros natos; b) brasileiros naturalizados; c) estrangeiros residentes no Brasil; d) estrangeiros em trânsito pelo território nacional; e) qualquer pessoa que seja alcançada pela lei brasileira (pelo ordenamento jurídico brasileiro). É preciso, porém, fazer uma ressalva: existem determinados direitos fundamentais cuja titularidade é restringida pelo próprio Poder Constituinte. Por exemplo: existem direitos que se direcionam apenas a quem esteja pelo menos em trânsito pelo território nacional (garantias contra a prisão arbitrária); outros direcionam-se apenas aos brasileiros, sejam natos ou naturalizados (direito à nacionalidade, direitos políticos); e, outros são destinados apenas aos brasileiros natos (direito à não extradição, direito de ocupar determinados cargos públicos). Pode-se dizer que existe, então, uma verdadeira gradação na ordem enumerada anteriormente: os brasileiros natos possuem mais direitos que os brasileiros naturalizados que possuem mais direitos que os estrangeiros residentes, entre outros. (CAVALCANTE FILHO, 2010). 9 Os direitos fundamentais também se aplicam às pessoas jurídicas (inclusive as de Direito Público), desde que sejam compatíveis com a natureza delas. Por exemplo, pessoas jurídicas têm direito ao devido processo legal, mas não à liberdade de locomoção, ou à integridade física. A doutrina reluta em atribuir às pessoas jurídicas (empresas, associações, entre outras) direito à vida; com razão, prefere-se falar em “direito à existência”. Todavia, em concursos públicos, o CESPE / UnB (ver STJ / Técnico Judiciário / Área Administrativa / 2004) já deu como correta questão que afirmava terem as pessoas jurídicas direito à vida. Por outro lado, é pacífico que pessoas jurídicas não possuem direito à liberdade de locomoção. Justamente por isso é que em favor delas não se pode impetrar habeas corpus (pois esse é um remédio constitucional que protege apenas a liberdade de locomoção: art. 5º, LXVIII) (CAVALCANTE FILHO, 2010). A jurisprudência considera que as pessoas jurídicas (empresas, associações, partidos políticos, entre outros) podem pleitear indenização por danos morais: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (STJ, Súmula nº 227)1. Concordamos que as nuances jurídicas fogem um pouco ao propósito do curso, mas conhecimento sempre é bem vindo, por isso justificamos essa alocação de questões pertinentes ao ramo do Direito. 1.2 As declarações universais dos direitos e os tratadosinternacionais Segundo Campos (2008), os direitos humanos nasceram da necessidade dos cidadãos em serem titulares de certos direitos em relação a seu Estado soberano e, posteriormente, em relação à sociedade internacional. Desenvolveram-se sempre com as necessidades impostas pelos indivíduos em determinadas épocas com o intuito de resguarda a dignidade humana, concebida como fundamento dos direitos humanos. 1 Questão de concurso: Cespe/TRE-MT/Técnico/2010: “O dano moral, que atinge a esfera íntima da vítima, agredindo seus valores, humilhando e causando dor, não recai sobre pessoa jurídica”. 10 Existe uma gama de autores (como Fábio Konder Comparato, João Baptista Herkenhoff, dentre outros defensores de que o fato de não existirem freios ao Poder, não quer dizer que não existiram as ideias) que sustentam que os direitos fundamentais perfazem um longo caminho histórico, tendo posições que acreditam ser de meados de 2000 a.C., as primeiras manifestações, no direito da Babilônia, outras posições os reconhecem na Grécia Antiga e na Roma Republicana. Estas opiniões carecem de fundamentos históricos. Sarlet (2007, p. 33) entende como pacífico que os direitos fundamentais não surgiram na antiguidade, porém é notória a influência do mundo antigo nos direitos fundamentais por meio da religião e da filosofia, que colaboraram na concepção jusnaturalista de que o ser humano, pelo simples fato de existir, já é detentor de direitos fundamentais; esta fase costuma ser denominada pela doutrina como “pré-história” dos direitos fundamentais. O Código de Hamurabi, primeiro que se têm notícias, defendia a vida e o direito de propriedade, e contemplava a honra, a dignidade, a família e a supremacia das leis em relação aos governantes. Esse código contém dispositivos que continuam aceitos até hoje, tais como a Teoria da Imprevisão, que fundava-se no princípio de talião: olho por olho, dente por dente. Depois deste primeiro código, instituições sociais (religião e a democracia) contribuíram para humanizar os sistemas legais (SILVA, 2006). Loewenstein (s.d apud CAVALCANTE FILHO, 2010) considera que a primeira Constituição teria surgido ainda na sociedade hebraica, com a instituição da “Lei de Deus” (Torah). O autor alemão aponta que, já naquele Estado Teocrático, a “Lei de Deus” limitava o poder dos governantes (chamados, naquela época, de “Juízes”). Igual posição é entendida por Tavares (2010, p. 5) ao inferir que “na antiguidade, os hebreus já possuíam um Estado teocrático limitado pela Torah. Os Juízes (como eram chamados os governantes) tinham que seguir as disposições da Torah (Lei de Deus). É nesse sentido que o autor alemão vê, nesse caso, um prelúdio do Constitucionalismo”. Na Grécia, já se fazia a distinção entre as normas fundamentais da sociedade (nomoi) e as meras regras (psefismata). Naquela civilização, a 11 modificação de psefismata poderia ser feita de forma mais simples do que a alteração das normas fundamentais (nomos). Guardadas as devidas proporções, seriam institutos parecidos com a lei ordinária e as emendas constitucionais, atualmente. Também podemos citar, na Antiguidade, a Lei das XII Tábuas, aprovada em Roma, assegurando direitos conquistados pelos plebeus, fixados em leis escritas. Pérez Luño (1995 apud SARLET, 2007) chama de antecedentes dos direitos fundamentais, os documentos que, de alguma forma, colaboraram para a elaboração das primeiras ideias dos direitos humanos presentes nas declarações do século XVIII, talvez o principal documento a ser referenciado seja a Magna Charta Libertatum, assinada na Inglaterra, em 1215, pelo Rei João Sem-Terra. Cabe ressaltar que esse pacto não passou de mero referencial para as futuras elaborações dos direitos humanos, pois, neste pacto, apenas os nobres receberam prerrogativas, deixando a população em segundo plano, ou seja, na verdade, foi um documento imposto ao Rei pelos barões feudais ingleses. Já Carl Schmitt (1928 apud CAVALCANTE FILHO, 2010) defende que a Magna Charta não pode ser considerada a primeira Constituição, pois não era direcionada para todos, mas apenas para a elite formada por barões feudais. Dessa forma, a primeira Constituição propriamente dita seria o Bill of Rights (Inglaterra, 1688/1689), que previa direitos para todos os cidadãos, e não apenas uma classe deles. Assim, em pleno século XVIII, que se pode encontrar a primeira aparição de reais direitos fundamentais, apesar do dissídio levantado Sarlet (2007) diante da “paternidade” dos direitos fundamentais, que seria disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Virgínea, de 1776, a Constituição Americana de 1787 (primeira constituição escrita) e a Declaração Francesa, de 1789, estas declarações seriam os primeiros documentos a representar os direitos fundamentais. Já para Bonavides (2007), é neste sentido que a Revolução Francesa, fixando direitos