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BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979. (tradução livre do prof Wellington Martins, EA/UFBa.) INTRODUÇÃO. Este livro, que devorou os últimos dois anos de nossas vidas, é produto de uma amizade e parceria intelectual. Ele começou com a idéia inócua que cresceu com tal força que se tornou uma "maneira de ver". Isto fez mudar a maneira como pensávamos sobre teoria social, e esperamos que isto também aconteça com os outros. Este livro tem a intenção de clarear e ajudar a superar o que parece ser uma das maiores fontes de confusão dentro das ciências sociais na atualidade. Inicialmente ele teve um objetivo muito específico: o de tentar relacionar teorias de organização com seus contextos sociológicos mais amplos. No curso do desenvolvimento, contudo, esta diligência se ampliou tanto e se voltou também para a tarefa de abarcar muitos aspectos de filosofia e de teoria social em geral. Como tal ele agora sustenta um discurso em teoria social de relevância para muitas disciplinas de ciência social, das quais na área geral de estudos de organização - a sociologia industrial, a teoria organizacional, a psicologia organizacional e relações industriais - são alguns casos que utilizamos para ilustrar nossos temas gerais. Nossa proposta é de que a teoria social pode beneficamente ser concebida em termos de quatro paradigmas chaves baseados em diferentes conjuntos de pressupostos metateóricos sobre a natureza da ciência social e sobre a natureza da sociedade. Os quatro paradigmas são fundamentados em visões do mundo social mutuamente exclusivas. Cada uma delas se posiciona em seu próprio campo e cada uma de per si gera sua própria analise distintiva da vida social. Com relação ao estudo das organizações, por exemplo, cada paradigma gera teorias e perspectivas que estão em fundamental oposição àquelas geradas nos outros paradigmas. Tal análise da teoria social coloca-nos face a face com a natureza dos pressupostos subjacentes às diferentes abordagens à ciência social. Traz à tona detalhes que adornam muitas das teorias sociais naquilo que é fundamental à determinação da maneira como vemos o mundo que estamos pretendendo analisar. Este aspecto enfatiza o papel social desempenhado pelo quadro de referência do cientista na geração da teoria social e da pesquisa. A este respeito, com relação ao campo do estudo das organizações no presente momento, como em outras disciplinas da ciência social, constata-se que uma vasta proporção de teoria e pesquisa estão localizadas dentro dos limites de somente um dos quatro paradigmas aqui considerados. Na verdade, a grande maioria está localizada dentro do contexto de uma gama de possibilidades teóricas relativamente estreita que define aquele paradigma. Não é exagero, portanto, sugerir que a o empreendimento científico social em geral é construído em cima de um conjunto extremamente limitado de pressupostos metateóricos. Esta concentração de esforços em áreas relativamente estreitas define o que é usualmente visto como a ortodoxia dominante dentro de um assunto. Porque esta ortodoxia é tão dominante e forte, seus aderentes a tomam como certa e auto-evidente. As perspectivas rivais dentro do mesmo paradigma ou fora de 1 suas fronteiras aparecem como satélites definindo pontos de vista alternativos. Contudo, o impacto deles na ortodoxia é raramente muito significante. Eles são freqüentemente muito fortes para se estabelecerem como algo mais que um conjunto de abordagens até certo ponto desviantes. Como resultado as possibilidades que eles oferecem são raramente pouca exploradas e são deixadas de lado. A fim de entender pontos de vista alternativos é importante que o cientista esteja totalmente consciente dos pressupostos em que sua perspectiva está baseada. Esta apreciação envolve uma excursão intelectual que o coloca fora do campo de seu familiar domínio. Esta tarefa requer que ele se torne consciente das fronteiras que definem sua perspectiva. Isto também requer que ele excursione no inexplorado. Requer mais que ele se torne familiar com paradigmas que não são o seu próprio. Somente então ele pode olhar para traz e apreciar inteiramente a natureza precisa de seu ponto de partida. O trabalho aqui apresentado é uma tentativa de levar o estudante de organizações aos domínios que provavelmente ele jamais explorou antes. Esta é uma jornada em que nós, os autores, embarcamos despercebidamente como resultado de certas dúvidas importunantes e de incertezas a cerca da utilidade e validade de muitas das teorias e pesquisas contemporâneas em nosso assunto. Estamos conscientes da maneira como os estudos das atividades organizacionais tem gerado montanhas de teorias e pesquisas que pareciam não ter ligações óbvias fora das estreitas áreas de disciplinas. Estamos conscientes da natureza essencialmente efêmera de nosso assunto. Estamos a par do sectarismo acadêmico refletido várias vezes na hostilidade aberta, na indiferença tipo avestruz e no diálogo e debate geralmente de baixa qualidade entre escolas de pensamento relacionadas em essência. Em suma, sentimos que nossa área de temática exigiu um cuidadoso exame dos pressupostos sobre os quais se baseou com vistas a vê-la numa nova e esperançosamente refrescante luz. Em essência nosso livro apresenta uma prestação de contas de nossa jornada e um registro das conclusões e insights que emergiram. Começamos nossa tarefa pela consideração de como poderíamos distinguir entre diferentes abordagens ao estudo das organizações. A visão de que "todas as teorias de organização estão baseadas em uma filosofia de ciência e numa teoria da sociedade" voltou freqüentemente em nossas conversas e logo descobrimo-la definindo as duas principais dimensões de análise. Embora os teóricos organizacionais nem sempre sejam muito explícitos sobre os pressupostos básicos que informam seus pontos de vista, é claro que todos eles tomam uma posição em cada um destas questões. Quer estejam conscientes disto ou não eles trazem para seus temas de estudos um quadro de referência que reflete uma total série de pressupostos sobre a natureza do mundo social e da maneira como ele deveria ser investigado. Nossa tentativa de explorar estes pressupostos levou-nos para os domínios da filosofia social. Nos defrontamos com problemas de ontologia e epistemologia e outras questões que raramente recebem consideração dentro do campo de estudo da organização. A medida em que investigamos estas questões descobrimos que elas sustentaram os grandes debates filosóficos entre cientistas sociais de tradições intelectuais rivais. Constatamos que a ortodoxia em nossos objetos de estudo estava apoiada essencialmente em apenas uma destas tradições e que as perspectivas satélites que observamos como rodeando a ortodoxia eram, de fato, derivadas de uma fonte intelectual completamente separada. Constatamos que eles estavam tentando articular pontos de vista que derivavam de pressupostos diametralmente opostos sobre a natureza básica do mundo social; deste modo eles subscreveram pressupostos completamente diferentes sobre a verdadeira natureza do próprio empreendimento científico-social. Ao investigar os pressupostos relacionados com a natureza da sociedade nos tornamos, em princípio, capazes de operar em terreno mais firme. A sociologia dos anos 60 tinha colocado o seu foco no "debate ordem-conflito" quer fosse enfatizando o "problema da ordem" quer fosse o "problema de conflito e mudança". No fim dos anos 60 o debate tinha sido considerado morto, e estas duas visões da sociedade eram vistas meramente como dois aspectos da mesma problemática. Ao revisar a literatura relevante deste debate tornamo-nos crescentemente convencidos de que aquele debate tinha tido uma morte prematura. Enquanto estavaclaro que os sociólogos acadêmicos tinham se convencido de que o "problema do conflito poderia se subordinar ao "problema da ordem", cientistas fora desta tradição, particularmente aqueles interessados na teoria marxista, estavam ativamente engajados no desenvolvimento de teorias sociais que colocavam os problemas de conflito e mudança na linha de frente de suas análises. Embora os sociólogos acadêmicos e os cientistas sociais marxistas aparentassem estar contentes trabalharem isoladamente, ignorando as perspectivas contraditórias que apresentavam, parecia que quaisquer análises das teorias da sociedade deveriam levar em conta as perspectivas rivais. Nossa incursão à literatura marxista nos conduziu a um novo campo mais alem de nosso interesse inicial. Ficamos surpresos em descobrir chocantes paralelos entre desenvolvimentos dentro da teoria marxista e da sociologia acadêmica. Constatamos que os pressupostos sobre a natureza da ciência social que dividiu os sociólogos em diferentes escolas de pensamento também dividiram os cientistas marxistas. Naquele campo, também, o quadro teórico dominante estava arrodeado por escolas de pensamento satélites oferecendo explicações rivalizantes. Perseguindo estas tradições a partir de suas fontes, descobrimos que elas emergiram a partir precisamente das mesmas fronteiras da filosofia social que tinham comprometido elementos divergentes dentro da própria sociologia. Isto tornou claro que as tradições divergentes que enfatizavam "ordem" como oposto a "conflito" compartilhavam da mesma linhagem de suas raízes em filosofia social. Derivando de pressupostos similares sobre o status ontológico e epistemológico da ciência social, eles tinham estado ligados a quadro de referência fundamentalmente diferentes com relação a natureza da sociedade. Ao fazer estas ligações cruzadas entre estas tradições intelectuais antagônicas, tornou-se