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Capítulo 1. Micotoxicologia Sumário Neste capítulo visa-se fazer uma introdução ao estado actual de conhecimento na área da micotoxicologia, e introduzir conceitos e definições que são usados no decorrer da dissertação. 1. O que são micotoxinas ...................................................................................................................................... 12 2. Produção de micotoxinas e sua presença em alimentos .................................................................................... 30 3. Fungos produtores de micotoxinas.................................................................................................................... 38 4. Detecção, quantificação e identificação de fungos filamentosos em comodidades agrícolas e alimentos ........ 55 5. Métodos de determinação de micotoxinas ........................................................................................................ 59 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 1. O que são micotoxinas Os fungos são capazes de produzir em condições naturais e laboratoriais, metabolitos secundários tóxicos. Os metabolitos secundários são compostos biossintetizados e excretados através de um conjunto de vias metabólicas (que constituem o metabolismo secundário), mas que não são essenciais para o crescimento e sobrevivência do organismo (Betina, 1989). Estes compostos estão presentes no meio de cultura ou substrato onde os fungos estão a crescer. Alguns metabolitos secundários fúngicos têm propriedades antibióticas, e alguns demonstram toxicidade para animais. Os metabolitos secundários produzidos por fungos filamentosos que demonstram propriedades tóxicas em animais são designados genericamente de micotoxinas (CAST, 2003). Algumas destas micotoxinas foram detectadas em alimentos, e é destes que se ocupa a dissertação. Como tal, o termo micotoxina ao longo da dissertação é usado com o sentido de “metabolitos secundários produzidos por fungos que ocorrem naturalmente como contaminantes de produtos agrícolas, e que demonstram toxicidade quando administrados por uma via natural, essencialmente por via oral” (Abramson, 1998). As micotoxinas são um grupo diverso de substâncias químicas, que podem afectar muitos órgãos e sistemas, principalmente o fígado, rins e sistema nervoso, endócrino e imunitário. Não se sabe quantas micotoxinas e metabolitos fungicos tóxicos existem ao certo, apesar de ser possível fazer uma estimativa. Turner (1978) catalogou aproximadamente 1200 metabolitos secundários produzidos por fungos. Turner e Alderidge (1983) catalogaram mais 2000 metabolitos produzidos por aproximadamente 1100 espécies, o que, em média, dá dois metabolitos únicos por espécie. Hawksworth (1991) estimou que existem cerca de 69000 espécies fúngicas conhecidas, o que representa 5% das espécies fúngicas que se estima que existam no mundo, isto é, 1,5 milhões. Se assumirmos que existem dois metabolitos únicos por espécie, podem existir cerca de 3 milhões de metabolitos secundários produzidos por fungos. Aproximadamente 10% dos metabolitos secundários descritos por Turner e por Turner e Alderidge foram classificados como sendo tóxicos por Cole e Cox (1981). Estes investigadores listaram aproximadamente 300 compostos tóxicos, mas estima-se que possam existir entre 20000 a 300000, bem como uma grande diversidade de mecanismos de acção (CAST, 2003). Como tal, o número de metabolitos tóxicos e micotoxinas por descobrir é muito grande. No entanto, o número de micotoxinas que são detectadas com frequência em alimentos é reduzido, entre 20 a 30 (V. secção 1.3, Tabela 1.2, p. 23). 12 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA A principal via de exposição dos animais a micotoxinas é através da ingestão de alimentos contaminados, apesar de existirem casos esporádicos de inalação de micotoxinas e contacto dermal. As culturas agrícolas, especialmente os cereais, são susceptíveis ao ataque de fungos, no campo ou durante o armazenamento. Os níveis de micotoxinas nos alimentos podem flutuar grandemente e variar de ano para ano, consoante as condições para o crescimento de fungos. Quando presentes em níveis elevados na dieta alimentar, podem levar a problemas agudos de saúde e até à morte. A exposição prolongada a níveis baixos de micotoxinas pode levar a manifestações ocultas e insidiosas (imunidade debilitada, atrasos no crescimento, susceptibilidade a doenças), e a problemas crónicos de saúde, o que suscitou preocupação por parte de diversas organizações internacionais. Várias micotoxinas foram classificadas pela Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC) como carcinogénicos humanos ou potenciais carcinogénicos humanos (IARC, 1993). Em termos de exposição e severidade de lesões crónicas, em particular cancro, estima-se que as micotoxinas apresentem um risco maior que os contaminantes antropogénicos, pesticidas e aditivos (Tabela 1.1). Tabela 1.1. Avaliação comparativa do risco (agudo e crónico) de diversos contaminantes alimentares (adaptado de Kuiper-Goodman, 1998) Agudo Crónico Elevado Microbiológicos Micotoxinas Ficotoxinas Contaminantes antropogénicos Algumas fitotoxinas Algumas fitotoxinas Micotoxinas Dietas desiquilibradas Contaminantes antropogénicos Ficotoxinas Aditivos alimentares Microbiológicos Resíduos de pesticidas Aditivos alimentares Resíduos de pesticidas Baixo Apesar de haver variações geográficas e climáticas na produção e ocorrência de micotoxinas, a exposição a estas substâncias ocorre em todo o mundo e estima-se que muitos dos alimentos mundiais estejam contaminados em alguma extensão. A contaminação dos alimentos com micotoxinas é especialmente relevante quando uma dada população baseia a sua alimentação num tipo de produto (v.g., arroz). Se essa fonte está contaminada, a população está continuamente exposta à micotoxina, e a história mostrou que essa situação pode levar ao aparecimento de micotoxicoses graves. 13 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 1.1. Perspectiva histórica Foi no final do século XIX e início do século XX que o conceito de metabolismo secundário nos fungos e outros organismos ganhou aceitação. Simultaneamente, o conceito de antibiose atraía cada vez mais as atenções dos cientistas. A descoberta mais relevante para a humanidade sobre a importância dos metabolitos secundários produzidos por fungos deu-se por Alexander Fleming em 1928-1929, ao descobrir as potencialidades antibióticas da penicilina (Fleming, 1929). A relevância da descoberta foi devida ao facto de Fleming ter verificado que a penicilina era uma substância bactericida e bacteriolítica, que não apresentava toxicidade para animais mesmo quando em doses elevadas. Foi esta característica que permitiu que mais tarde, Howard Florey e Ernst Chain explorassem o uso da penicilina como agente terapêutico na cura contra doenças bacterianas (Chain et al., 1940), dotando a medicina duma arma importantíssima na cura destas doenças, salvando incontáveis vidas desde a segunda guerra mundial até hoje. A capacidade de certos fungos causarem doença por ingestão de alimentos contaminados já era reconhecida desde a antiguidade. A micotoxicose mais antiga de que se tem conhecimento é o ergotismo, doença devida à ingestão de produtos elaborados a partir de cereais contaminados com esclerócios do fungo Claviceps purpurea. Vários surtos da doença ocorreram na Europa durante a Idade Média. Os esclerócios são estruturas de resistência visíveis nas espigas. A contaminação do centeio por este fungo era tão comum que estava inclusive representado nas ilustrações da espécie de centeio. As micotoxinas de Claviceps purpureaproduzem uma sensação de fogo nas extremidades do corpo (mãos e pés) e alucinações, podendo levar à morte. Numa época de misticismo e religiosidade, estes fenómenos eram interpretados como bruxaria, conduzindo à morte na fogueira de pessoas apontadas como bruxas. Na Europa, a ligação da doença aos esclerócios do fungo só foi estabelecida no século XVII por Thuillier, mas a descoberta de que a estrutura esclerocial observada pertencia a um fungo, Claviceps purpurea, só foi descoberta por Tulasne cerca de 200 anos depois (Frade & Alfonso, 2003). No entanto, os Assírios designavam o ergot de “grão louco”, o que indica que já teriam conhecimento dos seus efeitos na antiguidade. O facto de que a ingestão de cereais contaminados com fungos podia levar a doenças foi também reconhecido na Rússia e na Ásia. Na Rússia, desde o início do século XIX que se tem conhecimento duma doença devida à ingestão de cereais que foram deixados nos campos após 14 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA o Inverno, a Aleukia Tóxica Alimentar (ATA). Os grãos colhidos na primavera eram tóxicos, ao contrário dos colhidos no Outono. Mas a história conturbada de guerras da Rússia nem sempre permitiu a existência de mão-de-obra para a colheita dos campos, o que se veio a verificar mais uma vez na segunda guerra mundial e nos anos que a seguiram. Entre 1942- 1947, verificaram-se violentos surtos de ATA, levando à morte milhares de pessoas. No Japão, uma doença afligia os consumidores de arroz contaminado com fungos, conhecida desde o século XIX: o beri-beri cardíaco. Sakaki conduziu estudos pioneiros em 1891 e estabeleceu a etiologia da doença. Ao administrar arroz com bolor a coelhos, verificou que este tinha efeitos neurotóxicos. O problema continuou a ser investigado nos anos seguintes, e culminou na descoberta da presença de