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Micologia Micotoxinas 09 capitulo1 1

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Capítulo 1. Micotoxicologia 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
Neste capítulo visa-se fazer uma introdução ao estado actual de conhecimento na área da micotoxicologia, e 
introduzir conceitos e definições que são usados no decorrer da dissertação. 
 
1. O que são micotoxinas ...................................................................................................................................... 12 
2. Produção de micotoxinas e sua presença em alimentos .................................................................................... 30 
3. Fungos produtores de micotoxinas.................................................................................................................... 38 
4. Detecção, quantificação e identificação de fungos filamentosos em comodidades agrícolas e alimentos ........ 55 
5. Métodos de determinação de micotoxinas ........................................................................................................ 59 
 
 
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
1. O que são micotoxinas 
 
Os fungos são capazes de produzir em condições naturais e laboratoriais, metabolitos 
secundários tóxicos. Os metabolitos secundários são compostos biossintetizados e excretados 
através de um conjunto de vias metabólicas (que constituem o metabolismo secundário), mas 
que não são essenciais para o crescimento e sobrevivência do organismo (Betina, 1989). Estes 
compostos estão presentes no meio de cultura ou substrato onde os fungos estão a crescer. 
Alguns metabolitos secundários fúngicos têm propriedades antibióticas, e alguns demonstram 
toxicidade para animais. Os metabolitos secundários produzidos por fungos filamentosos que 
demonstram propriedades tóxicas em animais são designados genericamente de micotoxinas 
(CAST, 2003). Algumas destas micotoxinas foram detectadas em alimentos, e é destes que se 
ocupa a dissertação. Como tal, o termo micotoxina ao longo da dissertação é usado com o 
sentido de “metabolitos secundários produzidos por fungos que ocorrem naturalmente como 
contaminantes de produtos agrícolas, e que demonstram toxicidade quando administrados 
por uma via natural, essencialmente por via oral” (Abramson, 1998). 
As micotoxinas são um grupo diverso de substâncias químicas, que podem afectar muitos 
órgãos e sistemas, principalmente o fígado, rins e sistema nervoso, endócrino e imunitário. 
Não se sabe quantas micotoxinas e metabolitos fungicos tóxicos existem ao certo, apesar de 
ser possível fazer uma estimativa. Turner (1978) catalogou aproximadamente 1200 
metabolitos secundários produzidos por fungos. Turner e Alderidge (1983) catalogaram mais 
2000 metabolitos produzidos por aproximadamente 1100 espécies, o que, em média, dá dois 
metabolitos únicos por espécie. Hawksworth (1991) estimou que existem cerca de 69000 
espécies fúngicas conhecidas, o que representa 5% das espécies fúngicas que se estima que 
existam no mundo, isto é, 1,5 milhões. Se assumirmos que existem dois metabolitos únicos 
por espécie, podem existir cerca de 3 milhões de metabolitos secundários produzidos por 
fungos. Aproximadamente 10% dos metabolitos secundários descritos por Turner e por 
Turner e Alderidge foram classificados como sendo tóxicos por Cole e Cox (1981). Estes 
investigadores listaram aproximadamente 300 compostos tóxicos, mas estima-se que possam 
existir entre 20000 a 300000, bem como uma grande diversidade de mecanismos de acção 
(CAST, 2003). Como tal, o número de metabolitos tóxicos e micotoxinas por descobrir é 
muito grande. No entanto, o número de micotoxinas que são detectadas com frequência em 
alimentos é reduzido, entre 20 a 30 (V. secção 1.3, Tabela 1.2, p. 23). 
 12
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
A principal via de exposição dos animais a micotoxinas é através da ingestão de alimentos 
contaminados, apesar de existirem casos esporádicos de inalação de micotoxinas e contacto 
dermal. As culturas agrícolas, especialmente os cereais, são susceptíveis ao ataque de fungos, 
no campo ou durante o armazenamento. Os níveis de micotoxinas nos alimentos podem 
flutuar grandemente e variar de ano para ano, consoante as condições para o crescimento de 
fungos. Quando presentes em níveis elevados na dieta alimentar, podem levar a problemas 
agudos de saúde e até à morte. A exposição prolongada a níveis baixos de micotoxinas pode 
levar a manifestações ocultas e insidiosas (imunidade debilitada, atrasos no crescimento, 
susceptibilidade a doenças), e a problemas crónicos de saúde, o que suscitou preocupação por 
parte de diversas organizações internacionais. Várias micotoxinas foram classificadas pela 
Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC) como carcinogénicos humanos 
ou potenciais carcinogénicos humanos (IARC, 1993). 
Em termos de exposição e severidade de lesões crónicas, em particular cancro, estima-se 
que as micotoxinas apresentem um risco maior que os contaminantes antropogénicos, 
pesticidas e aditivos (Tabela 1.1). 
 
Tabela 1.1. Avaliação comparativa do risco (agudo e crónico) de diversos contaminantes alimentares (adaptado 
de Kuiper-Goodman, 1998) 
Agudo Crónico 
Elevado 
Microbiológicos Micotoxinas 
Ficotoxinas Contaminantes antropogénicos 
Algumas fitotoxinas Algumas fitotoxinas 
Micotoxinas Dietas desiquilibradas 
Contaminantes antropogénicos Ficotoxinas 
Aditivos alimentares Microbiológicos 
Resíduos de pesticidas Aditivos alimentares 
 Resíduos de pesticidas 
Baixo 
 
Apesar de haver variações geográficas e climáticas na produção e ocorrência de 
micotoxinas, a exposição a estas substâncias ocorre em todo o mundo e estima-se que muitos 
dos alimentos mundiais estejam contaminados em alguma extensão. A contaminação dos 
alimentos com micotoxinas é especialmente relevante quando uma dada população baseia a 
sua alimentação num tipo de produto (v.g., arroz). Se essa fonte está contaminada, a 
população está continuamente exposta à micotoxina, e a história mostrou que essa situação 
pode levar ao aparecimento de micotoxicoses graves. 
 13
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
 
1.1. Perspectiva histórica 
 
Foi no final do século XIX e início do século XX que o conceito de metabolismo 
secundário nos fungos e outros organismos ganhou aceitação. Simultaneamente, o conceito de 
antibiose atraía cada vez mais as atenções dos cientistas. 
A descoberta mais relevante para a humanidade sobre a importância dos metabolitos 
secundários produzidos por fungos deu-se por Alexander Fleming em 1928-1929, ao 
descobrir as potencialidades antibióticas da penicilina (Fleming, 1929). A relevância da 
descoberta foi devida ao facto de Fleming ter verificado que a penicilina era uma substância 
bactericida e bacteriolítica, que não apresentava toxicidade para animais mesmo quando em 
doses elevadas. Foi esta característica que permitiu que mais tarde, Howard Florey e Ernst 
Chain explorassem o uso da penicilina como agente terapêutico na cura contra doenças 
bacterianas (Chain et al., 1940), dotando a medicina duma arma importantíssima na cura 
destas doenças, salvando incontáveis vidas desde a segunda guerra mundial até hoje. 
A capacidade de certos fungos causarem doença por ingestão de alimentos contaminados 
já era reconhecida desde a antiguidade. A micotoxicose mais antiga de que se tem 
conhecimento é o ergotismo, doença devida à ingestão de produtos elaborados a partir de 
cereais contaminados com esclerócios do fungo Claviceps purpurea. Vários surtos da doença 
ocorreram na Europa durante a Idade Média. Os esclerócios são estruturas de resistência 
visíveis nas espigas. A contaminação do centeio por este fungo era tão comum que estava 
inclusive representado nas ilustrações da espécie de centeio. As micotoxinas de Claviceps 
purpureaproduzem uma sensação de fogo nas extremidades do corpo (mãos e pés) e 
alucinações, podendo levar à morte. Numa época de misticismo e religiosidade, estes 
fenómenos eram interpretados como bruxaria, conduzindo à morte na fogueira de pessoas 
apontadas como bruxas. Na Europa, a ligação da doença aos esclerócios do fungo só foi 
estabelecida no século XVII por Thuillier, mas a descoberta de que a estrutura esclerocial 
observada pertencia a um fungo, Claviceps purpurea, só foi descoberta por Tulasne cerca de 
200 anos depois (Frade & Alfonso, 2003). No entanto, os Assírios designavam o ergot de 
“grão louco”, o que indica que já teriam conhecimento dos seus efeitos na antiguidade. 
O facto de que a ingestão de cereais contaminados com fungos podia levar a doenças foi 
também reconhecido na Rússia e na Ásia. Na Rússia, desde o início do século XIX que se tem 
conhecimento duma doença devida à ingestão de cereais que foram deixados nos campos após 
 14
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
o Inverno, a Aleukia Tóxica Alimentar (ATA). Os grãos colhidos na primavera eram tóxicos, 
ao contrário dos colhidos no Outono. Mas a história conturbada de guerras da Rússia nem 
sempre permitiu a existência de mão-de-obra para a colheita dos campos, o que se veio a 
verificar mais uma vez na segunda guerra mundial e nos anos que a seguiram. Entre 1942-
1947, verificaram-se violentos surtos de ATA, levando à morte milhares de pessoas. 
No Japão, uma doença afligia os consumidores de arroz contaminado com fungos, 
conhecida desde o século XIX: o beri-beri cardíaco. Sakaki conduziu estudos pioneiros em 
1891 e estabeleceu a etiologia da doença. Ao administrar arroz com bolor a coelhos, verificou 
que este tinha efeitos neurotóxicos. O problema continuou a ser investigado nos anos 
seguintes, e culminou na descoberta da presença de fungos tóxicos no arroz, Penicillium 
citreonigrum. O metabolito tóxico responsável pela doença foi isolado em 1947 por Hirata 
(Subramanian, 1983). 
Poucos esforços foram feitos antes dos anos 60 do século XX para reunir a informação 
dispersa sobre os registos de envenenamento em animais e humanos por fungos. Em 1933, 
Steyn faz uma introdução ao tema da implicação dos fungos na saúde humana e animal, 
através de experiências dos efeitos da ingestão de alimentos contaminados com bolores em 
animais. Em 1954, o russo Sarkisov faz uma revisão sobre as micotoxicoses na USSR, 
descrevendo as toxicoses e os fungos causadores, entre as quais faz várias referências à ATA 
(Ainsworth & Austwick, 1959). Mas o termo micotoxicose, donde deriva o termo micotoxina, 
foi popularizado por Forgacs e Carll (1955), sendo sinónimo de doença causada por toxinas 
produzidas por fungos. 
A associação da doença com o alimento contaminado era feita através da administração de 
doses orais conhecidas do alimento suspeito a animais, bem como testes dermatológicos 
usando extractos. Adicionalmente, era necessário isolar e identificar os bolores presentes no 
alimento e testar individualmente cada espécie por administração oral e testes dermatológicos 
usando extractos do micélio em cultura pura e no substracto em que o fungo foi detectado. Os 
investigadores verificaram que existiam estirpes toxigénicas e estirpes atoxigénicas. Mas 
salvo raras excepções, as toxinas envolvidas não foram quimicamente identificadas. 
Foi no início dos anos 60, com a doença X dos perús, que se atraíu a atenção para as 
micotoxinas e as suas implicações na saúde humana e animal, impulsionando 
verdadeiramente a micotoxicologia. A doença X dos perús vitimou milhares de perús na 
Inglaterra, e foi assim designada pois a causa da morte dos animais era desconhecida. 
Esforços de investigação mostraram que a morte se deveu à ingestão de rações contaminadas 
com um metabolito tóxico produzido por um fungo, Aspergillus flavus. O composto químico 
 15
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
tóxico foi isolado e identificado: aflatoxina. Os trabalhos e a literatura científica sobre a 
ocorrência, toxicologia e produção de micotoxinas a partir desta data têm vindo a aumentar 
(Figura 1.1). 
Estudos subsequentes permitiram verificar que várias doenças humanas eram devidas à 
ingestão de micotoxinas, ou em que micotoxinas estavam aparentemente implicadas (CAST, 
2003). Permitiram também identificar os metabolitos tóxicos envolvidos em micotoxicoses 
previamente descritas, como a ATA, cujos principais efeitos foram devidos a tricotecenos (em 
particular, toxina T2). 
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Patulina
Toxinas de
Fusarium
Ocratoxinas
Aflatoxinas
 