claro para nós que nossos dois conjuntos de pressupostos poderiam ser colocados um contra o outro para produzir um esquema analítico para o estudo da teoria social em geral: os dois conjuntos definiam quatro paradigmas básicos refletindo visões da realidade social absolutamente diferentes. Ao tentar relacionar este esquema com a literatura em ciência social verificamos que estávamos de posse de uma ferramenta extremamente poderosa para negociar nosso caminho através de diferentes áreas temáticas, e particularmente uma que fez sentido devido a grande confusão que caracteriza a maioria do atual debate dentro das ciências sociais. O esquema ofereceu- se como uma forma de mapa intelectual mediante o qual as teorias sociais poderiam ser localizadas de acordo com suas fontes e tradições. As teorias raramente ou quase nunca aparecem fora de seu espaço estreito; elas geralmente têm por traz uma historia bem estabelecida. Descobrimos que nosso mapa intelectual permitia-nos rastrear a evolução das teorias. Estas se localizaram de acordo com suas origens. Onde as tradições intelectuais antagônicas tinham sido fundidas, versões híbridas distintas pareciam aparecer. O que primeiro se ofereceu como um simples dispositivo classificatório para organizar a literatura passou a apresentar-se como uma ferramenta analítica. Isto nos indicou novas áreas de investigação. Isto permitiu-nos estimar e avaliar as teorias comparando com o pano de fundo da tradição intelectual que elas 3 pensavam rivalizar. Isto permitiu-nos identificar teorias embrionárias e antecipar potenciais linhas de desenvolvimento. Isto finalmente permitiu-nos escrever este livro. Nos capítulos que se seguem procuramos apresentar nosso esquema analítico e usá-lo para abrir caminho através da literatura em teoria social e análise organizacional. Tivemos a intenção de apresentá-lo tão clara e diretamente quanto possível ao mesmo tempo evitando os inconvenientes de super-simplificação. Porem os conceitos de um paradigma não podem facilmente serem interpretados nos termos daqueles conceitos de um outro. Para entender um novo paradigma a pessoa tem que explorá-lo a partir de dentro dele, em termos de sua problemática que o distingue. Assim, enquanto fazíamos cada esforço para prestar conta tão plenamente quanto possível até onde nos permitiu a língua inglesa, tivemos necessariamente que nos valer de conceitos que as vezes não são familiares. Os demais capítulos que complementam a Parte I definem a natureza de nossas duas dimensões de análise chaves e os paradigmas que emergem dentro de seus limites. Nesta análise nós polarizamos uma quantidade de questões e fazemos muito uso de grosseiras dicotomias como meio de apresentar nossos casos. Assim procedemos não meramente com propósitos de classificação, mas para forjar uma ferramenta de trabalho. Nós advogamos nosso esquema como um dispositivo heurístico em lugar de um conjunto de definições rígidas. Na Parte II colocamos nosso quadro analítico em operação. Para cada um de nossos quatro paradigmas conduzimos uma análise da teoria social relevante e então precedemos o relacionamento das teorias de organização com seus backgrounds mais amplos. Cada um dos paradigmas são tratados em termos consistentes com seu próprio quadro de referência que o distingue. Não se faz qualquer tentativa de criticar e avaliar a partir de uma perspectiva fora do paradigma. Tal crítica é tão fácil mas auto- destrutiva, uma vez que é usualmente dirigida para os fundamentos do próprio paradigma. Todos os quatro paradigmas podem ser demolidos com sucesso nestes termos. O que buscamos fazer é desenvolver a perspectiva que é característica do paradigma e ressaltar algumas das implicações para a análise social. Ao assim fazer temos descoberto que freqüentemente somos capazes de fortalecer as conceituações geradas em cada paradigma de interesse para o estudo as organizações. Nossa regra guia tem sido a de oferecer algo para cada paradigma nos termos de sua própria problemática. Os capítulos na Parte II, portanto, são por natureza essencialmente expositivos. Eles procuram proporcionar um minucioso quadro de referência a partir do qual futuros debates poderão ser frutiferamente baseados. A Parte III apresenta uma curta conclusão que focaliza alguns dos principais assuntos que emergem de nossa análise. BURRELL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heinemann, London, 1979. (tradução livre do Prof. Wellington Martins, EA/UFBa.) 1. PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA SOCIAL. Central para nossa tese é a idéia de que "todas as teorias de organização são baseadas em uma filosofia da ciência e em uma teoria da sociedade". Neste capítulo desejamos nos reportar ao primeiro aspecto desta tese e examinar alguns dos pressupostos filosóficos que subjazem as diferentes abordagens à ciência social. Iremos argumentar que é conveniente conceituar ciência social em termos de quatro conjuntos de pressupostos relativos a ontologia, a epistemologia, a natureza humana e a metodologia. Todos os cientistas sociais abordam seus temas por meio de pressupostos implícitos ou explícitos a cerca da natureza do mundo social e da maneira como ele pode ser investigado. Em primeiro lugar, há pressupostos de natureza ontológica - pressupostos que dizem respeito à verdadeira essência do fenômeno sob investigação. Os cientistas sociais, por exemplo, são colocados frente a frente com a questão: a "realidade" a ser investigada é uma realidade externa ao indivíduo - impondo-se à sua consciência a partir de fora - ou é produto de sua consciência; se é uma realidade de natureza objetiva ou produto da cognição do indivíduo; se é uma realidade que é dada "lá fora" no mundo ou é produto da propriamente? Associados com esta questão ontológica, há um segundo conjunto de pressupostos de natureza epistemológica. Estes são pressupostos sobre as bases do conhecimento- de como alguém poderia começar a entender o mundo e transmitir este conhecimento para seus semelhantes em forma de comunicação. Estes pressupostos abarcam idéias, por exemplo, sobre que formas de conhecimento podem ser obtidas, e como alguém pode separar o que é para ser visto como "verdadeiro" do que é para ser visto como "falso". Na verdade esta dicotomia de "falso" e "verdadeiro" por si só pressupõe uma certa posição epistemológica. Ela é atribuída mediante uma visão da própria natureza do conhecimento: se, por exemplo, o conhecimento é algo sólido, real e capaz de ser transmitido de modo tangível ou é algo mais maleável, subjetivo, espiritual ou mesmo transcendental, baseado na experiência e no insight de natureza única e essencialmente pessoal. Os pressupostos epistemológicos nestes exemplos determinam posições extremas na questão de se por um lado o conhecimento ser algo que pode ser adquirido ou se por outro lado é algo que tem que ser experimentado pessoalmente. Associado com as questões ontológicas e epistemológicas, mas conceitualmente separada delas, está um terceiro conjunto de pressupostos relacionados com a natureza humana e, em particular, a relação entre os seres humanos e seu ambiente. Fica bem claro que toda ciência social deve ser predita mediante este tipo de pressuposto, uma vez que a vida humana é essencialmente o sujeito e o objeto da investigação. Portanto, podemos identificar em ciência social perspectivas que vinculam uma visão dos seres humanos respondendo, em um mecânico ou mesmo em uma forma determinista, a situações encontradas em seu mundo exterior. Esta visão 5 tende a ser uma em que os seres humanos e suas experiências são vistos como produtos do ambiente; uma em que os humanos são condicionados por suas circunstâncias externas. Esta perspectiva extrema pode ser contrastada com uma outra que atribui aos seres humanos um papel muito mais criativo: uma perspectiva onde o "livre arbítrio" ocupa o centro do palco; onde o homem é olhado como criador de seu ambiente, controlador em vez de controlado, senhor ou invés de marionete. Nestas duas visões extremas da relação entre seres humanos e seus ambientes identificamos um grande debate filosófico entre os defensores do determinismo, por um lado e o voluntarismo por outro. Os três conjuntos de pressupostos acima têm implicação direta de natureza metodológica. Cada um tem importantes conseqüências na maneira como se tenta investigar e obter "conhecimento" do mundo social. Diferentes ontologias, epistemologias e modelos de natureza humana levam os cientistas sociais a diferentes metodologias. A possível gama de escolhas é certamente tão grande que o que é visto como ciência pelo tradicional "cientista natural" cobre apenas uma pequena margem de opções. É possível, por exemplo, identificar metodologias empregadas em pesquisas na área de ciência social que tratam do mundo social como um mundo natural, como sendo sólido, real e externo ao indivíduo, e outros que percebem o mundo social como sendo muito mais maleável, pessoal e de qualidade mais subjetiva. Se alguém subscreve a visão do primeiro tipo, que trata o mundo social como se ele fosse uma realidade concreta e objetiva, então o empreendimento científico é para colocar seu foco de análise nas relações e regularidades entre os vários elementos que o encerra. O interesse, portanto, é com a identificação e definição desses elementos e com a descoberta dos meios pelas quais as relações podem ser expressas. As questões metodológicas de importância são pois os próprios conceitos, suas medidas e a identificação dos temas subjacentes. Esta perspectiva expressa-se com muito mais força na busca de leis universais que explicam e governam a realidade que está sendo observada. Se