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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Fundamentos Histórico Teórico Metodológicos do Serviço Social – dimensão metodológica Aula 5 Professora Neiva Silvana Hack CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa Inicial Caro(a) aluno(a), nesta aula vamos discutir os instrumentais e instrumentalidade no Serviço Social. Conheceremos abordagens e técnicas possíveis no cotidiano profissional do Assistente Social. Situaremos a atuação profissional na contemporaneidade e destacaremos o compromisso profissional com uma intervenção crítica fundamentada teórica, política e eticamente. Temos como objetivos desta aula: Conhecer e aplicar o conceito de instrumentalidade; Identificar os principais instrumentais do Serviço Social utilizados na atualidade; Desenvolver a correlação entre a aplicação de técnicas e o suporte teórico-político; Compreender a fundamental correlação entre a prática e a ética profissional; Conhecer e distinguir os tipos de documentos de registro da prática profissional. Para alcançar estes objetivos, contaremos com diferentes recursos educativos, por meio de textos explicativos; videoaulas; indicações de leituras e atividades. Vamos aproveitar cada um deles! Boa aula! CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 Contextualizando Para iniciar nossa aula, vamos discutir um caso no qual uma Assistente Social prestou atendimento à uma família de um município do interior do Brasil. A Assistente Social é servidora pública da Prefeitura Municipal e há cinco anos atua no Centro de Referência de Assistência Social - CRAS. Lá, atende famílias em situação de vulnerabilidade e risco social. Há cerca de três meses chegou ao CRAS uma solicitação do Conselho Municipal de Assistência Social de que fossem intensificados os atendimentos às famílias beneficiárias dos Programas de Transferência de Renda (neste caso, eram os programas Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e um Programa Municipal chamado Ação Cidadã). Por causa dessa solicitação, foram feitas várias visitas domiciliares e inseridas 20 novas famílias em um serviço de acompanhamento familiar. Neste serviço, a Assistente Social realizava, todos os meses, um atendimento à família no CRAS, uma visita domiciliar e organizava um grupo socioeducativo quinzenal, no qual participavam todas as famílias. Uma outra Assistente Social, quando soube das atividades que ela estava desenvolvendo junto às essas 20 famílias, disse que achava que sua prática estava antiquada. Dizia que, se ela atende de forma individual e coletiva e dentro de um território específico (abrangência do CRAS), ela está usando a metodologia antiga do Serviço Social, que era do “Serviço Social de caso, grupo e comunidade”. Temos aqui uma importante problematização! Você consegue imaginar o desenrolar desta conversa entre estas duas Assistentes Sociais? Os métodos utilizados neste caso são mesmo de Serviço Social de caso, grupo e comunidade? Não responda agora! Vamos aprender mais sobre metodologia do Serviço Social e voltar a esta questão ao final da aula! CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 Pesquise Tema 1 – O que é instrumentalidade Para compreender melhor o que é instrumentalidade, partiremos da diferenciação entre “instrumental” e “instrumentalidade”. É comum, no Serviço Social, nos referirmos ao uso dos “instrumentais técnico-operativos”. Instrumentais ou, mais especificamente, instrumentais técnico- operativos do Serviço Social, são o conjunto de técnicas relacionadas à operacionalização cotidiana do trabalho profissional. São exemplos: visitas domiciliares, entrevistas e reuniões. Constituem processos especializados de trabalho, que materializam a ação do Assistente Social. Instrumentalidade é um conceito mais complexo. Está relacionado à habilidade do profissional de imprimir intenção na técnica. Não repetir um modelo técnico, um procedimento ou um protocolo, mas utilizar-se da técnica para alcançar objetivos previamente definidos. (GUERRA, 2016). Observemos com atenção o que afirma a assistente social Yolanda Guerra, profissional que discute amplamente esta temática: ...Podemos afirmar que a instrumentalidade no exercício profissional refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas (neste caso, a instrumentação técnica), mas à uma determinada capacidade ou propriedade construtiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico. [A instrumentalidade] possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais.[… Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que demandam sua intervenção, modificando as condições, os meios e os instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando instrumentalidade às suas ações. (GUERRA, 2016, p. 02) CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 A instrumentalidade está diretamente relacionada à exigência da qualidade da atuação do profissional assistente social na contemporaneidade. Desde a década de 1980, e mais fortemente consolidado com a aprovação dos novos Código de Ética Profissional do(a) Assistente Social (1993), Lei de Regulamentação da Profissão (1993) e Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social (1999), a categoria vem constituindo-se e pautando-se em um Projeto Ético-político Profissional. Este Projeto pauta a compreensão da sociedade a partir de uma vertente crítica, fundamentada na teoria social de Marx, que considera as contradições próprias do sistema capitalista e do conflito “capital x trabalho”, reconhecendo que as demandas que se expressam ao profissional são expressões diversas deste mesmo conflito. O Projeto Ético- político Profissional também supera a visão da neutralidade do profissional e afirma uma opção da categoria pela defesa de direitos da classe trabalhadora e democracia. Sua fundamentação teórica conduz para uma apreciação da realidade dentro de seus contextos, relações, história e participação social. (GUERRA, 2016; SOUZA, 2008; FERNANDES, 2016). Essa nova fundamentação teórica, ética e política da profissão, exige também novas atitudes dos profissionais. Embora se perceba tanto no Serviço Social tradicional (aquele praticado no início da história da profissão) quanto no Serviço Social contemporâneo, a utilização dos mesmos instrumentos, há uma mudança fundamental nos objetivos que se quer atingir, enquanto profissional. Exige-se assim, a criatividade profissional. Nenhum instrumento será reconhecido como pronto e acabado, e os passos de aplicação devem ser replicados rigorosamente. Antes, cada instrumento se desdobrará em diversas possibilidades de intervenção. Ao descuidar da instrumentalidade e tão somente replicar técnicas, o profissional tende a contribuir para a reprodução das condições sociais dos usuários e da sociedade, tais como se apresentam: a reprodução da miséria, da desigualdade, da violência, da exploração do trabalho, da criminalização da pobreza, etc. (GUERRA, 2016). CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 Reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico-instrumental significa tornar o Serviço Social meio para o alcance de qualquer finalidade. Significa também limitar as demandas profissionais às exigências do mercado de trabalho. É também equivocado pensarque para realizá-las o profissional possa prescindir de referências teóricas e ético-políticas. (GUERRA, 2016, p. 10) A instrumentalidade tem o papel de ser uma mediação no exercício profissional do Assistente Social. Desta forma, ela contribui para a superação das avaliações e intervenções imediatistas e possibilita uma análise ampliada e uma ação comprometida com a mudança da realidade. Entender instrumentalidade como mediação é fundamental para o exercício profissional crítico e competente (GUERRA, 2016) A instrumentalidade, enquanto mediação, exige o compromisso do profissional com o conhecimento teórico. A definição de objetivos do atendimento não se dá a partir do olhar focado no indivíduo ou na situação que gerou a necessidade de atendimento, mas na compreensão destes à luz da análise sócio-histórica da sociedade e de constantes reflexões com suporte teórico. Imprime-se, assim, a articulação necessária das três competências fundamentais ao exercício da profissão do Serviço Social: competências ético- políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas. Consolida-se, desta forma, a superação da dicotomia teoria-prática. (FERNANDES, 2016; SOUZA, 2008) Ora, isso pressupõe que, mais do que copiar e seguir manuais