fungos tóxicos no arroz, Penicillium citreonigrum. O metabolito tóxico responsável pela doença foi isolado em 1947 por Hirata (Subramanian, 1983). Poucos esforços foram feitos antes dos anos 60 do século XX para reunir a informação dispersa sobre os registos de envenenamento em animais e humanos por fungos. Em 1933, Steyn faz uma introdução ao tema da implicação dos fungos na saúde humana e animal, através de experiências dos efeitos da ingestão de alimentos contaminados com bolores em animais. Em 1954, o russo Sarkisov faz uma revisão sobre as micotoxicoses na USSR, descrevendo as toxicoses e os fungos causadores, entre as quais faz várias referências à ATA (Ainsworth & Austwick, 1959). Mas o termo micotoxicose, donde deriva o termo micotoxina, foi popularizado por Forgacs e Carll (1955), sendo sinónimo de doença causada por toxinas produzidas por fungos. A associação da doença com o alimento contaminado era feita através da administração de doses orais conhecidas do alimento suspeito a animais, bem como testes dermatológicos usando extractos. Adicionalmente, era necessário isolar e identificar os bolores presentes no alimento e testar individualmente cada espécie por administração oral e testes dermatológicos usando extractos do micélio em cultura pura e no substracto em que o fungo foi detectado. Os investigadores verificaram que existiam estirpes toxigénicas e estirpes atoxigénicas. Mas salvo raras excepções, as toxinas envolvidas não foram quimicamente identificadas. Foi no início dos anos 60, com a doença X dos perús, que se atraíu a atenção para as micotoxinas e as suas implicações na saúde humana e animal, impulsionando verdadeiramente a micotoxicologia. A doença X dos perús vitimou milhares de perús na Inglaterra, e foi assim designada pois a causa da morte dos animais era desconhecida. Esforços de investigação mostraram que a morte se deveu à ingestão de rações contaminadas com um metabolito tóxico produzido por um fungo, Aspergillus flavus. O composto químico 15 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA tóxico foi isolado e identificado: aflatoxina. Os trabalhos e a literatura científica sobre a ocorrência, toxicologia e produção de micotoxinas a partir desta data têm vindo a aumentar (Figura 1.1). Estudos subsequentes permitiram verificar que várias doenças humanas eram devidas à ingestão de micotoxinas, ou em que micotoxinas estavam aparentemente implicadas (CAST, 2003). Permitiram também identificar os metabolitos tóxicos envolvidos em micotoxicoses previamente descritas, como a ATA, cujos principais efeitos foram devidos a tricotecenos (em particular, toxina T2). 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 19 56 19 60 19 65 19 70 19 75 19 80 19 85 19 90 19 95 20 00 a ac tua l A rt ig os c ie nt ífi co s pu bl ic ad os Patulina Toxinas de Fusarium Ocratoxinas Aflatoxinas Figura 1.1. Número de artigos publicados entre 1956 até finais de 2004 em períodos de 4 anos sobre as micotoxinas mais investigadas devolvidos pelo motor de busca Scirus1: aflatoxinas, ocratoxinas, patulina e toxinas de Fusarium (deoxinivalenol, fumonisinas, zearalenona e toxina T-2) A preocupação com a presença de micotoxinas em alimentos e suas implicações na saúde aumentou à medida que se foram descobrindo novas micotoxinas e se reunem dados sobre a sua ocorrência natural em alimentos e sobre a sua toxicidade em animais. Além dos casos de intoxicações agudas, começou-se a pensar em possíveis efeitos crónicos derivados da sua ingestão. Mas o estabelecimento da etiologia de doenças humanas com micotoxinas provou não ser tarefa fácil. Exemplo disso foi a tentativa de estabelecimento da ocratoxina A (OTA) como 1 URL: http://www.scirus.com (acedido em 12/12/2004) 16 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA causa etiológica da Nefropatia Endémica dos Balcãs (BEN), uma doença crónica renal de longa latência. A OTA foi uma das primeiras micotoxinas a ser descoberta após as aflatoxinas. Foi isolada e identificada a partir duma cultura de Aspergillus ochraceus por van der Merwe (1965). Os principais efeitos tóxicos observados foram danos no fígado e nos rins. Em 1973, a presença de OTA e de outra micotoxina, a citrinina, foi associada com a nefropatía suína (Krogh et al. 1973). Estudos subsequentes parecem apoiar esta suposição, e ligam a OTA à etiologia da micotoxicose suína mais fortemente, quando se observa que é possível induzir a doença experimentalmente por administração de rações contaminadas com a micotoxina a porcos e outros animais (Krogh, et al., 1974; 1976). Adicionalmente, a presença de OTA foi detectada a ocorrer naturalmente em cereais e em rins de animais com nefropatia, aparentemente confirmando a OTA como substância causadora da doença (Krogh, 1977). A micotoxina foi implicada numa nefropatia humana de etiologia desconhecida, cujos sintomas e lesões renais observados eram semelhantes à nefropatia suína, a BEN (Elling & Krogh, 1977). A associação da micotoxina à doença foi feita devido à semelhança da patologia e ao facto de se terem encontrado níveis de OTA mais elevados nos alimentos de habitantes na área onde a doença era endémica comparativamente aos locais onde a doença era ausente (Pavlovic et al., 1979). Rastreios ao sangue de pessoas de áreas afectadas e não afectadas pareciam indicar que a OTA era mais frequentemente detectada e regra geral, em níveis mais elevados, no sangue de pacientes afectados (Petkova-Bocharova et al., 1988). Mas os resultados eram contraditórios entre investigadores, e a ligação entre as toxinas fúngicas e a BEN puramente circunstancial e inconclusiva. Mais de 20 anos depois da suposição de que a OTA poderia estar envolvida na etiologia da BEN, a etiologia dadoença continuava desconhecida (Bozic et al., 1995; Tatu et al., 1998). A doença foi associada a tumores nos rins e uretra, verificando-se que o problema da BEN era não só renal, mas também oncológico. Apesar de parecer evidente que a doença era causada por factores ambientais, outras possíveis causas para a doença foram investigadas, em particular a presença de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos na água, bem como outros compostos tóxicos derivados de minas de carvão, como as lenhites do Plioceno (Orem et al., 1999). Esta última hipótese parecia muito promissora, visto que se conseguiu estabelecer uma forte ligação entre a distribuição geográfica da BEN e a presença de compostos aromáticos tóxicos na água de poços. No entanto, a controvérsia ainda parece estar longe de terminar. Poucos anos depois, foi publicado um estudo em que se também se detectou uma associação entre a incidência de OTA em cereais e a distribuição geográfica da BEN (Puntaric et al., 2001). Para uma revisão 17 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA recente da problemática da BEN e micotoxinas, deve consultar-se a publicação de Pfohl- Leszkowicz e colaboradores (2002). O facto de não se conseguir estabelecer com frequência uma relação directa entre a ingestão de micotoxinas de reconhecidos efeitos tóxicos quando testadas em animais e entre doenças de ocorrência natural valeu-lhes a designação de venenos insidiosos. O número crescente de micotoxinas detectadas em alimentos levanta questões de saúde pública de resposta difícil, como quais as micotoxinas importantes para a saúde e em que doses. A co- ocorrência de micotoxinas suscita preocupação, mas ainda se sabe pouco sobre potenciais efeitos sinergísticos ou antagónicos com outras substâncias. A determinação das doses máximas de micotoxinas que se podem ingerir sem causar riscos para a saúde são difíceis de determinar, mas a avaliação do risco das micotoxinas para a saúde é necessário para a protecção do consumidor e para o estabelecimento de limites legais quanto à presença destes contaminantes nos alimentos. 1.2. Avaliação de risco das micotoxinas para a saúde A avaliação de risco apresentada nesta dissertação está de acordo com o quadro de análise de risco proposto pela FAO/OMS (1995) (Figura 1.2). Segundo este quadro conceptual, a análise de risco é composta por 3 partes: avaliação de risco, gestão de risco e comunicação de risco. Cada uma destas grandes esferas de influência sobrepõe-se com as outras. Esta abordagem considera tanto factores de risco baseados em princípios científicos como de não risco, de cariz socio-económico englobados na gestão do risco, ou de comparação de risco englobados na comunicação do risco, para conseguir soluções práticas, como directivas quanto aos limites máximos admissíveis de contaminantes em alimentos e/ou procedimentos que visem prevenir o problema. 