Figura 1.1. Número de artigos publicados entre 1956 até finais de 2004 em períodos de 4 anos sobre as 
micotoxinas mais investigadas devolvidos pelo motor de busca Scirus1: aflatoxinas, ocratoxinas, patulina e 
toxinas de Fusarium (deoxinivalenol, fumonisinas, zearalenona e toxina T-2) 
 
A preocupação com a presença de micotoxinas em alimentos e suas implicações na saúde 
aumentou à medida que se foram descobrindo novas micotoxinas e se reunem dados sobre a 
sua ocorrência natural em alimentos e sobre a sua toxicidade em animais. Além dos casos de 
intoxicações agudas, começou-se a pensar em possíveis efeitos crónicos derivados da sua 
ingestão. 
Mas o estabelecimento da etiologia de doenças humanas com micotoxinas provou não ser 
tarefa fácil. Exemplo disso foi a tentativa de estabelecimento da ocratoxina A (OTA) como 
 
1 URL: http://www.scirus.com (acedido em 12/12/2004) 
 16
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
causa etiológica da Nefropatia Endémica dos Balcãs (BEN), uma doença crónica renal de 
longa latência. 
A OTA foi uma das primeiras micotoxinas a ser descoberta após as aflatoxinas. Foi 
isolada e identificada a partir duma cultura de Aspergillus ochraceus por van der Merwe 
(1965). Os principais efeitos tóxicos observados foram danos no fígado e nos rins. Em 1973, a 
presença de OTA e de outra micotoxina, a citrinina, foi associada com a nefropatía suína 
(Krogh et al. 1973). Estudos subsequentes parecem apoiar esta suposição, e ligam a OTA à 
etiologia da micotoxicose suína mais fortemente, quando se observa que é possível induzir a 
doença experimentalmente por administração de rações contaminadas com a micotoxina a 
porcos e outros animais (Krogh, et al., 1974; 1976). Adicionalmente, a presença de OTA foi 
detectada a ocorrer naturalmente em cereais e em rins de animais com nefropatia, 
aparentemente confirmando a OTA como substância causadora da doença (Krogh, 1977). 
A micotoxina foi implicada numa nefropatia humana de etiologia desconhecida, cujos 
sintomas e lesões renais observados eram semelhantes à nefropatia suína, a BEN (Elling & 
Krogh, 1977). A associação da micotoxina à doença foi feita devido à semelhança da 
patologia e ao facto de se terem encontrado níveis de OTA mais elevados nos alimentos de 
habitantes na área onde a doença era endémica comparativamente aos locais onde a doença 
era ausente (Pavlovic et al., 1979). Rastreios ao sangue de pessoas de áreas afectadas e não 
afectadas pareciam indicar que a OTA era mais frequentemente detectada e regra geral, em 
níveis mais elevados, no sangue de pacientes afectados (Petkova-Bocharova et al., 1988). Mas 
os resultados eram contraditórios entre investigadores, e a ligação entre as toxinas fúngicas e a 
BEN puramente circunstancial e inconclusiva. Mais de 20 anos depois da suposição de que a 
OTA poderia estar envolvida na etiologia da BEN, a etiologia dadoença continuava 
desconhecida (Bozic et al., 1995; Tatu et al., 1998). A doença foi associada a tumores nos rins 
e uretra, verificando-se que o problema da BEN era não só renal, mas também oncológico. 
Apesar de parecer evidente que a doença era causada por factores ambientais, outras possíveis 
causas para a doença foram investigadas, em particular a presença de hidrocarbonetos 
aromáticos policíclicos na água, bem como outros compostos tóxicos derivados de minas de 
carvão, como as lenhites do Plioceno (Orem et al., 1999). Esta última hipótese parecia muito 
promissora, visto que se conseguiu estabelecer uma forte ligação entre a distribuição 
geográfica da BEN e a presença de compostos aromáticos tóxicos na água de poços. No 
entanto, a controvérsia ainda parece estar longe de terminar. Poucos anos depois, foi 
publicado um estudo em que se também se detectou uma associação entre a incidência de 
OTA em cereais e a distribuição geográfica da BEN (Puntaric et al., 2001). Para uma revisão 
 17
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
recente da problemática da BEN e micotoxinas, deve consultar-se a publicação de Pfohl-
Leszkowicz e colaboradores (2002). 
O facto de não se conseguir estabelecer com frequência uma relação directa entre a 
ingestão de micotoxinas de reconhecidos efeitos tóxicos quando testadas em animais e entre 
doenças de ocorrência natural valeu-lhes a designação de venenos insidiosos. O número 
crescente de micotoxinas detectadas em alimentos levanta questões de saúde pública de 
resposta difícil, como quais as micotoxinas importantes para a saúde e em que doses. A co-
ocorrência de micotoxinas suscita preocupação, mas ainda se sabe pouco sobre potenciais 
efeitos sinergísticos ou antagónicos com outras substâncias. A determinação das doses 
máximas de micotoxinas que se podem ingerir sem causar riscos para a saúde são difíceis de 
determinar, mas a avaliação do risco das micotoxinas para a saúde é necessário para a 
protecção do consumidor e para o estabelecimento de limites legais quanto à presença destes 
contaminantes nos alimentos. 
 
1.2. Avaliação de risco das micotoxinas para a saúde 
 
A avaliação de risco apresentada nesta dissertação está de acordo com o quadro de 
análise de risco proposto pela FAO/OMS (1995) (Figura 1.2). Segundo este quadro 
conceptual, a análise de risco é composta por 3 partes: avaliação de risco, gestão de risco e 
comunicação de risco. Cada uma destas grandes esferas de influência sobrepõe-se com as 
outras. Esta abordagem considera tanto factores de risco baseados em princípios científicos 
como de não risco, de cariz socio-económico englobados na gestão do risco, ou de 
comparação de risco englobados na comunicação do risco, para conseguir soluções práticas, 
como directivas quanto aos limites máximos admissíveis de contaminantes em alimentos e/ou 
procedimentos que visem prevenir o problema. 
 18
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
Avaliação de risco
•Identificação do perigo
•Caracterização do perigo
•Avaliação da exposição
•Caracterização de risco
Comunicação de risco
•Comparação
•Interacção
•Estabelecimento de prioridades
•Educação
Gestão de risco
•Riscos aceitáveis
•Prevenção
•Opções
•Custo/Benefício
•Legislação
Avaliação de risco
•Identificação do perigo
•Caracterização do perigo
•Avaliação da exposição
•Caracterização de risco
Comunicação de risco
•Comparação
•Interacção
•Estabelecimento de prioridades
•Educação
Gestão de risco
•Riscos aceitáveis
•Prevenção
•Opções
•Custo/Benefício
•Legislação
 
Figura 1.2. Quadro conceptual de análise de risco da FAO/OMS (1995) 
 
Idealmente, a avaliação do risco duma micotoxina para as populações requer um 
levantamento toxicológico completo, um estudo epidemiológico, um estudo de exposição da 
população ao composto e a caracterização do risco. Há dois conceitos a ter em conta na 
avaliação de risco: perigo e risco. Por perigo entende-se a propriedade intrínseca da 
micotoxina que causa efeitos adversos na saúde sob dadas condições. Esta definição implica 
que, com algum grau de certeza, em condições semelhantes o agente causa efeitos adversos 
semelhantes na saúde. O risco é definido como a probabilidade estimada de um efeito adverso 
na saúde, ponderado pela sua severidade, ocorra em humanos como resultado da exposição à 
micotoxina na alimentação. 
 
