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1 APOSTILA Curso: Políticas Sociais Integradas Disciplina: Moradia e Meio Ambiente Fevereiro 2016 2 Aula 1 A URBANIZAÇÃO NO BRASIL 1- Breve retrospectiva histórica Para compreendermos o processo de urbanização brasileira é necessário relembrarmos alguns marcos históricos. Durante muitos anos o Brasil foi um país essencialmente agrícola, foi no campo que se formou a história da nossa civilização. De modo geral, a urbanização se desenvolve a partir do século XVIII, mas foi necessário um século para que a urbanização atingisse sua maturidade, no século XIX e ainda mais um século para adquirir as características de hoje. Nesse sentido, podemos dizer que a urbanização é um fenômeno da modernidade, pois foi apenas nos ano de 1980 que o Brasil se tornou um país essencialmente urbano, na medida em que a maior parte da população habitava nas cidades. Os primeiros centros urbanos surgiram no período colonial, devido à expansão da agricultura comercial, da produção do açúcar e da exploração mineral que foram a base do povoamento e criação de riqueza no litoral e interior do Brasil. Todavia é no final do século XIX e início do século XX, que se conhece o aumento da urbanização, e mais especificamente a partir dos anos de 1940 que vivenciamos a aceleração deste fenômeno, devido principalmente a industrialização e ao processo de implantação de máquinas nas atividades do meio agrário, que substituíram a mão de obra assalariada, levando ao processo de migração de trabalhadores do campo para cidade, também chamado de êxodo rural. A partir dos anos 1940 quando a industrialização se afirma como modelo de produção econômica e o Brasil deixa de ser um país agrário-exportador para se tornar industrial, ocorre uma aceleração da urbanização da sociedade brasileira que foi marcado pelo fortalecimento da economia interna, grande desenvolvimento das forças produtivas e modernização da sociedade. Esses fatores permitiram o nascimento, crescimento e desenvolvimento de muitas cidades. É a partir deste período que o Estado passa a investir de fato nas cidades, dotando-as de uma melhor infraestrutura urbana como energia 3 elétrica, água e esgotos, pavimentação, estradas, equipamentos transmissores de informação, transportes coletivos, escolas, hospitais, comércio e de melhores condições físicas para o desenvolvimento industrial. Soma-se a esses fatores uma política de atração de migrantes europeus que por estarem acostumados à disciplina da indústria, poderiam adaptar-se mais facilmente ao trabalho industrial no país. Embora tenha ocorrido uma aceleração da urbanização, até 1960 o Brasil ainda era um país de população predominantemente rural com uma taxa de urbanização de 44,7%. Porém, o processo de integração do território brasileiro a partir da interligação das estradas de ferro e o surgimento das rodovias, facilitou a migração do campo para as grandes cidades, além disso, a difusão dos valores urbanos através dos meios de comunicação, como o rádio e televisão, seduziam a população rural a migrar para a cidade. A aceleração do movimento de urbanização é acompanhada de um forte crescimento demográfico nas cidades brasileiras, sobretudo, as cidades da região sudeste. Esse crescimento é resultado de uma taxa de natalidade elevada e uma retração da mortalidade, devido aos progressos sanitários, a melhoria das condições de vida da população e o próprio processo de urbanização (Santos, 1993). A partir de 1980, mais da metade dos brasileiros, 67,6%, já se encontrava em áreas urbanas, cuja oferta de emprego e de serviços, como saúde, educação e transporte, eram maiores. Entre 1991 e 1996, houve um acréscimo de 12,1 milhões de habitantes urbanos, o que se reflete na elevada taxa de urbanização (78,4%). Atualmente, mais de 80% da população brasileira vive em áreas urbanas. A tabela a seguir ajuda na compreensão da evolução da taxa de urbanização no Brasil. 4 TAXA DE URBANIZAÇÃO Região 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2007 2010 Brasil 31,2 4 36,16 44,6 7 55,9 2 67,5 9 75,5 9 81,2 3 83,4 8 84,3 6 Norte 27,7 5 31,49 37,3 8 45,1 3 51,6 5 59,0 5 69,8 3 76,4 3 73,5 3 Nordeste 23,4 2 26,4 33,8 9 41,8 1 50,4 6 60,6 5 69,0 4 71,7 6 73,1 3 Sudeste 39,4 2 47,55 57 72,6 8 82,8 1 88,0 2 90,5 2 92,0 3 92,9 5 Sul 27,7 3 29,5 37,1 44,2 7 62,4 1 74,1 2 80,9 4 82,9 84,9 3 Centro Oeste 21,5 2 24,38 34,2 2 48,0 4 67,7 9 81,2 8 86,7 3 86,8 1 88,8 Fonte: IBGE, Censo demográfico 1940-2010. Até 1970 dados extraídos de: Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2007 no Anuário Estatístico do Brasil, 1981, vol. 42,1979. Ressalta-se, contudo, que esse fenômeno não se dá de forma homogêneo, uma vez que são diferentes os graus de desenvolvimento e de ocupação prévia das diversas regiões brasileiras. 