alguém subscreve a visão alternativa da realidade social, que enfatiza a importância da experiência subjetiva dos indivíduos na criação do mundo social, então a busca do entendimento coloca o seu foco nas diferentes questões e as aborda de diferentes maneiras. O interesse principal é com o entendimento da maneira como o indivíduo cria, modifica e interpreta o mundo no qual ele se descobre. Em casos extremos, a ênfase tende a ser colocada na explanação e no entendimento do que é único e particular ao indivíduo ao invés do que é geral e universal. Esta abordagem levanta a questão de se existe uma realidade externa digna de estudo. Em termos metodológicos esta é uma abordagem que enfatiza a natureza relativa do mundo social a um ponto tal que pode ser percebida como "anti-científica" ao tomar como referência as regras básicas aplicadas às ciências naturais. A dimensão subjetiva -objetiva A abordagem subjetiva A abordagem objetiva à ciência social à ciência social Nominalismo ----------- ontologia ---------- Realismo Antepositivismo ---- epistemologia -------- Positivismo Voluntarismo ------ natureza humana ------- Determinismo Ideográfico ---------- metodologia --------- Nomotético Fig. 1.1. Esquema para analisar os pressupostos sobre a natureza das ciências sociais. Neste breve esboço dos vários pontos de apoio ontológicos, epistemológicos, humanos e metodológicos que caracterizam as abordagens à ciência social, temos procurado ilustrar duas perspectivas amplas e de certo modo polarizadas. A figura 1.1. busca retratar estas perspectivas em um modelo mais rigoroso em termos do que descrevemos como a dimensão objetiva - subjetiva. Este modelo identifica os quatro conjuntos de pressupostos que são relevantes para o entendimento da ciência social, caracterizando cada um por seus rótulos descritivos sob os quais eles têm sido debatidos na literatura de filosofia social. Na sessão seguinte deste capítulo faremos uma revisão de cada um destes quatro debates em necessariamente breves mas sistemáticos termos. OS FIOS DO DEBATE. O Debate Ontológico.: Nominalismo - realismo.1 Estes termos têm sido objeto de muita discussão na literatura e há grandes áreas de controvérsia em torno delas. A posição nominalista gira em torno do pressuposto de que o mundo social externo à cognição do indivíduo é construído de nada mais que 1 . Para uma discussão mais profunda sobre o debate nominalismo - realismo, ver Kolakowski (1972),pp.15-16. 7 nomes, conceitos e títulos que são usados para estruturar a realidade. O nominalista não admite a existência de qualquer estrutura 'real' para o mundo em que tais conceitos são usados para descrever. Os 'nomes' usados são vistos como criações artificiais cuja utilidade é baseada em suas conveniências como ferramentas para descrever, dar sentido de e negociar com mundo externo. O nominalismo é freqüentemente comparado com o convencionalismo, e nós não faremos qualquer distinção entre eles.1 O realismo, por outro lado, postula que o mundo social externo cognição do indivíduo, é um mundo real composto de estruturas concretas, tangíveis e relativamente imutáveis. Quer nós as percebamos e as rotulemos ou não, ainda assim, elas existem independentemente de nós, como entidades empíricas. Podemos até não estar conscientes de certas estruturas cruciais e apesar disto não termos 'nomes' ou conceitos para articulá-las. Para o realista, o mundo social existe independentemente de uma apreciação dele pelo indivíduo. O indivíduo nasce e vive dentro de um mundo social que tem sua própria realidade. Não há nada que o indivíduo possa criar - ele existe "lá fora". Ontologicamente ele é anterior à existência e consciência de qualquer ser humano em particular. Para o realista, o mundo social tem uma existência que é sólida e concreta como o mundo natural.2 O Debate Epistemológico: Positivismo - Antipositivismo.3Tem se afirmado que a palavra 'positivista' do mesmo modo que a palavra 'burguesia' tem se tornado mais um epiteto depreciativo do que um conceito descritivo útil'.4 Temos a intenção de usá-lo aqui nesse último sentido, como um conceito descritivo que pode ser utilizado para caracterizar um tipo particular de epistemologia. Muitas das descrições do positivismo em uso corrente se refere a uma ou mais das dimensões ontológicas, epistemológicas e metodológicas de nosso esquema para analisar pressupostos com relação a ciência social. Ele é também algumas vezes erradamente equiparado com o empirismo. Tais misturas encobrem questões básicas e contribui para o uso do termo no sentido depreciativo. Usamos o termo "positivista" aqui para caracterizar epistemologias que buscam explicar e predizer o que acontece no mundo social, pela procura de regularidades e relações causais entre seus elementos constituintes. A epistemologia positivista é, em essência, baseada nas abordagens tradicionais que dominam as ciências naturais. Os positivistas podem diferir em termos de abordagens detalhadas. Alguns poderiam defender, por exemplo, que regularidades estabelecidas como hipóteses podem ser verificadas através de um programa de pesquisa experimental adequado. Outros sustentam que hipóteses somente podem ser falsificadas e nunca demonstradas como 1 . Kolakowski (1972), pp. 158 - 9. Em sua forma mais extrema o nominalismo não reconhece a existência de qualquer mundo fora dos domínios da consciência do indivíduo. Esta é a posição solipsista, que discutiremos em mais detalhes no Capítulo 6. 2 . Para uma revisão mais abrangente do 'realismo', ver Keat e Urry (1975), pp. 27 - 45. Eles fazem muita distinção entre 'positivismo' e 'realismo' mas, como eles próprios admitem, estes termos são usados de uma maneira de certo modo não convencional. 3 . Para uma maior discussão do debate positivismo - anti- positivismo ver, por exemplo, Giddens (1974) e Walsh (1972). 4 . Giddens (1974), p. 1. "verdade"5. Contudo, tanto os verificacionistas como os falsificacionistas aceitam que o crescimento do conhecimento como um processo essencialmente cumulativo em que novas descobertas são adicionadas ao estoque de conhecimento existente e as falsas hipóteses eliminadas. A epistemologia do anti-positivismo pode tomar várias formas porem se coloca firmemente contra a inutilidade da busca de leis e de regularidades subjacentes e de relações causais no mundo dos afazeres sociais. Para os anti-positivistas , o mundo social é essencialmente relativista e pode somente ser entendido do ponto de vista dos indivíduos que estão diretamente envolvidos nas atividades que estão sendo estudadas. Os anti-positivistas rejeitam o ponto de vista do 'observador', que caracteriza a epistemologia positivista, como um ponto vantajoso para entender as atividades humanas. Eles sustentam que uma pessoa somente pode 'entender' ocupando-se de um quadro de referência do participante na ação. a pessoa tem que entender a partir de dentro ao invés de fora. Deste ponto de vista a ciência social é vista como essencialmente subjetiva em lugar de um empreendimento objetivo. Os anti-positivistas tendem a rejeitar a noção de que a ciência pode gerar conhecimento objetivo de qualquer espécie.6 O Debate sobre a "Natureza Humana": Voluntarismo - Determinismo. Este debate gira em torno do modelo de homem contido em uma dada teoria social científica. Em um extremo está a visão determinista que vê o homem e suas atividades como sendo completamente determinadas pela situação ou pelo ambiente em que ele se situa. No outro extremo identificamos a visão voluntarista do homem completamente autônomo e possuidor de livre arbítrio. Até onde alcançam as teorias sociais no que concerne o entendimento das atividades humanas, elas devem se inclinar implícita ou explicitamente para um ou outro destes pontos de vista, ou adotar um ponto intermediário que permite a influência tanto de fatores situacionais ou voluntários na constatação de atividades dos seres humanos. Tais pressupostos são elementos essenciais nas teorias sociais científicas, uma vez que define em termos amplos a natureza das relações entre o homem e a sociedade em que ele vive.7 O Debate Metodológico: Teoria Ideográfica - Nomotética. A abordagem ideográfica à ciência social é baseada no ponto de vista que só se pode entender o mundo social pela obtenção, em primeira Mão, do conhecimento sob Investigação. Esta abordagem coloca considerável ênfase no tornar-se mais próximo do subjetivo das pessoas e em explorar seus detalhados backgrounds e história de vida. A 5 . Ver, por exemplo, Popper (1963). 6 . Para uma boa ilustração de uma visão anti-positivista de ciência, ver Douglas (1970b),pp. 3 - 44. 