Identificação do perigo. As micotoxinas têm um vasto espectro de efeitos toxicológicos, e 
afectam diversos processos celulares. Esta diversidade de efeitos biológicos requer uma 
avaliação caso a caso e pode requerer uma variedade de técnicas de extrapolação (V. 
caracterização do risco). A vasta ocorrência de micotoxinas fez delas causa de micotoxicoses 
humanas e animais e, como tal, o estabelecimento de risco usa informação de estudos 
epidemiológicos de humanos expostos. 
Muitas micotoxinas têm propriedades carcinogéneas que afectam vários órgãos, bem 
como outras actividades tóxicas (v.g. demonstram actividade teratogénica, imunossupressora, 
neurotóxica) ou hormonais (caso da zearalenona). Além destas acções específicas, foram 
observados perturbações gastrointestinais, irritações de pele e efeitos hematológicos. São 
 19
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
estes estudos que determinam empiricamente o “nível de efeito adverso não observado” 
(NOAEL), que pode ser visto como o limiar. No entanto, há processos para os quais se 
considera que não há limiar, como para as propriedades iniciadoras e promotoras de 
carcinogénese e progressão de tumores. 
 
Caracterização do perigo. A caracterização do perigo é a fase de extrapolação do 
estabelecimento de risco. Tem por objectivo fazer uma caracterização preditiva do perigo para 
humanos, baseado em estudos animais (extrapolação a espécies) sob condições de baixa 
exposição (extrapolação de doses altas a baixas). O resultado final da caracterização de risco é 
a estimativa duma dose segura, como a ingestão diária tolerável provisória (PTDI). O termo 
tolerável implica a noção de que as micotoxinas não são necessárias para o nosso organismo. 
As doses diárias toleráveis (TDI) só são determinadas quando é provável que haja um limiar 
na relação dose/efeito, baseado no mecanismo e modo de acção. Para obter uma TDI para 
humanos, é prática comum dividir-se o NOAEL por um factor de segurança de 100, quando 
se extrapola para humanos e animais. Isto toma em consideração um factor 10 para diferenças 
entre espécies e outro factor 10 para variação intraespecífica (neste caso, intra-humano). 
Quando há efeitos irreversíveis para os quais estão estabelecidos limiares (caso dos 
carcinogénicos não genotóxicos) ou quando há dados insuficientes, podem ser adicionados 
factores de incerteza. Para os carcinogénicos genotóxicos ou agentes genotóxicos (patulina), 
como se considera que não há limiar, uma TDI não pode ser determinada. Quando a sua 
presença não pode ser evitada, podem-se estabelecer através de extrapolação de efeitos por 
modelos matemáticos doses em que se considera que o risco é negligenciável. 
Alternativamente, as estimativas de uma “dose segura” podem resultar de estudos 
epidemiológicos apropriados, sempre que estejam disponíveis. Apesar de ser difícil de 
determinar, a TDI pode ser vista como uma propriedade intrínseca duma dada micotoxina, 
que toma em consideração tanto a potência dos efeitos medidos como factores biológicos, 
tendo em conta a severidade, relevância e significância dos efeitos para humanos. 
 
Avaliação da exposição. A exposição às micotoxinas depende do nível destas substâncias 
nos diferentes alimentos e da ingestão desses alimentos pela população. Podem existir grandes 
diferenças nacionais e regionais quanto à ingestãodos alimentos, devido a hábitos alimentares 
diferentes, o que faz com que as avaliações de exposição sejam específicas para cada país. Os 
rastreios aos alimentos são feitos ao longo de vários anos, para reunir dados sobre os níveis de 
contaminação a que as populações estão expostas. Podem-se refinar as estimativas com outros 
 20
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
factores, como processamento dos alimentos tanto pela indústria como em casa. A exposição 
varia com a idade, com as crianças, regra geral, mais expostas a certos alimentos como o leite. 
Estudos da exposição podem ser conduzidos avaliando os níveis de micotoxinas presentes no 
sangue ou outros fluidos da população. 
 
Caracterização do risco. A caracterização do risco é a estimativa qualitativa ou quantitativa, 
incluindo a incerteza, da gravidade e ocorrência provável de potenciais efeitos adversos de 
saúde conhecidos numa população exposta. Baseia-se na identificação e caracterização do 
perigo e avaliação da exposição. A caracterização do risco permite o estabelecer de níveis de 
exposição diários à micotoxina em que o risco seja insignificante durante o tempo de vida. 
Como tal, a exposição tem de ser mais baixa que a TDI ou outra medida de dose segura. Para 
substâncias em que não pode ser determinada a TDI, a margem de segurança entre exposição 
humana e efeitos adversos observados em espécies animais pode ser usado como um 
indicador da possibilidade de ocorrerem efeitos nefastos em humanos, e pode ser usado desta 
forma no estabelecimento de risco. Além de considerar a população normal, a caracterização 
de risco precisa de considerar aqueles grupos que são mais vulneráveis à exposição, como 
crianças (devido ao seu baixo peso corporal) ou outros grupos para os quais haja diferenças na 
bio-disponibilidade, metabolismo ou disposição genética, como os mais idosos. A este 
respeito, tem de se examinar se um factor de 10 é adequado para englobar estas diferenças na 
susceptibilidade humana devido à variabilidade humana. 
 
1.3. Micotoxinas frequentemente detectadas 
 
As micotoxinas mais frequentemente detectadas em alimentos bem como os seus efeitos 
tóxicos em animais estão indicados na Tabela 1.2. Dada a relevância da OTA para esta 
dissertação, fez-se uma revisão das matrizes alimentares em que foi detectada a micotoxina 
até ao momento da escrita desta dissertação (Tabela 1.3). Das micotoxinas listadas, as únicas 
para as quais existem dados suficientes que permitiram realizar a avaliação de risco pela 
JECFA (V. secção 1.4.1, p. 22) são as aflatoxinas, deoxinivalenol (DON), OTA, zearalenona, 
fumonisinas, toxina T-2 e patulina. Actualmente, as micotoxinas consideradas mais relevantes 
para a saúde são todas as mencionadas com a excepção da patulina, que não suscita 
demasiadas preocupações, devido à sua ocorrência limitada, principalmente em sumos e 
 21
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
outros derivados de maçã, e à existência de medidas efectivas de controlo e legislação da 
micotoxina nos produtos mencionados. 
Outras micotoxinas, devido à sua frequente ocorrência em alimentos, co-ocorrência com 
micotoxinas relevantes, ou que se pensa que podem ter envolvimento em micotoxicoses 
ocasionais (v.g. ácido ciclopiazónico, esterigmatocistina, citrinina, micotoxinas 
tremorgénicas, penitrininas, citrioviridinas, ácido penicílico, toxinas de Alternaria) suscitam 
alguma preocupação, mas não há dados suficientes para se estabelecer o risco real destas 
micotoxinas para a saúde. 
 
1.4. Controlo de micotoxinas 
 
O reconhecimento dos potenciais perigos causados por micotoxinas em alimentos põe 
em cena estudos científicos e mecanismos legais, para assegurar a segurança da fonte 
alimentar. A necessidade de legislação que imponha limites quanto à concentração de 
micotoxinas nos alimentos para protecção da saúde dos consumidores é aceite por todo o 
mundo industrializado. Governos nacionais e organizações internacionais desempenham um 
papel fundamental em assegurar que os direitos dos cidadãos são defendidos. 
 
1.4.1. Acções das organizações internacionais 
 
Moy (1998) reviu os esforços internacionais para avaliar e reduzir os riscos humanos por 
consumo de micotoxinas. Em 1963, a FAO e WHO estabeleceram a Comissão Codex 
Alimentarius, um organismo intergovernamental cujo propósito é proteger a saúde dos 
consumidores e assegurar boas práticas no mercado alimentar. O Codex é composto 
actualmente por mais de 150 países membros, e tem desenvolvido directivas e outras 
recomendações cujo propósito é facilitar o comércio internacional de alimentos. Com o 
estabelecimento da Organização Mundial de Comércio (OMC) em 1995, os textos adoptados 
pelo Codex são vistos como representativos do consenso internacional quanto aos requisitos 
de saúde e segurança dos alimentos. Os textos adoptados pelo Codex permanecem voluntários 
até serem aceites ou usados pelos países, mas os acordos implementados pela OMC 
providenciam uma forma para a adopção colectiva de normas, directivas e recomendações do 
Codex por todos os países membros da OMC. 
 22
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
Tabela 1.2. Alimentos destinados à alimentação humana em que foram detectadas micotoxinas e seus efeitos 
tóxicos (adaptado de CAST, 2003) 
Micotoxina Ocorrência em alimentos Efeitos patológicos causados pela micotoxina 
Aflatoxinas (B1, B2, 
G1, G2) 
Amendoins, milho, trigo, arroz, 
algodão, copra, nozes, leite, ovos, 
queijo, figos, alimentos variados 
Hepatoxidade 
Hiperplasia dos ductos biliares 
Hemorragia renal e do tracto intestinal 
Carcinogénese (tumores no fígado) 
Aflatoxina M1 Leite Semelhante a aflatoxina B1 
Citrinina Trigo, cevada, milho e arroz Nefrotoxicidade (necrose tubular do rim) 
Nefropatia porcina 
Ácido 
ciclopiazónico 
Milho, amendoins, queijo Necrose muscular 
Hemorragia intestinal e edema 
Lesões orais 
OTA Cereais (trigo, cevada, aveia e 
milho), feijões desidratados, 
amendoins com bolor, queijo, 
tecidos porcinos, café, passas, uvas, 
frutos secos, vinho 
Nefrotoxicidade (necrose tubular do rim) 
Nefropatia porcina 
Danos no fígado 
Enterite 
Teratogénese 
Carcinogénese (tumores renais e tumores do 
tracto urinário) 
Imunosupressora 
Patulina Maçãs podres, sumo de maçã Edema cerebral e pulmões 
Hemorragia pulmunar 
Danos nos capilares do fígado, baço e rins 
Paralisia dos nervos motores 
Convulsões 
Carcinogénese (não confirmada) 
Antibiótico 
Ácido penicílico Milho armazenado, cereais, feijões 
desidratados, tabaco com bolor 
Danos no fígado (fígado gordo, necrose celular) 
Danos renais 
Acção tipo Digitalis no coração 
Dilatação dos vasos sanguíneos 
Antidiurético 
Edema em pele de coelho 
Carcinogénese 
Antibiótico 
Penitrininas Queijo em creme com bolor, nozes 
inglesas, hamburger, cerveja 
Tremores, morte, descoordenação, diarreia com 
sangue 
Esterigmatocistina Café verde, trigo com bolor, queijos 
duros, ervilhas, algodão 
Carcinogénese 
hepatoxicidade 
Tricotecenos (toxina 
T-2, 
diacetoxiscirpenol, 
neosolaniol, 
nivalenol, 
diacetilnivalenol, 
DON, toxina HT-2, 
fusarenona X) 
Milho, trigo, cevada, aveia Perturbações digestivas (emesia, diarreia, recusa 
de alimentos) 
Hemorragias (estômago, coração, intestinos, 
pulmões, bexiga e rins) 
Edema 
Lesões orais 
Dermatite 
Desordens sanguíneas (leucopenia) 
Zearalenona Milho Efeitos estrogénicos (edema da vulva, prolapse da 
vagina, alargamento do útero) 
Atrofia dos testículos, atrofia dos ovários, 
aumento das glândulas mamárias 
Aborto 
Fumonisinas Milho e derivados, chá preto Leucoencefalomalacia e edema pulmonar 
Carcinogénese (cancro do esófago) 
 