civis e políticos para que gradativamente fossem alcançados os princípios universais do lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, fora a grande 12 precursora dos direitos fundamentais caracterizados através da posição de resistência ou de oposição frente ao Estado. Para Nicolao (2010), não tem sustentação defender a existência de direitos fundamentais antes mesmo da existência de um estado social. Percebe- se que apenas com a promulgação das declarações, pode-se identificar a presença do que seria o início dos direitos fundamentais. Cavalcante Filho (2010) também entende que há várias correntes que divergem, sobre quando teria se manifestado pela primeira vez a limitação do poder do Estado por meio de uma Constituição ou de algo a ela assemelhado. Atualmente, o movimento constitucionalista passou a lutar por vários outros objetivos (democracia efetiva, desenvolvimento econômico e ambiental, entre outros). Mas, mesmo assim, não perdeu de vista a defesa dos direitos fundamentais, que continua sendo uma de suas matérias básicas. Para refletirmos a respeito da incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no ordenamento brasileiro, à luz da Constituição Federal de 1988 e após a Emenda Constitucional nº 45/04, vamos entender o significado de um tratado. Rezek (1996, p. 14) define tratado como “[...] todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. Siqueira Júnior (2003, p. 9) diz que há uma variedade de denominações para os tratados: convenção, ato, protocolo, convênio, ajuste e acordo. Tratados e Convenções são expressões sinônimas. Acordo, convênio, ajuste, arranjo são atos internacionais de maior ou menor alcance, tanto de caráter bilateral, como de caráter multilateral. Os tratados internacionais, na definição de Bastos (1994, p. 216) [...] são acordos formais, eis que, à moda do que acontece com os contratos no direito interno, demandam eles uma concordância de vontades, o que os distingue do ato jurídico unilateral. 13 O tratado internacional é um instrumento formal, não é admitida a oralidade, assim consta da Convenção de Havana sobre Tratados, de 1928, em seu artigo 2º, que “É condição essencial nos tratados a forma escrita”. A Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, concluída em maio de 1969, considerada a “Lei dos Tratados”, pois se constitui em importante instrumento no caminho da codificação do direito internacional público, mas que só entrou em vigor em 27 de janeiro de 1980, também mantêm a exigência da forma escrita para os tratados – ao dizer em seu artigo 2º, 1, a) que: [...] Tratadodesigna um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular (LEITE, 2005). Pois bem, vamos então ao alcance do § 2º do art. 5º da nossa Constituição Federal de 1988, ou seja, vamos discorrer sobre as várias classificações dos direitos fundamentais inseridos neste artigo. Siqueira Júnior (2003) classifica os direitos fundamentais em dois grupos distintos: a) Direitos imediatos – são os direitos e garantias expressos de forma direta na Constituição (art. 5º, I a LXXVII); são explícitos na medida em que estão claramente enumerados no texto constitucional. b) Direitos mediatos – são os direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios constitucionais, direitos implícitos, e os expressos em tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Isto é, são implícitos na medida em que não estão enumerados no texto constitucional; como o próprio nome designa surgem de forma mediata, pois decorrem do regime e dos princípios da República Federativa do Brasil, bem como dos direitos expressos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Nesse sentido concorda Araújo (2009) ao dizer que existem Direitos Fundamentais previstos na Constituição Federal, direitos materialmente fundamentais que estão fora daquele elenco. A fundamentalidade decorre da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana e, em vista 14 da sua importância, não podem ser deixadas à disposição discricionária do legislador ordinário. É possível, a partir do próprio catálogo dos direitos fundamentais e de seus princípios elementares constantes do texto constitucional, deduzir a existência de outros, a exemplo do que ocorreu com a redação do § 36 do art. 153 da Carta de 1969. Todavia, para Mello (1999), o § 2º do art. 5º da Constituição Federal não apenas empresta hierarquia constitucional aos tratados de proteção dos direitos humanos, mas, além disso, faz com que a norma internacional prevaleça sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma Constituição posterior tente revogar uma norma internacional constitucionalizada, cuja grande vantagem é a de evitar que o Supremo Tribunal Federal venha a julgar a constitucionalidade dos tratados internacionais. Essa é, segundo Leite (2005), uma visão extremamente radical. Os partidários dessa teoria defendem a supremacia do tratado internacional frente à Constituição, é a teoria da internacionalização do direito constitucional. Essa não é a corrente majoritária. Ferreira Filho (1993), referindo-se ao § 2º, do artigo 5º, da Constituição, afirma que esse dispositivo significa simplesmente que a Constituição brasileira, ao enumerar os direitos fundamentais, não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros, decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece. A técnica da cláusula aberta em relação aos Direitos Fundamentais deriva da IX Emenda da Carta Norte-americana, que diz que a enumeração de alguns direitos na Constituição Federal não pode ser interpretada no sentido de excluir ou enfraquecer outros direitos que o povo tenha. Parte da doutrina inclusive argumenta que o § 2º do art. 5º da Carta de 1988 confere status constitucional aos tratados sobre direitos humanos. Em relação ao § 1º do art. 5º, que estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais são autoaplicáveis, diz-se, obviamente, que elas são aplicáveis até onde possam, até o limite em que as instituições e os institutos propiciem condições para o seu atendimento. O judiciário, sendo chamado para resolver pretensão concreta nelas garantida, não pode deixar 15 simplesmente de aplicá-las ou de levá-las em linha de consideração em sua fundamentação e argumentação, mas segundo o direito posto existente (ARAÚJO, 2009). Outra cláusula de suma importância no art. 5º da CF é aquela visível no preceito do § 2º segundo a qual os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adorados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Tal preceito revela a conhecida “norma de encerramento”, que institui as liberdades residuais, inominadas, implícitas ou decorrentes, as quais, a despeito de não enunciadas ou específicas na Carta, resultam do regime e dos princípios que ela adota. O rol é apenas exemplificativo, não se admitindo no plano dos direitos fundamentais qualquer exegese que suprima, restrinja ou neutralize outros direitos e garantias que, embora não especificados, são titularizados pelo ser humano. O objetivo da cláusula constitucional é inibir ações, atentados ou abusos do Estado contra as liberdades públicas (ARAÚJO, 2009). Por fim, a EC nº 45, acrescentou o § 3º ao art. 5º, da CF/88. Esse dispositivo estabelece a possibilidade de os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, terem status de emenda constitucional, desde que obedecidos dois requisitos: o conteúdo do tratado ou convenção ser sobre direitos humanos e a sua deliberação parlamentar obedeça aos limites formais estabelecidos para a edição das emendas constitucionais, quais sejam, deliberação em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, só sendo aprovado se obtiver três quintos dos votos dos respectivos membros parlamentares. Essa Emenda veio por fim à discussão doutrinária interminável sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento pátrio, pois agora, efetivamente, poderá os tratados sobre direitos humanos virem a ter status constitucional, mas somente se preenchidos os requisitos do § 3º, do art. 5º (LEITE, 2005). 