18 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Avaliação de risco •Identificação do perigo •Caracterização do perigo •Avaliação da exposição •Caracterização de risco Comunicação de risco •Comparação •Interacção •Estabelecimento de prioridades •Educação Gestão de risco •Riscos aceitáveis •Prevenção •Opções •Custo/Benefício •Legislação Avaliação de risco •Identificação do perigo •Caracterização do perigo •Avaliação da exposição •Caracterização de risco Comunicação de risco •Comparação •Interacção •Estabelecimento de prioridades •Educação Gestão de risco •Riscos aceitáveis •Prevenção •Opções •Custo/Benefício •Legislação Figura 1.2. Quadro conceptual de análise de risco da FAO/OMS (1995) Idealmente, a avaliação do risco duma micotoxina para as populações requer um levantamento toxicológico completo, um estudo epidemiológico, um estudo de exposição da população ao composto e a caracterização do risco. Há dois conceitos a ter em conta na avaliação de risco: perigo e risco. Por perigo entende-se a propriedade intrínseca da micotoxina que causa efeitos adversos na saúde sob dadas condições. Esta definição implica que, com algum grau de certeza, em condições semelhantes o agente causa efeitos adversos semelhantes na saúde. O risco é definido como a probabilidade estimada de um efeito adverso na saúde, ponderado pela sua severidade, ocorra em humanos como resultado da exposição à micotoxina na alimentação. Identificação do perigo. As micotoxinas têm um vasto espectro de efeitos toxicológicos, e afectam diversos processos celulares. Esta diversidade de efeitos biológicos requer uma avaliação caso a caso e pode requerer uma variedade de técnicas de extrapolação (V. caracterização do risco). A vasta ocorrência de micotoxinas fez delas causa de micotoxicoses humanas e animais e, como tal, o estabelecimento de risco usa informação de estudos epidemiológicos de humanos expostos. Muitas micotoxinas têm propriedades carcinogéneas que afectam vários órgãos, bem como outras actividades tóxicas (v.g. demonstram actividade teratogénica, imunossupressora, neurotóxica) ou hormonais (caso da zearalenona). Além destas acções específicas, foram observados perturbações gastrointestinais, irritações de pele e efeitos hematológicos. São 19 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA estes estudos que determinam empiricamente o “nível de efeito adverso não observado” (NOAEL), que pode ser visto como o limiar. No entanto, há processos para os quais se considera que não há limiar, como para as propriedades iniciadoras e promotoras de carcinogénese e progressão de tumores. Caracterização do perigo. A caracterização do perigo é a fase de extrapolação do estabelecimento de risco. Tem por objectivo fazer uma caracterização preditiva do perigo para humanos, baseado em estudos animais (extrapolação a espécies) sob condições de baixa exposição (extrapolação de doses altas a baixas). O resultado final da caracterização de risco é a estimativa duma dose segura, como a ingestão diária tolerável provisória (PTDI). O termo tolerável implica a noção de que as micotoxinas não são necessárias para o nosso organismo. As doses diárias toleráveis (TDI) só são determinadas quando é provável que haja um limiar na relação dose/efeito, baseado no mecanismo e modo de acção. Para obter uma TDI para humanos, é prática comum dividir-se o NOAEL por um factor de segurança de 100, quando se extrapola para humanos e animais. Isto toma em consideração um factor 10 para diferenças entre espécies e outro factor 10 para variação intraespecífica (neste caso, intra-humano). Quando há efeitos irreversíveis para os quais estão estabelecidos limiares (caso dos carcinogénicos não genotóxicos) ou quando há dados insuficientes, podem ser adicionados factores de incerteza. Para os carcinogénicos genotóxicos ou agentes genotóxicos (patulina), como se considera que não há limiar, uma TDI não pode ser determinada. Quando a sua presença não pode ser evitada, podem-se estabelecer através de extrapolação de efeitos por modelos matemáticos doses em que se considera que o risco é negligenciável. Alternativamente, as estimativas de uma “dose segura” podem resultar de estudos epidemiológicos apropriados, sempre que estejam disponíveis. Apesar de ser difícil de determinar, a TDI pode ser vista como uma propriedade intrínseca duma dada micotoxina, que toma em consideração tanto a potência dos efeitos medidos como factores biológicos, tendo em conta a severidade, relevância e significância dos efeitos para humanos. Avaliação da exposição. A exposição às micotoxinas depende do nível destas substâncias nos diferentes alimentos e da ingestão desses alimentos pela população. Podem existir grandes diferenças nacionais e regionais quanto à ingestãodos alimentos, devido a hábitos alimentares diferentes, o que faz com que as avaliações de exposição sejam específicas para cada país. Os rastreios aos alimentos são feitos ao longo de vários anos, para reunir dados sobre os níveis de contaminação a que as populações estão expostas. Podem-se refinar as estimativas com outros 20 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA factores, como processamento dos alimentos tanto pela indústria como em casa. A exposição varia com a idade, com as crianças, regra geral, mais expostas a certos alimentos como o leite. Estudos da exposição podem ser conduzidos avaliando os níveis de micotoxinas presentes no sangue ou outros fluidos da população. Caracterização do risco. A caracterização do risco é a estimativa qualitativa ou quantitativa, incluindo a incerteza, da gravidade e ocorrência provável de potenciais efeitos adversos de saúde conhecidos numa população exposta. Baseia-se na identificação e caracterização do perigo e avaliação da exposição. A caracterização do risco permite o estabelecer de níveis de exposição diários à micotoxina em que o risco seja insignificante durante o tempo de vida. Como tal, a exposição tem de ser mais baixa que a TDI ou outra medida de dose segura. Para substâncias em que não pode ser determinada a TDI, a margem de segurança entre exposição humana e efeitos adversos observados em espécies animais pode ser usado como um indicador da possibilidade de ocorrerem efeitos nefastos em humanos, e pode ser usado desta forma no estabelecimento de risco. Além de considerar a população normal, a caracterização de risco precisa de considerar aqueles grupos que são mais vulneráveis à exposição, como crianças (devido ao seu baixo peso corporal) ou outros grupos para os quais haja diferenças na bio-disponibilidade, metabolismo ou disposição genética, como os mais idosos. A este respeito, tem de se examinar se um factor de 10 é adequado para englobar estas diferenças na susceptibilidade humana devido à variabilidade humana. 1.3. Micotoxinas frequentemente detectadas As micotoxinas mais frequentemente detectadas em alimentos bem como os seus efeitos tóxicos em animais estão indicados na Tabela 1.2. Dada a relevância da OTA para esta dissertação, fez-se uma revisão das matrizes alimentares em que foi detectada a micotoxina até ao momento da escrita desta dissertação (Tabela 1.3). Das micotoxinas listadas, as únicas para as quais existem dados suficientes que permitiram realizar a avaliação de risco pela JECFA (V. secção 1.4.1, p. 22) são as aflatoxinas, deoxinivalenol (DON), OTA, zearalenona, fumonisinas, toxina T-2 e patulina. Actualmente, as micotoxinas consideradas mais relevantes para a saúde são todas as mencionadas com a excepção da patulina, que não suscita demasiadas preocupações, devido à sua ocorrência limitada, principalmente em sumos e 21 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA outros derivados de maçã, e à existência de medidas efectivas de controlo e legislação da micotoxina nos produtos mencionados. Outras micotoxinas, devido à sua frequente ocorrência em alimentos, co-ocorrência com micotoxinas relevantes, ou que se pensa que podem ter envolvimento em micotoxicoses ocasionais (v.g. ácido ciclopiazónico, esterigmatocistina, citrinina, micotoxinas tremorgénicas, penitrininas, citrioviridinas, ácido penicílico, toxinas de Alternaria) suscitam alguma preocupação, mas não há dados suficientes para se estabelecer o risco real destas micotoxinas para a saúde. 1.4. Controlo de micotoxinas O reconhecimento dos potenciais perigos causados por micotoxinas em alimentos põe em cena estudos científicos e mecanismos legais, para assegurar a segurança da fonte alimentar. A necessidade de legislação que imponha limites quanto à concentração de micotoxinas nos alimentos para protecção da saúde dos consumidores é aceite por todo o mundo industrializado. Governos nacionais e organizações internacionais desempenham um papel fundamental em assegurar que os direitos dos cidadãos são defendidos. 1.4.1. Acções das organizações internacionais Moy (1998) reviu os esforços internacionais para avaliar e reduzir os riscos humanos por consumo de micotoxinas. Em 1963, a FAO e WHO estabeleceram a Comissão Codex Alimentarius, um organismo intergovernamental cujo propósito é proteger a saúde dos consumidores e assegurar boas práticas no mercado alimentar. O Codex é composto actualmente por mais de 150 países membros, e tem desenvolvido directivas e outras recomendações cujo propósito é facilitar o comércio internacional de alimentos. Com o estabelecimento da Organização Mundial de Comércio (OMC) em 1995, os textos adoptados pelo Codex são vistos como representativos do consenso internacional quanto aos requisitos de saúde e segurança dos alimentos. Os textos adoptados pelo Codex permanecem voluntários até serem aceites ou usados pelos países, mas os acordos implementados pela OMC providenciam uma forma para a adopção colectiva de normas, directivas e recomendações do Codex por todos os países membros da OMC. 22 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Tabela 1.2. Alimentos destinados à alimentação humana em que foram detectadas micotoxinas e seus efeitos tóxicos (adaptado de CAST, 2003) Micotoxina Ocorrência em alimentos Efeitos patológicos causados pela micotoxina Aflatoxinas (B1, B2, G1, G2) Amendoins, milho, trigo, arroz, algodão, copra, nozes, leite, ovos, queijo, figos, alimentos variados Hepatoxidade Hiperplasia dos ductos biliares Hemorragia renal e do tracto intestinal Carcinogénese (tumores no fígado) Aflatoxina M1 Leite Semelhante a aflatoxina B1 Citrinina Trigo, cevada, milho e arroz Nefrotoxicidade (necrose tubular do rim) Nefropatia porcina