 
 23
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
Tabela 1.2. Alimentos destinados à alimentaçãohumana em que foram detectadas micotoxinas e seus efeitos 
tóxicos (adaptado de CAST, 2003) (continuação) 
Micotoxina Ocorrência em alimentos Efeitos patológicos causados pela micotoxina 
Alcalóides do ergot 
(clavinas, ácidos 
lisérgicos, amidas de 
ácido lisérgico, 
ergopeptinas) 
Cereais (trigo, centeio), milho 
miúdo 
Ergotismo (sindrome nervoso e gangrenal) 
Ácido tenuazónico Tomates, frutos podres Nefrotóxico 
Hepatóxico 
hemorrágico 
 
Tabela 1.2. Revisão dos alimentos onde foi detectada a presença de OTA desde 2000 até ao momento da escrita 
da dissertação 
Produto alimentar Referência 
Alcaçuz Majerus et al., 2000 
Azeite Miraglia & Brera, 2002; Papachristou & Markaki, 
2004 
Cacau, Chocolate Miraglia & Brera, 2002; Bonvehi, 2004; Tafuri et 
al., 2004 
Café vd Stegen et al., 1997; Leoni et al., 2000; Romani et 
al., 2000; Otteneder & Majerus, 2001; Varga et al., 
2001; Fazekas et al., 2002; Lombaert et al., 2002; 
Miraglia & Brera, 2002; Pardo et al., 2004 
Cereais e seus derivados Campbell et al., 2000; Varga et al., 2001; Beretta et 
al., 2002; Czerwiecki et al., 2002; Fazekas et al., 
2002; Jorgensen & Jacobsen, 2002; Miraglia & 
Brera, 2002; Palermo et al., 2002; Blesa et al., 
2004a; Araguás et al., no prelo; Molinié et al., no 
prelo 
Cerveja Visconti et al., 2000; Soleas et al., 2001; Miraglia & 
Brera, 2002; Odhav & Naicker, 2002; Tangni et al., 
2002; Araguás et al. (no prelo); 
Derivados de carne (fiambre, fumados) Chiavaro et al., 2002; Miraglia & Brera, 2002 
Especiarias Vrabcheva, 2000; Miraglia & Brera, 2002 
Figos e frutos secos Miraglia & Brera, 2002; MacDonald et al., 2003 
Milho Machinski et al., 2001; Puntaric et al., 2001 
Outros Miraglia & Brera, 2002 
Tecidos porcinos Dragacci et al., 1999; Jorgensen & Petersen, 2002; 
Miraglia & Brera, 2002 
Uvas e produtos derivados V. capítulo 2, Tabelas 2.2 e 2.3 
 
 24
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
Os propósitos do Codex quanto às micotoxinas e outros contaminantes alimentares são 
conseguir uma abordagem comum que passa por soluções práticas, como o estabelecimento 
de recomendações quanto aos níveis máximos residuais admissíveis em alimentos, quanto aos 
procedimentos que visem prevenir o problema, e quanto aos métodos de análise e de 
amostragem. Idealmente, estas recomendações deverão ser aceitáveis tanto para os países 
produtores como para os importadores. As avaliações científicas da análise de risco são a base 
das recomendações feitas pelo Codex no que diz respeito à regulamentação internacional de 
micotoxinas. 
O processo de controlo de contaminantes alimentares pelo Codex inicia-se geralmente 
com a identificação de potenciais problemas de saúde. O Programa Internacional de 
Segurança Química, patrocinado conjuntamente pela OMS, Programa Ambiental das Nações 
Unidas e Organização Internacional do Trabalho, estabeleceu em colaboração com o Instituto 
Internacional das Ciências da Vida da Europa, um grupo cujo objectivo era desenvolver uma 
lista preliminar das toxinas de plantas de ocorrência natural consideradas como constituíndo 
um perigo para o consumidor. Este grupo lidera a recolha de informação disponível 
avaliando-a de acordo com critérios uniformizados, e encoraja e apoia a pesquisa em tópicos 
em que seja necessária mais informação. Várias micotoxinas estão sob consideração por este 
comité director, incluindo muitas das mencionadas. Desde que exista informação suficiente 
para documentar um potencial perigo, a substância é referida ao Comité Conjunto de Peritos 
da FAO/OMS (JECFA) para a caracterização do perigo. 
A JECFA é responsável por reunir e avaliar dados em aditivos e contaminantes 
alimentares e fazer recomendações quanto aos níveis de segurança. As recomendações da 
JECFA servem de base científica para o codex desenvolver directivas e outras 
recomendações. Em termos gerais, os propósitos e funções da JECFA incluem: 1) revisão do 
conhecimento e informação de peritos e tornar essas informações disponíveis para a FAO, 
OMS e seus países membros; 2) formular recomendações técnicas; 3) fazer recomendações 
com o propósito de iniciar, estimular e coordenar a investigação necessária para se chegar a 
conclusões sobre as implicações toxicológicas ou outras sobre a presença duma dada 
substância na comida (Moy, ob. cit.). 
Para a maior parte das micotoxinas, os dados disponíveis são insuficientes para permitir 
uma avaliação pela JECFA. No entanto, as seguintes micotoxinas já foram avaliadas: 
aflatoxina M1, DON, fumonisinas, OTA, toxina HT2 e T-2 (JECFA, 2001); patulina (OMS, 
1996); zearalenona (OMS, 2000), e PTDI estabelecidas. Para as aflatoxinas, não podem ser 
 25
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
estabelecidas doses máximas, e a sua exposição deve ser reduzida ao mínimo possível (OMS, 
1998). 
A IARC realizou numerosos estudos para estabelecer a carcinogenicidade de várias 
micotoxinas. Segundo a IARC, as micotoxinas são classificadas como carcinogénicas para 
humanos (grupo 1), possíveis carcinogénicas para humanos (grupo 2B), não classificáveis 
quando à carcinogenicidade em humanos (grupo 3). 
A nível internacional, foi criado um programa de monitorização de químicos em 
alimentos, para contribuir para o estabelecimento da exposição, designado de GEMS/Food. 
Este programa, que engloba cerca de 70 países, tem como objectivos informar os governos, a 
Comissão Codex Alimentarius e outras instituições relevantes, bem como o público, quanto 
aos níveis de contaminantes presentes nos alimentos, a sua contribuição para a exposição 
humana total, e a sua significância em termos de saúde pública e mercados. As micotoxinas 
monitorizadas pelo GEMS/Food são aflatoxinas, OTA, DON, patulina e fumonisinas, em 
diversos produtos alimentares (OMS, 2001). Periodicamente a base de dados da GEMS/food é 
avaliada, para estabelecer níveis e tendências na contaminação dos alimentos. 
Quando o risco está suficientemente bem caracterizado, podem ser consideradas várias 
opções de controlo. No entanto, como foi referido na secção 1.2, as decisões de gestão de 
risco devem incluir considerações económicas, sociais e políticas (factores de não-risco). Se o 
contaminante for relevante no mercado internacional alimentar, as opções de gestão de risco 
podem ser consideradas pelo Comité do Codex em Aditivos e Contaminantes Alimentares 
(CCFAC) para elaboração no sistema do Codex. O CCFAC tenta desenvolver limites 
máximos (MLs) de micotoxinas em certos alimentos. O sucesso desta iniciativa no caso da 
aflatoxina foi limitado, visto que os países adoptaram diferentes níveis nos alimentos. Na 
ausência de dados de confiança e consenso científico, há desacordos frequentes entre os 
países importadores e exportadores quanto ao estabelecimento de níveis regulatórios com base 
na sua percepção de que níveis são conseguidos por boas práticas agrícolas e de fabrico. Por 
isso, os governos nacionais estabeleceram níveis muito diferentes para as aflatoxinas. O 
cumprimento destas políticas acarreta custos económicos consideráveis. A rejeição de 
carregamentos alimentares resulta em custos económicos significativos, particularmente para 
os países em desenvolvimento. Além disso, os governos nacionais e organizações 
internacionais devotam recursos consideráveis quanto aos métodos de prevenção, redução ou 
eliminação das micotoxinas dos alimentos. 
 