de instruções, o que se coloca para o Assistente Social hoje é sua capacidade criativa, o que inclui o potencial de utilizar instrumentos consagrados da profissão, mas também de criar outros tantos que possam produzir mudanças na realidade social, tanto em curto quanto em médio e longo prazos. (SOUZA, 2008, p. 124) O conhecimento teórico subsidia o planejamento da ação, o estabelecimento de objetivos e a definição dos métodos a serem adotados na intervenção. Deve-se levar em conta, contudo, que ainda que exista excelência teórico-metodológica e técnico-operativa, não há garantias de alcance pleno dos CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 objetivos pré-determinados. As transformações sociais desejadas estão sujeitas aos contextos históricos e sociais às quais se relacionam. Contudo, tem-se em vista aproximar-se ao máximo de tais objetivos. Destacando sempre que, segundo o Projeto Ético Político Profissional, tais objetivos relacionam-se à autonomia, emancipação, dignidade, liberdade e protagonismo do usuário, bem como à construção de transformações societárias. Não se tratam mais de objetivos delimitados tão somente na pessoa do usuário.(SOUZA, 2008; SUGUIHIRO et. al., 2009) Observa-se, assim, que a qualidade da metodologia profissional na área do Serviço Social exige o conhecimento, discussão e aplicabilidade da instrumentalidade. Tema 2 – Principais instrumentais do Serviço Social Existe um conjunto amplo de instrumentais que podem ser utilizados pelo Assistente Social em seu exercício profissional. Alguns historicamente adotados e outros com características inovadoras. Mesmo os métodos mais tradicionais recebem novas estratégias e particularidades distintas que os tornam mais adequados aos tempos, espaços, pessoas e objetivos compreendidos no processo de intervenção. A utilização de instrumentais deve considerar a perspectiva da instrumentalidade, ou seja, deve contar com fundamentação ético-política e teórico-metodológica, capaz de estabelecer objetivos de efetiva transformação social e de materializá-los a partir das técnicas escolhidas. A escolha dos instrumentos não é simples. Não há um “passo a passo” previamente definido. Deve-se, sim, contar com uma eleição adequada de objetivos, estratégias e linguagens. (SOUZA, 2008; FERNANDES, 2016). Se o profissional pretende atuar com uma postura crítica e comprometida com a emancipação do usuário, não pode replicar técnicas de controle ou abuso do poder (ex.: visitas domiciliares fiscalizatórias, focadas na quantidade de equipamentos existentes na casa ou no grau de higiene desta); técnicas CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 autoritárias (ex.: reunião de grupos ou entrevistas em que apenas o Assistente Social fala e sua opinião é tida como a correta, em detrimento da opinião do usuário); linguagens pejorativas sobre o usuário (exs.: “cliente”, “menor”, “prostituição infantil”). (FERNANDES, 2016). Entende-se que a linguagem é um aspecto fundamental para escolha dos instrumentais adequados a cada intervenção. Partindo da análise da linguagem, é possível adotar a seguinte classificação: ... podemos identificar duas categorias de linguagens comumente utilizadas pelo Serviço Social: a linguagem oral ou direta e a linguagem escrita ou indireta, e com elas, estabelecer as interações. Desse modo, podemos classificar os instrumentos de trabalho como instrumentos diretos (ou “face a face‘) e instrumentos indiretos (ou “por escrito”).” (SOUZA, 2008, p. 126) De acordo com essa classificação, é possível destacar os seguintes instrumentais: Instrumentos de trabalho “face a face”: - Observação do participante; - Entrevista individual e grupal; - Dinâmica de grupo; - Reunião; - Mobilização de comunidades; - Visita domiciliar; - Visita institucional. Os instrumentos de trabalho indiretos ou ”por escrito” - Atas de reunião; - Livros de registro; - Diários de campo; - Relatório social; - Parecer social. Adaptado de SOUZA, 2008. Dentre os instrumentos até aqui apresentados, ganham especial atenção a entrevista, a visita domiciliar e o trabalho em grupos, pela sua utilização nos mais diversos espaços de intervenção profissional. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 Entrevista A entrevista é a técnica de diálogo realizada entre o profissional e o usuário. Pode acontecer na sala de atendimento técnico, como também durante uma visita domiciliar, ou em outras circunstâncias que promovam a aplicação deste instrumental. Trata-se de um processo de escuta do usuário e de suas demandas, que vai sendo interpretado a partir do conhecimento teórico e do referencial ético e político do profissional. Exige atenção, observação e cooperação. Não se parte do princípio de que o profissional detém as verdades finais sobre as melhores atitudes a serem adotadas pelo usuário. Pelo contrário, deve ser estabelecido um processo conjunto de reinterpretação da realidade. A acolhida, a abordagem, a escuta, os questionamentos, as informações e as orientações que compreendem este momento devem convergir para a promoção da autonomia e protagonismo do usuário, bem como para a defesa de seus direitos. (LAVORATTI, 2016; LEWGOY e SILVEIRA, 2007; SOUZA, 2008) Visita domiciliar: A visita domiciliar compreende a abordagem profissional realizada diretamente na residência do usuário. Seu uso permite uma aproximação com a realidade do indivíduo e da família; com suas dinâmicas sociais, culturais e relacionais; bem como promove a intervenção em um ambiente em que o usuário sente-se mais protegido e à vontade. (SILVA e MOURA, 2016; SOUZA, 2008) Contudo, tal instrumental tem um histórico de utilização para o controle institucional sobre as populações pobres, conforme práticas do Serviço Social tradicional. Neste, o profissional assumia um papel de interferir no curso de vida dos indivíduos. Era exercido numa postura de superioridade do profissional em relação às famílias. Na perspectiva contemporânea da profissão, tal atitude é contraria à ética profissional, bem como aos objetivos do Projeto Ético Político da profissão (SILVA e MOURA, 2016; SOUZA, 2008): CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 Como instrumental técnico reconstruído criticamente e utilizado à luz dos princípioséticos da profissão, a visita domiciliar pode ser utilizada com várias finalidades. Seja para elaboração do estudo social, para fazer a busca ativa dos usuários, para dar retornos e agilizar o encaminhamento de procedimentos institucionais, para realizar o acompanhamento ou para estimular a adesão aos serviços. (SILVA e MOURA, 2016, p. 113) Trabalho em grupos O trabalho com grupos envolve a realização da intervenção profissional de forma coletiva, com otimização das possibilidades de intervir na dinâmica das relações sociais. Este tipo de intervenção pode ser demandado pelas mais distintas necessidades ou interesses dos usuários, instituições ou dos próprios profissionais. Mas, destaca-se que não somente as técnicas de intervenção, mas também objetivos e resultados do trabalho em grupo são distintos das abordagens individuais. (VILEIRINE, 2016). Instrumentais relacionados ao trabalho em grupos permitem a aplicação de técnicas que estimulem e valorizem a participação, a autonomia e o protagonismo. Para melhor compreensão a utilização deste instrumental pelo Serviço Social, vale destacar parte do texto de Vileirine (2016, p. 129), sobre o assunto: Inicialmente, temos que ter como premissa que o trabalho com grupos há de se desenvolver numa perspectiva emancipatória dos sujeitos. Esta perspectiva pode ser construída nas relações grupais como fortalecimento dos sujeitos como protagonistas da sua história. O assistente social, antes de tudo, precisa acreditar que as pessoas têm potenciais, que estes podem ser desenvolvidos através da reflexão sobre sua realidade social e que tudo pode apontar para a modificação desta realidade. Promover o acesso a serviços, programas, projetos e benefícios, fortalecer os vínculos sociais e comunitários, promover o trabalho socioeducativo numa concepção freiriana de ação-reflexão, reflexão- ação, será possível num trabalho de grupo educativo, balizado pelo projeto ético-político da profissão, tendo como horizonte a cidadania e a justiça social.” CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 Tema 3 – Técnica x pensamento crítico Conforme vimos na aula 02, o Serviço Social contou com uma fase de ampla valorização da técnica, em detrimento das demais dimensões constitutivas da profissão. Tal fase ficou conhecida