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Capítulo IV SujeitoS de direito internacional Público: introdução SUMÁRIO • 1. Personalidade internacional – 2. O Estado – 3. Organizações internacionais – 4. Santa Sé e Estado da Cidade do Vaticano. – 5. O indivíduo – 6. As organizações não-governamentais (ONG’s) – 7. As empresas – 8. Beligerantes, insurgentes e nações em luta pela soberania – 9. Os blocos regionais – 10. Quadros sinóticos – 11. Questões – Gabarito. 1. Personalidade internacional O tema da personalidade internacional é objeto de polêmica na doutrina, den- tro da qual se opõem dois entendimentos. O primeiro mantém a concepção do Direito Internacional clássico, de caráter interestatal, pela qual apenas os Estados e as organizações internacionais seriam sujeitos de Direito Internacional. O se- gundo baseia-se na evidência de que a sociedade internacional já não tem mais nos entes estatais seus únicos atores relevantes e inclui indivíduos, empresas e organizações não-governamentais, por exemplo, dentre os detentores de perso- nalidade internacional. A personalidade refere-se à aptidão para a titularidade de direitos e de obri- gações. Associa-se à capacidade, que é a possibilidade efetiva de que uma pes- soa, natural ou jurídica, exerça direitos e cumpra obrigações. Na doutrina internacionalista, o exame da personalidade internacional alude, em regra, à faculdade de atuar diretamente na sociedade internacional, que comporta- ria o poder de criar as normas internacionais, a aquisição e o exercício de direitos e obrigações fundamentadas nessas normas e a faculdade de recorrer a mecanismos internacionais de solução de controvérsias. Aqueles que possuem a capacidade de praticar os atos acima citados seriam os sujeitos de Direito Internacional. Como afirmamos anteriormente, apenas os Estados e as organizações interna- cionais eram considerados detentores de personalidade internacional, por conta- rem com amplas possibilidades de atuação no cenário jurídico externo, incluindo a capacidade de elaborar as normas internacionais e a circunstância de serem seus destinatários imediatos. Ainda hoje, o entendimento unânime da doutrina atribui- -lhes o caráter de sujeitos de Direito das Gentes. Entretanto, a evolução recente das relações internacionais tem feito com que a ordem jurídica internacional passe a regular situações que envolvem outros entes, que vêm exercendo papel mais ativo na sociedade internacional e que passaram a ter direitos e obrigações estabelecidos diretamente pelas normas internacionais. 154 Paulo Henrique GonçalveS Portela Com isso, a doutrina vem admitindo a existência de novos sujeitos de Di- reito Internacional, que são o indivíduo, as empresas e as organizações não- -governamentais (ONG’s), que podem invocar normas internacionais e devem cumpri-las e que, ademais, já dispõem da faculdade de recorrer a certos foros internacionais. Entretanto, cabe destacar que nenhuma das novas pessoas internacionais detém todas as prerrogativas dos Estados e organismos internacionais, como a capacidade de celebrar tratados. Por conta dessas limitações, parte da doutrina classifica os indivíduos, empresas e ONG’s como “sujeitos fragmentários”1 do Di- reito das Gentes e, pelos mesmos motivos, há quem não reconheça sua persona- lidade internacional. ATENÇÃO! em qualquer caso, os sujeitos de Direito Internacional não se con- fundem com seus órgãos, unidades dos respectivos arcabouços institucionais internos encarregadas de manifestar a vontade das entidades que represen- tam. Exemplos de órgãos: Ministério das Relações Exteriores, Conselho de Se- gurança da ONU etc. Entendemos que a polêmica relativa aos sujeitos de Direito Internacional tem pouco impacto prático e não afeta a evidência de que as normas interna- cionais podem efetivamente vincular condutas de vários atores sociais, os quais também já contam com crescentes possibilidades de atuação direta em foros internacionais. Em todo caso, defendemos que indivíduos, empresas e ONG’s possuem perso- nalidade jurídica internacional, não