 26
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
1.4.2. Acções dos governos nacionais no controlo alimentar 
 
 Cerca de 100 países possuem legislação sobre uma ou mais micotoxinas em diversos 
alimentos (FAO, 2004). A tomada de decisão sobre que micotoxinas regulamentar, em que 
produtos e em que níveis é complexa. Na maior parte dos países, as regulamentaçõessobre 
micotoxinas não foram baseadas em estabelecimentos de risco sólidos. O estabelecimento de 
limites por parte dum país é influenciado por diversos factores, como os métodos analíticos 
disponíveis para o controlo legal, os dados sobre toxicologia e ocorrência da micotoxina em 
alimentos usados no estabelecimento de risco, bem como a existência de legislação noutros 
países com que existam trocas comerciais. A falta duma abordagem unificada entre países 
resultou numa grande variedade de recomendações e regulamentações no que diz respeito às 
micotoxinas. Vários factores dificultam uma abordagem comum. Um destes factores diz 
respeito a conflitos entre interesses nacionais e comerciais. Os interesses dos países 
produtores não coincidem necessariamente com os dos importadores e a presença de 
micotoxinas em alimentos pode levar a barreiras comerciais a menos que todas as partes 
concordem em definir níveis seguros de micotoxinas e respeitar os seus próprios interesses. 
Em geral, os países produtores têm limites mais elevados para as micotoxinas nos produtos 
que os países importadores. Outros factores impeditivos dizem respeito à diferente 
interpretação e análise dos dados usados no estabelecimento de risco consoante os países, bem 
como diferenças nos padrões alimentares (Moy, 1998). 
 
1.4.3. Posições adoptadas pela Europa e Portugal 
 
Estão a ser feitos esforços no sentido de harmonizar os níveis máximos admissíveis de 
micotoxinas presentes em alimentos nos países da UE, e a Comissão Europeia emitiu 
regulamentações nesse sentido. Na UE, a responsabilidade do estabelecimento toxicológico 
do contaminante para a saúde humana e ambiente cabe ao Comité Científico dos Alimentos 
(SCF). De seguida, vários grupos de trabalho e comités de peritos com delegados de todos os 
estados membros preparam propostas. Após consultas detalhadas, é entregue uma proposta ao 
SCF para uma avaliação final, após a qual a Comissão Europeia estabelece uma Comissão 
Executiva com representantes de todos os estados membros, o que conduz à adopção da 
directiva ou regulamentação resultante. Visto que a UE é um parceiro importante no comércio 
 27
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
internacional, no estabelecimento de níveis máximos de micotoxinas são levadas em conta 
normas internacionais (v.g. Codex Alimentarius) de forma a assegurar que o comércio 
internacional não é impedido sem justificação. Correntemente estão regulamentados os níveis 
de aflatoxinas e OTA em diversos produtos alimentares (Tabela 1.4), e o estabelecimento de 
níveis máximos admissíveis em café e seus derivados, bem como em sumos de uva e vinhos, 
foi votado a favor pelo Comité da Cadeia alimentar e Saúde Animal da UE que representa os 
estados membros. As regulamentações podem ser encontradas nas páginas da UE na internet: 
http://europa.eu.int/eur-lex/en/index.html. 
 
Tabela 1.3. Níveis máximos admissíveis de micotoxinas em alimentos estabelecidos na UE 
Tipo de alimento Níveis máximos admissíveis (µg/kg) 
 Patulina Aflatoxinas OTA 
 B1 B1+B2+G1+G2 M1 
Nozes e frutos secos - 2 – 8 4 - 15 - - 
Cereais - 2 4 - 3 - 5 
Leite - - - 0,05 - 
Especiarias - 5 10 - - 
Uvas passas - - - - 10 
Sumos de frutas (excepto 
uvas), maçãs e seus 
derivados 
10 - 50 - - - - 
Sumo de uva 50 - - - 2* 
Vinho - - - - 2* 
Café e seus derivados - - - - 5 - 10* 
* aguarda adopção formal pela Comissão 
 
Em Portugal, a autoridade responsável pela análise dos alimentos é a Direcção Geral 
de Fiscalização e Controlo de Qualidade Alimentar. Entre 1999 e Julho de 2003, mais de 1000 
amostras de frutos secos, nozes, especiarias e leite foram analisadas quanto à presença de 
aflatoxinas. Algumas amostras de amendoins, figos secos, pistáchios, caril e noz-moscada 
excederam os limites máximos admissíveis para aflatoxinas. Quanto à OTA, das cerca de 400 
amostras diversas analisadas, foram detectados níveis elevados em algumas amostras de uvas 
passas e café. A incidência de OTA nas amostras é elevada, mas em baixos níveis. Análises a 
 28
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
36 amostras recolhidas no mercado de sumos de maçã e pêra e outros produtos derivados não 
ultrapassaram o limite máximo proposto para a patulina (Peito & Venâncio, 2004). 
 
1.5. Gestão de risco de micotoxinas 
 
Sendo as micotoxinas contaminantes naturais, é impossível assegurar a sua completa 
eliminação dos produtos alimentares. Mas a sua presença pode e deve ser minimizada a níveis 
que não apresentem risco para a saúde. Em algumas situações recomenda-se a aplicação do 
princípio ALAR, que significa “tão baixo quanto seja razoável”. 
É possível reduzir os níveis de micotoxinas nos alimentos através da implementação 
de medidas de controlo, como a análise de perigos e pontos críticos de controlo (HACCP). O 
HACCP baseia-se na identificação e estabelecimento de perigos em alimentos, e na 
implementação de formas de os controlar. A ideia da implementação de medidas de controlo 
pró-activas, baseadas nos processos de fabrico, surge da percepção de que não é possível 
assegurar produtos seguros apenas com base em análises ao produto final, visto que é 
impossível testar 100% dos produtos. O HACCP assenta na suposição de que boas práticas de 
higiene, fabrico e armazenamento resultam na obtenção de produtos finais com perigos 
controlados, e assenta em 7 princípios: 
 
Princípio 1. Identificar todos os perigos possíveis desde a entrada e aprovisionamento das 
matérias primas até à obtenção e despacho do produto final; 
Princípio 2. Identificar os pontos críticos de controlo (pontos em que se pode controlar o 
perigo) de cada um dos perigos identificados; 
Princípio 3. Definir os limites críticos para os vários perigos em cada ponto crítico; 
Princípio 4. Definir o procedimento de monitorização dos pontos críticos; 
Princípio 5. Estabelecer o plano de acção (acções correctivas) a adoptar sempre que os 
limites críticos sejam ultrapassados; 
Princípio 6. Implementar um sistema de verificação do funcionamento do plano adoptado 
(análises a produtos, inquéritos e monitorização das actividades do pessoal, auditorias 
externas); 
Princípio 7. Implementar um sistema efectivo de registo do resultado de todos os testes 
efectuados em cada ponto crítico. 
 
 29
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
A aplicação destes procedimentos ao controlo de micotoxinas está descrita no manual 
da FAO (FAO, 2001). 
Para que seja possível identificar os perigos micotoxigénicos que podem ocorrer, bem 
como os pontos críticos de controlo, é necessário ter-se conhecimento de como e quando se 
processa a contaminação dos alimentos com fungos micotoxigénicos e quando e em que 
condições se dá a síntese de micotoxinas. 
 
2. Produção de micotoxinas e sua presença em alimentos 
 
A contaminação dos alimentos com micotoxinas resulta da infecção da cultura/alimento 
por fungos toxigénicos, frequentemente sem sintomas visíveis a olho nú. 
A produção de micotoxinas pode dar-se ao longo de fases distintas da produção dos 
alimentos. O esquema genérico da produção de alimentos até chegarem ao consumo humano 
está elucidado na Figura 1.3. 
 
Cultivo agrícola
Armazenamento/
Transporte
Consumo 
humano
Consumo animalProcessamento
ColheitaCultivo agrícola
Armazenamento/
Transporte
Consumo 
humano
Consumo animalProcessamento
Colheita
 
Figura 1.3. Diagrama representativo das fases de produção de alimentos até consumo humano 
 
Os fungos toxigénicos podem estar presentes nas várias etapas da produção dos alimentos 
até que chegam à nossa mesa: durante o cultivo, colheita, armazenamento, transporte e 
processamento. Não é possível descrever um único conjunto decondições que favorecem o 
crescimento e produção de micotoxinas por fungos, porque os fungos micotoxigénicos 
diferem nas suas características ecológicas, bioquímicas e nichos ecológicos (capítulo 3). 
Como tal, é difícil generalizar sobre estratégias de controlo, dada a diversidade de fungos 
produtores de micotoxinas em diversas culturas antes e depois da colheita. Mas a 
 30
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
compreensão dos factores relevantes para a produção de micotoxinas por um dado fungo 
numa dada comodidade agrícola permitem a definição de estratégias para combater o 
problema. Os factores envolvidos na produção de micotoxinas em campo, isto é, pré-colheita, 
são distintos dos envolvidos no período pós-colheita, e são apresentados nas secções 
seguintes. Grande parte do conhecimento que se tem sobre o fenómeno da contaminação de 
culturas e alimentos com micotoxinas advém dos cereais. As micotoxinas mais estudadas 
nestas matrizes foram as aflatoxinas, e mais recentemente, as toxinas de Fusarium. Por isso, a 
maior parte das referências citadas dizem respeito à contaminação destas culturas com as 
micotoxinas referidas. Apesar de se separarem ecologicamente os fenómenos de 
contaminação pré e pós colheita, a produção de micotoxinas em alimentos é frequentemente 
um processo aditivo, que se inicia no campo e aumenta durante a colheita, armazenamento ou 
processamento. 
 
2.1. Pré-colheita 
 
O período pré-colheita inicia-se com a emergência da planta do solo e termina com a 
colheita da cultura. A produção de micotoxinas nas plantas pode dar-se durante o seu 
crescimento e a produção de micotoxinas acumular-se em diferentes concentrações nos órgãos 
das plantas afectadas. Os pré-requisitos essenciais para a produção de micotoxinas antes da 
colheita são: i) presença de estirpes toxigénicas, ii) susceptibilidade do hospedeiro e iii) nicho 
agroclimático favorável (Bilgrami & Choudhary, 1998). A interacção entre estas 3 esferas 
está representada na Figura 1.4. Vamos falar de cada um destes conjuntos de factores em 
pormenor. 
 