9 7 . O debate sobre a natureza humana em seu mais amplo sentido envolve muitos outros aspectos que não nos referimos aqui O preciso modelo de homem a ser empregado em qualquer esquema analítico, contudo, está subscrito por pressupostos que refletem questões de voluntarismo-determinismo de uma maneira ou de outra. Isolamos aqui este elemento do debate como um meio de tratar a este nível mais básico um pressuposto necessário a todas as teorias sociais científicas que pretenda levar em conta as atividades humanas. Proposições detalhadas com relação a uma precisa explanação das atividades humanas de uma maneira ou de outra elaboram estes temas básicos. abordagem ideográfica enfatiza a análise das constatações subjetivas que uma pessoa gera ao 'penetrar' em situações e ao se envolver no fluxo da vida diária - a análise detalhada das descobertas geradas por tais encontros com o subjetivo da pessoa e as descobertas reveladas de constatações impressionísticas encontradas em diários, biografias e registros jornalísticos. O método ideográfico ressalta a importância de se deixar que o próprio subjetivo da pessoa revele sua natureza e características durante o processo de investigação.8 A abordagem nomotética à ciência social coloca ênfase na importância de basear pesquisa em protocolo sistemático e em técnica. Ela pode ser condensada nas abordagens e métodos empregados nas ciências naturais que focalizam o processo de testar hipóteses de acordo com os cânones do rigor científico. Ela está preocupada com a construção de testes científicos e no uso de técnicas quantitativas para a análise de dados. Pesquisa de dados, questionários, testes de personalidade e instrumentos de pesquisa padronizados de todos os tipos são proeminentes entre as ferramentas que compreende a metodologia nomotética.9 Analisando os Pressupostos sobre a Natureza da Ciência Social Esses quatro conjuntos de pressupostos com relação a natureza da ciência social proporcionam uma poderosa ferramenta para a análise da teoria social. Na maioria da literatura há uma tendência a misturar os assuntos que estão envolvidos. Desejamos argumentar aqui que vantagens consideráveis decorrem de se tratar estas quatro linhas de debate cientifico-social como analiticamente distintos. Embora na prática haja freqüentemente uma forte relação entre as posições adotadas em cada uma das quatro linhas, os pressupostos sobre cada uma delas podem de fato variar grandemente. É de bom alvitre examinar este ponto em mais detalhe. As posições extremas em cada uma das quatro linhas de debate estão refletidas nas duas principais tradições intelectuais que têm dominado a ciência social por mais de duas centenas de anos. A primeira destas é comumente descrita como "positivismo sociológico". Em essência esta reflete a tentativa de aplicar modelos e métodos derivados das ciências naturais ao estudo dos afazeres humanos. Ela tratao mundo social como ele fosse um mundo natural, adotando uma abordagem "realista" para a ontologia. Isto é apoiado por uma epistemologia "positivista", por uma visão da natureza humana relativamente "determinista" e pelo uso de metodologias "nomotéticas". A segunda tradição intelectual, do "idealismo Germânico", se coloca em completa oposição àquela. Em essência ela é baseada na premissa de que a realidade última do universo reside no "espírito" ou "idéia" em lugar de nos dados do sentido da 8 . Para uma excelente discussão da abordagem ideográfica à ciência social, ver Blumer (1969), ch. 1. 9 . É importante enfatizar aqui que tanto as metodologias nomotéticas como ideográficas podem ser empregadas num sentido indutivo e dedutivo. Enquanto o debate indutivo-dedutivo em ciência é objeto de considerável interesse e importância, não o vemos como sendo central para as quatro dimensões sugeridas aqui como meios de distinguir entre teorias sobre a natureza das ciências sociais. Que apesar disto, ele permanece uma questão metodológica importante, de relevância tanto para a sociologia como para a análise organizacional, dentro do contexto dos pressupostos explorados aqui. percepção. Ela é essencialmente nominalista em sua abordagem à realidade social. Em contraste com as ciências naturais, ela enfatiza a natureza essencialmente subjetiva dos afazeres humanos, negando a utilidade e a relevância dos modelos e métodos da ciência natural para os estudos neste campo. Ela é "anti-positivista" em epistemologia, "voluntarista" com relação a natureza humana e favorece os métodos ideográficos como fundamentação da análise social. O positivismo sociológico e o idealismo Germânico deste modo definem os extremos objetivo e subjetivo de nosso modelo. Muitos sociólogos e teóricos de organização foram criados dentro da tradição do positivismo sociológico, sem se expor à doutrina básica do idealismo Germânico. Para eles a ciência social é vista como concordante com a configuração dos pressupostos que caracterizam o extremo objetivo de nosso modelo. Contudo, nos últimos setenta anos ou mais tem havido uma crescente interação entre estas duas tradições, particularmente no nível sócio-filosófico. Como resultado têm surgido pontos de vista, cada um deles com suas próprias configurações distintivas dos pressupostos sobre a natureza da ciência social. Eles todos desovaram teorias, idéias e abordagens características de suas posições intermediárias. Como argumentaremos em capítulos mais na frente, os desenvolvimentos em fenomenologia, etnometodologia e o quadro de referência da ação deverão ser entendidos nestes termos. Estas perspectivas, enquanto oferecendo sua própria marca de descoberta, têm sido freqüentemente usadas como almodas de lançamento para ataque ao positivismo social e têm gerado uma considerável quantidade de debates entre escolas de pensamento rivais. a natureza deste debate pode somente ser completamente entendido pela apreensão e apreciação de pressupostos diferentes que estão embasando os pontos de vista em competição. É nosso contentamento que o esquema analítico oferecido aqui torne as pessoas capazes de fazer precisamente isto. Ele é oferecido não como um mero dispositivo classificatório, mas como uma importante ferramenta para transacionar a teoria social. Ele chama atenção para pressupostos chaves. Ele permite que as pessoas focalizem em questões precisas que diferenciam as abordagens sócio-cientificas. Chama também atenção para o grau de congruência entre os quatro conjuntos de pressupostos sobre a ciência social que caracterizam quaisquer dos pontos de vista de teóricos. Oferecemos aqui como a primeira dimensão principal de nosso esquema teórico para analisar a teoria em geral e a teoria organizacional em particular. Por conveniência podemos normalmente nos referir a ele como a dimensão "subjetiva - objetiva", dois rótulos descritivos que talvez capturem os pontos de comunalidade entre as quatro linhas analíticas. 11 2. PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DA SOCIEDADE.. O debate Ordem - Conflito. Os últimos vinte anos ou mais têm testemunhado um número de tentativas de sociólogos em delinear as diferenças que separam as várias escolas de pensamento e os pressupostos meta- sociólogicos que elas refletem. Foram Dahrendorf (1959) e Lockwood (1956) quem iniciaram a distinção entre aquelas abordagens à sociologia que se concentraram em explanar a natureza da ordem e do equilíbrio social por um lado, e daquelas que tinham mais a ver com problemas de mudança, conflito e coerção nas estruturas sociais por outro. Os "teóricos da ordem" eram bem mais numerosos do que os "teóricos do conflito". Muitos sociólogos vêem agora este debate como morto ou como tendo sido um não-debate, de certo modo espúrio, por entenderem ser o conflito um aspecto social funcional e, portanto, uma variável dentro dos limites de teorias que são primordialmente engendradas para explanar a ordem social. Neste sentido as visões de ordem e conflito da sociedade são os dois lados da mesma moeda. Por conta deste argumento, deixou-se de lado o debate ordem - conflito, e na esteira do movimento de contracultura dos anos 60, os sociólogos ortodoxos se tornaram mais interessados e envolvidos com os problemas do "indivíduo" em oposição àqueles da "estrutura" da sociedade em geral. A influência dos movimentos "subjetivistas" tais como a fenomenologia, a etnometodologia e a teoria de ação, tornaram-se muito mais atrativos e mais merecedores de atenção. No entanto, no entender de Burrel & Morgan, ao revisar as fontes intelectuais e os fundamentos do debate - ordem e conflito - se é forçado a concluir que este debate teve uma morte prematura. Dahrendorf e Lockwood pensaram em revitalizar o trabalho de Marx através de seus escritos e a resgatá-los conduzindo-os a um lugar central na teoria sociológica, uma vez que Marx sempre foi grandemente ignorado por renomados sociólogos, pela enorme influência de Durkheim, Weber e Pareto, cujo principal interesse era o da ordem social. Era em Marx que estava a preocupação com o papel do conflito como uma força impulsora por traz da mudança social. Dito desta maneira, portanto, o debate está comprometido com diferenças de perspectivas e de interesses de teóricos sociais proeminentes do século dezenove e inicio do século vinte. A sociologia moderna tem feito pouco mais do que articular e desenvolver os temas básicos iniciados por aqueles pioneiros da análise social. Não se pode ignorar as substanciais diferenças entre os trabalhos de Marx e os de Durkheim, Weber e Pareto. Qualquer um familiar com os trabalhos destes teóricos e conscientes da profunda divisão que existe entre Marxismo e sociologia é forçado a admitir que há diferenças fundamentais, que ainda estão longe de serem conciliadas. Para melhor entender a questão voltemos ao trabalho de Dahrendorf que pode ser esquematizado como a seguir: Tabela 2.1 Duas teorias da sociedade: "ordem" e "conflito" ___________________________________________________________ A “ordem” ou "integracionismo" O "conflito" ou "coerção" visa visa ____________________________________________________________ Estabilidade Mudança Integração Conflito Coordenação Funcional Desintegração Consenso Coerção ____________________________________________________________ Embora represente uma supersimplificação, esta conceituação fornece uma útil ferramenta para se distinguir as diferenças entre os dois pontos de vista. A tentativa de incorporar a noção de "conflito" como mecanismo de integração é forçar muito a barra. Não se pode simplesmente incorporar a dimensão conflito/integração dentro do interesse da sociologiatradicional para explicar a ordem. A falácia desta posição torna-se clara se consideramos formas extremas de conflito tais como conflito de classe, revolução e guerra, que somente