Ácido ciclopiazónico Milho, amendoins, queijo Necrose muscular Hemorragia intestinal e edema Lesões orais OTA Cereais (trigo, cevada, aveia e milho), feijões desidratados, amendoins com bolor, queijo, tecidos porcinos, café, passas, uvas, frutos secos, vinho Nefrotoxicidade (necrose tubular do rim) Nefropatia porcina Danos no fígado Enterite Teratogénese Carcinogénese (tumores renais e tumores do tracto urinário) Imunosupressora Patulina Maçãs podres, sumo de maçã Edema cerebral e pulmões Hemorragia pulmunar Danos nos capilares do fígado, baço e rins Paralisia dos nervos motores Convulsões Carcinogénese (não confirmada) Antibiótico Ácido penicílico Milho armazenado, cereais, feijões desidratados, tabaco com bolor Danos no fígado (fígado gordo, necrose celular) Danos renais Acção tipo Digitalis no coração Dilatação dos vasos sanguíneos Antidiurético Edema em pele de coelho Carcinogénese Antibiótico Penitrininas Queijo em creme com bolor, nozes inglesas, hamburger, cerveja Tremores, morte, descoordenação, diarreia com sangue Esterigmatocistina Café verde, trigo com bolor, queijos duros, ervilhas, algodão Carcinogénese hepatoxicidade Tricotecenos (toxina T-2, diacetoxiscirpenol, neosolaniol, nivalenol, diacetilnivalenol, DON, toxina HT-2, fusarenona X) Milho, trigo, cevada, aveia Perturbações digestivas (emesia, diarreia, recusa de alimentos) Hemorragias (estômago, coração, intestinos, pulmões, bexiga e rins) Edema Lesões orais Dermatite Desordens sanguíneas (leucopenia) Zearalenona Milho Efeitos estrogénicos (edema da vulva, prolapse da vagina, alargamento do útero) Atrofia dos testículos, atrofia dos ovários, aumento das glândulas mamárias Aborto Fumonisinas Milho e derivados, chá preto Leucoencefalomalacia e edema pulmonar Carcinogénese (cancro do esófago) 23 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Tabela 1.2. Alimentos destinados à alimentaçãohumana em que foram detectadas micotoxinas e seus efeitos tóxicos (adaptado de CAST, 2003) (continuação) Micotoxina Ocorrência em alimentos Efeitos patológicos causados pela micotoxina Alcalóides do ergot (clavinas, ácidos lisérgicos, amidas de ácido lisérgico, ergopeptinas) Cereais (trigo, centeio), milho miúdo Ergotismo (sindrome nervoso e gangrenal) Ácido tenuazónico Tomates, frutos podres Nefrotóxico Hepatóxico hemorrágico Tabela 1.2. Revisão dos alimentos onde foi detectada a presença de OTA desde 2000 até ao momento da escrita da dissertação Produto alimentar Referência Alcaçuz Majerus et al., 2000 Azeite Miraglia & Brera, 2002; Papachristou & Markaki, 2004 Cacau, Chocolate Miraglia & Brera, 2002; Bonvehi, 2004; Tafuri et al., 2004 Café vd Stegen et al., 1997; Leoni et al., 2000; Romani et al., 2000; Otteneder & Majerus, 2001; Varga et al., 2001; Fazekas et al., 2002; Lombaert et al., 2002; Miraglia & Brera, 2002; Pardo et al., 2004 Cereais e seus derivados Campbell et al., 2000; Varga et al., 2001; Beretta et al., 2002; Czerwiecki et al., 2002; Fazekas et al., 2002; Jorgensen & Jacobsen, 2002; Miraglia & Brera, 2002; Palermo et al., 2002; Blesa et al., 2004a; Araguás et al., no prelo; Molinié et al., no prelo Cerveja Visconti et al., 2000; Soleas et al., 2001; Miraglia & Brera, 2002; Odhav & Naicker, 2002; Tangni et al., 2002; Araguás et al. (no prelo); Derivados de carne (fiambre, fumados) Chiavaro et al., 2002; Miraglia & Brera, 2002 Especiarias Vrabcheva, 2000; Miraglia & Brera, 2002 Figos e frutos secos Miraglia & Brera, 2002; MacDonald et al., 2003 Milho Machinski et al., 2001; Puntaric et al., 2001 Outros Miraglia & Brera, 2002 Tecidos porcinos Dragacci et al., 1999; Jorgensen & Petersen, 2002; Miraglia & Brera, 2002 Uvas e produtos derivados V. capítulo 2, Tabelas 2.2 e 2.3 24 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Os propósitos do Codex quanto às micotoxinas e outros contaminantes alimentares são conseguir uma abordagem comum que passa por soluções práticas, como o estabelecimento de recomendações quanto aos níveis máximos residuais admissíveis em alimentos, quanto aos procedimentos que visem prevenir o problema, e quanto aos métodos de análise e de amostragem. Idealmente, estas recomendações deverão ser aceitáveis tanto para os países produtores como para os importadores. As avaliações científicas da análise de risco são a base das recomendações feitas pelo Codex no que diz respeito à regulamentação internacional de micotoxinas. O processo de controlo de contaminantes alimentares pelo Codex inicia-se geralmente com a identificação de potenciais problemas de saúde. O Programa Internacional de Segurança Química, patrocinado conjuntamente pela OMS, Programa Ambiental das Nações Unidas e Organização Internacional do Trabalho, estabeleceu em colaboração com o Instituto Internacional das Ciências da Vida da Europa, um grupo cujo objectivo era desenvolver uma lista preliminar das toxinas de plantas de ocorrência natural consideradas como constituíndo um perigo para o consumidor. Este grupo lidera a recolha de informação disponível avaliando-a de acordo com critérios uniformizados, e encoraja e apoia a pesquisa em tópicos em que seja necessária mais informação. Várias micotoxinas estão sob consideração por este comité director, incluindo muitas das mencionadas. Desde que exista informação suficiente para documentar um potencial perigo, a substância é referida ao Comité Conjunto de Peritos da FAO/OMS (JECFA) para a caracterização do perigo. A JECFA é responsável por reunir e avaliar dados em aditivos e contaminantes alimentares e fazer recomendações quanto aos níveis de segurança. As recomendações da JECFA servem de base científica para o codex desenvolver directivas e outras recomendações. Em termos gerais, os propósitos e funções da JECFA incluem: 1) revisão do conhecimento e informação de peritos e tornar essas informações disponíveis para a FAO, OMS e seus países membros; 2) formular recomendações técnicas; 3) fazer recomendações com o propósito de iniciar, estimular e coordenar a investigação necessária para se chegar a conclusões sobre as implicações toxicológicas ou outras sobre a presença duma dada substância na comida (Moy, ob. cit.). Para a maior parte das micotoxinas, os dados disponíveis são insuficientes para permitir uma avaliação pela JECFA. No entanto, as seguintes micotoxinas já foram avaliadas: aflatoxina M1, DON, fumonisinas, OTA, toxina HT2 e T-2 (JECFA, 2001); patulina (OMS, 1996); zearalenona (OMS, 2000), e PTDI estabelecidas. Para as aflatoxinas, não podem ser 25 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA estabelecidas doses máximas, e a sua exposição deve ser reduzida ao mínimo possível (OMS, 1998). A IARC realizou numerosos estudos para estabelecer a carcinogenicidade de várias micotoxinas. Segundo a IARC, as micotoxinas são classificadas como carcinogénicas para humanos (grupo 1), possíveis carcinogénicas para humanos (grupo 2B), não classificáveis quando à carcinogenicidade em humanos (grupo 3). A nível internacional, foi criado um programa de monitorização de químicos em alimentos, para contribuir para o estabelecimento da exposição, designado de GEMS/Food. Este programa, que engloba cerca de 70 países, tem como objectivos informar os governos, a Comissão Codex Alimentarius e outras instituições relevantes, bem como o público, quanto aos níveis de contaminantes presentes nos alimentos, a sua contribuição para a exposição humana total, e a sua significância em termos de saúde pública e mercados. As micotoxinas monitorizadas pelo GEMS/Food são aflatoxinas, OTA, DON, patulina e fumonisinas, em diversos produtos alimentares (OMS, 2001). Periodicamente a base de dados da GEMS/food é avaliada, para estabelecer níveis e tendências na contaminação dos alimentos. Quando o risco está suficientemente bem caracterizado, podem ser consideradas várias opções de controlo. No entanto, como foi referido na secção 1.2, as decisões de gestão de risco devem incluir considerações económicas, sociais e políticas (factores de não-risco). Se o contaminante for relevante no mercado internacional alimentar, as opções de gestão de risco podem ser consideradas pelo Comité do Codex em Aditivos e Contaminantes Alimentares (CCFAC) para elaboração no sistema do Codex. O CCFAC tenta desenvolver limites máximos (MLs) de micotoxinas em certos alimentos. O sucesso desta iniciativa no caso da aflatoxina foi limitado, visto que os países adoptaram diferentes níveis nos alimentos. Na ausência de dados de confiança e consenso científico, há desacordos frequentes entre os países importadores e exportadores quanto ao estabelecimento de níveis regulatórios com base na sua percepção de que níveis são conseguidos por boas práticas agrícolas e de fabrico. Por isso, os governos nacionais estabeleceram níveis muito diferentes para as aflatoxinas. O cumprimento destas políticas acarreta custos económicos consideráveis. A rejeição de carregamentos alimentares resulta em custos económicos significativos, particularmente para os países em desenvolvimento. Além disso, os governos nacionais e organizações internacionais devotam recursos consideráveis quanto aos métodos de prevenção, redução ou eliminação das micotoxinas dos alimentos. 