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indevido é o erro, a noção equivoca- da de vinculação a uma obrigação que na realidade não existe. Trata-se de um requisito, pois se o solvens, mesmo sabendo da inexistência de débito, realiza o pagamento, não há que se pleitear repetição. Do pagamento indevido surge uma obrigação que vincula o accipiens à devolução do indevidamente recebido. Essa obrigação tem causa na lei, no- tadamente no art. 876 do Código Civil, e não deixa de ser um fato curioso na medida em que um pagamento, meio natural de extinção de obrigações, é causa geradora de uma nova relação crédito/débito. No que concerne aos requisitos do pagamento indevido, pode-se elencar os seguintes: (i) pagamento (aqui concebido no sentido amplo); (ii) ausência 24 Destaque-se que embora próximo ao enriquecimento sem causa, o pa- gamento indevido, enquanto instituto, conserva especifi cidades próprias, como a ação de repetição, expediente processual diverso da actio in rem ver- so, modalidade genérica cabível nos casos de enriquecimento ilícito. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL FGV DIREITO RIO 84 de causa jurídica; e (iii) erro, sendo aqui irrelevante a espontaneidade do pa- gamento para tornar obrigatória a restituição do mesmo. Em relação ao erro do solvens, é necessário atentar, preliminarmente, ao art. 877 do Código Civil, ao dispor que: Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro. Conforme enuncia o dispositivo transcrito, no caso de pagamento indevi- do, há a necessidade de provar o erro. No entanto, tal artigo deve ser inter- pretado de modo restrito, como se referindo apenas ao pagamento sem causa jurídica. Não há que estender a imposição desse ônus probatório na confi gu- ração do enriquecimento ilícito.25 Caio Mário destaca ainda, no tocante ao erro, que: “A repetição do indébito comporta ainda o erro quantitativo quando o devedor paga mais do que deve; ou quando paga por inteiro a um dos co-credores, no caso de a obrigação não ser solidária e ser divisível, ou ainda quando por erro sobre a situação real, paga a dívida já extinta”.26 Da mesma forma, observa-se a existência de pagamento indevido quando se salda dívida condicional antes do implemento da condição suspensiva. Conforme observado, antes do implemento do evento futuro e incerto, não há direito propriamente dito, mas tão somente expectativa de direito. Não há obrigação a ser solvida e, portanto, o pagamento erroneamente vinculado é repetível. No entanto, o mesmo não ocorre com as obrigações sujeitas a termo ini- cial (suspensivo). No termo, o evento que implica a efi cácia da obrigação é futuro e certo. A obrigação já existe, apenas sua efi cácia é que se condiciona ao implemento do termo. O direito do credor de receber já existe e quando o prazo aproveitar ao devedor, este pode dele abrir mão, pagando antecipada- mente a obrigação. Não haverá, nesse caso, que se falar em repetição.27 Delineamentos gerais da repetição Os efeitos do pagamento indevido, no que concerne à repetição, podem variar de acordo com a intenção do accipiens, na medida em que a conduta deste pode ser dar em consonância com a boa ou má-fé. De modo sucinto, em havendo boa-fé, algumas peculiaridades da repeti- ção deverão ser observadas: (i) o accipiens deve restituir o recebido e os frutos estantes; (ii) a devolução deve ser dar, prioritariamente em espécie, mas na 25 O enriquecimento sem causa, como visto, é gênero que compreende como espécie o pagamento ilícito. A prova do erro é exigência apenas quando se intenta mostrar a ocorrência da espécie em questão. 26 Caio Mário da Silva Pereira. Institui- ções de Direito Civil, v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2004; p. 297. 27 Destaque-se que, se por outro lado, o termo aprouver ao credor, esse poderá enjeitar o recebimento da prestação até o momento fi xado para o cumprimento da obrigação. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL FGV DIREITO RIO 85 impossibilidade disso ocorrer, deve o accipiens restituir o valor estimado em dinheiro; (iii) o accipiens tem direito aos frutos percebidos e não é obrigado a devolver a estimação pecuniária daqueles que já consumiu; (iv) tem ele direito à restituição dos valores referentes às benfeitorias úteis e necessárias (e o conseqüente direito de retenção), bem como o de levantar as benfeitorias voluptuárias; e (v) o accipiens somente responde pela deterioração ou pereci- mento do objeto quando transigir com culpa. Por outro lado, a lei é bem mais severa com o accipiens de má-fé, determi- nando: (i) a restituição da coisa, bem como os frutos e acessões próprios a ela; (ii) o accipiens de má-fé pode somente pleitear o valor das benfeitorias neces- sárias, sem nem mesmo o direito de retenção; (iii) quando do perecimento ou dano à coisa deve responder pela estimação pecuniária da mesma, ainda que não tenha concorrido com culpa, excepcionando-se os casos em que o dano ocorreria independentemente do pagamento indevido. Ainda na seara dos efeitos, aquele que recebe imóvel por conta de paga- mento indevido está incumbido a auxiliar o solvens na retifi cação do registro. Se o accipiens, procedendo de boa-fé, alienar o imóvel antes da reivindica- ção, fi ca obrigado a restituir ao solvens o valor auferido na transação. Estan- do, entretanto, de má-fé, certa é a possibilidade do solvens exigir quantum indenizatório referente a perdas e danos. Indistintamente, no caso de doação, aquele que pagou equivocadamente pode demandar o imóvel do benefi ciado. A primeira das hipóteses de impossibilidade de repetição está inserta no art. 881: Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempe- nho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fi ca na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido. A prestação se esgota no ato de sua execução, no fazer, ou ainda numa omissão, nesse caso, não fazer. A regra aqui é que o accipiens fi ca obrigado a indenizar na medida do benefício auferido. Atentando aos artigos 882 e 883 do Código Civil, pode-se perceber três casos de exclusão do direito de repetição: (i) no pagamento de dívida já pres- crita; (ii) no pagamento de obrigação natural; e (iii) quando o pagamento objetiva fi m ilícito, imoral ou proibido por lei. A razão de ser dessa tripartição de causas é adotar a metodologia exposta pelo Código, no entanto, como já foi destacado, as obrigações naturais com- portam as obrigações prescritas. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL FGV DIREITO RIO 86 O art. 882 do Código Civil enuncia que a impossibilidade de repetição atinge tanto as dívidas prescritas como as obrigações juridicamente inexigí- veis (leia-se, naturais): Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida pres- crita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível. A prescrição atinge a pretensão, mas não o direito em si, e tendo isso em vista, o pagamento de dívida prescrita, bem como de qualquer outra obriga- ção natural (inexigível), não importa para o accipiens a necessidade de repeti- ção. São obrigações incompletas, uma vez que são caracterizadas apenas pela existência de débito, sem responsabilidade: Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fi m ilícito, imoral, ou proibido por lei. Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de benefi cência, a critério do juiz. A associação dos contratantes almejando fi m reprovado pela lei tem por efeito macular o direito de repetição. É uma aplicação do adágio de que a ninguém é dado se benefi ciar da própria torpeza. Se o solvens procede de modo torpe, dando algo e pretendo fi nalidade ilícita ou imoral, não tem ação de repetição. Por fi m, outra