obstante não reúnam todas as prerrogativas dos Estados e organismos internacionais. Com efeito, como afirma Jean Touscoz, “a qualidade de sujeito de Direito não depende da quantidade de direitos e obri- gações de que uma entidade é titular”2. Admitir que essa circunstância elimine a personalidade internacional implicaria reconhecer que o próprio Estado, também limitado em suas competências nas relações internacionais, não seria sujeito de Direito das Gentes. A dinâmica da sociedade internacional conta também com a participação de coletividades não-estatais peculiares, como a Santa Sé, os beligerantes, os insur- gentes e as nações em luta pela soberania. Por fim, o final do século XX marcou a consolidação dos blocos regionais como importantes atores internacionais, que foram paulatinamente adquirindo, em di- versas partes do mundo, a personalidade jurídica de Direito das Gentes. 1. SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao direito internacional público, p. 60. 2. TOUSCOZ, Jean. Direito internacional. Apud DELL´ OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público, p. 65. 155 ATENÇÃO! há questões de concursos que partem do entendimento clássico, exi- gindo que os candidatos reconheçam a personalidade de Direito Internacional apenas nos Estados, nas organizações internacionais e na Santa Sé e negando qualquer capacidade jurídica no âmbito externo a indivíduos, empresas e ONG’s. 2. o estado O Estado é o ente composto por um território onde vive uma comunidade humana governada por um poder soberano e cujo aparecimento, cabe desde logo destacar, não depende da anuência de outros membros da sociedade in- ternacional. Parte da doutrina defende que o surgimento da sociedade internacional e do Direito das Gentes estão estreitamente vinculados à consolidação do Estado, ente que criou parte expressiva das normas internacionais, especialmente por meio dos tratados, e formou as organizações internacionais, cujo funcionamento requer o aporte decisivo dos Estados. Com isso, atribui-se ao Estado personalidade inter- nacional originária. O Estado continua a exercer papel importante dentro do Direito Internacional, dando ensejo a uma série de desdobramentos no campo jurídico, que serão estu- dados em capítulo específico deste livro (Parte I – Capítulo V). 3. organizações internacionais A percepção da existência de interesses comuns levou os Estados a estrutura- rem esquemas de cooperação, alguns dos quais exigiram a criação de entidades ca- pazes de articular os esforços dos entes estatais, dirigidos a atingir certos objetivos. Com isso, foram concebidas as organizações (ou organismos) internacionais, que, com a multiplicação das necessidades de cooperação da sociedade internacional, se tornaram um traço característico da convivência internacional a partir do século XX. As organizações internacionais são entidades criadas e compostas por Estados por meio de tratado, com arcabouço institucional permanente e personalidade jurídica própria, com vistas a alcançar propósitos comuns. Contam com ampla ca- pacidade de ação no cenário internacional e, por isso, são reconhecidas como su- jeitos de Direito Internacional, podendo, por exemplo, celebrar tratados e recorrer a mecanismos internacionais de solução de controvérsias. Como são estabelecidas pelos Estados, sujeitos que têm personalidade internacional originária, a doutrina entende que sua personalidade internacional é derivada. Os primeiros organismos internacionais surgiram no século XIX. Entretanto, a noção de que tais entidades seriam sujeitos de Direito das Gentes remonta apenas a meados do século XX e teve como marco o parecer da Corte Internacional de Justiça (CIJ) relativo à reparação, devida à Organização das Nações Unidas (ONU), SujeitoS de direito internacional Público: introdução156 Paulo Henrique GonçalveS Portela pela morte de seu mediador para o Oriente Médio, Folke Bernadotte, em Jerusa- lém, em 1948.3 ATENÇÃO! a soberania é atributo exclusivo dos Estados. Nesse sentido, a cir- cunstância de os entes estatais estabelecerem organizações internacionais não conferem a estas o caráter de entidades soberanas. As múltiplas funções que as organizações internacionais cumprem nas relações internacionais também serão objeto de capítulo específico (Parte I – Capítulo VII). 