2 - Desigualdades regionais As desigualdades econômicas, políticas e sociais das regiões brasileiras, possibilitaram processos diferenciados de urbanização em cada região. No Sudeste, onde se concentra a maior parte das indústrias do país, foi a que recebeu grandes fluxos migratórios vindos da área rural, principalmente da região nordeste, por isso apresentou as maiores taxas de urbanização e foi a primeira a registrar maior número de habitantes vivendo na área urbana em relação à população rural. Na região Centro-Oeste, o processo de urbanização teve como principal fator a construção da capital nacional em 1960. Este fato atraiu milhares de trabalhadores, sendo a maior parte deles vindos das regiões Norte e Nordeste. Assim, no início da década de 1970, o Centro-Oeste tornou-se a segunda região mais urbanizada do país de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/ IBGE. Já na região Sul até a década de 1970 a urbanização foi mais lenta que em outras regiões, isso pode ser entendido pelo fato de suas características 5 econômicas, cuja predominância era a agricultura familiar, por isso verificava- se o maior número de trabalhadores em áreas rurais e não nas cidades. A região Nordeste apresentava a menor taxa de urbanização no Brasil, pois o desenvolvimento econômico das cidades nordestinas não foi capaz de atrair a sua própria população rural e, além disso, grande parte da população migrou para o restante do país, especialmente para região sudeste. Até a década de 1960 o Norte do país era a segunda região mais urbanizada do país, porém a concentração da economia no Sudeste gerou um fluxo de migração de trabalhadores para outras partes do país, diminuindo o crescimento relativo da população urbana. 3 – Impactos sociais e ambientais O intenso processo migratório após a industrialização, o rápido crescimento demográfico aliado a um deficitário planejamento urbano trouxe uma série de consequências no que se refere à moradia, ao meio ambiente, à mobilidade, à educação, à saúde, ao lazer entre outros. Em relação à moradia e ao meio ambiente, até os anos de 1930 não havia políticas habitacionais, as alternativas encontradas historicamente no Brasil foram ocupações em áreas de cortiços ou áreas em terrenos públicos ou privados na cidade que muitas vezes foram inadequadas a produção de moradia por estarem próximo a encostas íngremes e áreasalagadiças para moradia, como as favelas que é uma das principais evidências territoriais do Brasil da segunda metade do século XX. Além disso, a ilegalidade em relação à propriedade da terra tem rebatido diretamente no meio ambiente. Como valor de solo é elevado, muitas vezes os segmentos mais pobres estabelecem moradia em áreas de proteção ambiental. A população que aí se instala não compromete apenas os recursos naturais que são fundamentais a todos os moradores da cidade, como é o caso dos mananciais de água, mas a própria vida, especialmente pelas condições de risco estrutural. Grande parte das áreas urbanas de proteção ambiental está ameaçada pela ocupação desordenada, considerando-se que as consequências de tal processo atingem toda a cidade, pois altera a qualidade ambiental para as presentes e as futuras gerações. 6 Pode-se dizer que a urbanização brasileira é desigual e excludente porque não foi acompanhada de investimentos em infraestrutura básica (água, esgoto, luz, pavimentação) e em serviços e equipamentos urbanos (transporte, hospitais, escolas, etc.) públicos e privados; em todas as áreas das cidades. Isso gerou áreas dentro das cidades mais bem estruturas e desenvolvidas e áreas mais pobres e marginalizadas, que são chamadas de periferias e subúrbios. Claro que essas áreas menos valorizadas foram e são até hoje ocupadas pelas populações de baixa renda, pois a distância de utilização de serviços e equipamentos, aliado ao preço do solo e a especulação imobiliária nas áreas de maior infraestrutura urbana não permite que os pobres se instalem por isso se afirma que essa urbanização reflete uma organização do espaço que produz e acentua desigualdades econômicas e sociais e espaciais. Assim, cabe a reflexão: como se dá a produção do espaço urbano? Como é definido o uso do espaço urbano? Quem são os agentes dessa produção? Referências bibliográficas MARICATO, Ermínia. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. São Paulo em perspectiva, São Paulo, v.14, n.4, p. 21- 33, 2000. MATOS, Ralfo. Migração e urbanização no Brasil. Revista GEOgrafias, Belo Horizonte, vol 8, numero 1, p. 07-23, janeiro-junho de 2012. FRANCISCO DE OLIVEIRA, Adão; CORIOLANO, Germana Pires. Urbanização, metropolização e gestão territorial no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 164.03, Vitruvius, p. jan. 2014. SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. VASCONCELOS, Lia. Urbanização: Metrópoles em movimento. Desafios do Desenvolvimento, Brasília, ano 3, edição 22, p24-30. maio de 2006. 7 AULA 2 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 1 – O que é produção do espaço A cidade é considerada um espaço urbano e deve ser analisada a partir de suas dimensões físicas e humana, pois além de ser um território geográfico ele é produzido através da ação de diferentes grupos sociais que existem nas sociedades. Neste sentido, o conceito de produção do espaço urbano significa um conjunto de usos da terra urbana e a ação de modifica-la determinado e dotá-la de infraestrutura urbana (moradia, vias urbanas, saneamento, áreas de lazer, etc.) para que uma determinada população possa viver. A produção do espaço não é indiferente do sistema socioeconômico no qual esta inserido, ela está relacionada a organização da sociedade e suas relações econômicas, sociais, politicas e culturais. Assim, Em uma sociedade capitalista, a riqueza natural e material é, quase sempre, apropriada desigualmente. Isso se deve à lógica do próprio sistema econômico que rege a forma de produção e uso do espaço urbano voltada aos interesses econômicos e ao lucro a ser gerado em detrimento dos interesses ambientais e sociais. A moradia teve o processo de inversão de um valor de uso essencial para a reprodução da vida humana para um valor de troca, um valor de mercadoria a partir do século XVIII na Europa, quando começaram as construções de casas para a especulação. O solo urbano e a moradia são vendidos no mercado com o objetivo de acumulação de lucros. Portanto, a produção, comercialização e até a posse de moradia se tornaram forma de obter ganhos através da especulação, fazendo da moradia um investimento. Assim, a moradia nas sociedades capitalistas exclui uma parcela cada vez maior da população ao acesso à moradia formal. 2 – Os produtores do espaço urbano Mas se o espaço urbano é produzido por uma variedade de agentes sociais, quem são os agentes que produzem o espaço urbano? Como eles atuam no processo de produção da cidade? Que estratégias desempenham no processo de produção da cidade? 8 De acordo com Correa, 2011, esses agentes são: a) proprietários dos meios de produção (grandes empresas industriais); b) proprietários fundiários (proprietários da terra); c) promotores imobiliários (construtoras, incorporadoras); d) Estado; e) grupos sociais excluídos. Proprietários dos meios de produção Os grandes proprietários industriais e das grandes empresas comerciais são grandes consumidores de espaço em razão da dimensão de suas atividades. Esses agentes precisam de terrenos amplos e baratos que acomodem às atividades de suas empresas, especialmente próximo de estruturas urbanas que facilitem as atividades industriais e empresariais, tais como portos, vias férreas, rodovias etc. Suas raízes estão na propriedade fundiária, resquícios da história colonial do nosso país. São também originários dos descendentes de imigrantes, vinculados ao comércio de exportação-importação. Estes agentes comandam a vida econômica e política do país. Os proprietários de terras Por possuírem a propriedade das terras, esses agentes têm interesse na valorização de seus terrenos. Para que haja valorização é preciso investimento na expansão das cidades, dotando suas terras de áreas comerciais ou residenciais. Muitas esses agentes pressionam o poder público a investirem em infraestrutura e modificar leis de uso do solo e do zoneamento urbano para que suas terras possam valorizar. É possível aos proprietários tornar-se também promotores imobiliários; loteiam, vendem e constroem casas. Os especuladores imobiliários Eles compram o terreno do proprietário fundiário e decidem o tipo de construção mais rentável para ele, que pode ser residencial, comercial, lazer, etc. e depois faz a comercialização acrescida do seu lucro. Os promotores imobiliários se utilizam da propaganda para vender seus produtos e utilizam de elementos do imaginário da elite econômica e da classe 9 