16 1.3 As dimensões/gerações dos direitos fundamentais A multiplicidade de funções dos Direitos Fundamentais leva a que a sua própria estrutura não seja unívoca e propicie algumas classificações úteis para a compreensão do conteúdo e da eficácia de cada um deles. Uma sistematização clássica é a dos quatro status (Jellinek), bem como a que classifica os Direitos Fundamentais em direitos de defesa e direitos à prestação. Sob outro ângulo, no estudo das funções dos Direitos Fundamentais devem ser analisadas suas dimensões subjetiva e objetiva. Souza (2006) e Araújo (2009) são alguns dos estudiosos que trabalharam sobre a teoria de Jellinek, a qual pressupõe que o indivíduo pode encontrar-se de quatro modos, diante do Estado, disso derivando direitos e deveres diferenciados. O status subjectionis ou status passivo revela a posição de subordinação, onde o indivíduo se obriga em face do Estado, tendo este competência para vincular comportamentos por meio de mandamentos e proibições (ARAÚJO, 2009). O status passivo é a posição de subordinação aos poderes públicos, caracterizando-se como detentor de deveres para com o Estado, tendo competência para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições (SOUZA, 2006). Ocorre o status negativo quando o ter personalidade exige o desfrute de um espaço de liberdade com relação às ingerências do Poder Público. O homem deve gozar de algum âmbito de ação desvencilhado do império do Estado, posto que a autoridade é exercida sobre homens livres (ARAÚJO, 2009). [...] faz-se necessário que o Estado não se intrometa na autodeterminação do indivíduo (SOUZA, 2006). Verifica-se o status civitatis no direito de exigirdo Estado uma atuação positiva, preordenada à realização de uma prestação. Aqui, o indivíduo se vê com a capacidade de pretender que o Estado atue em seu favor (ARAÚJO, 2009; SOUZA, 2006). 17 Por fim, no status ativo, o indivíduo desfruta de competência para influir sobre a formação da vontade do Estado (ex.: voto), como nos direitos políticos. Tomando como base a teoria dos quatro status, depuram-se os três grupos de Direitos Fundamentais mais destacados, quais sejam, os direitos de defesa (direitos de liberdade), os direitos a prestações (direitos cívicos) e os direitos de participação (observe que o status subjectionis identifica deveres do indivíduo). Quando a dimensão subjetiva dos Direitos Fundamentais está mais ligada a suas origens históricas e às suas finalidades mais elementares e corresponde a uma pretensão a que se adote um dado comportamento ou no poder de produzir efeitos sobre certas relações jurídicas. Nessa perspectiva, os Direitos Fundamentais correspondem à exigência de uma ação negativa (ex.: liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem. Do mesmo modo, correspondem à competência, isto é, ao poder de modificar determinadas posições jurídicas. A dimensão objetiva resulta do significado dos Direitos Fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. Os Direitos Fundamentais participam da essência do Estado democrático de direito, operando como limite do poder, bem como diretriz para sua ação. As Constituições de feição democrática assumem um sistema de valores que os Direitos Fundamentais revelam e positivam. Tal fenômeno faz com que eles influam sobre todo ordenamento jurídico (ARAÚJO, 2009). Tal dimensão faz com que os direitos fundamentais transcendam à perspectiva da garantia de posições individuais para atingir a estatura de normas que traduzem os valores básicos da sociedade política, fazendo sua expansão para todo o direito positivo. Constituindo, dessa forma, a base do ordenamento jurídico do Estado democrático, é possível afirmar que a dimensão objetiva dos Direitos Fundamentais transporta-os para além da perspectiva individualista, como um valor em si, a ser preservado e fomentado. 18 A perspectiva objetiva legitima inclusive restrições aos Direitos Subjetivos individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos Direitos Fundamentais em benefício de seus próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos. Mais uma consequência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está em atrair um dever de proteção pelo Estado contra agressões dos próprios poderes públicos, de particulares ou de outros Estados (dever de proteção), cobrando adoção de providências materiais ou jurídicas, de resguardo dos bens protegidos, corroborando a assertiva segundo a qual a dimensão objetiva interfere na dimensão subjetiva, atribuindo-lhe reforço de efetividade. O propósito de reforço de posições jurídicas fundamentais pode exigir a elaboração de regulamentações restritivas de liberdades. Respeita-se a liberdade de conformação do legislador, a quem se reconhece certo grau de discricionariedade na opção normativa tida como mais oportuna para a proteção dos direitos fundamentais. Caberá, então, aos órgãos políticos, indicar qual a medida a ser adotada para proteger os bens jurídicos abrigados pelas normas definidoras dos direitos fundamentais. A dimensão objetiva cria um direito à prestação associado ao direito de defesa e esse direito à prestação há de se sujeitar à liberdade de conformação dos órgãos políticos e aos limites da reserva do possível (ARAÚJO, 2009). Parte da doutrina alude à necessidade de o Estado agir em defesa dos Direitos Fundamentais com um mínimo de eficácia, não se podendo exigir afastamento absoluto da ameaça que se procura prevenir. Se é possível visualizar um dever de agir do Estado, não é razoável impor-lhe o como agir. Uma pretensão individual somente poderá ser acolhida nos casos em que o espaço de discricionariedade estiver reduzido a zero. Assim, o aspecto objetivo dos Direitos Fundamentais comunica-lhes uma eficácia irradiante, o que os converte em uma diretriz para a interpretação e aplicação das normas dos diversos ramos do Direito. A dimensão objetiva enseja, ainda, a discussão sobre a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, eficácia 19 destes direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares (ARAÚJO, 2009). Guarde... Os Direitos Fundamentais visam assegurar a todos uma existência digna, livre e igual, criando condições à plena realização das potencialidades do ser humano (BIANCO, 2006). Os Direitos Fundamentais são um conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (MORAES, 2002). Por serem indispensáveis à existência das pessoas, possuem as seguintes características: são intransferíveis e inegociáveis, portanto inalienáveis; não deixam de ser exigíveis em razão do não uso, portanto, são imprescritíveis; nenhum ser humano pode abrir mão