4. santa sé e estado da cidade do Vaticano Inicialmente, cabe advertir que a Santa Sé e o Vaticano são dois entes distin- tos, que têm em comum, fundamentalmente, o vínculo com a Igreja Católica Apos- tólica Romana e a controvérsia em relação à personalidade jurídica internacional de ambos. A Santa Sé é a entidade que comanda a Igreja Católica Apostólica Romana. É chefiada pelo Papa e é composta pela Cúria Romana, conjunto de órgãos que as- sessora o Sumo Pontífice em sua missão de dirigir o conjunto de fiéis católicos na busca de seus fins espirituais. É sediada no Estado da Cidade do Vaticano, e seu poder não é limitado por nenhum outro Estado. A Santa Sé é um sujeito de Direito Internacional, status adquirido ao longo de séculos de influência na vida mundial, que remontam à época em que o poder temporal do Papado era amplo e abrangia a capacidade de estabelecer regras de conduta social válidas para o mundo inteiro, de resolver conflitos internacionais e de governar os Estados Pontifícios. Na atualidade, o Santo Padre ainda goza de status e prerrogativas de Chefe de Estado e continua a ter certa ascendência na sociedade internacional, como pro- vam suas reiteradas manifestações em assuntos de interesse internacional. Além disso, a Santa Sé pode celebrar tratados, participar de organizações internacionais e exercer o direito de legação (direito de enviar e receber agentes diplomáticos), abrindo missões diplomáticas (chamadas de “nunciaturas apostólicas”) chefiadas por “Núncios Apostólicos” e compostas por funcionários de nível diplomático, be- neficiários de privilégios e imunidades diplomáticas. A personalidade internacional da Santa Sé passou a ser contestada com a incor- poração dos Estados Pontifícios à Itália. Entretanto, a polêmica a respeito diminuiu a partir do Tratado de Latrão, celebrado entre a Itália e a Santa Sé em 1929, que cedeu a esta um espaço em Roma onde foi criado o Estado da Cidade do Vaticano, dentro do qual a autoridade suprema da Igreja Católica se encontra instalada. 3. Parecer a respeito do Caso Bernadotte em: CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Reparation for Injuries Suffered in the Service of the United Nations. Disponível em: < http://www.icj-cij.org/docket/index.ph p?p1=3&p2=4&code=isun&case=4&k=41>. Acesso em: 06/01/2011. Em inglês. Tradução: Reparação de danos sofridos a serviço das Nações Unidas. 157 O Vaticano é um ente estatal e, portanto, tem personalidade jurídica de Di- reito Internacional. Conta com um território de 0,44 km², com nacionais e com um governo soberano, cuja maior autoridade também é o Papa. O principal papel do Vaticano é conferir o suporte material necessário para que a Santa Sé possa exercer suas funções. Parte da doutrina não considera o Vaticano como Estado, apoiada fundamen- talmente na suposta incompatibilidade de seus fins com os típicos propósitos temporais de um ente estatal. De nossa parte, não concordamos com esse en- tendimento, visto que o Estado da Cidade do Vaticano possui os três elementos clássicos que configuram os entes estatais (território, povo e governo soberano). Outrossim, não é o porte do território, a quantidade de nacionais ou o rol de po- deres enfeixados por um Estado que o define como tal. Em todo caso, o Vaticano reúne capacidade de atuação internacional, podendo celebrar tratados e participar de organismos internacionais. Tem ainda direito de legação, o qual no entanto, é exercido pela Santa Sé, que age em nome do Estado da Cidade do Vaticano, ocupando-se, na prática, da diplomacia vaticana. Aliás, pela estreita vinculação entre ambos, é certo que os compromissos internacionais assumidos pelo Vaticano influenciam os destinos da Santa Sé, e vice-versa. 