média para fazer seus negócios. Assim, é comum se encontrar na propaganda de construtoras e agentes imobiliários a venda do tipo de estrutura que a região oferece, por exemplo, estar próximo a um shopping center, a praças ou ter acesso rápido a meios de transporte (metrô, trem, ônibus). Os aspectos da natureza também são elementos que entram como valorização do seu negócio, como estar próximo às praias, parques, florestas. Verifica-se uma variedade de promotores imobiliários. Há desde o proprietário fundiário que se transformou em construtor e incorporador, ao comerciante próspero que diversifica suas atividades criando uma incorporadora, passando pela empresa industrial, que em momentos de crise ou ampliação de seus negócios cria uma subsidiária ligada à promoção imobiliária, além disso, grandes bancos e o Estado atuam também como promotores imobiliários (CORRÊA, 20012). Quase sempre a atuação dos promotores imobiliários é realizada de modo desigual, criando e reforçando a segregação residencialque caracteriza a cidade capitalista, pois exclusão as camadas populares na possibilidade de adquirir uma moradia próxima de áreas valorizadas na cidade. Quando produzem moradias para camada popular em geral fazem em áreas da cidade onde a terra é mais barata e não possui infraestrutura urbana e com materiais de menor qualidade, o que ratifica segregação. Outra forma de produção para classe popular é quando há subsídios do Estado, de modo a permitir tornar viável a construção de residenciais através dos créditos para os promotores imobiliários, e para os futuros moradores, além das facilidades para desapropriação de terras. Por outro lado, a produção de imóveis para as camadas de alta renda, constitui o mercado dos promotores imobiliários, pois os financiamentos não são difíceis. O que nos temos observado nas cidades brasileiras, é a produção de imóveis de luxo, condomínios fechados, que atende as demandas daqueles que dispõem de recursos. O Estado como produtor de espaço O Estado não é uma estrutura isolada do sistema econômico que predomina na sociedade. Assim, reflete as contradições existentes nas 10 sociedades capitalistas. Assim, ele tem múltiplos papeis na produção do espaço urbano. Ele pode ser um regulador do solo urbano através da elaboração de políticas públicas voltadas aos espaços mais pobres da cidade e também através da execução leis e normas de uso e ocupação do solo que podem minimizar os impactos do uso capitalista do espaço urbano e promover o uso mais democrático da cidade, minimizando os impactos da segregação socioespacial. Dentre as normas e leis, destacam-se as seguintes: direito de desapropriação e precedência na compra de terras; controle de limitação dos preços das terras; limitação da superfície da terra de que cada um pode possuir; impostos fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do imóvel, uso da terra e localização; taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço urbano; mobilização de reservas fundiárias públicas, afetando o preço da terra e orientando espacialmente a ocupação do espaço; organização de mecanismos de créditos à habitação; Porém também pode ser um agente de exclusão social, quando direciona investimentos públicos para áreas da cidade com objetivo de gerar valorização atendendo aos interesses dos promotores/especuladores imobiliários e os proprietários das terras. Os grupos sociais excluídos Na sociedade capitalista verificam-se grandes diferenças sociais no que se refere ao acesso aos bens e serviços produzidos socialmente. Em relação à moradia, os grupos sociais excluídos são aqueles que não possuem renda para comprar um imóvel para morar ou pagar aluguel. Como resistência e sobrevivência às adversidades impostas ao mercado imobiliário restrito e excludente surgem as ocupações de áreas irregulares. É na produção da favela, que os grupos sociais excluídos tornam-se, produtores 11 de seu próprio espaço. Há também a possibilidade da casa produzida pelo sistema de autoconstrução em loteamentos periféricos que na sua maioria encontra-se em áreas totalmente desprovidas de serviços básicos como: saneamento básico, postos de saúde, segurança pública, escolas, e distância dos locais de trabalho, apresentam-se como um grande obstáculo às oportunidades de emprego. Isso fez com que o Brasil atingisse um déficit habitacional em 2012 estimado em 5,430 milhões de domicílios, sendo a maior parte em área urbana (Fundação João Pinheiro, 2013). Neste sentido cabe a reflexão: quais as políticas públicas foram desenvolvidas com intuito de responder aos problemas habitacionais brasileiros? Como a sociedade se organizou frente aos desafios de acesso à habitação nas suas cidades? Referências bibliográficas CANETTIERI, Thiago. Ocupações, remoções e luta no espaço urbano: a questão da moradia. Revista e-metropolis, nº 17, ano 5, junho de 2014. CORREA, Roberto Lobato, Sobre agentes sociais, escala e produção do espaço: um texto para discussão in CARLOS, Ana Fani Alessandri; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.) A produção do espaço urbano São Paulo: Contexto, 2011. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional municipal no Brasil 2010. Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações, Belo Horizonte, 2013. 78 p. Disponível em http://www.fjp.mg.gov.br 12 Aula 3 O direito à moradia adequada 1 – O direito à moradia e a legislação internacional Desde 1948 o direito à moradia digna foi reconhecido e implantado como pressuposto para a dignidade da pessoa humana com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Já em 1966 o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotado pela Organização das Nações Unidas – ONU reconheceu a moradia adequada como um direito humano universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas. Vários tratados internacionais reafirmaram que os Estados têm a obrigação de promover e proteger o direito à moradia digna, apesar disso, a implementação deste direito ainda é um grande desafio. Mas é importante ressaltar que o direito a moradia adequada não é somente o direito a uma casa, ele pressupõe, tanto no meio urbano quanto no meio rural, os seguintes critérios: Segurança da posse: Todas as pessoas têm o direito de moradia sem sofrer remoção, ameaças indevidas ou inesperadas. Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos: A moradia deve conter redes de água, saneamento básico, gás e energia elétrica, além disso, em suas proximidades deve haver escolas, creches, postos de saúde, áreas de esporte e lazer, serviços de transporte público, entre outros. Custo acessível: O custo para a aquisição ou aluguel da moradia deve ser acessível, para não comprometa o orçamento familiar. Habitabilidade: A moradia tem que apresentar boas condições de proteção contra frio, calor, chuva, vento, umidade e, também, contra ameaças de incêndio, desmoronamento, inundação e qualquer outro fator que ponha em risco a saúde e a vida das pessoas. A quantidade de 13 cômodos (quartos e banheiros, principalmente) devem ser condizentes com o número de moradores. Não discriminação e priorização de grupos vulneráveis: A moradia adequada deve ser acessível a grupos vulneráveis da sociedade, como idosos, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e refugiados. As leis e políticas habitacionais devem priorizar o atendimento a esses grupos e levar em consideração suas necessidades especiais. Localização adequada: a moradia deve estar em local que ofereça oportunidades de desenvolvimento econômico, cultural e social, assim, nas proximidades deve haver oferta de empregos e fontes de renda, rede de transporte público e outras fontes de abastecimento básicas. A localização da moradia também deve permitir o acesso a bens ambientais, como terra e água, e a um meio ambiente equilibrado. Adequação cultural: A forma de construir a moradia e os materiais utilizados na construção devem expressar tanto a identidade quanto a diversidade cultural dos moradores e moradoras. 2 - O Brasil e a moradia adequada Por meio do Decreto 591 de 1992, o Brasil aderiu ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU e o direito á moradia adequada foi recepcionado e propagado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo6º onde aponta a moradia como um direito social. Porém, de acordo com os dados do censo 2010 do IBGE apenas 52,5% dos domicílios brasileiros têm abastecimento de água, esgoto sanitário, coleta de lixo e até dois moradores por dormitório. Segundo os dados do Censo Demográfico de 2010 são 30 milhões de domicílios brasileiros que possuem essas características, de um total de 57,3 milhões. Entre as regiões do país, o Norte apresentou o pior quadro, com apenas 16,3% de domicílios considerados adequados. Enquanto isso, no Sul (68,9%) e no Sudeste (59,35%) mais da metade das casas está ligada a redes de saneamento básico. 