da existência desses direitos, ou seja, são irrenunciáveis; devem ser respeitados e reconhecidos no mundo todo, o que representa a sua universalidade e, por fim, não são absolutos, podem ser limitados sempre que houver uma hipótese de colisão de direitos fundamentais que significa a sua limitabilidade. É importante salientar que esses direitos são variáveis, modificando-se ao longo da história de acordo com as necessidades e interesses do homem. Segundo Cavalcante Filho (2010), existe uma classificação que leva em conta a cronologia em que os direitos foram paulatinamente conquistados pela humanidade e a natureza de que se revestem. Importante ressaltar que uma geração não substitui a outra, antes se acrescenta a ela, por isso a doutrina prefere a denominação “dimensões”. a) Os direitos da primeira geração ou primeira dimensão foram inspirados nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII (individuais ou negativos): seriam os Direitos da Liberdade, liberdades estas religiosas, políticas, civis clássicas como o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade 20 formal (perante a lei), as liberdades de expressão coletiva, entre outros. São os primeiros direitos a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos. Os direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico, sendo, portanto, os direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, ou seja, limitam a ação do Estado. b) Segunda geração ou segunda dimensão: seriam os Direitos da Igualdade, no qual estão à proteção do trabalho contra o desemprego, direito à educação contra o analfabetismo, direito à saúde, cultura, entre outros. Essa geração dominou o século XX, são os direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos coletivos. São direitos objetivos, pois conduzem os indivíduos sem condições de ascender aos conteúdos dos direitos através de mecanismos e da intervenção do Estado. Pedem a igualdade material, através da intervenção positiva do Estado, para sua concretização. Vinculam-se às chamadas “liberdades positivas”, exigindo uma conduta positiva do Estado, pela busca do bem-estar social (MORAES, 2002; BONAVIDES, 2007). c) Terceira geração ou terceira dimensão (difusos e coletivos); foram desenvolvidos no séculoXX: seriam os Direitos da Fraternidade, no qual está o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, progresso, entre outros. Essa geração é dotada de um alto teor de humanismo e universalidade, pois não se destinavam somente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento. Refletiam sobre os temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade (BONAVIDES, 2007). d) Quarta geração ou quarta dimensão, que surgiu dentro da última década, por causa do avançado grau de desenvolvimento tecnológico: seriam os Direitos da Responsabilidade, tais como a promoção e manutenção da paz, à democracia, à informação, à autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida defendida pela bioética, direitos difusos, direito ao pluralismo, entre outros. A globalização política na esfera da normatividade jurídica foi quem introduziu os direitos desta quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. Está ligada à pesquisa genética, com a 21 necessidade de impor um controle na manipulação do genótipo dos seres, especialmente o homem. As três gerações que exprimem os ideais de Liberdade (direitos individuais e políticos), Igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais) e Fraternidade (direitos da solidariedade internacional), compõem atualmente os Direitos Fundamentais. 22 UNIDADE 2 – PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH) 2.1 Contextualização histórico-política e justificativas ao plano Vimos na introdução, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, desencadeou um processo de mudança no comportamento social e a produção de instrumentos e mecanismos internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao ordenamento jurídico dos países signatários. Esse processo resultou na base dos atuais sistemas global e regionais de produção dos direitos humanos. Em contraposição, o quadro contemporâneo apresenta uma série de aspectos inquietantes no que se refere às violações de direitos humanos, tanto no campo dos direitos civis e políticos, quanto na esfera dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Além do recrutamento da violência, tem-se observado o agravamento na degradação da biosfera, a generalização dos conflitos, o crescimento da intolerância étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras, mesmo em sociedades consideradas historicamente mais tolerantes, como revelam as barreiras e discriminações e imigrantes, refugiados e asilados em todo o mundo. Há, portanto, um claro descompasso entre os indiscutíveis avanços no plano jurídico-institucional e a realidade concreta da efetivação dos direitos (PNEDH, 2007). O processo de globalização, entendido como novo e complexo momento das relações entre nações e povos, tem resultado na concentração da riqueza, beneficiando apenas um terço da humanidade, em prejuízo, especialmente, dos habitantes dos países do Sul, onde se aprofundam a desigualdade e a exclusão social, o que compromete a justiça distribuída e a paz. Paradoxalmente, abriram-se novas oportunidades para o reconhecimento dos direitos humanos pelos diversos atores políticos. Esse processo inclui os Estados Nacionais, nas suas várias instâncias governamentais, as organizações internacionais e as agências transnacionais privadas. 23 Esse traço conjuntural resulta da conjugação de uma série de fatores, entre os quais cabe destacar: a) o incremento da sensibilidade e da consciência sobre os assuntos globais por parte de cidadãos(ãs) comuns; b) a institucionalização de um padrão mínimo de comportamento nacional e internacional dos Estados, com mecanismos de monitoramento, pressão e sanção; c) a adoção do princípio de empoderamento em beneficio de categorias historicamente vulneráveis (mulheres, negros(as), povos indígenas, idosos(as), pessoas com deficiência, grupos raciais e étnicos, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros); d) a reorganização da sociedade civil transnacional, a partir da qual redes de atividades lançam ações coletivas de defesa dos direitos humanos (campanhas, informações, alianças, pressões, entre outras), visando acionar Estados, organizações internacionais, corporações econômicas globais e diferentes grupos responsáveis pelas violações de direitos (PNEDH, 2007). Enquanto esse contexto é marcado pelo colapso das experiências do socialismo real, pelo fim da Guerra Fria e pela ofensiva do processo da retórica da globalização, os direitos humanos e a educação em direitos humanos consagram- se como tema global, reforçando a partir da Conferência Mundial de Viena, em 1993. Como diz a introdução do PNEDH, em tempos difíceis e conturbados por inúmeros conflitos, nada mais urgente e necessário que educar em direitos humanos, tarefa indispensável para a defesa, o respeito, a promoção e a valorização desses direitos. Esse é um desafio central da humanidade, que tem importância redobrada em países da América Latina, caracterizados historicamente pelas violações dos direitos humanos, expressas pela precariedade e fragilidade do Estado de Direito e por graves e sistemática