5. o indiVíduo Durante muito tempo, a doutrina não conferia ao indivíduo o caráter de sujeito de Direito Internacional. Partia-se da premissa de que a sociedade internacional era meramente interestatal, e que apenas os Estados podiam criar normas, as quais só se referiam diretamente a estes. A pessoa natural, por sua vez, era mero objeto das normas internacionais e da ação estatal no cenário externo e, quando pudesse atuar no cenário internacional, o faria estritamente dentro do marco es- tabelecido pelos Estados. Entretanto, a doutrina vem paulatinamente rendendo-se à evidência de que o indivíduo age na sociedade internacional, muitas vezes independentemente do Estado, começando a reconhecer na pessoa natural o caráter de sujeito in- ternacional. A personalidade internacional do ser humano ainda é contestada. Em todo caso, não é mais possível negar que há um rol significativo de normas interna- cionais que aludem diretamente a direitos e obrigações dos indivíduos, como evidenciado, por exemplo, pelos tratados de direitos humanos, que visam a pro- teger a dignidade humana, e de Direito Internacional do Trabalho, que tutelam as relações laborais. Além disso, existe a possibilidade de que os indivíduos exijam em foros inter- nacionais a observância de certos direitos que lhes foram conferidos pela ordem jurídica internacional, de forma direta e independentemente da anuência do Esta- do onde se encontrem ou do qual sejam nacionais. A título de exemplo, um brasi- leiro pode reclamar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela violação SujeitoS de direito internacional Público: introdução 158 Paulo Henrique GonçalveS Portela de um direito previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, e o Brasil poderá ser responsabilizado internacionalmente pelo fato. Por outro lado, uma pessoa natural também está obrigada a observar as normas internacionais e, caso não o faça, pode responder pelo ato em foros in- ternacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), órgão competente para processar e julgar indivíduos por determinados crimes definidos em preceitos de Direito Internacional. Recorde-se que o ser humano não pode celebrar tratados e, nesse sentido, as normas internacionais que lhe dizem respeito continuam sendo criadas pelos Estados e organizações internacionais. Ao mesmo tempo, suas possibilidades de acesso direto aos foros internacionais são ainda mais restritas que as dos Estados. 6. as organizações não-goVernamentais (ong’s) As organizações não-governamentais (ONG’s) são entidades privadas sem fins lucrativos que atuam em áreas de interesse público, inclusive em típicas funções estatais. Embora existam há muitos anos, as ONG’s adquiriram maior notoriedade, inclusive na sociedade internacional, apenas a partir da década de 90 do século XX. As ONG’s cumprem o papel de promover a aplicação de normas internacionais em vários campos, como os direitos humanos e o meio ambiente. Ao mesmo tem- po, suas apreciações sobre os acontecimentos na sociedade internacional podem contribuir para a expansão ou cumprimento do arcabouço normativo internacio- nal. Algumas ONG’s participam de organizações internacionais como observadoras. Por fim, podem recorrer a determinados foros internacionais em defesa de direi- tos ou interesses vinculados a suas respectivas áreas de atuação. Entretanto, não podem celebrar tratados. Exemplos da ONG’s notórias na sociedade internacional são a Anistia Interna- cional, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), o Comitê Olímpico Interna- cional (COI), o Greenpeace e os Médicos sem Fronteiras. 7. as emPresas Énotório o papel empresarial no atual cenário internacional, gerando flu- xos expressivos de comércio, de investimentos e de capitais. Com isso, começa a admitir-se a personalidade internacional das empresas, mormente as multi- e transnacionais. As empresas, também referidas frequentemente como “pessoas jurídicas”, beneficiam-se diretamente de normas internacionais, a exemplo daquelas que facilitam o comércio internacional e os fluxos de investimentos. Ao mesmo tempo, têm obrigações fixadas pelo Direito das Gentes, como os padrões internacionais mínimos, estabelecidos em tratados, em matérias como trabalho e meio ambiente. Em alguns casos, as empresas têm acesso a mecanismos internacionais de solução de controvérsias, como no Mercosul. Por fim, suas demandas podem contribuir para o desenvolvimento do Direito Internacional. 