14 No âmbito do Sistema ONU, o direito à moradia também está previsto em várias Convenções Internacionais de Direitos Humanos para tratar de grupos vulneráveis como mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, refugiados, etc. Veremos abaixo alguns desses grupos vulneráveis Mulheres As mulheres constituem um pouco mais da metade da população mundial e se encontram mais vulneráveis ao estado de pobreza e são consideradas uma proporção importante dos que estão inadequadamente alojados, pois em muitos países enfrentam discriminação que pode afetar seriamente o seu direito à moradia adequada. Essa discriminação muitas vezes é consagrada nas leis escritas, mas também nas práticas costumeiras que não reconhecem a igualdade de direitos das mulheres e dos homens. Alguns tratados internacionais preveem a superação deste vulnerabilidade. A Declaração de Vancouver Sobre Assentamentos Humanos, resultado da Conferência das Nações Unidas, ocorrida 1976, reconhece que a mulher possui necessidades especiais, e prevê, particularmente entre os países ditos em desenvolvimento, o dever em criar condições que possibilitem a plena integração da mulher na vida política, econômica e nas atividades sociais. E a Declaração de Istambul, fruto da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos em 1996. O referido documento também reconhece necessidades específicas das mulheres no processo de erradicação da pobreza mundial e da discriminação social. No Brasil, a Constituição de 1988 reconhece a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, inclusive com relação aos direitos de propriedade e herança, porém ainda há muita prática discriminatória. Em sintonia com os dispositivos legais, a legislação ordinária que trata do Programa Minha Casa Minha Vida apresenta um rol de sujeitos que devem, preferencialmente, serem contemplados por esta política habitacional, dentre eles estão as famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar, as que moram em áreas de risco ou insalubres e as que estejam desabrigadas. 15 Além disso, A Medida Provisória nº. 561 de 8 de março de 2012 concede à mulher o título da propriedade do imóvel adquirido, no âmbito do programa, nos casos de dissolução de união estável, separação ou divórcio. Essa medida visa, justamente, proteger o direito das mulheres, vítimas principais dos danos materiais e pessoais decorrentes do fim de um relacionamento. Pessoas com deficiência As pessoas com deficiência geralmente vivenciam algumas dificuldades no que se refere ao direito à moradia adequada, incluindo a falta de acessibilidade física, discriminação e estigmatização, a falta de acesso ao mercado de trabalho, estruturas habitacionais não desenvolvidas as suas necessidades especiais. No Brasil o Estatuto da Pessoa com Deficiência, sancionado em julho de 2015 garante a proteção do direito à moradia, especial destaque para os condomínios oriundos de programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos que devem estar equipados para atender as necessidades especiais. Nestes casos, a construção deverá garantir Acessibilidade nas áreas comuns e nas unidades autônomas situadas no térreo. Os demais pisos deverão ser dotados de Acessibilidade ou adaptação razoável. Além deste aspecto, o projeto de construção deverá permitir a construção de elevadores. Novos critérios e procedimentos para a seleção dos beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida estabelecidos na Portaria nº 610, traz modificações como a reserva de, no mínimo, 3% das unidades habitacionais para atender pessoas com deficiência ou suas famílias, desde que não haja percentual superior fixado em legislação municipal ou estadual. Idosos e crianças Com maior expectativa de vida da população no mundo o número de idosos vem aumentando e nesse sentido este grupo também se tornou um alvo a 16 garantias de moradia adequada. Organização das Nações Unidas, na assembleia de Viena, em 1982, e de Madrid, em 2002, estabeleceu que, no que se refere à moradia e condições de vida do idoso, os Estados devem promover o envelhecimento na comunidade em que se viveu, levando devidamente em conta as preferências pessoais e as possibilidades no tocante à moradia acessível para idosos; Melhoria do projeto ambiental e da moradia para promovendo a independência de idosos considerando suas necessidades. Do ponto de vista da legislação brasileira, o Estatuto do Idoso de 2003, em seus artigos 37 e 38 estabelece que o idoso tem direito à moradia digna junto à sua família de origem, ou só, quando desejar, ou ainda em entidade pública ou privada e que nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, com reserva de 3% das unidades