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UCSal – Curso de Filosofia Tópicos Especiais de Filosofia Contemporânea – Profª. Maria de Fátima Grupo 2: Dermeval, Miguel, Eduardo e Dorotéia Para além da dialética: O anti-hegelianismo de Nietzsche e Deleuze A obra de Deleuze é tão dinâmica que provoca inquietude. Sua filosofia é como areia movediça onde não se distingue o que é sólido e líquido, onde não se sabe o que é racional e o que não é racional. Seu pensamento tem afinidade com a arte. Como lidar com o racional não é fácil, passa-se para o limite da arte, em que o sentimento e intuição estão envolvidos. O que parecer não racional pode ser creditado à arte. Diversos conceitos devem lidar apenas com problemas específicos ou para cada problema o conceito muda, ou seja, fluidez e relativismo. O que significa “a metafísica não sabe o que fazer diante do devir”? o devir é o imanente, a metafísica se preocupa com o transcendente, nisso se distanciam. Mas a preocupação com o transcendente ajuda a definir padrões no aqui e agora, então não tão distante do devir. Deleuze inicia sua filosofia contra a história oficial da filosofia, também definida pelo mesmo como a “tradição metafísica”, cujo alvo principal de sua crítica é um anti-hegelianismo. Para esse desafiador da também identificada “filosofia da representação”, Hegel se destaca dessa tradição, ao inscrever as diferenças no conceito, sendo o conceito algo do que mais se ocupa a filosofia, tal importância deve ser reconhecida. Mas, Deleuze procura novos estilos de filosofia, e uma abordagem pela arte, aderindo à colagem (da pintura) ou à proposta de obras filosóficas que se assemelhem a romance policial ou ficção científica, projetando um filosofar diversificado e criativo. Para esse fim, apropria-se da fala de outros filósofos para compor (colagem) a sua própria filosofia, na qual adequa sua visão dos mesmos com performances filosóficas caricaturadas. Diferença e repetição, obra em que expõe seu juízo sobre a dialética, e Nietzsche e a filosofia, onde explica algumas facetas da dialética, como o niilismo, conservadorismo, passividade, escravidão e infelicidade, além do seu juízo definitivo sobre a mesma como “um pensamento aniquilador das diferenças.” (OLIVEIRA; pág. 92) Diferença e repetição: A maldição da diferença. Confronto entre dois modos de pensar: 1. Filosofia da Representação, que concede primado à identidade (Platão, Aristóteles, Leibnitz, Hegel) e considera a diferença como uma determinação, também inscrita “no conceito em geral como um elemento mediatizado.” (OLIVEIRA; pág. 92). Tal representação entende-se como uma entidade que está por outra entidade. A representação ou recognição que seria uma imagem do pensamento. Com uma espécie de amaldiçoamento, assim designado por Deleuze, este modo de pensar a diferença é de vê-la subordinada à identidade e ao conceito, não podendo se relacionar com as outras diferenças. Para os filósofos da representação a diferença só pode não ser ameaçadora quando é submetida à razão pela identidade, oposição, analogia ou semelhança, caracterizando a dialética. Aqui detectamos uma questão crucial: Porque a diferença é ameaçadora fora da razão? Apenas se entendermos o que é fora da razão como a loucura. A diferença que não se enquadra na mediação racional, deixa de ser pensada e dissipa-se no “não ser”. 2. Filosofia da diferença, cujo motor é: como pensar a diferença enquanto diferença. Pensar a relação do diferente com o diferente sem forma alguma de representação (sem comparar, sem verificar semelhanças ou diferenças com outras). Nesse modo de pensar, a diferença entre duas coisas é empírica e imediata. Afirmar a diferença significa reclamar a autonomia de um conceito próprio da diferença. Os múltiplos fatores diferentes de uma coisa são agrupados na “diferença”, assegurando uma relação precisa com o indeterminado, diferenciando-se da visão oposta, na qual a diferença, tida como falta, pecado ou o mal, se relaciona unilateralmente e de forma unívoca com uma espécie de fundo indeterminado, um nada vazio e indiferenciado (metafísica). Na Filosofia da Diferença, há um certo tumulto de determinações, as quais se relacionam sem qualquer submissão a um algo que não é uma determinação, pois as mesmas não se limitam