159 Em todo caso, as empresas também são sujeitos fragmentários de Direito In- ternacional, fundamentalmente porque não podem concluir tratados. ATENÇÃO! as empresas podem celebrar instrumentos jurídicos com Estados e organizações internacionais, que não serão, porém, tratados, mas apenas contratos, como aqueles concluídos internamente entre entes privados e o Estado, ou instrumentos não vinculantes, como protocolos de intenções. 8. Beligerantes, insurgentes e nações em luta Pela soBerania Os beligerantes são movimentos contrários ao governo de um Estado, que visam a conquistar o poder ou a criar um novo ente estatal, e cujo estado de beli- gerância é reconhecido por outros membros da sociedade internacional. Celso de Albuquerque Mello afirma que o “reconhecimento como beligerante é aplicado às revoluções de grande envergadura, em que os revoltosos formam tro- pas regulares e que têm sob o seu controle uma parte do território estatal”4, como nas guerras civis, fundamentando o instituto no princípio da autodeterminação dos povos e nos valores humanitários que perpassam as relações internacionais. Exemplo histórico de beligerantes foram os Confederados da Guerra de Secessão dos EUA (1861-1865). O reconhecimento de beligerância é normalmente feito por uma declaração de neutralidade e é ato discricionário. Com as sensibilidades existentes nas relações internacionais, é normal que o primeiro Estado a fazê-lo seja aquele onde atue o be- ligerante. A prática do ato, porém, não obriga outros entes estatais a fazer o mesmo. As principais conseqüências do reconhecimento de beligerância incluem a obrigação dos beligerantes de observar as normas aplicáveis aos conflitos arma- dos e a possibilidade de que firmem tratados com Estados neutros. O ente estatal onde atue o beligerante fica isento de eventual responsabilização internacional pelos atos deste, e terceiros Estados ficam obrigados a observar os deveres ine- rentes à neutralidade. Os insurgentes também são grupos que se revoltam contra governos, mas cujas ações não assumem a proporção da beligerância, como no caso de ações localizadas e de revoltas de guarnições militares, e cujo status de insurgência é reconhecido por outros Estados. Exemplo de movimento insurgente foi a Revolta da Armada (1893). O reconhecimento de insurgência é ato discricionário, dentro do qual são estabelecidos seus efeitos, que normalmente não estão pré-definidos no Direito Internacional e que, portanto, dependem do ente estatal que a reconhece. Em regra, o reconhecimento do caráter de insurgente exime o Estado onde ocorre o 4. MELLO, Celso D. de Albuquerque: Curso de direito internacional público, v. 1, p. 557. SujeitoS de direito internacional Público: introdução 160 Paulo Henrique GonçalveS Portela movimento de responder internacionalmente pelos atos dos revoltosos e impõe, a todos os lados envolvidos em uma revolta, a obrigação de respeitar as normas internacionais de caráter humanitário. Há uma clara semelhança entre a beligerância e a insurgência. Entretanto, aquela reveste-se de maior amplitude do que esta. Em suma, segundo Alfred Ver- dross, os insurgentes são “beligerantes com direitos limitados”5. As nações em luta pela soberania são movimentos de independência nacio- nal, que acabam adquirindo notoriedade tamanha que fica impossível ignorá-los nas relações internacionais. É o caso, por exemplo, da antiga Organização para a Libertação da Palestina (OLP), atual Autoridade Palestina, que, sem contar com a soberania estatal, exercia e ainda exerce certas prerrogativas típicas dos Estados, como a de celebrar tratados e o direito de legação (direito de enviar e receber re- presentantes diplomáticos). Podem ter origem na beligerância ou na insurgência. Em todo caso, independentemente do reconhecimento de beligerância ou de insurgência, ninguém pode eximir-se de respeitar as normas internacionais de Direitos Humanos, de Direito Humanitário e de outros ramos do Direito aplicáveis a qualquer conflito armado ou situação instável. Afirmar o contrário seria negar a universalidade dessas normas, que visam a proteger todas as pessoas em qual- quer circunstância. 