como tecnicismo. A crítica ao tecnicismo, no Serviço Social, envolve a discussão de que a mera replicação da técnica, ainda que da forma mais exemplar, não responde às demandas de transformação social, mas implica na reprodução das condições de pobreza, discriminação e exploração, bem como tendem a colaborar na consolidação do projeto societário da classe dominante. Assim, a técnica isolada, ainda que qualificada, repercute em resultados que já não satisfazem a intenção da categoria profissional do Serviço Social, segundo seu Projeto Ético Político. Na origem da história do Serviço Social, o estudo e a dedicação para a qualificação da técnica estiveram bastante voltadas ao seu perfil enquanto profissão predominantemente interventiva. Tal concepção foi sendo superada principalmente a partir do Movimento de Reconceituação, quando se passa a reconhecer as dimensões da pesquisa e da produção de conhecimento como inerentes ao exercício profissional do Assistente Social. (SOUZA, 2008) Contudo, houve um arrefecimento na discussão da técnica durante parte do período em que se construía uma proposta de renovação do Serviço Social e de superação do conservadorismo. Tal debate retoma força com a discussão da instrumentalidade, a partir da década de 1990. A partir deste período, tal temática passa “...a compor a pauta nas instâncias de discussão, organização, pesquisa e formação profissional do Serviço Social no Brasil.” (FERNANDES, 2016, p. 15) A discussão da instrumentalidade tornou-se fundamental para aliar a necessidade de adoção de uma postura crítica, teoricamente fundamentada e posicionada ética e politicamente em favor da classe trabalhadora, à também necessária qualidade técnica do atendimento. Se por um lado, a técnica isolada desvirtua as competências profissionais esperadas pelo novo Projeto Ético Político, por outro, a ausência de habilidade profissional no uso adequado das técnicas gera resultados de ineficácia e mau atendimento. Assim, tanto a CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 12 superestimação quanto a subestimação da técnica repercutem em ações profissionais que não respondem ao comprometimento ético-político desejado. A discussão da instrumentalidade torna-se complementar à discussão dos instrumentais, atribuindo qualidade à prática profissional e, principalmente, rompendo com a “dicotomia teoria x prática”. Assim, a capacidade de escolha e uso adequado dos instrumentais deve compor as habilidades do assistente social, de forma a contribuir para que sejam alcançados objetivos que são delineados a partir de uma compreensão crítica do real, de embasamento teórico sobre a sociedade capitalista e suas contradições e comprometimento ético- político. (FERNANDES, 2016) Ficam definidas, assim, as necessárias competências profissionais, classificadas em dimensões constitutivas da profissão, que devem compor, de forma articulada, a atuação do assistente social: - A dimensão ético-política; - A dimensão teórico-metodológica; e - A dimensão técnico-operativa. A articulação de tais dimensões e a aplicabilidade da instrumentalidade durante uma mediação na prática profissional permitem que objetivos, técnicas e resultados estejam em convergência para a promoção de um novo projeto societário. Em resumo: a crítica não dispensa a técnica e a técnica não dispensa a crítica. O profissional precisa estar habilitado em ambas! Tema 4 – Ética na intervenção profissional Percebemos que a qualidade do atendimento técnico do assistente social está diretamente ligada à articulação entre as competências que se relacionam às dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas do Serviço Social. Tal como se pode observar na denominação de tais dimensões, teoria e técnica dependem da ética! Assim, toda a intervenção na área do Serviço Social deve estar fundamentada em sua ética profissional. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 13 O documento fundamental, neste aspecto, é o Código de Ética Profissional do(a) Assistente Social, que foi aprovado no ano de 1993. O Código de Ética estabelece os princípios éticos fundamentais da profissão, bem como define direitos e responsabilidades dos Assistentes Sociais. Conheçamos os princípios fundamentais, segundo o Código de Ética do/a Assistente Social: I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; VII. Garantia dopluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; IX. Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos(as) trabalhadores(as); X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física.” (CFESS, 1983, p.23-24) CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 14 Toda escolha de instrumental, bem como sua aplicação, deve possuir coerência com as disposições do Código de Ética. Portanto, não cabem posturas autoritárias, assistencialistas, culpabilizadoras, coercitivas ou discriminatórias. Observamos ainda que a própria qualidade do atendimento e o constante aprimoramento profissional são inerentes à ética profissional do Serviço Social. Tema 5 – Documentos – estudos, pareceres e laudos sociais Dentre os instrumentais utilizados no exercício profissional do Assistente Social, existe um conjunto de alternativas que estão relacionadas ao registro escrito da prática. Tratam-se de relatórios, atas, sistematizações, dentre outros. Alguns agregam uma característica de maior formalidade, por serem produtos de uma intervenção técnica especializada. Podemos citar, neste caso, os estudos, laudos e pareceres sociais. Vamos conhecer um pouco mais destes documentos e elementos do fazer profissional. Inicialmente é preciso situar que “estudos”, “pareceres” e “laudos”, quando dizem respeito à matéria do Serviço Social, só podem ser realizados por Assistentes Sociais. Essa é uma prerrogativa do artigo 5º da Lei de Regulamentação da Profissão do Serviço Social, a Lei 8.662, de 07 de junho de 1993. Portanto, outros profissionais também podem fazer estudos, pareceres e laudos dentro de sua área de conhecimento, mas não estão habilitados a utilizá- los nos campos que exigem conhecimento específico do Serviço Social. (BRASIL, 1993). Vamos iniciar com uma distinção simples entre estudos, pareceres e laudos sociais: - o estudo social é um processo de investigação e acompanhamento de uma situação específica, desenvolvido pelo profissional de Serviço Social; - o parecer social é a opinião técnica construída pelo profissional diante da situação estudada, fundamentada na realidade observada, na teoria e na legislação; CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 15 - o laudo é um documento sintético em que se descrevem os pontos principais do estudo realizado e se registra o parecer social sobre a situação. Um exemplo para facilitar: Estudo social: o Assistente Social pode ser designado para fazer o estudo social sobre um conjunto de seis famílias que residem em área de risco (potencial de deslizamento e enchentes) e deverão ser realocadas para outros imóveis, tanto para regularizar sua situação de habitação, quanto para evitar riscos físicos e sociais à família. O profissional desenvolve várias atividades de aproximação, observação e acompanhamento junto às famílias; correlaciona a realidade apreendida com conhecimentos teóricos e com a legislação vigente sobre o caso. Parecer social: o estudo realizado no exemplo acima, vai subsidiar a construção de uma opinião técnica. Neste caso, o Assistente Social pode, por exemplo, concluir que o processo de relocação precisa ser feito de forma coletiva, abrangendo as seis famílias ao mesmo tempo, porque identificou forte vinculação entre estas que já construíram uma história de cooperação e interdependência. Assim, recomenda-se que sejam relocadas para domicílios próximos, para que não se percam os vínculos comunitários já estabelecidos. O profissional pode também alertar sobre a quantidade de crianças, gestantes e pessoas idosas compreendidas nestas famílias e que dependeram de acesso a serviços públicos na região em que forem residir, tais como matrículas em escola e creche e acompanhamento na área da saúde. Laudo social: este será o documento síntese a ser apresentado a quem solicitou o estudo social. Neste caso, identificará a situação (caso de relocação), as famílias (dados principais), os métodos do estudo (visitas domiciliares, entrevistas, análise teórica e legal), bem como apresentará de forma objetiva o parecer social desenvolvido (indicação de relocação CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 16 conjunta, com atenção às necessidades