2.1.1. Estirpes toxigénicas 
 
A distribuição mundial e a incidência das espécies de fungos (micogeografia) varia de 
acordo com factores bioclimáticos e com o tipo de alimento (Arnolds, 1997). Comodidades 
agrícolas diferentes não têm a mesma micoflora, mesmo em locais próximos, e as mesmas 
comodidades agrícolas em variadas partes do globo exibem micofloras constituídas por 
espécies que apresentam perigos micotoxigénicos diferentes. Conhecer a micoflora dum dado 
 31
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
produto num local possibilita-nos prever os riscos de contaminação e restringir as nossas 
pesquisas às eventuais micotoxinas presentes (Frisvad & Samson, 1991). 
 
Estirpes 
toxigénicas
Cultura 
susceptível
Factores 
ambientais
MM
Estirpes 
toxigénicas
Cultura 
susceptível
Factores 
ambientais
MM
 
Figura 1.4. As 3 componentes necessárias para haver produção de micotoxinas em alimentos: presença de 
estirpes toxigénicas, cultura susceptível e factores ambientais favoráveis à infecção do fungo e produção da 
micotoxina na cultura/alimento (M = micotoxinas) 
 
Nem todas as estirpes duma dada espécie são capazes de produzir micotoxinas. No caso 
da espécie produtora de aflatoxinas, A. flavus, as estirpes não toxigénicas são mais frequentes 
que as toxigénicas. Em termos de genética populacional, as estirpes não toxigénicas, mais 
abundantemente distribuídas, podem ser vistas como o tipo selvagem (wild-type), e as 
toxigénicas, mais restritas na sua distribuição, o tipo mutante. Alguns cientistas acreditam que 
a produção de micotoxinas traz alguma vantagem às estirpes produtoras, defendendo-se com a 
afirmação de Ernst Mayr de que “nature does not believe in extravagance” (Bilgrami & 
Sinha, 1992). Lillehoj defende que as intensivas práticas agrícolas são responsáveis pela 
criação de agroeconichos únicos que sob certas condições seleccionam fungos produtores de 
micotoxinas por mecanismos desconhecidos. O investigador pensa que as micotoxinas 
funcionam como sinais químicos entre as espécies num nicho ecológico e podem 
desempenhar uma função no estabelecimento das espécies num dado nicho (Lillehoj, 1992). 
O inóculo de fungos micotoxigénicos pode advir do ar, solo, vegetação em decomposição, 
plantas infectadas ou insectos, entre outros. Em condições favoráveis, estes fungos competem 
com outros organismos do solo e produzem inóculos abundantes (Payne, 1998). Os níveis de 
inóculo variam consoante os anos e os locais. 
A presença de estirpes micotoxigénicas é um dos pré-requisitos para que haja produção de 
micotoxinas em comodidades agrícolas, mas não implica a sua produção. Para produzir 
 32
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
micotoxinas numa dada planta, o fungo toxigénico tem de ser capaz de colonizar e infectar a 
planta bem como produzir a micotoxina nos tecidos do hospedeiro. 
Na visão de Payne (1998), por colonização entende-se o crescimento de fungos na 
superfície da planta, enquanto que por infecção entende-se uma relação mais íntima com o 
hospedeiro, em que o fungo invade os tecidos da planta e obtém nutrientes de células vivas. 
No entanto, o conceito de colonização é usado ao longo desta dissertação num sentido mais 
abrangente: por colonização entende-se a presença de propágulos fúngicos na superfície da 
planta. 
A capacidade de infecção da cultura depende por sua vez da patogenicidade da estirpe, 
susceptibilidade da cultura, e de factores ambientais. Existem fungos micotoxigénicos (v.g., 
espécies de Fusarium) que são patogénicos para plantas, mas em geral, os fungos 
micotoxigénicos não são patogénios agressivos, mas sim essencialmente saprófitas ou 
parasitas oportunistas (v.g., espécies de Aspergillus e Penicillium), capazes de infectar as 
culturas através de danos e injúrias físicas. Existem nas plantas vias naturais de entrada que 
apresentam pouca obstrução física, que podem ser exploradas por estes fungos (Smart et al., 
1990). Como estes fungos têm capacidades parasíticas limitadas, várias condições ambientais 
têm de ocorrer para que se dê a infecção e a síntese de micotoxinas. 
Após a infecção, o fungo produz a micotoxina cumulativamente, até que o substrato seja 
esgotado, o fungo morto ou que se estabeleçam condições permanentemente desfavoráveis 
para a síntese de micotoxinas. A micotoxina, se não for degradada entretanto, permanece no 
alimento até às fases finais da produção. 
 
2.1.2. Susceptibilidade do hospedeiro 
 
A planta cultivada tem de ser compatível com o fungo toxigénico presente para haver 
produção de micotoxinas, isto é, como foi referido na secção anterior, tem de ser possível a 
infecção e a produção de micotoxinas pelo fungo nos tecidos da planta. 
Ao longo do seu ciclo de vida, a planta apresenta susceptibilidade diferente a fungos. 
Por isso, factores relacionados com a colheita são essenciais no estabelecimento da infecção. 
Regra geral, quanto mais tarde for feita a colheita, mais tempo existe para haver formação de 
micotoxinas no campo e mais susceptível a cultura se torna. No momento da colheita, 
infligem-se danos às culturas, podendo-se abrir vias de entrada para fungos micotoxigénicos. 
 33
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
A presença de danos mecânicos e injúrias físicas na planta, devidas a ataques de pestes 
(v.g., insectos, pássaros, outros fungos) ou factores climáticos (v.g., granizo, seca excessiva), 
são um veículo de ataque por parte de fungos e outros invasores, e aumentam enormemente a 
susceptibilidade da planta em qualquer estado de maturação. Mas além dos danos físicos, 
outros aspectos, como o stresse da planta de cultivo, contribuem para a susceptibilidadea 
infecções. Stresse hídrico em momentos críticos do ciclo de vida da planta pode ser 
determinante (Bilgrami & Choudhary, 1998). Adicionalmente, existem variedades de plantas 
mais resistentes que outras à infecção por fungos micotoxigénicos (Widstrom, 1992). 
Uma vez a cultura infectada em campo, o crescimento fúngico pode continuar nos 
estados pós-colheita e armazenamento. 
 
2.1.3. Nicho agroclimático favorável 
 
Os factores ambientais são determinantes na produção de micotoxinas, porque 
influenciam a quantidade de inóculo, bem como a capacidade do fungo colonizar, infectar e 
produzir micotoxinas na planta, além de contribuírem para a susceptibilidade do hospedeiro. 
Os factores climatéricos mais relevantes para a produção de micotoxinas em campo 
são a temperatura, a precipitação e a humidade (Abramson, 1998). A chuva e vento facilitam 
a dispersão de inóculo. A capacidade de germinação dos esporos depende essencialmente da 
temperatura e da humidade ou actividade de água do substrato e, se as condições climatéricas 
forem favoráveis, dá-se a germinação dos esporos e a colonização das plantas, o que pode 
conduzir à infecção e à formação de micotoxinas. 
Factores biológicos, como a comunidade microbiana do solo e plantas e a competição 
de microrganismos, mostraram-se relevantes para a determinação da produção de micotoxinas 
em plantas de cultivo e seus órgãos (Bilgrami & Choudhary, 1998). 
Os insectos são dos factores biológicos mais relevantes na contaminação com 
micotoxinas, pois não só danificam as plantas, como actuam como vectores de inóculo 
(Dowd, 1998). 
 
 34
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
2.2. Pós-colheita 
 
Durante o armazenamento e transporte, o inóculo de fungos micotoxigénicos que estava 
presente na comodidade agrícola, exceptuando se houve um pré-processamento que involva 
desinfecção, continua presente. Podem também existir outras fontes de inóculo (v.g., outros 
produtos armazenados, instalações de armazenamento ou transporte). Os ambientes de 
armazenamento são mais secos que as condições de campo, e as actividades de água do 
substrato mais baixas, o que favorece o crescimento de fungos com requisitos ecológicos 
diferentes das condições antes da colheita. Nesta fase, a produção de micotoxinas depende da 
presença de fungos toxigénicos capazes de crescer e produzir a micotoxina no substrato e de 
factores ambientais no armazenamento, dos quais a actividade de água é particularmente 
importante. Outros factores, como o tempo de incubação, a temperatura, a atmosfera e o 
potencial redox, bem como pH e comunidades microbianas são relevantes (Abramson, 1998; 
Smith et al., 1998). 
 
2.3. Processamento dos alimentos 
 
As micotoxinas podem surgir de 3 formas nos alimentos processados: i) estando presentes 
na matéria-prima; ii) formando-se durante o processamento; iii) ou após o processamento, 
devido a más condições de armazenamento ou acondicionamento. O tipo de processamento 
pode afectar os níveis de micotoxina presentes nas matérias-primas, podendo eliminar, reduzir 
ou aumentar a toxina no alimento processado. Por exemplo, sabe-se que a fermentação destrói 
a micotoxina patulina, que é detectada em sumos de frutas, mas não em bebidas alcoólicas 
(Scott et al., 1977). No processamento do café verde para café torrado e solúvel, pode ocorrer 
uma redução nos níveis de OTA até 90% (Viani, 2002). Kpodo e colaboradores (1996) 
verificaram que a cocção durante 3 horas de milho fermentado contribui para a redução de 
80% nos níveis de aflatoxina B1 e G1. No processo de fabrico de vinho, verificou-se que 
vários passos do processo contribuem para a redução dos níveis da micotoxina OTA, 
essencialmente sempre que há separação de matéria sólida do vinho (Hocking et al., 2003; 
Fernandes et al., 2003; no prelo). 
Por sua vez, passos que envolvam concentração de matéria-prima podem conduzir a níveis 
de micotoxinas mais elevados nos alimentos processados. O aumento da concentração de 
 35
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
OTA durante o fabrico de pekmez é disso exemplo. O pekmez é uma bebida turca feita de 
sumo de uva concentrado e fervido. Verificou-se que a concentração de OTA no pekmez era 5 
a 6 vezes maior que o detectado nas uvas (Arici et al., 2004). 
É possível que a produção de micotoxinas se dê durante o processamento dos alimentos. 
Bailly e colaboradores (2002) verificaram que durante o fabrico de queijo há potencial para a 
produção de micotoxinas. Mas a produção de micotoxinas durante o processamento alimentar 
não é referida habitualmente. 
 