violações dos contingentes populacionais. No Brasil, como na maioria dos países latino-americanos, a temática dos direitos humanos adquiriu elevada significação histórica, como resposta à extensão das formas de violência social e política vivenciadas nas décadas de 1960 e 1970. No entanto, persiste no contexto de redemocratização, a grave 24 herança das violações nas questões sociais, impondo-se, como imperativo, romper com a cultura oligárquica que preserva os padrões de reprodução da desigualdade e da violência institucionalizada. O debate sobre os direitos humanos e a formação para a cidadania vem alcançando mais espaço e relevância no Brasil, a partir dos anos 1980 e 1990, por meio de proposições da sociedade civil organizada e de ações governamentais no campo das políticas públicas, visando ao fortalecimento da democracia. Esse movimento teve como marco expressivo a Constituição Federal de 1988, que formalmente consagrou o Estado democrático de Direito e reconheceu, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os direitos ampliados da cidadania (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais). O Brasil passou a retificar os mais importantes tratados internacionais (globais e regionais) de proteção dos direitos humanos, além de reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Estado do Tribunal Penal Internacional. Novos mecanismos surgiram no cenário nacional como resultante da mobilização da sociedade civil, impulsionando agendas, programas e projetos que buscam materializar a defesa e a promoção dos direitos humanos, conformando, desse modo, um sistema nacional de direitos humanos. As instituições de Estado têm incorporado esse avanço ao criar e fortalecer órgãos específicos em todos os poderes. O Estado brasileiro consolidou espaços de participação da sociedade civil organizada na formulação de propostas e diretrizes de políticas públicas, por meio de inúmeras conferências temáticas. Um aspecto relevante foi a institucionalização de mecanismos de controle social da política pública, pela implementação de diversos conselhos e outras instâncias. Entretanto, apesar desses avanços no plano normativo, o contexto nacional tem-secaracterizado por desigualdades e pela exclusão econômica, social, étnico-racial, cultural e ambiental, decorrente de um modelo de Estado em que muitas políticas públicas deixam em segundo plano os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. 25 Ainda há muito para ser conquistado em termos de respeito à dignidade da pessoa humana, sem distinção de raça, nacionalidade, etnia, gênero, classe social, região, cultura, religião, orientação sexual, identidade de gênero, geração e deficiência. Da mesma forma, há muito a ser feito para efetivar o direito à qualidade de vida, à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, ao meio ambiente saudável, ao saneamento básico, à segurança pública, ao trabalho e às diversidades culturais e religiosas, entre outras. Uma concepção contemporânea de direitos humanos incorpora os conceitos de cidadania democrática, cidadania ativa e cidadania planetária, por sua vez inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da liberdade, a igualdade, da equidade e da diversidade, afirmando sua universalidade, indivisibilidade e interdependência. O processo de construção da concepção de uma cidadania planetária e do exercício da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos(ãs) conscientes de seus direitos e deveres, protagonistas da materialidade das normas e pactos que os(as) protegem, reconhecendo o princípio normativo da dignidade humana, englobando a solidariedade internacional e o compromisso com outros povos e nações. Além disso, propõe a formação de cada cidadão(ã) como sujeito de direitos, capaz de exercitar o controle democrático das ações do Estado (PNEDH, 2007). A democracia, entendida como regime alicerçando na soberania popular, na justiça social e no respeito integral aos direitos humanos, é fundamental para o reconhecimento, a ampliação e a concretização dos direitos. Para o exercício da cidadania democrática, a educação, como direito de todos e dever do Estado e da Família, requer a formação dos(as) cidadãos(ãs). Nossa Constituição e a LDB (Lei nº 9.394/96) afirmam o exercício da cidadania como uma das finalidades da educação, ao estabelecer uma prática educativa “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), que foi lançado em 2003, está apoiado em documentos internacionais e nacionais, 26 demarcando a inserção do Estado brasileiro na história do Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação (ONU, 1997). São objetivos balizadores do PMEDH conforme estabelecido no artigo 2ª: a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais; b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade e dignidade humana; c) fortalecer o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos; d) estimular a participação efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática governada pelo Estado de Direito; e) construir, promover e manter a paz. Assim, a mobilização global para a educação em direitos humanos está imbricada no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão dos contextos nacional e internacional, nos valores da tolerância, da solidariedade, da justiça social e na sustentabilidade, na inclusão e na pluralidade. Os Planos Nacionais e os Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos são dois importantes mecanismos apontados para o processo de implementação e monitoramento, de modo a efetivar a centralidade da educação em direitos humanos enquanto política pública. 2.2 As dimensões da educação em direitos humanos A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; 27 b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c) formação de uma consciência cidadã capaz de fazer presente em níveis cognitivo, social, étnico e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações. Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e não-formal, abrangendo os sistemas de educação, saúde, comunicação e informação, justiça e segurança, mídia, entre outros. Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça social. Nos termos já firmados no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, a educação contribui também para: a) criar uma cultura universal dos direitos humanos; b) exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico- individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações; c) assegurar a todas as pessoas o acesso à participação efetiva em uma sociedade livre. 28 Enfim, a implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos visa, sobretudo, difundir a cultura de direitos humanos no país. Essa ação prevê a disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez que o processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que seja capaz de identificar anseios e demandas, transformando- as em conquistas que só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem incorporadas pelo Estado brasileiro como políticas públicas universais. 