residenciais; implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso; eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade ao idoso; critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão. Seguindo essas legislações o Programa Minha Casa Minha Vida prevê a reserva de no mínimo, 3% das unidades habitacionais para atender os idosos. Em relação às crianças, a convenção direitos da criança aponta que nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência e os Estados adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação. Embora a existência de crianças em situação de rua frequentemente seja o sinal mais visível da deficiência na habitação pra crianças, outras situações também têm implicações específicas, tai como Habitações com numero de cômodos incompatível com número de habitantes, sem ventilação, implicando no desenvolvimento e na saúde das crianças. A localização da moradia também é fundamental para garantir o acesso das crianças às creches, escolas, serviços de saúde, entre outros. O Estatuto da Criança e Adolescente contém normas que dão garantias a crianças e aos adolescentes a questões consideradas essenciais à formação 17 dos cidadãos, como acesso à moradia adequada e convivência familiar e comunitária. Porém, infelizmente o estatuto não estabelece explicitamente diretrizes para o atendimento e a garantia dos direitos, especialmente à moradia. É importante observar que para resolver o problema habitacional, não basta apenas financiamento e subsídios, é fundamental tratar adequadamente o acesso à terra e o controle sobre os processos de valorização fundiária, além de melhorar as condições de infraestrutura urbana. Neste sentido, cabe avaliarquais políticas públicas foram pensadas no Brasil para enfrentar essas questões e garantir a moradia adequada à população. Referencias bibliográficas BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Direito à moradia adequada. – Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. ______. Lei n. 8.069 - 1990. Estatuto da criança e do adolescente. 2. Ed. Brasília: Senado Federal, 1985. 171 p. ______. Estatuto do idoso: lei federal nº 10.741. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004. ______. Estatuto da Pessoa com Deficiência: LEI Nº 13.146. Brasília: Senado Federal, 2015. OSORIO, Rafael Guerreiro; de SOUZA, Pedro.; SOARES, Sergei; de OLIVEIRA, Luis Felipe Batista. Perfil da pobreza no Brasil e sua evolução no período 2004-2009, Brasília, 2011. 18 AULA 4 POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL A trajetória da política habitacional no Brasil foi marcada por mudanças na concepção e no modelo de intervenção do poder público no que se refere à promoção de moradia para a população de baixa renda. O problema habitacional no Brasil remonta do período da colonização e deve ser analisado a partir da questão do acesso à propriedade da terra. Até meados do século XIX, a terra no Brasil era concedida pela Coroa portuguesa através das sesmarias, ou quando não era concedida, simplesmente era ocupada. Neste período a terra não tinha valor comercial. Porém, a promulgação da Lei de Terras, em setembro de 1850, mudou esse cenário, ao instituir a propriedade fundiária no país, tanto rural quanto urbana. Com esta lei foi legitimada a propriedade de quem já detinha as “cartas de sesmaria” ou provas de ocupação “pacífica e sem contestação”. O resto, de propriedade da Coroa portuguesa, passou a ser leiloado. A partir deste momento para ter acesso a terra era necessário pagar por ela, iniciando, assim, a comercialização das terras brasileiras. Nota-se que a lei de Terras teve como objetivo bloquear o acesso à propriedade por parte dos trabalhadores livres, ex-escravos e imigrantes, tornando assim a questão da regularização complexa, tornando a posse ilegal um procedimento de apropriação da terra pelos que possuíam mais poder político e econômico. No início do século XX, devido ao processo de industrialização e urbanização das cidades as demandas sociais por habitação e infraestrutura urbana já eram significativas, porém não havia políticas de habitação para prover moradia a população, deixando a população mais pobre, especialmente imigrantes, ex-escravos e seus descendentes abandonados à própria sorte em casas precárias de aluguel, nos cortiços e nas favelas que já começavam a aparecer, especialmente no rio de Janeiro e São Paulo. 