9. os Blocos regionais Os blocos regionais são, sucintamente, esquemas criados por Estados localizados em uma mesma região do mundo, com o intuito de promover a maior integração en- tre as respectivas economias e, eventualmente, entre as suas sociedades nacionais. Os blocos regionais são também conhecidos como “mecanismos de integração regional”. Surgem a partir de tratados, celebrados entre os Estados que os criaram, e funcionam não apenas no âmbito do marco dos atos internacionais que os cons- tituíram, como também de acordo com regras, fixadas por outros tratados e por modalidades normativas peculiares, concebidas no bojo de suas atividades, como as diretrizes do Mercosul e os regulamentos, diretivas e decisões da União Européia. Exemplos notórios de blocos regionais são a União Européia, o Mercosul e a Área de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Dependendo do nível de aproximação entre seus Estados-membros, os blo- cos regionais organizam-se de modo a agirem autonomamente nas relações in- ternacionais, ganhando personalidade jurídica própria. Com efeito, alguns blocos regionais acabam recebendo poderes típicos de sujeitos de Direito das Gentes, como celebrar tratados, comparecer a mecanismos de solução de controvérsias internacionais e exercer o direito de legação. 5. VERDROSS, Alfred. Derecho internacional público, p. 151. Apud DELL´ OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público, p. 62. 161 ATENÇÃO! nesse sentido, é possível que nem todos os blocos regionais tenham personalidade jurídica de Direito das Gentes, o que dependerá, fundamental- mente, do interesse de seus integrantes. Exemplo de bloco regional que tem personalidade jurídica de Direito Interna- cional é o Mercosul, nos termos dos artigos 34 a 36 do Protocolo Adicional ao Tra- tado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul (Protocolo de Ouro Preto), de 1994. (Decreto 1.901, de 19/03/1996)6. Esse é também o caso da União Européia e, futuramente, da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). 10. Quadros sinóticos Quadro 1. Lista de sujeitos de Direito Internacional Público TRADICIONAIS NOVOS (FRAGMENTÁRIOS) OUTROS ENTES QUE PODEM ATUAR NA SOCIEDADE INTERNACIONAL • Estados • Organizações internacionais • Santa Sé • Indivíduo • Organizações não-gover- namentais (ONG’s) • Empresas • Beligerantes • Insurgentes • Nações em luta pela sobe- rania • Blocos regionais Quadro 2. Funções e limites dos sujeitos de Direito Internacional TRADICIONAIS NOVOS (FRAGMENTÁRIOS) OUTROS ENTES QUE PODEM ATUAR NA SOCIEDADE INTERNACIONAL • Ampla capacidade de ação na sociedade internacional, incluindo o poder de ce- lebrar tratados e maiores possibilidades de acesso a mecanismos internacionais de solução de controvérsias • Não podemcelebrar tra- tados • Têm possibilidades de acesso a mecanismos in- ternacionais de solução de controvérsias, embora mais restritas que as dos sujeitos tradicionais • Normas internacionais lhes conferem direitos e esta- belecem obrigações dire- tamente • Beligerantes: podem cele- brar tratados • Insurgentes: podem ou não celebrar tratados, nos termos do ato de reconhe- cimento de insurgência • Nações em luta pela sobe- rania: depende de cada caso concreto • Normas internacionais lhes conferem direitos e esta- belecem obrigações dire- tamente. 6. O artigo 34 do Protocolo de Ouro Preto é explícito ao fixar que “O Mercosul terá personalidade jurí- dica de Direito Internacional”. SujeitoS de direito internacional Público: introdução 162 Paulo Henrique GonçalveS Portela 11. Questões ► Julgue os seguintes itens, marcando “certo” ou “errado”: 1. (TRT 1ª Região – Juiz – 2010 – ADAPTADA) O reconhecimento da personalidade jurídica das organizações internacionais não decorre de tratados, mas da jurisprudência internacional, mais especificamente do Caso Bernadotte, julgado pela Corte Internacional de Justiça. 