2.3 Os objetivos gerais do PNEDH a) Destacar o papel estratégico da educação em direitos humanos para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. b) Enfatizar o papel dos direitos humanos na construção de uma sociedade justa, equitativa e democrática. c) Encorajar o desenvolvimento de ações de educação em direitos humanos pelo poder público e a sociedade civil por meio de ações conjuntas. d) Construir para a efetivação dos compromissos internacionais e nacionais com a educação em direitos humanos. e) Estimular a cooperação nacional e internacional na implementação de ações de educação em direitos humanos. f) Propor a transversalidade de educação em direitos humanos nas políticas públicas, estimulando o desenvolvimento institucional e interinstitucional das ações previstas no PNEDH nos mais diversos setores (educação, saúde, comunicação, cultura, segurança e justiça, esporte e lazer, dentre outros). g) Avançarnas ações e propostas do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) no que se refere às questões da educação em direitos humanos. h) Orientar políticas educacionais direcionadas para a constituição de uma cultura de direitos humanos. i) Estabelecer objetivos, diretrizes e linhas de ações para a educação em direitos humanos. 29 j) Estimular a reflexão, o estudo e a pesquisa voltados para a educação em direitos humanos. k) Incentivar a criação e o fortalecimento de instituições e organizações nacionais, estaduais e municipais na perspectiva da educação em direitos humanos. l) Balizar a elaboração, implementação, monitoramento, avaliação e atualização dos Planos de Educação em Direitos Humanos dos estados e municípios. m) Incentivar formas de acesso às ações de educação em direitos humanos a pessoas com deficiência (PNEDH, 2007). 30 UNIDADE 3 – PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Ao longo do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, encontramos os compromissos do Estado brasileiro para a educação, ou seja, maior promoção de uma educação de qualidade para todos, entendida como direito humano essencial. Assim, a universalização do ensino fundamental, a ampliação da educação infantil, do ensino médio, da educação superior e a melhoria da qualidade em todos esses níveis e nas diversas modalidades de ensino são tarefas prioritárias. Nesta unidade estão alguns dos princípios norteadores da educação em Direitos Humanos para a educação básica, superior e não-formal. O Plano contempla também ações para os profissionais dos sistemas de Justiça e Segurança, bem como o papel da mídia nesse processo. A construção de políticas públicas nas áreas de justiça, segurança e administração penitenciária sob a ótica dos direitos humanos exige uma abordagem integradora, intersetorial e transversal com todas as demais políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade de vida e de promoção da igualdade, na perspectiva do fortalecimento do Estado Democrático de Direito, mas foge aos nossos objetivos do módulo, portanto não debruçaremos sobre esta vertente, nem sobre a mídia, também espaço de intensos debates, embates políticos e ideológicos, pela sua alta capacidade de atingir corações e mentes, construindo e reproduzindo visões de mundo ou podendo consolidar um senso comum que frequentemente moldam posturas acríticas. Mas pode constituir-se também, em um espaço estratégico para a construção de uma sociedade fundada em uma cultura democrática, solidária, baseada nos direitos humanos e na justiça social. 3.1 Na Educação Básica A educação em direitos humanos vai além de uma aprendizagem cognitiva, incluindo o desenvolvimento social e emocional de quem se envolve no 31 processo ensino-aprendizagem (Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos – PMEDH/2005). A educação, nesse entendimento, deve ocorrer na comunidade escolar em interação com a comunidade local. Assim, a educação em direitos humanos deve abarcar questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa. A universalização da educação básica, com indicadores precisos de qualidade e de equidade, é condição essencial para a disseminação do conhecimento socialmente produzido e acumulado e para a democratização da sociedade. Segundo a PNEDH (2007), não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é nela que esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência dos direitos humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas. O processo formativo pressupõe o reconhecimento da pluralidade e da alteridade, condições básicas da liberdade para o exercício da crítica, da criatividade, do debate de ideias e para o reconhecimento, respeito, promoção e valorização da diversidade. Para que esse processo ocorra e a escola possa contribuir para a educação em direitos humanos, é importante garantir dignidade, igualdade de oportunidades, exercício da participação e da autonomia aos membros da comunidade escolar. Democratizar as condições de acesso, permanência e conclusão de todos(as) na educação infantil, ensino fundamental e médio, e fomentar a consciência social crítica devem ser princípios norteadores da Educação Básica. 32 É necessário concentrar esforços, desde a infância, na formação de cidadãos(ãs), com atenção especial às pessoas e segmentos sociais historicamente excluídos e discriminados. A educação em direitos humanos deve ser promovida em três dimensões: a) Conhecimentos e habilidades: compreender os direitos humanos e os mecanismos existentes para a sua proteção, assim como incentivar o exercício de habilidades na vida cotidiana. b) Valores, atitudes e comportamentos: desenvolver valores e fortalecer atitudes e comportamentos que respeitem os direitos humanos. c) Ações: desencadear atividades para a promoção, defesa e reparação das violações aos direitos humanos. São princípios norteadores da educação em direitos humanos na educação básica: a) A educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos humanos em todos os espaços sociais. b) A escola, como espaço privilegiado para a construção e consolidação da cultura de direitos humanos, deve assegurar que os objetivos e as práticas a serem adotados sejam coerentes com os valores e princípios da educação em direitos humanos. c) A educação em direitos humanos, por seu caráter coletivo, democrático e participativo, deve ocorrer em espaços marcados pelo entendimento mútuo, respeito e responsabilidade. d) A educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação. e) A educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos 33 profissionais da educação, o projeto político-pedagógico da escola, os materiais didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação. f) A prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os diversos atores sociais. 