podem ser incorporados ao modelo integracionista, por maior que seja o alongamento da imaginação. Não se pode igualar conflitos macroestruturais com conflitos funcionais, como os identificados por Coser (1956). Há uma importante questão de gradação a ser considerada ao dicotomizar integração x conflito; na realidade a distinção entre os dois é muito mais a de um contínuo do que a maioria dos escritores têm reconhecido. Um outro aspecto do esquema de Dahrendorf tido como problemático reside na distinção entre consenso e coerção. Embora pareça óbvio e claro, ao focar em valores compartilhados por um lado, e em imposição de algum tipo de força por outro, isto implica em certa ambigüidade. De onde provem os valores compartilhados? São eles adquiridos autonomamente ou impostos sobre alguns membros da sociedade por outros? Estas questões identificam a possibilidade de que consenso pode ser o produto do uso de alguma forma de força coercitiva. Wright Mills (1959), por exemplo, nos chama a atenção para o que Parsons e outros grandes teóricos chamam de "orientações para valores" e "estrutura normativa" como tendo muito a ver com símbolos dominantes de legitimação. A estrutura normativa aqui - que Dahrendorf teria visto como consenso - é tratada como um sistema legitimando a estrutura de poder. Do ponto de vista de Mills, ela reflete o fato de dominação. Em outras palavras, os valores compartilhados podem ser vistos não somente como um índice de grau de integração que caracteriza uma sociedade, como um que reflete o sucesso das forças de dominação de uma sociedade predisposta a desintegração. De um ponto de vista , idéias compartilhadas, valores e normas são algo a ser preservado; de outro, eles representam um modo de dominação que o homem necessita se livrar. A dimensão consenso/coerção pode assim ser vista como focalizando assuntos de controle social. 13 Ao distinguir entre estabilidade e mudança como aspectos respectivamente de ordem e conflito, o modelo de Dahrendorf abre a possibilidade interpretação errônea, ainda que ele explicite que afirmou não ter a intenção de concluir que a teoria da ordem admite que a sociedade é estática. Seu interesse foi mostrar como as teorias funcionais são essencialmente envolvidas com aqueles processos que servem para manter os padrões do sistema como um todo. Em outras palavras, as teorias funcionais são vistas como estáticas no sentido em que estão interessadas na explanação do status quo. Neste respeito as teorias de conflito são claramente de natureza diferente; elas estão comprometidas com, e buscam explicar, o processo e a natureza da mudança estrutural profundamente assentada na sociedade, em oposição à mudança de natureza mais superficial e efêmera da teoria da ordem. Nota do tradutor: Estes dois aspectos de mudança têm muito a ver com o meu trabalho. Não estou interessado nessa mudança superficial e efêmera das teorias organizacionais funcionalistas e, como tal, me distancio das estratégias de D.O e de outras tantas de natureza semelhante. O atalho que Argyris tomou e que estou seguindo com os devidos cuidados, ataca de frente a estrutura normativa da sociedade pela raiz: os valores governantes básicos que orientam as ações dos indivíduos nas suas relações com o outro e/ou com o contexto. Embora não se possa afastar o caráter funcional da busca de eficiência e eficácia, o certo é que o questionamento de valores governantes contidos na estrutura normativa da sociedade (e por extensão, das organizações), pode levar, e esperamos que efetivamente leve , a profundas mudanças nas organizações, a partir da reestruturação cognitiva dos indivíduos. As noções de Dahrendorf de coordenação funcional e de desintegração pode ser vista como constituindo uma das mais poderosas linhas de pensamento que distingue ordem de conflito. Todavia, há também lugar para interpretações errôneas. Seu conceito de integração deriva do interesse funcionalista com a contribuição que os elementos de um sistema fazem para o todo. Isto é uma super-simplificação, não só porque há disfunções (Merton, 1948) como também porque, como o próprio trabalho de Dahrendorf sugere, várias partes de um sistema podem ter um alto grau de autonomia e podem contribuir muito pouco para a integração do sistema como um todo. Por esta razão pode se tornar bem mais claro se a posição da teoria do conflito, nesta dimensão, tivesse sido apresentada em termos mais radicais e distintos. Há muito mais na teoria Marxiana, por exemplo, no que se refere a noção de contradição e de incompatibilidade básica entre diferentes elementos da estrutura social. Contradição implica em heterogeneidade, desequilíbrio e forças sociais essencialmente antagônicas e divergentes. Argumentar que o conceito de contradição pode ser abarcado pela análise funcional, requer um ato de fé ou, no mínimo um considerável vôo de imaginação. Alinhados com esta análise, os autores (B&M) argumentam que a tentativa de reduzir os dois modelos a uma base comum ignora as diferenças fundamentais que existem entre elas. A teoria do conflito baseado no conflito estrutural, profundamente arraigado e relacionado com transformações radicais da sociedade, não é consistente com a perspectiva funcionalista. 'Regulação" e "Mudança Radical". As expressões "regulação" e "mudança radical" sugeridas pelos autores, substituem com vantagens as noções de ordem e conflito até agora discutidas. O termo sociologia da regulação refere-se aos escritos dos teóricos que estão primordialmente interessados em prover explanações da sociedade em termos que enfatizam sua unidade subjacente e coesão. É uma sociologia essencialmente interessada na necessidade de regulação dos afazeres humanos; as questões básicas que ela faz tende a focar na necessidade de entender porque a sociedade é mantida como uma entidade. O trabalho de Durkheim, com sua ênfase na natureza da coesão e da solidariedade social, por exemplo, dá uma clara e compreensiva ilustração de um interesse pela sociologia da regulação. A sociologia da mudança radical se contrapõe à sociologia da regulação naquilo em que seu interesse básico é descobrir explicações para a mudança radical, para o conflito estrutural profundamente arraigado, para os modos de dominação e das contradições estruturais que os teóricos vêem como caracterizando a moderna sociedade. É a sociologia interessada essencialmente com a emancipação do homem de suas estruturas, que limitam e impedem seu potencial de desenvolvimento. As questões básicas que ela faz, focalizam na privação do homem , tanto material como psíquica. É freqüentemente visionária e utópica, naquilo que olha como potencialidade, muito mais do que como realidade presente; está interessada no que é possível, mais do que com o que a coisa é; com alternativas, mais do que com a aceitação do status quo. A tabela 2.2 sumariza a situação. Tabela 2.2. A dimensão regulação - mudança radical. ____________________________________________________________ REGULAÇÃO MUDANÇA RADICAL tem a ver com: tem a ver com: _________________________________________________________ (a) o status quo (a) mudança radical (b) ordem social (b) conflito estrutural (c) consenso (c) modos de DOMINAÇÃO (d) INTEGRAÇÃO e COESÃO social (d) CONTRADIÇÃO (e) solidariedade (e) emancipação (f) satisfação de necessidade (f) privação g) realidade presente (g) potencialidade ____________________________________________________________ 15 BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979. (traduçãolivre do profº. Wellington Martins, EA/UFBa.) 3. DUAS DIMENSÕES : QUATRO PARADIGMAS. Do que até agora foi examinado, pode-se observar que os pressupostos sobre a natureza da ciência estão contidos numa dimensão: subjetiva - objetiva; e os pressupostos sobre a natureza da sociedade em uma dimensão: regulação - mudança radical, como se pode ver na Figura 3.1 abaixo. A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL SUBJETIVO OBJETIVO Humanismo Estruturalismo radical radical Interpretativo Funcionalismo A SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Figura 3.1. Quatro paradigmas para análise da teoria social. Dentro da sociologia da regulação o debate tem surgido entre a sociologia interpretativa o funcionalismo. Na esteira do tratado de Berger & Luckman (1966) sobre a sociologia do conhecimento, no trabalho de Garfinkel (1967) sobre etnometodologia e no ressurgimento geral do interesse na fenomenologia, o status questionável dos pressupostos ontológico e epistemológico da perspectiva funcionalista tem sido crescentemente exposto. Similarmente, dentro do contexto da sociologia da mudança radical tem havido uma divisão entre os teóricos que adotam os pontos de vista subjetivo e objetivo da sociedade. Este debate foi, em grande medida, liderado pela publicação na França (1966) e na Inglaterra (1969) do trabalho de Louis Althusser chamando a atenção para a "quebra epistemológica" do trabalho de Marx, que enfatizou a polarização dos teóricos Marxistas em dois campos: aqueles que enfatizavam os aspectos subjetivos (por exemplo, Lukács, e a Escola de Frankfurt) e aqueles que advogavam mais abordagens objetivas tais como as daqueles associados ao estruturalismo Althussiano. O debate entre as sociologias da regulação e da mudança radical que aconteceu na segunda metade dos anos 60, foi substituído por um diálogo interno dentro do contexto de escolas de pensamento separadas. Ao se voltarem para elas próprias e ao defenderem suas posições com relação a dimensão subjetivo - objetivo, negligenciaram a dimensão mudança-regulação radical. No momento já existe amadurecimento para considerações do caminho a frente, e os autores submetem as duas