26 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 1.4.2. Acções dos governos nacionais no controlo alimentar Cerca de 100 países possuem legislação sobre uma ou mais micotoxinas em diversos alimentos (FAO, 2004). A tomada de decisão sobre que micotoxinas regulamentar, em que produtos e em que níveis é complexa. Na maior parte dos países, as regulamentaçõessobre micotoxinas não foram baseadas em estabelecimentos de risco sólidos. O estabelecimento de limites por parte dum país é influenciado por diversos factores, como os métodos analíticos disponíveis para o controlo legal, os dados sobre toxicologia e ocorrência da micotoxina em alimentos usados no estabelecimento de risco, bem como a existência de legislação noutros países com que existam trocas comerciais. A falta duma abordagem unificada entre países resultou numa grande variedade de recomendações e regulamentações no que diz respeito às micotoxinas. Vários factores dificultam uma abordagem comum. Um destes factores diz respeito a conflitos entre interesses nacionais e comerciais. Os interesses dos países produtores não coincidem necessariamente com os dos importadores e a presença de micotoxinas em alimentos pode levar a barreiras comerciais a menos que todas as partes concordem em definir níveis seguros de micotoxinas e respeitar os seus próprios interesses. Em geral, os países produtores têm limites mais elevados para as micotoxinas nos produtos que os países importadores. Outros factores impeditivos dizem respeito à diferente interpretação e análise dos dados usados no estabelecimento de risco consoante os países, bem como diferenças nos padrões alimentares (Moy, 1998). 1.4.3. Posições adoptadas pela Europa e Portugal Estão a ser feitos esforços no sentido de harmonizar os níveis máximos admissíveis de micotoxinas presentes em alimentos nos países da UE, e a Comissão Europeia emitiu regulamentações nesse sentido. Na UE, a responsabilidade do estabelecimento toxicológico do contaminante para a saúde humana e ambiente cabe ao Comité Científico dos Alimentos (SCF). De seguida, vários grupos de trabalho e comités de peritos com delegados de todos os estados membros preparam propostas. Após consultas detalhadas, é entregue uma proposta ao SCF para uma avaliação final, após a qual a Comissão Europeia estabelece uma Comissão Executiva com representantes de todos os estados membros, o que conduz à adopção da directiva ou regulamentação resultante. Visto que a UE é um parceiro importante no comércio 27 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA internacional, no estabelecimento de níveis máximos de micotoxinas são levadas em conta normas internacionais (v.g. Codex Alimentarius) de forma a assegurar que o comércio internacional não é impedido sem justificação. Correntemente estão regulamentados os níveis de aflatoxinas e OTA em diversos produtos alimentares (Tabela 1.4), e o estabelecimento de níveis máximos admissíveis em café e seus derivados, bem como em sumos de uva e vinhos, foi votado a favor pelo Comité da Cadeia alimentar e Saúde Animal da UE que representa os estados membros. As regulamentações podem ser encontradas nas páginas da UE na internet: http://europa.eu.int/eur-lex/en/index.html. Tabela 1.3. Níveis máximos admissíveis de micotoxinas em alimentos estabelecidos na UE Tipo de alimento Níveis máximos admissíveis (µg/kg) Patulina Aflatoxinas OTA B1 B1+B2+G1+G2 M1 Nozes e frutos secos - 2 – 8 4 - 15 - - Cereais - 2 4 - 3 - 5 Leite - - - 0,05 - Especiarias - 5 10 - - Uvas passas - - - - 10 Sumos de frutas (excepto uvas), maçãs e seus derivados 10 - 50 - - - - Sumo de uva 50 - - - 2* Vinho - - - - 2* Café e seus derivados - - - - 5 - 10* * aguarda adopção formal pela Comissão Em Portugal, a autoridade responsável pela análise dos alimentos é a Direcção Geral de Fiscalização e Controlo de Qualidade Alimentar. Entre 1999 e Julho de 2003, mais de 1000 amostras de frutos secos, nozes, especiarias e leite foram analisadas quanto à presença de aflatoxinas. Algumas amostras de amendoins, figos secos, pistáchios, caril e noz-moscada excederam os limites máximos admissíveis para aflatoxinas. Quanto à OTA, das cerca de 400 amostras diversas analisadas, foram detectados níveis elevados em algumas amostras de uvas passas e café. A incidência de OTA nas amostras é elevada, mas em baixos níveis. Análises a 28 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 36 amostras recolhidas no mercado de sumos de maçã e pêra e outros produtos derivados não ultrapassaram o limite máximo proposto para a patulina (Peito & Venâncio, 2004). 1.5. Gestão de risco de micotoxinas Sendo as micotoxinas contaminantes naturais, é impossível assegurar a sua completa eliminação dos produtos alimentares. Mas a sua presença pode e deve ser minimizada a níveis que não apresentem risco para a saúde. Em algumas situações recomenda-se a aplicação do princípio ALAR, que significa “tão baixo quanto seja razoável”. É possível reduzir os níveis de micotoxinas nos alimentos através da implementação de medidas de controlo, como a análise de perigos e pontos críticos de controlo (HACCP). O HACCP baseia-se na identificação e estabelecimento de perigos em alimentos, e na implementação de formas de os controlar. A ideia da implementação de medidas de controlo pró-activas, baseadas nos processos de fabrico, surge da percepção de que não é possível assegurar produtos seguros apenas com base em análises ao produto final, visto que é impossível testar 100% dos produtos. O HACCP assenta na suposição de que boas práticas de higiene, fabrico e armazenamento resultam na obtenção de produtos finais com perigos controlados, e assenta em 7 princípios: Princípio 1. Identificar todos os perigos possíveis desde a entrada e aprovisionamento das matérias primas até à obtenção e despacho do produto final; Princípio 2. Identificar os pontos críticos de controlo (pontos em que se pode controlar o perigo) de cada um dos perigos identificados; Princípio 3. Definir os limites críticos para os vários perigos em cada ponto crítico; Princípio 4. Definir o procedimento de monitorização dos pontos críticos; Princípio 5. Estabelecer o plano de acção (acções correctivas) a adoptar sempre que os limites críticos sejam ultrapassados; Princípio 6. Implementar um sistema de verificação do funcionamento do plano adoptado (análises a produtos, inquéritos e monitorização das actividades do pessoal, auditorias externas); Princípio 7. Implementar um sistema efectivo de registo do resultado de todos os testes efectuados em cada ponto crítico. 29 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA A aplicação destes procedimentos ao controlo de micotoxinas está descrita no manual da FAO (FAO, 2001). Para que seja possível identificar os perigos micotoxigénicos que podem ocorrer, bem como os pontos críticos de controlo, é necessário ter-se conhecimento de como e quando se processa a contaminação dos alimentos com fungos micotoxigénicos e quando e em que condições se dá a síntese de micotoxinas. 2. Produção de micotoxinas e sua presença em alimentos A contaminação dos alimentos com micotoxinas resulta da infecção da cultura/alimento por fungos toxigénicos, frequentemente sem sintomas visíveis a olho nú. A produção de micotoxinas pode dar-se ao longo de fases distintas da produção dos alimentos. O esquema genérico da produção de alimentos até chegarem ao consumo humano está elucidado na Figura 1.3. Cultivo agrícola Armazenamento/ Transporte Consumo humano Consumo animalProcessamento ColheitaCultivo agrícola Armazenamento/ Transporte Consumo humano Consumo animalProcessamento Colheita Figura 1.3. Diagrama representativo das fases de produção de alimentos até consumo humano Os fungos toxigénicos podem estar presentes nas várias etapas da produção dos alimentos até que chegam à nossa mesa: durante o cultivo, colheita, armazenamento, transporte e processamento. Não é possível descrever um único conjunto decondições que favorecem o crescimento e produção de micotoxinas por fungos, porque os fungos micotoxigénicos diferem nas suas características ecológicas, bioquímicas e nichos ecológicos (capítulo 3). Como tal, é difícil generalizar sobre estratégias de controlo, dada a diversidade de fungos produtores de micotoxinas em diversas culturas antes e depois da colheita. Mas a 30 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA compreensão dos factores relevantes para a produção de micotoxinas por um dado fungo numa dada comodidade agrícola permitem a definição de estratégias para combater o problema. Os factores envolvidos na produção de micotoxinas em campo, isto é, pré-colheita, são distintos dos envolvidos no período pós-colheita, e são apresentados nas secções seguintes. Grande parte do conhecimento que se tem sobre o fenómeno da contaminação de culturas e alimentos com micotoxinas advém dos cereais. As micotoxinas mais estudadas nestas matrizes foram as aflatoxinas, e mais recentemente, as toxinas de Fusarium. Por isso, a maior parte das referências citadas dizem respeito à contaminação destas culturas com as micotoxinas referidas. Apesar de se separarem ecologicamente os fenómenos de contaminação pré e pós colheita, a produção de micotoxinas em alimentos é frequentemente um processo aditivo, que se inicia no campo e aumenta durante a colheita, armazenamento ou processamento. 2.1. Pré-colheita O período pré-colheita inicia-se com a emergência da planta do solo e termina com a colheita da cultura. A produção de micotoxinas nas plantas pode dar-se durante o seu crescimento e a produção de micotoxinas acumular-se em diferentes concentrações nos órgãos das plantas afectadas. Os pré-requisitos essenciais para a produção de micotoxinas antes da colheita são: i) presença de estirpes toxigénicas, ii) susceptibilidade do hospedeiro e iii) nicho agroclimático favorável (Bilgrami & Choudhary, 1998). A interacção entre estas 3 esferas está representada na Figura 1.4. Vamos falar de cada um destes conjuntos de factores em pormenor. 