3.2 Na educação Superior A Constituição Federal de 1988 definiu a autonomia universitária (didática, científica, administrativa, financeira e patrimonial) como marco fundamental pautado no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O artigo terceiro da LDB (Lei nº 9394/96) propõe, como finalidade para a educação superior, a participação no processo de desenvolvimento a partir da criação e difusão cultural, incentivo à pesquisa, colaboração na formação contínua de profissionais e divulgação dos conhecimentos culturais, científicos e técnicos produzidos por meio do ensino e das publicações,mantendo uma relação de serviço e reciprocidade com a sociedade. A partir desses marcos legais, as universidades brasileiras, especialmente as públicas, em seu papel de instituições sociais irradiadoras de conhecimentos e práticas novas, assumiram o compromisso com a formação crítica, a criação de um pensamento autônomo, a descoberta do novo e a mudança histórica. A conquista do Estado Democrático delineou, para as Instituições de Ensino Superior (IES), a urgência em participar da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos, por meio de ações interdisciplinares, com formas diferentes de relacionar as múltiplas áreas do conhecimento humano com seus saberes e práticas. Nesse contexto, inúmeras iniciativas foram realizadas no Brasil, introduzindo a temática dos direitos humanos nas atividades do ensino de graduação e pós-graduação, pesquisa e extensão, além de iniciativas de caráter cultural. Tal dimensão torna-se ainda mais necessária se considerarmos o atual contexto de desigualdade e exclusão social, mudanças ambientais e agravamento da violência, que coloca em risco permanente a vigência dos direitos humanos. 34 As instituições de ensino superior precisam responder a esse cenário, contribuindo não só com a sua capacidade crítica, mas também com uma postura democratizante e emancipadora que sirva de parâmetro para toda a sociedade (PNEDH, 2007). As atribuições constitucionais da universidade nas áreas de ensino, pesquisa e extensão delineiam sua missão de ordem educacional, social e institucional. A produção do conhecimento é o motor do desenvolvimento científico e tecnológico e de um compromisso com o futuro da sociedade brasileira, tendo em vista a promoção do desenvolvimento, da justiça social, da democracia, da cidadania e da paz. O Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (ONU, 2005), ao propor a construção de uma cultura universal de direitos humanos por meio do conhecimento, de habilidades e atitudes, aponta para as instituições de ensino superior a nobre tarefa de formação de cidadãos(ãs) hábeis para participar de uma sociedade livre, democrática e tolerante com as diferenças étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras. No ensino, a educação em direitos humanos pode ser incluída por meio de diferentes modalidades, tais como, disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto político- pedagógico, entre outros. Na pesquisa, as demandas de estudos na área dos direitos humanos requerem uma política de incentivo que institua esse tema como área de conhecimento de caráter interdisciplinar e transdisciplinar. Na extensão universitária, a inclusão dos direitos humanos no Plano Nacional de Extensão Universitária enfatizou o compromisso das universidades públicas com a promoção dos direitos humanos (Fórum dos Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Extensão Universitária. Rio de Janeiro: NAPE/ UERJ, 2001). A inserção desse tema em programas e projetos de extensão pode envolver atividades de capacitação, assessoria e realização de eventos, entre outras, articuladas com as áreas de ensino e pesquisa, contemplando temas diversos. 35 A contribuição da educação superior na área da educação em direitos humanos implica a consideração dos seguintes princípios: a) A universidade, como criadora e disseminadora de conhecimento, é instituição social com vocação republicana, diferenciada e autônoma, comprometida com a democracia e a cidadania. b) Os preceitos da igualdade, da liberdade e da justiça devem guiar as ações universitárias, de modo a garantir a democratização da informação, o acesso por parte de grupos sociais vulneráveis ou excluídos e o compromisso cívico-ético com a implementação de políticas públicas voltadas para as necessidades básicas desses segmentos. c) O princípio básico norteador da educação em direitos humanos como prática permanente, contínua e global, deve estar voltado para a transformação da sociedade, com vistas à difusão de valores democráticos e republicanos, ao fortalecimento da esfera pública e à construção de projetos coletivos. d) A educação em direitos humanos deve se constituir em princípio ético- político orientador da formulação e crítica da prática das instituições de ensino superior. e) As atividades acadêmicas devem se voltar para a formação de uma cultura baseada na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, como tema transversal e transdisciplinar, de modo a inspirar a elaboração de programas específicos e metodologias adequadas nos cursos de graduação e pós-graduação, entre outros. f) A construção da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão deve ser feita articulando as diferentes áreas do conhecimento, os setores de pesquisa e extensão, os programas de graduação, de pós-graduação e outros. g) O compromisso com a construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos na relação com os movimentos e entidades sociais, além de grupos em situação de exclusão ou discriminação. h) A participação das IES na formação de agentes sociais de educação em direitos humanos e na avaliação do processo de implementação do PNEDH. 36 3.3 Na educação não-formal A educação não-formal em direitos humanos orienta-se pelos princípios da emancipação e da autonomia. Sua implementação configura um permanente processo de sensibilização e formação de consciência crítica, direcionada para o encaminhamento de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas públicas, podendo ser compreendida como: a) Qualificação para o trabalho. b) Adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade. c) Aprendizagem política de direitos por meio da participação em grupos sociais. d) Educação realizada nos meios de comunicação social. e) Aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades diversificadas. f) Educação para a vida no sentido de garantir o respeito à dignidade do ser humano. Os espaços das atividades de educação não-formal distribuem-se em inúmeras dimensões, incluindo desde as ações das comunidades, dos movimentos e organizações sociais, políticas e não-governamentais até as do setor da educação e da cultura. Essas atividades se desenvolvem em duas vertentes principais: a construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania democrática como foco central. Nesse sentido, movimentos sociais, entidades civis e partidos políticos praticam educação não-formal quando estimulam os grupos sociais a refletirem sobre as suas próprias condições de vida, os processos históricos em que estão inseridos e o papel que desempenham na sociedade contemporânea. Muitas práticas educativas não-formais enfatizam a reflexão e o conhecimento das pessoas e grupos sobre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Também estimulam os grupos e as comunidades a se organizarem e proporem interlocução com as autoridades públicas, 37 principalmente no que se refere ao encaminhamento das suas principais reivindicações e à formulação de propostas para as políticas públicas. A sensibilização e conscientização das pessoas contribuem para que os conflitos interpessoais e cotidianos não se agravem. Além disso, eleva-se a capacidade de as pessoas identificarem as violações dos direitos e exigirem sua apuração e reparação.As experiências educativas não-formais estão sendo aperfeiçoadas conforme o contexto histórico e a realidade em que estão inseridas. Segundo a PNEDH (2007), resultados mais recentes têm sido as alternativas para o avanço da democracia, a ampliação da participação política e popular