independentes dimensões chaves de análise que ressuscitam os assuntos sociológicos dos anos 60 e os colocam ao daqueles do fim dos anos 60 e inicio dos anos 70. Tomados em conjunto, eles distinguem 4 paradigmas distintos: o humanismo radical, o estruturalismo radical, Interpretativo e funcionalista. Natureza e Usos dos Quatro Paradigmas. Vemos os 4 paradigmas definidos por pressupostos metateóricos muito básicos que subscrevem o quadro de referência , o modo de teorizar e o modus operandi dos teóricos sociais que operam dentro deles. É um termo que tem a intenção de enfatizar o que tem de comum nas perspectivas que liga o trabalho de um grupo de teóricos de tal modo que podem ser usualmente vistos como abordando uma teoria social dentro dos limites da mesma problemática. Esta definição não implica completa unidade de pensamento. O paradigma tem uma unidade subjacente em termos de seus pressupostos básicos e freqüentemente "tidos como verdades" que separam um grupo de teóricos de maneira fundamentalmente diferente de teóricos localizados em outros paradigmas. A unidade do paradigma portanto deriva da referência a pontos de vista alternativos da realidade que se posiciona alem de suas fronteiras e que pode não ser necessariamente nem mesmo reconhecido como existente. Os 4 paradigmas tomados em conjunto fornecem um mapa para negociar a área sujeito, que oferece uma maneira conveniente de identificar similaridades básicas e diferenças o trabalho dos vários teóricos e, em particular, os quadros de referência subjacentes que eles adotam. Também fornece uma conveniente meio de localizar o próprio quadro de referência com relação a teoria social, e deste modo um meio de entender porque certas teorias e perspectivas podem ter mais atrativo pessoal do que outras. Como qualquer outro mapa, ele fornece uma ferramenta para estabelecer onde estão, onde esteve e pra onde se é possível ir no futuro. Um fato que merece atenção é que os 4 paradigmas são mutuamente exclusivos. Eles oferecem pontos de vista alternativos sobre a realidade social. O Paradigma Funcionalista. Este paradigma tem provido um quadro dominante na condução da sociologia acadêmica e no estudo das organizações É firmemente enraizado na sociologia da regulação e aborda o sujeito principal de um ponto de vista objetivista. Caracteriza-se pelo interesse em dar explicações do status quo , da ordem social, da integração social, da solidariedade, e da necessidade de satisfação e atualização. Ele aborda estes assuntos sociológicos gerais sob o ponto de vista que tende para ser realista, positivista, determinista e nomotético. Está voltado para explanações essencialmente racionais de assuntos sociais. Altamente pragmático em orientação, freqüentemente orientado para o problema, envolvido em prover soluções práticas. É usual e firmemente envolvido com a filosofia de engenharia social como base para a mudança social, enfatizando a importância de entender a ordem, o equilíbrio e a estabilidade na sociedade e os meios pelos quais eles podem ser mantidos. Está envolvida com a efetiva regulação e controle dos affairs sociais Originado na França nas primeiras décadas do século XIX, recebeu suas maiores influências através dos trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Valfrido Pareto. A abordagem funcionalista à ciência social tende a assumir que o mundo social é composto de artefatos empíricos relativamente concretos e de relações que podem ser identificadas, estudadas e medidas através de abordagens derivadas das ciências naturais. Para ilustrar, vejamos o trabalho de Durkheim. Central em sua posição foi a idéia de que os "fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, e restringe o homem em suas atividades diárias. 17 Desde as primeiras décadas do século XX que o paradigma funcionalista tem sido influenciado por elementos do idealismo Germânico de pensamento social. Através dos trabalhos de Weber, George Simmel e George Herbert Mead, a abordagem idealista tem sido utilizada no contexto das teorias sociais numa tentativa de fazer a ponte entre as duas tradições. Assim fazendo, esqueceram algumas perspectivas teóricas características da última região do “objetivismo", fronteiriça do paradigma interpretativo. Tais teorias têm rejeitado o uso de analogias mecânicas e biológicas no estudo do mundo social e tem introduzido idéias que colocam ênfase na importância de entender o mundo social do ponto de vista dos atores que estão realmente engajados no desempenho das atividades sociais. A partir dos anos 40 tem havido também uma infusão de certas influências Marxistas características da sociologia da mudança radical que tem ajudado a radicalizar a teoria funcionalista e a recusar a pecha geral de que o funcionalismo é essencialmente conservador e incapaz de prover explicações para a mudança social. A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL SUBJETIVO OBJETIVO Idealismo Germânico Teoria Marxista SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Positivismo sociológico Fig. 3.2. Influências intelectuais sobre o paradigma funcionalista. Cruamente falando, a formação do paradigma funcionalista pode ser entendido em termos da interação de três conjuntos de forças intelectuais: a teoria marxista, o idealismo germânico e o positivismo sociológico, sendo esta última a mais influente. O cruzamento destas forças tem dado lugar a um numero de distintas escolas de pensamento. Na sociologia as principais são : o objetivismo, a teoria dos sistemas sociais, a teoria integrativa e a escola do interacionismo e da teoria da ação social. Na análise das organizações as principaissão: o objetivismo, a teoria do sistema social, o pluralismo, as teorias das disfunções burocráticas e o quadro de referência da ação. O Paradigma Interpretativo. Embora identificado com a sociologia da regulação o paradigma interpretativo é informado por um interesse em entender o mundo como ele é, mas de entender a natureza fundamental do mundo social ao nível da experiência subjetiva. Ele busca explanação dentro do reino da consciência individual e da subjetividade, dentro do quadro de referência do participante, em oposição ao do observador da ação. É nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfico. Através dele se vê o mundo social como um processo social emergente que foi criado pelos indivíduos envolvidos. A realidade social não tem existência fora da consciência de qualquer indivíduo em particular ; é visto como sendo pouco mais do que uma rede de pressupostos e de significados compartilhados inter-subjetivamente A sociologia interpretativa está interessada em entender a essência do mundo do dia a dia. Em termos do esquema analítico dos autores, está envolvida com assuntos relacionados com a natureza do status quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão, e da solidariedade e atualização. O paradigma interpretativo é também produto direto do idealismo Germânico. Seus fundamentos vêm do trabalho de Kant e reflete a filosofia social que enfatiza essencialmente a natureza espiritual do mundo social. No princípio do século sofreu a influência dos neo- idealistas tais como Dilthey, Weber, Husserl e Schutz. Em termos sociológicos nota-se 4 grandes correntes: a hermenêutica, a sociologia fenomenológica, a fenomenologia e o solipsismo. Em termos da teoria das organizações: a etnometodologia e o interacionismo simbólico fenomenológico. A fig. 3.3 e 3.4 ilustram a maneira como o paradigma foi explorado tomando como referência nosso interesse na teoria social e no estudo das organizações. Enquanto tenha havido um pequeno número de tentativas de estudar os conceitos de organização e situações a partir deste ponto de vista, o paradigma não gerou muitas teorias organizacionais. Como ficará claro a partir de nossa análise, há boas razões para isto. As premissas do paradigma interpretativo questionam se as organizações existem senão no sentido conceitual e, como tal, desafia a validade dos pressupostos ontológicos subjacentes às abordagens funcionalistas da sociologia em geral e ao estudo das organizações em particular. O Paradigma do Humanismo Radical. É definido por seu interesse em desenvolver a sociologia da mudança radical. de um ponto de vista subjetivista. Vê o mundo social de uma perspectiva que tende a ser nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfica. Seu quadro de referência está envolvido com uma visão da sociedade que enfatiza a importância de destruir ou de transcender as limitações dos arranjos sociais existentes. Uma das noções mais básicas que subjacem o todo deste paradigma é o de que a consciência do homem é dominada pelas superestruturas ideológicas com o qual ele interage, e que estas dirigem uma cunha cognitiva entre o próprio indivíduo e a verdadeira consciência. Esta cunha é a da "alienação" ou da "falsa consciência" que inibe ou evita o verdadeiro preenchimento humano. O maior interesse dos teóricos abordando a condição humana nestes termos é o de livrar o ser humano das restrições que os arranjos sociais colocam sobre o desenvolvimento humano. Critica-se o status quo. Vê-se a sociedade como anti-humana e se está interessado em articular meios para que os seres humanos possam transcender os vínculos e grilhões que os prendem aos padrões sociais existentes e, portanto, a realizar seu potencial pleno. O humanismo radical coloca ênfase na mudança radical, nos modos de dominação, emancipação, potencialidade e privação. Os conceitos de conflito estrutural e de contradição não figuram proeminentemente nesta perspectiva, desde que elas são características de visões mais objetivas contidas no estruturalismo radical. A principal ênfase do