2.4. Cadeia alimentar 
 
As micotoxinas podem entrar na cadeia alimentar ao serem consumidas em rações por 
animais. Os animais podem degradar as micotoxinas, acumulá-las nos seus órgãos e tecidos 
ou transformá-las noutros produtos e excretá-las, como é o caso da aflatoxina M1 nos 
produtos lácteos (Galtier, 1999; Guerre et al., 2000; Mendonça & Venâncio, no prelo), e estar 
presentes em alimentos destinados a consumo humano. 
 
2.5. Presença e distribuição de micotoxinas em comodidades agrícolas 
 
Devido à síntese de micotoxinas em alimentos ser um fenómeno complexo que depende 
de muitos factores, a produção de micotoxinas é tipicamente pontual e particularizada, 
distribuindo-se na colheita de forma não homogénea. Estudos em milho com aflatoxinas 
permitiram avaliar este facto. Na Figura 1.5 está representada a distribuição e o teor de 
aflatoxina em grãos de milho numa espiga. A contaminação é variável e nem todos os grãos 
infectados apresentam níveis detectáveis de aflatoxina (Cotty et al., 1994). Em muitos casos, a 
eliminação de componentes altamente contaminados resultaria em comodidades agrícolas 
com teores de aflatoxinas aceitáveis comercialmente. 
 
 36
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
 
 
 
 
Figura 1.5. Distribuição e teor de aflatoxina em grãos de milho numa espiga (adaptado de Cotty et al., 1994). 
Células brancas = não infectadas, aflatoxina não detectada; Células amarelas = infectadas, aflatoxina não 
detectada; células cinzentas = concentações de aflatoxina de 0,1 – 2,5 g/kg; células negras = mais de 2,5 g/kg 
 
Devido a esta variabilidade na contaminação, a avaliação da produção de micotoxinas em 
campo, bem como a amostragem de lotes armazenados torna-se particularmente difícil 
(Whitaker, 2003a; Whitaker, 2003b). 
A possibilidade de co-ocorrência de micotoxinas em alimentos suscita preocupações 
acrescidas, visto que se desconhecem os efeitos das interacções entre estes compostos. Já foi 
detectada a co-ocorrência de patulina e citrinina em maçãs portuguesas (Martins et al., 2002) 
e de aflatoxina B1, fumonisina B1 e OTA em cereais (Park et al., 2002; Vargas et al., 2001). 
 
2.6. Medidas de prevenção e controlo na contaminação por 
micotoxinas 
 
Em campo, antes da colheita, algumas estratégias de controlo de micotoxinas bem 
sucedidas basearam-se em boas práticas agronómicas, que maximizem o desempenho da 
planta e minimizem o stresse, bem como no cultivo de variedades resistentes aos fungos 
produtores. A maioria dos estudos diz respeito à prevenção de aflatoxinas em campo. A 
aposta no desenvolvimento de variedades de milho resistentes à produção de aflatoxinas por 
Aspergillus flavus tem mostrado resultados promissores (Brown et al., 1998). O uso de 
agentes biocompetitivos foi sugerido por diversas vezes. No caso das aflatoxinas, o uso de 
estirpes não-aflatoxigénicas para este fim parece ser o mais adequado, visto que estas estirpes 
são adaptáveis às condições ambientais de forma idêntica às toxigénicas, e são biologicamente 
activas. Em experiências de estufa e campo, obtiveram-se reduções grandes no teor de 
aflatoxinasem algodão com a aplicação de estirpes atoxigénicas de A. flavus em grãos de 
trigo. A redução no teor de aflatoxinas parece ser devida à exclusão espacial de estirpes 
toxigénicas e competição por recursos necessários à produção de aflatoxinas. Pensa-se que os 
 37
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
amendoins também beneficiarão da redução na contaminação com aflatoxinas com o uso de 
estirpes atoxigénicas como biocompetidores. Estes estudos foram realizados com estirpes 
atoxigénicas nativas, mas existe potencial para o desenvolvimento de estirpes de biocontrolo 
mais eficazes através da bioengenharia, especialmente no que diz respeito à virulência das 
estirpes. 
A prevenção da formação de micotoxinas é uma abordagem mais desejável que outras 
formas de controlo, como a destoxificação dos alimentos. A maioria das micotoxinas é 
quimicamente estável, e resistem às condições de processamento, por exemplo, temperaturas 
elevadas. Uma das principais críticas apresentadas à alternativa da destoxificação é que 
muitos dos tratamentos não são economicamente viáveis. No entanto, adicionalmente à 
prevenção, existem vários esforços neste sentido, que se focalizam no processamento 
alimentar, na remoção de micotoxinas por adsorção, filtração, moagem, solventes, altas 
temperaturas e destoxificação por microrganismos (Sinha, 1998). 
Após colheita, a ênfase é colocada em práticas adequadas de colheita e armazenamento, 
bem como numa decisão cuidada do momento de fazer a colheita. Regra geral, culturas 
tardias conduzem a maiores probabilidades de formação de micotoxinas. No caso dos cereais, 
grãos de café, frutos e sementes oleaginosas, após colheita, as culturas devem ser secadas 
imediatamente. Ênfase deve ser colocado na limpeza do material em contacto com a cultura 
antes do transporte para evitar fontes de inóculo posteriores. Em condições de 
armazenamento, o controlo de humidade é essencial para prevenir a acumulação de 
micotoxinas. O uso de agentes anti-fúngicos pode ser usado como um complemento, mas não 
substitui as boas práticas (CAST, 2003). 
 
3. Fungos produtores de micotoxinas 
 
Na Tabela 1.4 são apresentadas as principais espécies produtoras responsáveis pela 
produção de micotoxinas em alimentos. Existem outras espécies capazes de produzir as 
micotoxinas listadas, mas a sua ocorrência em alimentos não é relevante ou não se consideram 
fontes significativas da micotoxina. 
 
 38
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
Tabela 1.4. Principais espécies responsáveis pela produção de micotoxinas 
Micotoxina Espécies produtoras 
Aflatoxinas Aspergillus flavus; A. parasiticus 
Ocratoxina A Aspergillus ochraceus; A. alliaceus; A. niger; A. carbonarius 
Penicillium verrucosum; P. nordicum 
Tricotecenos Fusarium spp. 
Zearalenona F. graminearum e outras Fusarium spp. 
Fumonisinas F. moniliforme (=F. verticillioides); F. proliferatum 
Citrinina P. citrinum; P. expansum; P. verrucosum; A. alliaceus 
Ácido penicílico A. ochraceus; P. aurantiogriseum; P. viridicatum 
Patulina P. expansum; P. griseofulvum; A. clavatus 
Esterigmatocistina Aspergillus versicolor; Emericella nidulans 
Ácido tenuazónico Alternaria alternata 
Penitrem A Penicillium crustosum 
Alcalóides do ergot Claviceps spp. 
Ácido ciclopiazónico A. flavus; A. tamarii; P. commune 
 
Os géneros de fungos filamentosos responsáveis pela produção de micotoxinas 
consideradas mais relevantes para a saúde (V. secção 1.3, p. 21) são Aspergillus, Fusarium e 
Penicillium. A relação entre a micotoxina e o fungo produtor não é única, i.e., uma dada 
micotoxina pode ser produzida por espécies diferentes (v.g., OTA), e um dado fungo pode 
produzir várias micotoxinas (v.g., P. expansum). A ligação entre as espécies e as micotoxinas 
foi frequentemente obscurecida pela má identificação das estirpes ou das micotoxinas ao 
longo do tempo. No entanto, esforços de vários investigadores em diferentes grupos 
taxonómicos, notavelmente de Frisvad e colaboradores na taxinomia e perfil de metabolitos 
secundários produzidos por espécies terverticiladas de Penicillium (V. secção 3.2.4), 
permitiram clarificar a produção de micotoxinas pelas espécies (Frisvad & Filtenborg, 1983, 
1989; Frisvad, 1989; Frisvad et al., 1998; Lund & Frisvad, 1994; Svendsen & Frisvad, 1994). 
Apesar de nem todas as estirpes duma dada espécie serem capazes de produzir 
micotoxinas, a produção de micotoxinas pelas estirpes é bastante consistente em cultura pura, 
desde que se usem condições óptimas de produção. No entanto, a composição do meio de 
cultura afecta grandemente a produção de micotoxinas pelas estirpes. Daí que as micotoxinas 
produzidas em cultura pura podem não ser as mesmas produzidas em substratos naturais. 
Exemplo disso foi o trabalho desenvolvido durante a dissertação de Abrunhosa (2001a, 
2001b), em que se verificou que apesar de todas as 51 estirpes de P. expansum testadas 
 39
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
produzirem citrinina em meio agarizado de extracto de levedura e sacarose (YES), apenas 
uma foi capaz de produzir a micotoxina num meio elaborado com base de extracto de uva. Por 
sua vez, estirpes que não produziram patulina em YES demonstraram essa capacidade em 
meio de uva. 
Visto que cada comodidade agrícola tem a sua micoflora própria, uma dada micotoxina 
pode ser produzida por espécies diferentes consoante o local ou o alimento em questão. Na 
Tabela 1.5 apresenta-se uma revisão das principais espécies produtoras de OTA detectadas em 
diversas comodidades agrícolas em diferentes pontos do globo, onde se observam as 
diferenças apontadas. 
 