e o processo de qualificação dos grupos sociais e comunidades para intervir na definição de políticas democráticas e cidadãs. O empoderamento dos grupos sociais exige conhecimento experimentado sobre os mecanismos e instrumentos de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos. Cabe assinalar um conjunto de princípios que devem orientar as linhas de ação nessa área temática. A educação não-formal, nessa perspectiva, deve ser vista como: a) Mobilização e organização de processos participativos em defesa dos direitos humanos de grupos em situação de risco e vulnerabilidade social, denúncia das violações e construção de propostas para sua promoção, proteção e reparação. b) Instrumento fundamental para a ação formativa das organizações populares em direitos humanos. c) Processo formativo de lideranças sociais para o exercício ativo da cidadania. d) Promoção do conhecimento sobre direitos humanos. e) Instrumento de leitura crítica da realidade local e contextual, da vivência pessoal e social, identificando e analisando aspectos e modos de ação para a transformação da sociedade. 38 f) Diálogo entre o saber formal e informal acerca dos direitos humanos, integrando agentes institucionais e sociais. g) Articulação de formas educativas diferenciadas, envolvendo o contato e a participação direta dos agentes sociais e de grupos populares. 39 UNIDADE 4 – METODOLOGIAS DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Por definição bem simples, Metodologia engloba o conjunto de métodos e técnicas aplicadas para um determinado fim, ou seja, seria o caminho percorrido para atingir um determinado objetivo. Palavra de origem grega, METODOLOGIA advém de methodos, que significa meta (objetivo, finalidade); hodos (caminho, intermediação) e logia (conhecimento, estudo). Se estivermos pensando num plano de aula, a metodologia deve estar embasada num intenção ampla do professor, quanto às questões filosóficas, psicológicas e culturais e restrita quanto à aprendizagem dos conteúdos em si. Mas... como compreender ou incluir o ensino e aprendizagem dos direitos Humanos no sistema educativo? Olguin (2008) pondera que são várias as respostas e que estas podem ser agrupadas em duas grandes categorias. De um lado estão todas aquelas que podem denominar-se de incorporação dos conteúdos. Estas consideram que é suficiente a inclusão desta temática em alguma das disciplinas existentes, ou, no máximo, o estudo de uma disciplina específica, para que os educandos logrem os objetivos que, sobre este aspecto, orientam a ação do sistema educativo. A outra categoria de resposta a este problema de inclusão pode denominar-se de integração dentro do currículo existente e parte do princípio de que a informação sobre os Direitos Humanos é pouco significativa no processo de ensino-aprendizagem nos níveis de educação primária ou secundária. Neles o importante é a prática, a vivência dos Direitos Humanos, mais que sua fundamentação filosófica, sua concepção jurídica e sua evolução histórica. Trata-se em síntese, de um processo de formação de atitudes que requer elementos cognitivos, afetivos e manifestações comportamentais. A informação necessária não é relativa aos Direitos Humanos, mas concernente aos objetivos ou situações em que estes se põem em vigência. Portanto, desta perspectiva não é necessária somente a inclusão de um conteúdo especial sobre os Direitos 40 Humanos, mas deve se efetuar uma mudança de enfoque. Em outros termos, com os conteúdos atuais, é possível lograr-se perfeitamente processos de ensino- aprendizagem que promovam e fortaleçam o exercício pleno dos Direitos Humanos; somente se requer uma nova forma de ver ou fazer as coisas. Esta colocação se refere, em particular; ao ensino primário e secundário (OLGUIN, 2008). De todo modo, essas metodologias devem ter as seguintes características: a) Estimulem a participação dos estudantes que apesar de se apresentar em diferentes níveis podem ser agrupadas em três grandes categorias: a.1 Uma participação ativa, que é a que têm os sujeitos que participam da execução de uma atividade, sendo a mais difundida e a que implica em menor compromisso pessoal; sem ela seria praticamente impossível a vida em sociedade. a.2 Uma participação consultiva, na qual os indivíduos são tomados em conta por quem deve assumir as decisões; se realiza alguma forma de consulta, de pesquisa, entre os que serão afetados pela decisão; se recolhem opiniões, desejos, aspirações ou necessidades para que a decisão adotada seja menos conflitiva. a.3 Uma participação decisória, na qual os sujeitos envolvidos tomam decisões como pessoas comprometidas com as consequências da resolução que se põe em prática. Este último nível é o desejável e o único que possibilita o desenvolvimento das atividades que interessa promover. Esta característica é a que pode entrar em conflito com o modo em que operam as instituições educativas, visto que as decisões que afetam aos estudantes abarcam quase todo o espectro de decisões que se tomam nela; não há âmbitos alheios aos estudantes numa escola. b) Possibilitem a contradição, pois o critério da maioria aqui não é válido nem correto. É imprescindível que, antes de se chegar a uma votação, se possa discutir amplamente as características das alternativas que se apresentam, se expressem sem temor os diferentes pontos de vista. Por outro lado, é conveniente 41 que se aceite, como adequada, mais uma alternativa, de maneira a não criar situações rígidas. c) Abram janelas para o mundo, um vez que a urgência em desenvolver todos os temas propostos pelo currículo, faz com que os mesmos se apresentem descontextualizados, desarraigados do contexto social e cultural no qual tiverem lugar. O estudo de qualquer das disciplinas que integram os planos de estudo apresentam magníficos exemplos do desenvolvimento e da prática dos direitos Humanos. Os conteúdos literários e artísticos, o material histórico e geográfico, as ciências naturais proporcionam numerosos testemunhos da luta pela liberdade de pensamento e de expressão; de cooperação pessoal, institucional e internacional nas investigações, e na solução de problemas; de respeito pelas distintas idiossincrasias, em síntese, da essência mesma dos direitos humanos. d) Procurem sistematicamente o desenvolvimento do pensamento, porque são poucas as oportunidades que os docentes têm e que refletem sobre as operações lógicas que põem em jogo as alternativas metodológicas ante as quais devem optar. e) Fortaleçam os vínculos do estudante com o grupo de pares; com a instituição; com a comunidade; com país e mundo: os Direitos Humanos tomam sentido na relação de um sujeito com outros seres humanos; quer dizer, nas relações sociais. A metodologia adotada deve permitir a identificação de relações sociais cada vez mais amplas, a partir do espaço imediato do estudante, conformado por seu grupo de colegas, até perspectivas cada vez mais abarcadoras da humanidade em conjunto. f) Devem ser metodologias totalizadoras, já que o ensino-aprendizagem dos direitos humanos não é o recurso exclusivo de uma disciplina ou um grupo de matérias. É a totalidade do processo educativo a responsável para alcançar objetivos. Para tanto, a metodologia deverá aplicar-se à totalidade do processo educativo,
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