à identidade, ou à ideia de “ser”. No hegelianismo, ainda que admita o “não ser” no “ser”, a dialética aniquila a diferença e a considera não mensurável, organizável ou coordenável se não se enraíza no conceito. Portanto, se não pode ser pensada, esta dissipa-se no “não ser”, o que para Deleuze faz-se necessário através dessa nova filosofia “arrancar a diferença de seu estado de maldição”, configurando-se assim não apenas um anti-hegelianismo deleuziano, mas este como “um dos aspectos de um acirrado anti-racionalismo” (OLIVEIRA; pág 93) A representação órgica Deleuze vê a Diferença como maldição ou amaldiçoada por estar presa na representação e Hegel identifica que a filosofia se opõe à negação e à contradição. Segundo Hegel, para não desviar do caminho que leva até a verdade, a filosofia baseiou-se em princípios como o de “identidade” e o de “não- contradição”. Para Hegel o negativo não deve ser rejeitado como se fosse mal ou falso, em contraste com uma identidade positiva, boa e verdadeira, mas o negativo faz parte da diversidade de momento. O erro seria apenas como um estágio do auto-devir da verdade, segundo Hegel. A verdade não é uma proposição imediata, mas o resultado de uma dinâmica que não pode ser desmembrada, sob o risco de destruição de tal mobilidade. Todo positivo contém em si o negativo e a tarefa da filosofia não é evitar o negativo mas transmudá-lo em poder vital, quando contemplar o negativo face a face. Hegel também pensava na diferença e não só na identidade, da unidade entre identidade e diferença. Seu projeto é integrar o não-ser ao ser. Sendo seu grande mérito ter mostrado que a verdade, para ele, não é estática, mas processual. O real é dinâmico e a chave lógica é a dialética, que irá suspendê-la para salvá-la. Para Deleuze a proposta de Hegel irá condenar mais ainda a diferença. Para ele, Hegel não se propõe a dominar a profundidade da diferença, não apenas pela exclusão, mas pela integração e domesticação da diferença. Hegel desenvolveu a técnica especial de seleção das diferenças que podem ser inscritas no conceito, sendo essa seleção feita pela infinitização das diferenças. A esse processo Deleuze denomina de representação órgica. Representação órgica: não basta levar a representação ao infinito (Leibniz) ou não basta multiplicar a representação, é preciso minar o seu centro organizador. É preciso deixar as coisas e pontos de vista aparecerem como diferentes de si mesmo. Para Deleuze: Liberar a diferença implica não colocá-la como fundamento metafísico ou como Essência, fazendo-a o núcleo fixo e puro de tudo o que é. Implica remarcar o seu constante diferenciar-se de tudo e de si mesmo. Quando a representação encontra em si o infinito, aparece como representação órgica e não mais orgânica: ela descobre em si o tumulto, a inquietação e a paixão sob a calma aparente ou os limites do organizado. Ela reencontra o monstro. (CRAIA, 2003) Quando a Diferença não deve ser Essência, núcleo fixo e puro de tudo que é, no conceito deleuziano, relaciona-se com Heráclito e sua máxima de que não se pode se banhar duas vezes no mesmo rio. O conceito hegeliano é uma espécie de todo que integra, ao mesmo tempo que exclui, suas partes, como um “fundamento” no qual se alternam a produção de diferenças eo seu desaparecimento, conforme Deleuze. Para Hegel, a diferença só pode ser pensada na sua unidade com a identidade, ou seja, como um momento constituinte da totalidade. Hegel subordina a diferença ao idêntico. O movimento de contradição é sempre um caminho em direção à identidade. Comentário: a diferença só existe porque existe a identidade ou não seria diferença. O que Hegel fez foi domar a diferença mais específica, a contradição, na antítese, que em oposição à tese resulta na síntese. A representação órgica de Deleuze é a constatação de que não há diferença sem identidade, mas apresentada como uma reclamação de que a diferença não seja ela mesma uma identidade, quando fala em maldição da diferença. Que pena que a diferença não é ela mesma, mas só existe na comparação, na analogia, etc. Se se quiser permanecer no campo racional. Ou no comentário de Oliveira (2000): Tudo se passa como se a diferença fosse enterrada viva no conceito hegeliano e condenada a um trabalho forçado: a produção e reprodução