2. (TRT 1ª Região – Juiz – 2010 – ADAPTADA) O Vaticano, embora seja estado anômalo, por não possuir território, possui representantes diplomáticos, os quais se denominam núncios apostólicos. 3. (TRT 16ª Região – Juiz – 2005) As organizações internacionais contemporâneas, a) são sujeitos soberanos de Direito Internacional. b) são sujeitos de Direito Internacional em decorrência das normas da Carta da ONU. c) são sujeitos de Direito Internacional por terem capacidade jurídica própria. d) não são sujeitos de Direito Internacional. e) só adquirem personalidade jurídica depois de homologadas pela Corte Internacio- nal de Justiça. 4. (TRT 7ª Região – Juiz – 2005) A propósito da personalidade jurídica do Estado e das orga- nizações internacionais, na percepção da doutrina, especialmente em Francisco Rezek, pode-se afirmar que, a) a personalidade jurídica do Estado é originária e a personalidade jurídica das orga- nizações internacionais é derivada. b) porque o Estado tem precedência histórica, sua personalidade jurídica é derivada; e porque as organizações resultam de uma elaboração jurídica resultante da vontade de alguns Estados, sua personalidade jurídica é originária. c) a personalidade jurídica do Estado fundamenta-se em concepções clássicas de Direito Público, formatando-se como realidade jurídica e política; a personalidade jurídica das organizações internacionais centra-se na atuação de indivíduos e de empresas, que lhes conferem personalidade normativa, assumindo feições públicas e privadas. d) a personalidade jurídica do Estado é definida por seus elementos normativos in- ternos, aceitos na ordem internacional por tratados constitutivos de relações nas esferas públicas e privadas; a personalidade jurídica das organizações internacionais decorre da fragmentação conceitual do Estado contemporâneo, decorrência direta de crises de ingovemabilidade sistêmica e de legitimidade ameaçada pelo movimento de globalização; não se lhes aplicam referenciais convencionais, e conseqüentemente não se vislumbram personalidades jurídicas distintas. e) o direito das gentes não identifica a personalidade jurídica das organizações interna- cionais, dado que aplicado, especialmente, aos Estados, que detém natureza jurídica definida por elementos de Direito Público. gaBarito QUESTÃO GAbARITO OFICIAL FUNDAMENTAÇÃO TóPICOS DO CAPíTULO EVENTUAL ObSERVAÇÃO ELUCIDATIVA 1 C Jurisprudência 3 O caso Bernadotte foi objeto de parecer da CIJ 163 QUESTÃO GAbARITO OFICIAL FUNDAMENTAÇÃO TóPICOS DO CAPíTULO EVENTUAL ObSERVAÇÃO ELUCIDATIVA 2 E Doutrina 4 O Vaticano possui território. En- tretanto, os núncios apostólicos são vinculados à Santa Sé (que não possui território), e a diplo- macia vaticana também é exerci- da pela Santa Sé. 3 C a) Doutrina 2 e 3 A soberania é atributo dos Esta- dos. b) Doutrina 3 A afirmação dos organismos inter- nacionais como sujeitos de Direito Internacional decorre da evolu- ção das relações internacionais, não da Carta da ONU. c) Doutrina 3 - d) Doutrina 3 No início de sua existência, as organizações internacionais não eram consideradas sujeitos de Di- reito Internacional. e) Doutrina 3 A existência das organizações in- ternacionais depende exclusiva- mente dos Estados que as criam, não da homologação de nenhum outro ente. 4 A a) Doutrina 2 e 3 - b) Doutrina 2 e 3 Como o Estado apareceu primeiro, sua personalidade é originária. c) Doutrina 1, 2 e 3 A personalidade das organiza- ções internacionais nasce da ação dos Estados, não de outros entes. d) Doutrina 3 A personalidade do Estado não depende de tratados. Já a perso- nalidade das organizações inter- nacionais é distinta da dos entes estatais, mas se fundamenta em tratados feitos pelos próprios Es- tados. e) Doutrina 3 - SujeitoS de direito internacional Público: introdução
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