2.1.1. Estirpes toxigénicas A distribuição mundial e a incidência das espécies de fungos (micogeografia) varia de acordo com factores bioclimáticos e com o tipo de alimento (Arnolds, 1997). Comodidades agrícolas diferentes não têm a mesma micoflora, mesmo em locais próximos, e as mesmas comodidades agrícolas em variadas partes do globo exibem micofloras constituídas por espécies que apresentam perigos micotoxigénicos diferentes. Conhecer a micoflora dum dado 31 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA produto num local possibilita-nos prever os riscos de contaminação e restringir as nossas pesquisas às eventuais micotoxinas presentes (Frisvad & Samson, 1991). Estirpes toxigénicas Cultura susceptível Factores ambientais MM Estirpes toxigénicas Cultura susceptível Factores ambientais MM Figura 1.4. As 3 componentes necessárias para haver produção de micotoxinas em alimentos: presença de estirpes toxigénicas, cultura susceptível e factores ambientais favoráveis à infecção do fungo e produção da micotoxina na cultura/alimento (M = micotoxinas) Nem todas as estirpes duma dada espécie são capazes de produzir micotoxinas. No caso da espécie produtora de aflatoxinas, A. flavus, as estirpes não toxigénicas são mais frequentes que as toxigénicas. Em termos de genética populacional, as estirpes não toxigénicas, mais abundantemente distribuídas, podem ser vistas como o tipo selvagem (wild-type), e as toxigénicas, mais restritas na sua distribuição, o tipo mutante. Alguns cientistas acreditam que a produção de micotoxinas traz alguma vantagem às estirpes produtoras, defendendo-se com a afirmação de Ernst Mayr de que “nature does not believe in extravagance” (Bilgrami & Sinha, 1992). Lillehoj defende que as intensivas práticas agrícolas são responsáveis pela criação de agroeconichos únicos que sob certas condições seleccionam fungos produtores de micotoxinas por mecanismos desconhecidos. O investigador pensa que as micotoxinas funcionam como sinais químicos entre as espécies num nicho ecológico e podem desempenhar uma função no estabelecimento das espécies num dado nicho (Lillehoj, 1992). O inóculo de fungos micotoxigénicos pode advir do ar, solo, vegetação em decomposição, plantas infectadas ou insectos, entre outros. Em condições favoráveis, estes fungos competem com outros organismos do solo e produzem inóculos abundantes (Payne, 1998). Os níveis de inóculo variam consoante os anos e os locais. A presença de estirpes micotoxigénicas é um dos pré-requisitos para que haja produção de micotoxinas em comodidades agrícolas, mas não implica a sua produção. Para produzir 32 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA micotoxinas numa dada planta, o fungo toxigénico tem de ser capaz de colonizar e infectar a planta bem como produzir a micotoxina nos tecidos do hospedeiro. Na visão de Payne (1998), por colonização entende-se o crescimento de fungos na superfície da planta, enquanto que por infecção entende-se uma relação mais íntima com o hospedeiro, em que o fungo invade os tecidos da planta e obtém nutrientes de células vivas. No entanto, o conceito de colonização é usado ao longo desta dissertação num sentido mais abrangente: por colonização entende-se a presença de propágulos fúngicos na superfície da planta. A capacidade de infecção da cultura depende por sua vez da patogenicidade da estirpe, susceptibilidade da cultura, e de factores ambientais. Existem fungos micotoxigénicos (v.g., espécies de Fusarium) que são patogénicos para plantas, mas em geral, os fungos micotoxigénicos não são patogénios agressivos, mas sim essencialmente saprófitas ou parasitas oportunistas (v.g., espécies de Aspergillus e Penicillium), capazes de infectar as culturas através de danos e injúrias físicas. Existem nas plantas vias naturais de entrada que apresentam pouca obstrução física, que podem ser exploradas por estes fungos (Smart et al., 1990). Como estes fungos têm capacidades parasíticas limitadas, várias condições ambientais têm de ocorrer para que se dê a infecção e a síntese de micotoxinas. Após a infecção, o fungo produz a micotoxina cumulativamente, até que o substrato seja esgotado, o fungo morto ou que se estabeleçam condições permanentemente desfavoráveis para a síntese de micotoxinas. A micotoxina, se não for degradada entretanto, permanece no alimento até às fases finais da produção. 2.1.2. Susceptibilidade do hospedeiro A planta cultivada tem de ser compatível com o fungo toxigénico presente para haver produção de micotoxinas, isto é, como foi referido na secção anterior, tem de ser possível a infecção e a produção de micotoxinas pelo fungo nos tecidos da planta. Ao longo do seu ciclo de vida, a planta apresenta susceptibilidade diferente a fungos. Por isso, factores relacionados com a colheita são essenciais no estabelecimento da infecção. Regra geral, quanto mais tarde for feita a colheita, mais tempo existe para haver formação de micotoxinas no campo e mais susceptível a cultura se torna. No momento da colheita, infligem-se danos às culturas, podendo-se abrir vias de entrada para fungos micotoxigénicos. 33 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA A presença de danos mecânicos e injúrias físicas na planta, devidas a ataques de pestes (v.g., insectos, pássaros, outros fungos) ou factores climáticos (v.g., granizo, seca excessiva), são um veículo de ataque por parte de fungos e outros invasores, e aumentam enormemente a susceptibilidade da planta em qualquer estado de maturação. Mas além dos danos físicos, outros aspectos, como o stresse da planta de cultivo, contribuem para a susceptibilidadea infecções. Stresse hídrico em momentos críticos do ciclo de vida da planta pode ser determinante (Bilgrami & Choudhary, 1998). Adicionalmente, existem variedades de plantas mais resistentes que outras à infecção por fungos micotoxigénicos (Widstrom, 1992). Uma vez a cultura infectada em campo, o crescimento fúngico pode continuar nos estados pós-colheita e armazenamento. 2.1.3. Nicho agroclimático favorável Os factores ambientais são determinantes na produção de micotoxinas, porque influenciam a quantidade de inóculo, bem como a capacidade do fungo colonizar, infectar e produzir micotoxinas na planta, além de contribuírem para a susceptibilidade do hospedeiro. Os factores climatéricos mais relevantes para a produção de micotoxinas em campo são a temperatura, a precipitação e a humidade (Abramson, 1998). A chuva e vento facilitam a dispersão de inóculo. A capacidade de germinação dos esporos depende essencialmente da temperatura e da humidade ou actividade de água do substrato e, se as condições climatéricas forem favoráveis, dá-se a germinação dos esporos e a colonização das plantas, o que pode conduzir à infecção e à formação de micotoxinas. Factores biológicos, como a comunidade microbiana do solo e plantas e a competição de microrganismos, mostraram-se relevantes para a determinação da produção de micotoxinas em plantas de cultivo e seus órgãos (Bilgrami & Choudhary, 1998). Os insectos são dos factores biológicos mais relevantes na contaminação com micotoxinas, pois não só danificam as plantas, como actuam como vectores de inóculo (Dowd, 1998). 34 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 2.2. Pós-colheita Durante o armazenamento e transporte, o inóculo de fungos micotoxigénicos que estava presente na comodidade agrícola, exceptuando se houve um pré-processamento que involva desinfecção, continua presente. Podem também existir outras fontes de inóculo (v.g., outros produtos armazenados, instalações de armazenamento ou transporte). Os ambientes de armazenamento são mais secos que as condições de campo, e as actividades de água do substrato mais baixas, o que favorece o crescimento de fungos com requisitos ecológicos diferentes das condições antes da colheita. Nesta fase, a produção de micotoxinas depende da presença de fungos toxigénicos capazes de crescer e produzir a micotoxina no substrato e de factores ambientais no armazenamento, dos quais a actividade de água é particularmente importante. Outros factores, como o tempo de incubação, a temperatura, a atmosfera e o potencial redox, bem como pH e comunidades microbianas são relevantes (Abramson, 1998; Smith et al., 1998). 2.3. Processamento dos alimentos As micotoxinas podem surgir de 3 formas nos alimentos processados: i) estando presentes na matéria-prima; ii) formando-se durante o processamento; iii) ou após o processamento, devido a más condições de armazenamento ou acondicionamento. O tipo de processamento pode afectar os níveis de micotoxina presentes nas matérias-primas, podendo eliminar, reduzir ou aumentar a toxina no alimento processado. Por exemplo, sabe-se que a fermentação destrói a micotoxina patulina, que é detectada em sumos de frutas, mas não em bebidas alcoólicas (Scott et al., 1977). No processamento do café verde para café torrado e solúvel, pode ocorrer uma redução nos níveis de OTA até 90% (Viani, 2002). Kpodo e colaboradores (1996) verificaram que a cocção durante 3 horas de milho fermentado contribui para a redução de 80% nos níveis de aflatoxina B1 e G1. No processo de fabrico de vinho, verificou-se que vários passos do processo contribuem para a redução dos níveis da micotoxina OTA, essencialmente sempre que há separação de matéria sólida do vinho (Hocking et al., 2003; Fernandes et al., 2003; no prelo). Por sua vez, passos que envolvam concentração de matéria-prima podem conduzir a níveis de micotoxinas mais elevados nos alimentos processados. O aumento da concentração de 35 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA OTA durante o fabrico de pekmez é disso exemplo. O pekmez é uma bebida turca feita de sumo de uva concentrado e fervido. Verificou-se que a concentração de OTA no pekmez era 5 a 6 vezes maior que o detectado nas uvas (Arici et al., 2004). É possível que a produção de micotoxinas se dê durante o processamento dos alimentos. Bailly e colaboradores (2002) verificaram que durante o fabrico de queijo há potencial para a produção de micotoxinas. Mas a produção de micotoxinas durante o processamento alimentar não é referida habitualmente. 