Tabela 1.5. Principais espécies produtoras de OTA isoladas de alimentos onde foi detectada a presença da 
micotoxina 
Alimento País Espécie Referência 
Figos Califórnia A. alliaceus Bayman et al., 2002 
Uvas Vários países A. carbonarius, agregado A. 
niger 
V. capítulo 2 
Cereais Norte da Europa, Canadá P. verrucosum Mills et al., 1995; 
Lund & Frisvad, 
2003 
Cereais África do Sul A. alliaceus Odhav & Naicker, 
2002 
Derivados de 
produtos animais 
(enchidos e queijo) 
Europa P. nordicum Larsen et al., 2001 
Derivados de milho Nigéria A. ochraceus Adebajo et al., 1994 
Café Brasil A. ochraceus, A. sulphureus, 
A. carbonarius 
Batista et al., 2003; 
Taniwaki et al., 2003 
Café Tailândia A. carbonarius Joosten et al., 2001 
Castanhas Canadá A. ochraceus Overy et al., 2003 
 
3.1. Fisiologia e Ecologia 
 
Já foi referido em secções anteriores que a produção de micotoxinas pelos fungos depende 
de factores ambientais e da cultura em causa, particularmente do seu estado de 
susceptibilidade. Em campo, o estado da cultura é apontado por Pitt e Hocking (1997) como o 
 40
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
principal factor que governa a ecologia da biodeterioração dos alimentos por fungos. O estudo 
da produção de micotoxinas em tecidos vivos das plantas é mais um ramo da patologia 
vegetal que da microbiologia alimentar. No entanto, em tecidos moribundos, dormentes, ou 
mortos, os factores que governam a biodeterioração e a produção de micotoxinas são físicos e 
químicos. Segundo os autores citados, há 8 factores principais: 1) actividade de água; 2); pH; 
3) temperatura; 4) tensão de O2 e CO2, 5) consistência, 6) composição nutricional do 
substrato; 7) solutos específicos; 8) conservantes. 
A maioria dos fungos é pouco afectada pelo pH numa larga gama de valores, tipicamente 
entre 3 a 8. O pH é um factor importante em termos competitivos a elevadas actividades de 
água, onde a biodeterioração por bactérias é provável. Mas abaixo de pH 5, o crescimento de 
bactérias é menos provável. A tensão de O2 e CO2 é importante para os fungos visto que são 
organismosaeróbicos. A sensibilidade das espécies a estes parâmetros tem particular 
importância durante o processamento de alguns alimentos, como queijos, e no embalamento 
de alimentos. A consistência do alimento é importante quanto ao tipo de fungos filamentosos 
mais prováveis de causar estragos: duma forma geral, as leveduras causam mais estragos em 
produtos líquidos, visto que o ambiente é mais favorável à dispersão de organismos 
unicelulares, e os fungos filamentosos causam mais frequentemente estragos em substratos 
sólidos, onde têm acesso fácil ao oxigénio. Quanto à composição nutricional do substrato, a 
sua importância em termos de produção de micotoxinas já foi realçado previamente neste 
capítulo. A presença de certos solutos pode ser importante para o crescimento de alguns 
fungos, nomeadamente glucose, glicerol, cloreto de magnésio e cloreto de sódio, mas este 
factor parece ter pouca importância para as espécies anamórficas de Aspergillus e Penicillium. 
No caso de resistência a conservantes, em particular ácidos fracos, verificou-se diferenças na 
resistência das espécies, mas obviamente que este aspecto só tem interesse quando se usam 
conservantes alimentares. Indubitavelmente, dois dos aspectos considerados mais importantes 
e estudados mais frequentemente quanto aos requisitos ecofisiológicos para o crescimento de 
fungos filamentosos e produção de micotoxinas são a actividade de água e a temperatura. 
Quanto à actividade de água, os fungos produtores de micotoxinas são divididos em 
fungos de campo e fungos de armazenamento. Os fungos de campo só conseguem crescer 
com actividades de água elevadas (acima de 0,90 aw), e são relevantes antes da colheita, como 
é o caso dos Fusarium. Os fungos de armazenamento são fungos com capacidade de crescer 
com baixas actividades de água, e são relevantes em condições de armazenamento de 
comodidades agrícolas secas, como cereais. É nesta última categoria que se inserem 
tipicamente Aspergillus e Penicillium, apesar dos fungos de armazenamento também estarem 
 41
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
presentes no campo, onde podem infectar as colheitas (v.g., Aspergillus flavus) e produzir a 
micotoxina. 
As espécies do género Aspergillus são na maioria saprófitas ou patogénicos oportunistas 
de plantas, capazes de crescer até baixas actividades de água e com temperaturas elevadas, 
dominando ambientes quentes e/ou secos. O teleomorfo Eurotium consegue crescer até 0,70 
de aw (Figura 1.6). Adicionalmente, algumas espécies de Aspergillus são termófilas, capazes 
de crescer até temperaturas máximas de 55 ºC (v.g., A. fumigatus). A distribuição de 
Aspergillus nos solos é mais abundante entre latitudes as 26º e 35º em ambos hemisférios, e 
menos abundantes entre 35º e 45º (Klich et al., 1992). São mais frequentes em climas 
tropicais que em climas temperados e é nos trópicos que dominam a micoflora dos alimentos 
e que são responsáveis pela produção de micotoxinas em diversas comodidades agrícolas, 
como cereais, amendoins, cacau, café. As espécies de Aspergillus regra geral crescem mais 
rápido que os Penicillium, apesar de tardarem mais a esporular. Os seus esporos são 
resistentes à radiação solar e a agentes químicos (Pitt & Hocking, 1997). 
O género Penicillium é dos 3 géneros indicados o mais diverso, em termos de número de 
espécies e diversidade de habitats. São espécies pouco exigentes nutricionalmente, capazes de 
crescer em qualquer ambiente com uma fonte de sais minerais e qualquer fonte de carbono 
excepto as mais complexas, numa gama vasta de condições físico-químicas (v.g. aw, 
temperatura, pH e potencial redox). A maioria das espécies descritas tem o seu habitat 
primordial no solo e são consideradas saprófitas ubíquos. Christensen e colaboradores (2000) 
verificaram numa revisão a 74 rastreios de solo publicados que os Penicillium estão entre os 
principais constituintes da micoflora, e que ao invés dos Aspergillus, são proeminentes numa 
gama de amplitudes muito alargada (entre 3º e 71º). No entanto, o género Penicillium também 
compreende algumas espécies patogénicas de frutos (v.g., P. digitatum, P. expansum, P. 
italicum). Muitas espécies são psicrófilas, capazes de crescer a temperaturas abaixo de 0 ºC, 
mas algumas espécies são capazes de crescer até 40 ºC (Pitt & Hocking, ob. cit.). Regra geral, 
crescem num regime mais estreito de actividades de água, apesar de existirem algumas 
espécies xerófilas, como o caso notável de P. brevicompactum, capaz de crescer abaixo de 
0,80 aw. Os Penicillium dominam a micoflora micotoxigénica dos climas temperados, onde 
são responsáveis pela produção de micotoxinas essencialmente em cereais e derivados de 
carne. 
 42
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
 
 
Figura 1.6. Fungos e actinomicetes proeminentes e suas capacidades de crescer a diversas actividades de água e 
temperaturas. T. crust. = Thermoascus crustaceus; Sam. = Saccharomonospora; Stm. = Streptomyces (adaptado 
de Lacey et al., 1991 por Kozakiewicz, com permissão da autora) 
 
 Regra geral, verifica-se que os limites ecofisiológicos duma espécie para produzir 
micotoxinas são mais estreitos que para crescer num dado produto (Frisvad & Samson, 1991). 
Prova desta afirmação são os estudos recentemente publicados quanto aos requisitos de aw e 
temperatura para a produção de OTA por estirpes toxigénicas de Aspergillus secção Nigri em 
uvas (Esteban et al., 2004; Mitchell et al., 2004). Uma vez estabelecidos estes limites, é 
possível construir modelos preditivos de risco de produção da micotoxina. 
 
3.2. Taxinomia e nomenclatura dos géneros produtores de 
micotoxinas 
 
Segundo a classificação de fungos de Alexopoulos (Alexopoulos et al., 1996), o Reino 
dos fungos está dividido em 4 filos, definidos principalmente nos modos de reprodução 
sexual: Chytridiomycota, Zygomycota, Basidiomycota e Ascomycota. Os fungos produtores 
de micotoxinas pertencem à divisão Ascomycota. Os Ascomycota apresentam reprodução 
sexuada em estruturas especializadas designadas de ascos. No entanto, nem todos os fungos 
 43
CAPÍTULO 1. MICOTOXICOLOGIA 
deste filo exibem normalmente em cultura estruturas de reprodução sexuada. Os fungos cujo 
estado de reprodução sexual não é conhecido designam-se de fungos imperfeitos, ou 
deuteromycetes. Aspergillus, Fusarium e Penicillium pertencem a este grupo. 
Os deuteromycetes reproduzem-se assexualmente por estruturas de reprodução 
especializadas designadas de conidia (sing. conidium), que são esporos mitóticos que se 
formam em estruturas de reprodução especializadas, designadas de conidióforos. Os 
deuteromycetes não existem como grupo taxinómico, e não representam nenhum 
agrupamento natural. Este agrupamento foi abandonado a favor de alternativas menos 
artificiais, com base nos parceiros mais próximos que apresentam reprodução sexuada. O 
reconhecimento dos deuteromycetes como um grupo artificial justifica abordagens 
taxinómicas puramente pragmáticas. 
A taxinomia dos géneros deste grupo, em particular de Aspergillus, Fusarium e 
Penicillium, é complexa devido aos problemas apontados em seguida, apesar de se terem feito 
grandes esforços para a sua resolução. 
 
3.2.1. Problemas gerais 
 
A classificação de fungos assexuais foi tradicionalmente baseada na morfologia, isto é, 
no aspecto das colónias e estruturas microscópicas. O conceito biológico de espécie de Mayr, 
que assenta em que a espécie é um grupo de populações naturais que se cruzam entre si e 
estão retroactivamente isolados de outros, não é aplicável a organismos assexuais (Harrington 
e Rizzo, 1999). A morfologia das estruturas de reprodução especializada dos fungos foi usada 
na definição da espécie e na identificação. Mas a informação morfológica

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