humanismo radical é na consciência humana. Deriva também do idealismo Germânico, particularmente expresso nos trabalhos de Kant e Hegel (como reinterpretado nos escritos do jovem Marx). É através de Marx que a tradição idealista foi primeiro utilizada como base da filosofia social radical, e muitos humanistas radicais têm derivado sua inspiração desta fonte. Em essência Marx inverteu o quadro de referência refletido no idealismo Hegeliano e deste modo forjou a base do humanismo radical. O paradigma também tem sido influenciado por uma infusão da fenomenologia de Husserl. Foram Luckács e Gramsci quem reviveram o interesse na interpretação subjetiva da teoria Marxista. Este interesse foi encampado pelos membros da Escola de Frankfurt, particularmente Habermas e Marcuse. A filosofia existencialista de Sartre também pertence a este paradigma, do mesmo modo que os escritos de Illich, Castaneda e Laing. Cada um deles, a sua maneira, dividem um interesse comum pela libertação da consciência e da experiência de dominação pelos vários aspectos da superestrutura ideológica do mundo social dentro da qual os homens 19 vivem fora de suas vidas. Eles buscam mudar o mundo social através da mudança nos modos de cognição e consciência A fig. 3.3 e 3.4 mais uma vez proporciona um grosseiro e pronto sumário da maneira como este paradigma tem sido explorado em termos da teoria social e do estudo das organizações. Como argumentaremos no Capítulo 9, os escritores que têm algo a dizer sobre as organizações a partir desta perspectiva têm colocado as bases de uma nascente teoria anti-organização. Em essência o humanismo radical é baseado na inversão. Não seria surpresa, portanto, que a teoria anti-organização inverte a problemática que define a teoria da organização funcionalista em todos os sentidos. O Paradigma do Estruturalismo Radical. Os teóricos localizados dentro deste paradigma advogam a sociologia da mudança radical sob o ponto de vista objetivista. Embora com muitas similaridades com a teoria funcionalista, ela é dirigida para fins fundamentalmente diferentes. O estruturalismo radical está comprometido com mudança radical, emancipação e potencialidade, em uma análise que enfatiza conflito estrutural, modos de dominação, contradição e privação. Ele aborda estes assuntos gerais do ponto de vista realista, positivista, determinista e nomotético. Enquanto o humanismo radical forja sua perspectiva focando a consciência , o estruturalismo radical se concentra nas relações estruturais dentro de um mundo social real. Os estruturalistas enfatizam o fato de que a mudança radical se constrói na verdadeira natureza e estrutura da sociedade contemporânea, e buscam prover explanações das inter-relações básicas dentro do contexto total das formações sociais. Há um amplo debate dentro do paradigma, e diferentes teorias chamam a atenção de papeis de diferentes forças como meios de explicar a mudança social. Enquanto alguns focalizam nas contradições internas profundamente arraigadas, outros focam nas estruturas e nas análises das relações de poder. Comum a todos os teóricos é a visão de que a sociedade contemporânea se caracteriza por conflitos fundamentais que geram mudança radical através de crises políticas e econômicas. É através de tais conflitos e mudanças que a emancipação dos homens das estruturas sociais em que eles vivem é vista como acontecendo. O principal fonte de debate intelectual provem dos trabalhos do Marx maduro, após a "quebra epistemológica" em seu trabalho. Dentro da teoria social Russa destacam-se os nomes de Engels, Plekhanov, Lênin e Bukarin. Entre os estruturalistas radicais fora do reino da teoria social Russa, destacam-se Althusser, Poulantzas, Colleti e vários sociólogos Marxistas da NovaEsquerda. Há também a forte influência Weberiana que já se fez referência acima, através dos trabalhos de Darhrendorf e Lockwood, alem de outros. Em termos de teoria sociológica, o estruturalismo radical é composto da teoria social Russa, da teoria do conflito e do marxismo Mediterrâneo contemporâneo. Quanto a escolas de análise organizacional há menção apenas a teoria da organização radical. BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979. (tradução livre do profº. Wellington Martins, EA/UFBa.) 3. DUAS DIMENSÕES : QUATRO PARADIGMAS. Do que até agora foi examinado, pode-se observar que os pressupostos sobre a natureza da ciência estão contidos numa dimensão: subjetiva - objetiva; e os pressupostos sobre a natureza da sociedade em uma dimensão: regulação - mudança radical, como se pode ver na Figura 3.1 abaixo. A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL SUBJETIVO OBJETIVO Humanismo Estruturalismo radical radical Interpretativo Funcionalismo A SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Figura 3.1. Quatro paradigmas para análise da teoria social. Dentro da sociologia da regulação o debate tem surgido entre a sociologia interpretativa o funcionalismo. Na esteira do tratado de Berger & Luckman (1966) sobre a sociologia do conhecimento, no trabalho de Garfinkel (1967) sobre etnometodologia e no ressurgimento geral do interesse na fenomenologia, o status questionável dos pressupostos ontológico e epistemológico da perspectiva funcionalista tem sido crescentemente exposto. Similarmente, dentro do contexto da sociologia da mudança radical tem havido uma divisão entre os teóricos que adotam os pontos de vista subjetivo e objetivo da sociedade. Este debate foi, em grande medida, liderado pela publicação na França (1966) e na Inglaterra (1969) do trabalho de Louis Althusser chamando a atenção para a "quebra epistemológica" do trabalho de Marx, que enfatizou a polarização dos teóricos Marxistas em dois campos: aqueles que enfatizavam os aspectos subjetivos (por exemplo, Lukács, e a Escola de Frankfurt) e aqueles que advogavam mais abordagens objetivas tais como as daqueles associados ao estruturalismo Althussiano. O debate entre as sociologias da regulação e da mudança radical que aconteceu na segunda metade dos anos 60, foi substituído por um diálogo interno dentro do contexto de escolas de pensamento separadas. Ao se voltarem para elas próprias e ao defenderem suas posições com relação a dimensão subjetivo - objetivo, negligenciaram a dimensão mudança-regulação radical. No momento já existe amadurecimento para considerações do caminho a frente, e os autores submetem as duas independentes dimensões chaves de análise que ressuscitam os assuntos sociológicos dos anos 60 e os colocam ao daqueles do fim dos anos 60 e inicio dos anos 70. 21 Tomados em conjunto, eles distinguem 4 paradigmas distintos: o humanismo radical, o estruturalismo radical, Interpretativo e funcionalista. Natureza e Usos dos Quatro Paradigmas. Vemos os 4 paradigmas definidos por pressupostos metateóricos muito básicos que subscrevem o quadro de referência , o modo de teorizar e o modus operandi dos teóricos sociais que operam dentro deles. É um termo que tem a intenção de enfatizar o que tem de comum nas perspectivas que liga o trabalho de um grupo de teóricos de tal modo que podem ser usualmente vistos como abordando uma teoria social dentro dos limites da mesma problemática. Esta definição não implica completa unidade de pensamento. O paradigma tem uma unidade subjacente em termos de seus pressupostos básicos e freqüentemente "tidos como verdades" que separam um grupo de teóricos de maneira fundamentalmente diferente de teóricos localizados em outros paradigmas. A unidade do paradigma portanto deriva da referência a pontos de vista alternativos da realidade que se posiciona alem de suas fronteiras e que pode não ser necessariamente nem mesmo reconhecido como existente. Os 4 paradigmas tomados em conjunto fornecem um mapa para negociar a área sujeito, que oferece uma maneira conveniente de identificar similaridades básicas e diferenças o trabalho dos vários teóricos e, em particular, os quadros de referência subjacentes que eles adotam. Também fornece uma conveniente meio de localizar o próprio quadro de referência com relação a teoria social, e deste modo um meio de entender porque certas teorias e perspectivas podem ter mais atrativo pessoal do que outras. Como qualquer outro mapa, ele fornece uma ferramenta para estabelecer onde estão, onde esteve e pra onde se é possível ir no futuro. Um fato que merece atenção é que os 4 paradigmas são mutuamente exclusivos. Eles oferecem pontos de vista alternativos sobre a realidade social. O Paradigma Funcionalista. Este paradigma tem provido um quadro dominante na condução da sociologia acadêmica e no estudo das organizações É firmemente enraizado na sociologia da regulação e aborda o sujeito principal de um ponto de vista objetivista. Caracteriza-se pelo interesse em dar explicações do status quo , da ordem social, da integração social, da solidariedade, e da necessidade de satisfação e atualização. Ele aborda estes assuntos sociológicos gerais sob o ponto de vista que tende para ser realista, positivista, determinista e nomotético. Está voltado para explanações essencialmente racionais de assuntos sociais. Altamente pragmático em orientação, freqüentemente orientado para o problema, envolvido em prover soluções práticas. É usual e firmemente envolvido com a filosofia de engenharia social como base para a mudança social, enfatizando a importância de entender a ordem, o equilíbrio e a estabilidade na sociedade e os meios pelos quais eles podem ser mantidos. Está envolvida com a efetiva regulação e controle dos affairs sociais Originado na França nas primeiras décadas do século XIX, recebeu suas maiores influências através dos trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Valfrido Pareto. A