de vagas de creche e escola e atendimentos de saúde, na rede pública). Alguns aspectos que merecem atenção nesta temática: - Estudo social é diferente de estudo socioeconômico. Podemos ver esta diferenciação de forma clara na descrição a seguir: “Cabe ressaltar que [o estudo social] é um processo metodológico que é utilizado pelo Serviço Social diferenciado do estudo socioeconômico que é desenvolvido por diferentes profissões. O estudo social tem por finalidade conhecer com profundidade e de forma crítica uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos socioeconômicos e culturais, que demanda tempo de organização, planejamento de investigação, conhecimento e análise de documentos já produzidos, operacionalização de diferentes instrumentos e técnicas, podendo constar nos mesmos impressões e dúvidas que motivarão novos aprofundamentos para melhor manifestação conclusiva.” (COSTA e OLIVEIRA, 2016, p. 210). - O conteúdo do estudo social é material do Assistente Social. O profissional é responsável por guardar o sigilo das informações que obtém durante o exercício de suas atividades junto aos usuários. Não pode transmitir para outras informações pessoais que exponham o direito à privacidade do usuário. Portanto, o conjunto de informações obtidas ao longo do estudo social e seus registros, compõem material de uso exclusivo do Serviço Social, não podendo ser divulgado. O resultado do estudo social deverá ser socializado por meio de relatório ou do laudo social, constando apenas as informações relevantes para identificação da situação avaliada. (COSTA e OLIVEIRA, 2016; CFESS, 1993). - O parecer social precisa de fundamentação teórica e comprometimento com o desdobramento do atendimento da situação estudada. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 17 O parecer social não pode fundamentar-se apenas na observação da realidade e na opinião do profissional. Ainda que seja um profissional experiente, seria inadequado um parecer respaldado apenas em seus critérios pessoais. O desenvolvimento de um parecer exige que a realidade apreendida seja confrontada com a teoria, problematizada e ressignificada. Deve também compreender coerência com a legalidade e a defesa de direitos de cidadania do usuário. (SOUZA, 2008; COSTA e OLIVEIRA, 2016) E ainda, deve ser produzido com comprometimento com os encaminhamentos futuros sobre a situação estudada, conforme podemos observar na afirmação a seguir: Mas para além de uma avaliação do passado, o parecer social também deve realizar uma análise prospectiva, isto é, apontar quais desdobramentos determinada situação podetomar. Com o rigor teórico necessário, conhecendo profundamente a realidade social na qual determinada situação está sendo avaliada, o Assistente Social terá a capacidade de levantar hipóteses sobre possíveis consequências da situação. Assim, o parecer social deve também conter sugestões de novas ações que precisam ser desenvolvidas junto àquela situação – ações estas que serão desenvolvidas ou pelo próprio Assistente Social, ou por outros agentes profissionais.” (SOUZA, 2008, p. 131) Trocando Ideias Neste momento, vamos iniciar uma troca de ideias sobre os diferentes instrumentais do Serviço Social. Você está se preparando para o exercício desta profissão e, certamente, irá se deparar com situações que exigirão a utilização de diferentes técnicas de trabalho. De acordo com o que foi aprendido nesta aula, compartilhe com os colegas o instrumental com o qual você acredita que terá mais facilidade de trabalhar e também aquele que você imagina que será um maior desafio. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 18 Na Prática Agora vamos exercitar nosso aprendizado. Leia com atenção o seguinte caso: Uma assistente social está atendendo um adolescente de 16 anos que acaba de ingressar em uma unidade de internamento para cumprir uma medida socioeducativa de privação de liberdade por, no mínimo, 06 meses. Ela soube, por meio de leitura do processo de ingresso do menino na unidade, que ele cometeu um furto contra uma senhora, levando dela a carteira que foi colocada sobre o balcão do mercado, enquanto ela ajeitava suas compras. Soube também que ele mora com uma avó e outros três primos (12, 8 e 6 anos), em uma das regiões mais pobres de seu município, e que não frequenta a escola desde os 12 anos. Não conseguiu mais informações, pois o processo estava bastante incompleto. Agora, a Assistente Social deverá começar o atendimento técnico junto a este adolescente, para acompanhá-lo no período em que estiver internado e cumprindo medida socioeducativa. Sobre este caso, desenvolva as duas tarefas a seguir: 1. Identifique quais instrumentais podem ser utilizados para os atendimentos que a Assistente Social realizará a este adolescente. 