sem fim da identidade. A tese da diferença A dialética hegeliana é: primeiro é apresentada a tese como positiva, sendo afirmação, que já traz o germe da contradição, pois toda afirmação é uma determinação e toda determinação é uma negação, porque Hegel considera determinação em oposição ao todo, significando excluir ou negar um todo de possibilidades de determinações do absoluto. Assim, a contradição é a manifestação máxima da diferença. A tese de Deleuze é que a condição de possibilidade da contradição é o formigamento de diferenças livres, selvagens, anárquicas, uma multiplicidade informal e potencial. Tese e sua contradição, a diferença, seriam apenas a superfície ou aparência de profundidade. A verdadeira profundidade são as diferenças. O jogo múltiplo de diferenças é que são a verdadeira expressão da mobilidade imediata das coisas. De novo a referência à mobilidade e a relação com Heráclito. A Certeza sensível é o primeiro estágio do itinerário da formação da consciência. O que é “imediateidade da afirmação das diferenças” que aparece na Fenomenologia do Espírito de Hegel? O essencial para a certeza sensível é que a coisa é; sua verdade contém somente o ser de seu objeto, ou seja a singularidade do puro isto. O exame da relação imediata que essa consciência mantém com seu objeto mostrará apenas uma verdade abstrata, porque a consciência enunciará a SUA verdade. Mas isso será a experiência de que a linguagem não pode dizer o singular, o imediato, o puro ser. Quando se diz isto, a pura diferença, já estamos dizendo o isto mediatizado e universalizado, ou seja o ser em geral. Para Hegel todo pensamento que se apoia no singular e no imediato deve ser cobrado a dizer que “isto” é esse, mas como a linguagem não dá conta, as alternativas são: calar-se ou deixar que seu objeto se revele como sendo o contrário. Para Hegel, se prender ao inefável é rejeitar a razão em nome de uma pretensa riqueza e vitalidade. Roberto de Oliveira questiona se o empirismo de Deleuze pode ser comparado à Certeza Sensível de Hegel, mas em seguida diz que a Certeza Sensível não é o empirismo, mas a imagem dialética, ou pervertida do empirismo. Também diz que o empirismo de Deleuze é mais complexo, mais refinado, porque uma tentativa de ampliar os limites do pensar e do dizer, aproximando-se da arte, em especial, a literatura, o teatro e o cinema. Para Deleuze sempre há uma singularidade não representada que não é reconhecida precisamente porque não é todo o mundo ou universal. A diferença não segue o todo. Permanece no seu próprio espaço, no aqui-agora de uma realidade diferencial sempre feita de singularidades. A tese da diferença para Deleuze é a de que a tese mesma é a diferença; a antítese e a síntese são mediações que não capturam o fenômeno da diferença, apenas seu fantasma. A filosofia da diferença refuta a máxima de Hegel de que toda determinação é uma negação. Recusa o dilema da representação infinita. Recusa o indeterminado, ou uma diferença já determinada como negação, logo subordinada ao idêntico (à identidade). A diferença, em essência, é o objeto de afirmação: a afirmação é ela mesma diferença. A diferença entre Hegel e Deleuze: - Ou a afirmação determinada resulta de uma diferença já negativa. - Ou o negativo resulta de uma afirmação já diferencial. A alternativa entre o poeta e o político. O poeta é investido de um poder criador, que afirma a diferença e perverte todas as ordens num estado permanente de revolução (uma visão romântica do poeta). O político preocupa- se em negar a diferença, para conservar uma ordem estabelecida ou estabelecer um mundo que solicite as formas de sua representação. Para Hegel a dimensão fundamental da Aufhebung (negar e preservar) é o elevar-se, mas para Deleuze é o presevar, conservar. Neste caso, Deleuze procura apoio em Nietzsche, que foi quem observou o conservadorismo da dialética. Referências CRAIA, ELADIO CONSTANTINO PABLO. Gilles Deleuze e a questão da técnica / Eladio Constantino Pablo Craia. – Campinas, SP : [s.n.], 2003. LINS, DANIEL. Coordenador. Oliveira, R. C, F. Para além da dialética, o anti- hegelianismo de Nietzsche e Deleuze. In Nietzsche e Deleuze, Intensidade e Paixão. Ed. Relume Dumará. Rio de Janeiro. 2000.
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