abordagem funcionalista à ciência social tende a assumir que o mundo social é composto de artefatos empíricos relativamente concretos e de relações que podem ser identificadas, estudadas e medidas através de abordagens derivadas das ciências naturais. Para ilustrar, vejamos o trabalho de Durkheim. Central em sua posição foi a idéia de que os "fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, e restringe o homem em suas atividades diárias. Desde as primeiras décadas do século XX que o paradigma funcionalista tem sido influenciado por elementos do idealismo Germânico de pensamento social. Através dos trabalhos de Weber, George Simmel e George Herbert Mead, a abordagem idealista tem sido utilizada no contexto das teorias sociais numa tentativa de fazer a ponte entre as duas tradições. Assim fazendo, esqueceram algumas perspectivas teóricas características da última região do “objetivismo", fronteiriça do paradigma interpretativo. Tais teorias têm rejeitado o uso de analogias mecânicas e biológicas no estudo do mundo social e tem introduzido idéias que colocam ênfase na importância de entender o mundo social do ponto de vista dos atores que estão realmente engajados no desempenho das atividades sociais. A partir dos anos 40 tem havido também uma infusão de certas influências Marxistas características da sociologia da mudança radical que tem ajudado a radicalizar a teoria funcionalista e a recusar a pecha geral de que o funcionalismo é essencialmente conservador e incapaz de prover explicações para a mudança social. A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL SUBJETIVO OBJETIVO Idealismo Germânico Teoria Marxista SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Positivismo sociológico Fig. 3.2. Influências intelectuais sobre o paradigma funcionalista. Cruamente falando,a formação do paradigma funcionalista pode ser entendido em termos da interação de três conjuntos de forças intelectuais: a teoria marxista, o idealismo germânico e o positivismo sociológico, sendo esta última a mais influente. O cruzamento destas forças tem dado lugar a um numero de distintas escolas de pensamento. Na sociologia as principais são : o objetivismo, a teoria dos sistemas sociais, a teoria integrativa e a escola do interacionismo e da teoria da ação social. Na análise das organizações as principais são: o objetivismo, a teoria do sistema social, o pluralismo, as teorias das disfunções burocráticas e o quadro de referência da ação. O Paradigma Interpretativo. Embora identificado com a sociologia da regulação o paradigma interpretativo é informado por um interesse em entender o mundo como ele é, mas de entender a natureza fundamental do mundo social ao nível da experiência subjetiva. Ele busca explanação dentro do reino da consciência individual e da subjetividade, dentro do quadro de referência do participante, em oposição ao do observador da ação. É nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfico. Através dele se vê o mundo social como um processo social emergente que foi criado pelos indivíduos envolvidos. A realidade social não tem existência fora da consciência de qualquer indivíduo em particular ; é visto como sendo pouco mais do que uma rede de pressupostos e de significados compartilhados inter-subjetivamente A sociologia interpretativa está interessada em entender a essência do mundo do dia a dia. Em termos do esquema analítico dos autores, está envolvida com assuntos relacionados com a natureza do status quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão, e da solidariedade e atualização. 23 O paradigma interpretativo é também produto direto do idealismo Germânico. Seus fundamentos vêm do trabalho de Kant e reflete a filosofia social que enfatiza essencialmente a natureza espiritual do mundo social. No princípio do século sofreu a influência dos neo- idealistas tais como Dilthey, Weber, Husserl e Schutz. Em termos sociológicos nota-se 4 grandes correntes: a hermenêutica, a sociologia fenomenológica, a fenomenologia e o solipsismo. Em termos da teoria das organizações: a etnometodologia e o interacionismo simbólico fenomenológico. A fig. 3.3 e 3.4 ilustram a maneira como o paradigma foi explorado tomando como referência nosso interesse na teoria social e no estudo das organizações. Enquanto tenha havido um pequeno número de tentativas de estudar os conceitos de organização e situações a partir deste ponto de vista, o paradigma não gerou muitas teorias organizacionais. Como ficará claro a partir de nossa análise, há boas razões para isto. As premissas do paradigma interpretativo questionam se as organizações existem senão no sentido conceitual e, como tal, desafia a validade dos pressupostos ontológicos subjacentes às abordagens funcionalistas da sociologia em geral e ao estudo das organizações em particular. O Paradigma do Humanismo Radical. É definido por seu interesse em desenvolver a sociologia da mudança radical. de um ponto de vista subjetivista. Vê o mundo social de uma perspectiva que tende a ser nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfica. Seu quadro de referência está envolvido com uma visão da sociedade que enfatiza a importância de destruir ou de transcender as limitações dos arranjos sociais existentes. Uma das noções mais básicas que subjacem o todo deste paradigma é o de que a consciência do homem é dominada pelas superestruturas ideológicas com o qual ele interage, e que estas dirigem uma cunha cognitiva entre o próprio indivíduo e a verdadeira consciência. Esta cunha é a da "alienação" ou da "falsa consciência" que inibe ou evita o verdadeiro preenchimento humano. O maior interesse dos teóricos abordando a condição humana nestes termos é o de livrar o ser humano das restrições que os arranjos sociais colocam sobre o desenvolvimento humano. Critica-se o status quo. Vê-se a sociedade como anti-humana e se está interessado em articular meios para que os seres humanos possam transcender os vínculos e grilhões que os prendem aos padrões sociais existentes e, portanto, a realizar seu potencial pleno. O humanismo radical coloca ênfase na mudança radical, nos modos de dominação, emancipação, potencialidade e privação. Os conceitos de conflito estrutural e de contradição não figuram proeminentemente nesta perspectiva, desde que elas são características de visões mais objetivas contidas no estruturalismo radical. A principal ênfase do humanismo radical é na consciência humana. Deriva também do idealismo Germânico, particularmente expresso nos trabalhos de Kant e Hegel (como reinterpretado nos escritos do jovem Marx). É através de Marx que a tradição idealista foi primeiro utilizada como base da filosofia social radical, e muitos humanistas radicais têm derivado sua inspiração desta fonte. Em essência Marx inverteu o quadro de referência refletido no idealismo Hegeliano e deste modo forjou a base do humanismo radical. O paradigma também tem sido influenciado por uma infusão da fenomenologia de Husserl. Foram Luckács e Gramsci quem reviveram o interesse na interpretação subjetiva da teoria Marxista. Este interesse foi encampado pelos membros da Escola de Frankfurt, particularmente Habermas e Marcuse. A filosofia existencialista de Sartre também pertence a este paradigma, do mesmo modo que os escritos de Illich, Castaneda e Laing. Cada um deles, a sua maneira, dividem um interesse comum pela libertação da consciência e da experiência de dominação pelos vários aspectos da superestrutura ideológica do mundo social dentro da qual os homens vivem fora de suas vidas. Eles buscam mudar o mundo social através da mudança nos modos de cognição e consciência A fig. 3.3 e 3.4 mais uma vez proporciona um grosseiro e pronto sumário da maneira como este paradigma tem sido explorado em termos da teoria social e do estudo das organizações. Como argumentaremos no Capítulo 9, os escritores que têm algo a dizer sobre as organizações a partir desta perspectiva têm colocado as bases de uma nascente teoria anti-organização. Em essência o humanismo radical é baseado na inversão. Não seria surpresa, portanto, que a teoria anti-organização inverte a problemática que define a teoria da organização funcionalista em todos os sentidos. O Paradigma do Estruturalismo Radical. Os teóricos localizados dentro deste paradigma advogam a sociologia da mudança radical sob o ponto de vista objetivista. Embora com muitas similaridades com a teoria funcionalista, ela é dirigida para fins fundamentalmente diferentes. O estruturalismo radical está comprometido com mudança radical, emancipação e potencialidade, em uma análise que enfatiza conflito estrutural, modos de dominação, contradição e privação. Ele aborda estes assuntos gerais do ponto de vista realista, positivista, determinista e nomotético. Enquanto o humanismo radical forja sua perspectiva focando a consciência , o estruturalismo radical se concentra nas relações estruturais dentro de um mundo social real. Os estruturalistas enfatizam o fato de que a mudança radical se constrói na verdadeira natureza e estrutura da sociedade contemporânea, e buscam prover explanações das inter-relações básicas dentro do contexto total das formações sociais. Há um amplo debate dentro do paradigma, e diferentes teorias chamam a atenção de papeis de diferentes forças como meios de explicar a mudança social. Enquanto alguns focalizam nas contradições internas profundamente arraigadas, outros focam nas estruturas e nas análises das relações de poder. Comum a todos os teóricos é a visão de que a sociedade contemporânea se caracteriza por conflitos fundamentais que geram mudança radical através de crises políticas
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