2.4. Cadeia alimentar As micotoxinas podem entrar na cadeia alimentar ao serem consumidas em rações por animais. Os animais podem degradar as micotoxinas, acumulá-las nos seus órgãos e tecidos ou transformá-las noutros produtos e excretá-las, como é o caso da aflatoxina M1 nos produtos lácteos (Galtier, 1999; Guerre et al., 2000; Mendonça & Venâncio, no prelo), e estar presentes em alimentos destinados a consumo humano. 2.5. Presença e distribuição de micotoxinas em comodidades agrícolas Devido à síntese de micotoxinas em alimentos ser um fenómeno complexo que depende de muitos factores, a produção de micotoxinas é tipicamente pontual e particularizada, distribuindo-se na colheita de forma não homogénea. Estudos em milho com aflatoxinas permitiram avaliar este facto. Na Figura 1.5 está representada a distribuição e o teor de aflatoxina em grãos de milho numa espiga. A contaminação é variável e nem todos os grãos infectados apresentam níveis detectáveis de aflatoxina (Cotty et al., 1994). Em muitos casos, a eliminação de componentes altamente contaminados resultaria em comodidades agrícolas com teores de aflatoxinas aceitáveis comercialmente. 36 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Figura 1.5. Distribuição e teor de aflatoxina em grãos de milho numa espiga (adaptado de Cotty et al., 1994). Células brancas = não infectadas, aflatoxina não detectada; Células amarelas = infectadas, aflatoxina não detectada; células cinzentas = concentações de aflatoxina de 0,1 – 2,5 g/kg; células negras = mais de 2,5 g/kg Devido a esta variabilidade na contaminação, a avaliação da produção de micotoxinas em campo, bem como a amostragem de lotes armazenados torna-se particularmente difícil (Whitaker, 2003a; Whitaker, 2003b). A possibilidade de co-ocorrência de micotoxinas em alimentos suscita preocupações acrescidas, visto que se desconhecem os efeitos das interacções entre estes compostos. Já foi detectada a co-ocorrência de patulina e citrinina em maçãs portuguesas (Martins et al., 2002) e de aflatoxina B1, fumonisina B1 e OTA em cereais (Park et al., 2002; Vargas et al., 2001). 2.6. Medidas de prevenção e controlo na contaminação por micotoxinas Em campo, antes da colheita, algumas estratégias de controlo de micotoxinas bem sucedidas basearam-se em boas práticas agronómicas, que maximizem o desempenho da planta e minimizem o stresse, bem como no cultivo de variedades resistentes aos fungos produtores. A maioria dos estudos diz respeito à prevenção de aflatoxinas em campo. A aposta no desenvolvimento de variedades de milho resistentes à produção de aflatoxinas por Aspergillus flavus tem mostrado resultados promissores (Brown et al., 1998). O uso de agentes biocompetitivos foi sugerido por diversas vezes. No caso das aflatoxinas, o uso de estirpes não-aflatoxigénicas para este fim parece ser o mais adequado, visto que estas estirpes são adaptáveis às condições ambientais de forma idêntica às toxigénicas, e são biologicamente activas. Em experiências de estufa e campo, obtiveram-se reduções grandes no teor de aflatoxinasem algodão com a aplicação de estirpes atoxigénicas de A. flavus em grãos de trigo. A redução no teor de aflatoxinas parece ser devida à exclusão espacial de estirpes toxigénicas e competição por recursos necessários à produção de aflatoxinas. Pensa-se que os 37 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA amendoins também beneficiarão da redução na contaminação com aflatoxinas com o uso de estirpes atoxigénicas como biocompetidores. Estes estudos foram realizados com estirpes atoxigénicas nativas, mas existe potencial para o desenvolvimento de estirpes de biocontrolo mais eficazes através da bioengenharia, especialmente no que diz respeito à virulência das estirpes. A prevenção da formação de micotoxinas é uma abordagem mais desejável que outras formas de controlo, como a destoxificação dos alimentos. A maioria das micotoxinas é quimicamente estável, e resistem às condições de processamento, por exemplo, temperaturas elevadas. Uma das principais críticas apresentadas à alternativa da destoxificação é que muitos dos tratamentos não são economicamente viáveis. No entanto, adicionalmente à prevenção, existem vários esforços neste sentido, que se focalizam no processamento alimentar, na remoção de micotoxinas por adsorção, filtração, moagem, solventes, altas temperaturas e destoxificação por microrganismos (Sinha, 1998). Após colheita, a ênfase é colocada em práticas adequadas de colheita e armazenamento, bem como numa decisão cuidada do momento de fazer a colheita. Regra geral, culturas tardias conduzem a maiores probabilidades de formação de micotoxinas. No caso dos cereais, grãos de café, frutos e sementes oleaginosas, após colheita, as culturas devem ser secadas imediatamente. Ênfase deve ser colocado na limpeza do material em contacto com a cultura antes do transporte para evitar fontes de inóculo posteriores. Em condições de armazenamento, o controlo de humidade é essencial para prevenir a acumulação de micotoxinas. O uso de agentes anti-fúngicos pode ser usado como um complemento, mas não substitui as boas práticas (CAST, 2003). 3. Fungos produtores de micotoxinas Na Tabela 1.4 são apresentadas as principais espécies produtoras responsáveis pela produção de micotoxinas em alimentos. Existem outras espécies capazes de produzir as micotoxinas listadas, mas a sua ocorrência em alimentos não é relevante ou não se consideram fontes significativas da micotoxina. 38 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Tabela 1.4. Principais espécies responsáveis pela produção de micotoxinas Micotoxina Espécies produtoras Aflatoxinas Aspergillus flavus; A. parasiticus Ocratoxina A Aspergillus ochraceus; A. alliaceus; A. niger; A. carbonarius Penicillium verrucosum; P. nordicum Tricotecenos Fusarium spp. Zearalenona F. graminearum e outras Fusarium spp. Fumonisinas F. moniliforme (=F. verticillioides); F. proliferatum Citrinina P. citrinum; P. expansum; P. verrucosum; A. alliaceus Ácido penicílico A. ochraceus; P. aurantiogriseum; P. viridicatum Patulina P. expansum; P. griseofulvum; A. clavatus Esterigmatocistina Aspergillus versicolor; Emericella nidulans Ácido tenuazónico Alternaria alternata Penitrem A Penicillium crustosum Alcalóides do ergot Claviceps spp. Ácido ciclopiazónico A. flavus; A. tamarii; P. commune Os géneros de fungos filamentosos responsáveis pela produção de micotoxinas consideradas mais relevantes para a saúde (V. secção 1.3, p. 21) são Aspergillus, Fusarium e Penicillium. A relação entre a micotoxina e o fungo produtor não é única, i.e., uma dada micotoxina pode ser produzida por espécies diferentes (v.g., OTA), e um dado fungo pode produzir várias micotoxinas (v.g., P. expansum). A ligação entre as espécies e as micotoxinas foi frequentemente obscurecida pela má identificação das estirpes ou das micotoxinas ao longo do tempo. No entanto, esforços de vários investigadores em diferentes grupos taxonómicos, notavelmente de Frisvad e colaboradores na taxinomia e perfil de metabolitos secundários produzidos por espécies terverticiladas de Penicillium (V. secção 3.2.4), permitiram clarificar a produção de micotoxinas pelas espécies (Frisvad & Filtenborg, 1983, 1989; Frisvad, 1989; Frisvad et al., 1998; Lund & Frisvad, 1994; Svendsen & Frisvad, 1994). Apesar de nem todas as estirpes duma dada espécie serem capazes de produzir micotoxinas, a produção de micotoxinas pelas estirpes é bastante consistente em cultura pura, desde que se usem condições óptimas de produção. No entanto, a composição do meio de cultura afecta grandemente a produção de micotoxinas pelas estirpes. Daí que as micotoxinas produzidas em cultura pura podem não ser as mesmas produzidas em substratos naturais. Exemplo disso foi o trabalho desenvolvido durante a dissertação de Abrunhosa (2001a, 2001b), em que se verificou que apesar de todas as 51 estirpes de P. expansum testadas 39 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA produzirem citrinina em meio agarizado de extracto de levedura e sacarose (YES), apenas uma foi capaz de produzir a micotoxina num meio elaborado com base de extracto de uva. Por sua vez, estirpes que não produziram patulina em YES demonstraram essa capacidade em meio de uva. Visto que cada comodidade agrícola tem a sua micoflora própria, uma dada micotoxina pode ser produzida por espécies diferentes consoante o local ou o alimento em questão. Na Tabela 1.5 apresenta-se uma revisão das principais espécies produtoras de OTA detectadas em diversas comodidades agrícolas em diferentes pontos do globo, onde se observam as diferenças apontadas. Tabela 1.5. Principais espécies produtoras de OTA isoladas de alimentos onde foi detectada a presença da micotoxina Alimento País Espécie Referência Figos Califórnia A. alliaceus Bayman et al., 2002 Uvas Vários países A. carbonarius, agregado A. niger V. capítulo 2 