2. Agora, faça uma pesquisa e indique 3 referenciais teórico-legais que podem ser utilizados pela Assistente Social para subsidiar a sua prática de maneira crítica e em acordo com o Projeto Ético Político Profissional, sendo: - Um referencial que trate sobre “adolescentes e pobreza” ou “adolescentes e desigualdade social”; - Uma legislação que se aplique ao caso; - Um outro referencial que você acredite que possa contribuir nesse caso. Dica: para encontrar os referenciais teóricos você pode procurar por livros ou artigos científicos que tratem do assunto! CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 19 Síntese Caro(a) aluno(a), nesta aula nós estudamos a instrumentalidade e os instrumentais na área do Serviço Social. Pudemos diferenciar estes dois conceitos fundamentais, bem como compreender sua complementariedade. A instrumentalidade assegura uma prática social comprometida com o Projeto Ético Político Profissional. Foi possível conhecer tipos de instrumentais e discutir sua aplicabilidade de forma crítica. Iniciamos a aula com uma problematização em que se questionava se realizar atendimento individual, visita domiciliar e ações em grupos, significa utilizar o método do “Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade”. Podemos concluir que, embora as práticas se assemelhem, mudam as intenções, os objetivos profissionais, as linguagens e as posturas. Os próprios instrumentais são qualificados por um constante compromisso de articulação da dimensão técnica com as dimensões teórica, ética e política. Foi um grande aprendizado sobre o fazer profissional do Assistente Social na contemporaneidade! CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 20 Referências BRASIL. CASA CIVIL. Lei Federal nº 8.662, de 07 de junho de1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/L8662.pdf. Acesso em 02 de junho de 2016. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução nº 273, de 13 de março de 1993. Institui o Código de Ética Profissional do/a Assistente Social e dá outras providências. Disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf. Acesso em 02 de junho de 2016. COSTA, Dorival. OLIVEIRA, Márcia Terezinha de. Reflexões técnico- operativas sobre a perícia social. In LAVORATTI, Cleide. COSTA, Dorival (orgs.). Instrumentais técnico-operativos no Serviço Social: um debate necessário. Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2016. Ebook. Disponível em: http://www.uepg.br/proex/Documents/Ebooks/INSTRUMENTAIS%20TECNICO- OPERATIVOS%20NO%20SERVICO%20SOCIAL.pdf . Acesso em 02 de junho de 2016. FERNANDES, Odete.Categorias fundamentais para a compreensão da instrumentalidade no trabalho do assistente social. In LAVORATTI, Cleide. COSTA, Dorival (orgs.). Instrumentais técnico-operativos no Serviço Social: um debate necessário. Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2016. Ebook. Disponível em: http://www.uepg.br/proex/Documents/Ebooks/INSTRUMENTAIS%20TECNICO- OPERATIVOS%20NO%20SERVICO%20SOCIAL.pdf . Acesso em 02 de junho de 2016. GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do Assistente Social. (artigo publicado originalmente nos Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais, “Capacitação em Serviço Social e Política Social”, Módulo 4: O trabalho do assistente social e as políticas sociais, CFESS/ABEPSS- UNB, em 2000, foi revisado e atualizado. Ele serviu como CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 21 base para a palestra ministrada no Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, BH, maio, 2007, promovido pelo CRESS-6ª. Reg.) Disponível em http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf. Acesso em 02 de junho de 2016. LAVORATTI, Cleide. 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