Cereais Norte da Europa, Canadá P. verrucosum Mills et al., 1995; Lund & Frisvad, 2003 Cereais África do Sul A. alliaceus Odhav & Naicker, 2002 Derivados de produtos animais (enchidos e queijo) Europa P. nordicum Larsen et al., 2001 Derivados de milho Nigéria A. ochraceus Adebajo et al., 1994 Café Brasil A. ochraceus, A. sulphureus, A. carbonarius Batista et al., 2003; Taniwaki et al., 2003 Café Tailândia A. carbonarius Joosten et al., 2001 Castanhas Canadá A. ochraceus Overy et al., 2003 3.1. Fisiologia e Ecologia Já foi referido em secções anteriores que a produção de micotoxinas pelos fungos depende de factores ambientais e da cultura em causa, particularmente do seu estado de susceptibilidade. Em campo, o estado da cultura é apontado por Pitt e Hocking (1997) como o 40 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA principal factor que governa a ecologia da biodeterioração dos alimentos por fungos. O estudo da produção de micotoxinas em tecidos vivos das plantas é mais um ramo da patologia vegetal que da microbiologia alimentar. No entanto, em tecidos moribundos, dormentes, ou mortos, os factores que governam a biodeterioração e a produção de micotoxinas são físicos e químicos. Segundo os autores citados, há 8 factores principais: 1) actividade de água; 2); pH; 3) temperatura; 4) tensão de O2 e CO2, 5) consistência, 6) composição nutricional do substrato; 7) solutos específicos; 8) conservantes. A maioria dos fungos é pouco afectada pelo pH numa larga gama de valores, tipicamente entre 3 a 8. O pH é um factor importante em termos competitivos a elevadas actividades de água, onde a biodeterioração por bactérias é provável. Mas abaixo de pH 5, o crescimento de bactérias é menos provável. A tensão de O2 e CO2 é importante para os fungos visto que são organismosaeróbicos. A sensibilidade das espécies a estes parâmetros tem particular importância durante o processamento de alguns alimentos, como queijos, e no embalamento de alimentos. A consistência do alimento é importante quanto ao tipo de fungos filamentosos mais prováveis de causar estragos: duma forma geral, as leveduras causam mais estragos em produtos líquidos, visto que o ambiente é mais favorável à dispersão de organismos unicelulares, e os fungos filamentosos causam mais frequentemente estragos em substratos sólidos, onde têm acesso fácil ao oxigénio. Quanto à composição nutricional do substrato, a sua importância em termos de produção de micotoxinas já foi realçado previamente neste capítulo. A presença de certos solutos pode ser importante para o crescimento de alguns fungos, nomeadamente glucose, glicerol, cloreto de magnésio e cloreto de sódio, mas este factor parece ter pouca importância para as espécies anamórficas de Aspergillus e Penicillium. No caso de resistência a conservantes, em particular ácidos fracos, verificou-se diferenças na resistência das espécies, mas obviamente que este aspecto só tem interesse quando se usam conservantes alimentares. Indubitavelmente, dois dos aspectos considerados mais importantes e estudados mais frequentemente quanto aos requisitos ecofisiológicos para o crescimento de fungos filamentosos e produção de micotoxinas são a actividade de água e a temperatura. Quanto à actividade de água, os fungos produtores de micotoxinas são divididos em fungos de campo e fungos de armazenamento. Os fungos de campo só conseguem crescer com actividades de água elevadas (acima de 0,90 aw), e são relevantes antes da colheita, como é o caso dos Fusarium. Os fungos de armazenamento são fungos com capacidade de crescer com baixas actividades de água, e são relevantes em condições de armazenamento de comodidades agrícolas secas, como cereais. É nesta última categoria que se inserem tipicamente Aspergillus e Penicillium, apesar dos fungos de armazenamento também estarem 41 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA presentes no campo, onde podem infectar as colheitas (v.g., Aspergillus flavus) e produzir a micotoxina. As espécies do género Aspergillus são na maioria saprófitas ou patogénicos oportunistas de plantas, capazes de crescer até baixas actividades de água e com temperaturas elevadas, dominando ambientes quentes e/ou secos. O teleomorfo Eurotium consegue crescer até 0,70 de aw (Figura 1.6). Adicionalmente, algumas espécies de Aspergillus são termófilas, capazes de crescer até temperaturas máximas de 55 ºC (v.g., A. fumigatus). A distribuição de Aspergillus nos solos é mais abundante entre latitudes as 26º e 35º em ambos hemisférios, e menos abundantes entre 35º e 45º (Klich et al., 1992). São mais frequentes em climas tropicais que em climas temperados e é nos trópicos que dominam a micoflora dos alimentos e que são responsáveis pela produção de micotoxinas em diversas comodidades agrícolas, como cereais, amendoins, cacau, café. As espécies de Aspergillus regra geral crescem mais rápido que os Penicillium, apesar de tardarem mais a esporular. Os seus esporos são resistentes à radiação solar e a agentes químicos (Pitt & Hocking, 1997). O género Penicillium é dos 3 géneros indicados o mais diverso, em termos de número de espécies e diversidade de habitats. São espécies pouco exigentes nutricionalmente, capazes de crescer em qualquer ambiente com uma fonte de sais minerais e qualquer fonte de carbono excepto as mais complexas, numa gama vasta de condições físico-químicas (v.g. aw, temperatura, pH e potencial redox). A maioria das espécies descritas tem o seu habitat primordial no solo e são consideradas saprófitas ubíquos. Christensen e colaboradores (2000) verificaram numa revisão a 74 rastreios de solo publicados que os Penicillium estão entre os principais constituintes da micoflora, e que ao invés dos Aspergillus, são proeminentes numa gama de amplitudes muito alargada (entre 3º e 71º). No entanto, o género Penicillium também compreende algumas espécies patogénicas de frutos (v.g., P. digitatum, P. expansum, P. italicum). Muitas espécies são psicrófilas, capazes de crescer a temperaturas abaixo de 0 ºC, mas algumas espécies são capazes de crescer até 40 ºC (Pitt & Hocking, ob. cit.). Regra geral, crescem num regime mais estreito de actividades de água, apesar de existirem algumas espécies xerófilas, como o caso notável de P. brevicompactum, capaz de crescer abaixo de 0,80 aw. Os Penicillium dominam a micoflora micotoxigénica dos climas temperados, onde são responsáveis pela produção de micotoxinas essencialmente em cereais e derivados de carne. 42 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA Figura 1.6. Fungos e actinomicetes proeminentes e suas capacidades de crescer a diversas actividades de água e temperaturas. T. crust. = Thermoascus crustaceus; Sam. = Saccharomonospora; Stm. = Streptomyces (adaptado de Lacey et al., 1991 por Kozakiewicz, com permissão da autora) Regra geral, verifica-se que os limites ecofisiológicos duma espécie para produzir micotoxinas são mais estreitos que para crescer num dado produto (Frisvad & Samson, 1991). Prova desta afirmação são os estudos recentemente publicados quanto aos requisitos de aw e temperatura para a produção de OTA por estirpes toxigénicas de Aspergillus secção Nigri em uvas (Esteban et al., 2004; Mitchell et al., 2004). Uma vez estabelecidos estes limites, é possível construir modelos preditivos de risco de produção da micotoxina. 3.2. Taxinomia e nomenclatura dos géneros produtores de micotoxinas Segundo a classificação de fungos de Alexopoulos (Alexopoulos et al., 1996), o Reino dos fungos está dividido em 4 filos, definidos principalmente nos modos de reprodução sexual: Chytridiomycota, Zygomycota, Basidiomycota e Ascomycota. Os fungos produtores de micotoxinas pertencem à divisão Ascomycota. Os Ascomycota apresentam reprodução sexuada em estruturas especializadas designadas de ascos. No entanto, nem todos os fungos 43 CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA deste filo exibem normalmente em cultura estruturas de reprodução sexuada. Os fungos cujo estado de reprodução sexual não é conhecido designam-se de fungos imperfeitos, ou deuteromycetes. Aspergillus, Fusarium e Penicillium pertencem a este grupo. Os deuteromycetes reproduzem-se assexualmente por estruturas de reprodução especializadas designadas de conidia (sing. conidium), que são esporos mitóticos que se formam em estruturas de reprodução especializadas, designadas de conidióforos. Os deuteromycetes não existem como grupo taxinómico, e não representam nenhum agrupamento natural. Este agrupamento foi abandonado a favor de alternativas menos artificiais, com base nos parceiros mais próximos que apresentam reprodução sexuada. O reconhecimento dos deuteromycetes como um grupo artificial justifica abordagens taxinómicas puramente pragmáticas. A taxinomia dos géneros deste grupo, em particular de Aspergillus, Fusarium e Penicillium, é complexa devido aos problemas apontados em seguida, apesar de se terem feito grandes esforços para a sua resolução. 3.2.1. Problemas gerais A classificação de fungos assexuais foi tradicionalmente baseada na morfologia, isto é, no aspecto das colónias e estruturas microscópicas. O conceito biológico de espécie de Mayr, que assenta em que a espécie é um grupo de populações naturais que se cruzam entre si e estão retroactivamente isolados de outros, não é aplicável a organismos assexuais (Harrington e Rizzo, 1999). A morfologia das estruturas de reprodução especializada dos fungos foi usada na definição da espécie e na identificação. Mas a informação morfológica
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