19 1) A produção privada de habitação Até os anos 30 do século XX, a produção de moradia no Brasil cabia à iniciativa privada, tais como a produção de vilas operárias ou de moradias de aluguel, que podiam ir de casas com alguma qualidade até moradias de baixo padrão e coletivas, A produção das vilas foi incentivada pelo poder público por meio de isenções fiscais, pois eram consideradas uma solução de disciplinamento e higienização das massas. Mas essas moradias de melhor qualidade, embora populares, só eram acessíveis para segmentos da baixa classe média, como operários qualificados, funcionários públicos e comerciantes, não sendo viáveis para a população mais pobre. Nesse sentido, as soluções habitacionais para classe trabalhadora eram cortiços - habitação coletiva formada por uma série de cômodos distribuídos ao longo de um corredor ou em volta de um pátio – no centro da cidade. Como não havia regulação estatal dessa produção de moradia, além do alto valor cobrado, os investidores aproveitavam ao máximo o terreno com a construção de pequenos cômodos com banheiro coletivo, economizavam no material e produziam edificação de péssima qualidade. Além disso, não realizavam manutenção das edificações ao longo do tempo, fazendo com que fossem fortemente combatidas em nome da saúde pública. Outra forma de moradia popular eram as casas de cômodos, sobrados ou casas antigas, cujos proprietários faziam várias subdivisões internas para alugar para um maior número de famílias. De acordo com Bonduki (1998), na primeira república existiram inúmeros investidores interessados em aplicar capitais na produção de moradias de aluguel, pois o investimento nas casas de aluguel era seguro e lucrativo, os riscos eram baixos e a valorização imobiliária era certa, principalmente nas cidades com maior dinamismo e crescimento econômico do Brasil. Essas modalidades de produção de moradia eram chamadas de produção rentista de moradias (Bonduki, 1998), pois gerava rendimentos mensais aos proprietários de terra e aos especuladores imobiliários. 20 2 – A era Vargas e o início da política habitacional no Brasil A política pública habitacional começa a ser desenvolvida no Brasil nos anos 1930, especialmente a partir de 1937, no governo Vargas. A primeira política criada foram os Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs, mas essa política se destinava apenas a algumas categorias profissionais, dentre elas, os trabalhadores das indústrias, comércios e serviços bancários. Entre 1933 e 1938 foram criados seis IAPs e juntamente a esses institutos foram instituídos fundos que eram alimentados pela contribuição dos trabalhadores de cada categoria profissional, da empresa e do Estado. Os recursos dos fundos eram utilizados para a prestação de serviços sociais, mas os investimentos tornaram possível o desenvolvimento de uma política habitacional no Brasil, devido à criação das carteiras prediais nos IAPs, através do financiamento aos associados e também por meio de empréstimos de fundos ao mercado imobiliário. Em 1946, ainda no governo Vargas, foi criada a Fundação Casa Popular - FCP, órgão que teve como objetivo criar meios de acesso ao crédito habitacional pela população que não era atendida pelos IAPs. Parte desses créditos imobiliários eram destinados aos setores excluídos do mercado formal de trabalho e suas associações profissionais. A FCP se propunha a juntar os recursos habitacionais das diversas carteiras dos IAPs e a promover o atendimento fora do sistema das categorias profissionais associadas a cada instituto. De acordo com Azevedo (1998) a FCP não conseguiu produzir resultados expressivos, pois uma série de fatores dificultaram a implementação de suas propostas, por exemplo, o fato dos IAPs não aceitarem unificar suas carteiras. Além disso, ocorreram problemas de direcionamento do imposto estadual de transmissão de bens imóveis – ITBI, que seria uma fonte de recursos para a FCP, para o governo federal. Apesar de algumas tentativas de reformas, a FCP teve seu fim no governo militar. Com a precariedade dessas políticas, os morros, encostas, mangues, áreas alagáveis e loteamentos periféricos, constituíram-se como alternativa dos segmentos mais empobrecidos principalmente nas grandes cidades brasileiras. Cabe registrar que essas ocupações se davam, através de processos informais 21 e em terrenos não reconhecidos legalmente. As moradias eram desenvolvidas com base na autoconstrução. De outra forma, proliferava-se a produção de lotes distantes dos centros em terrenos sem ou com precária infraestrutura urbana. Estes processos expandem os perímetros urbanos das cidades, surgindo as periferias no Brasil. 3 - Períodomilitar e a política habitacional Após o golpe de 1964, o governo militar criou o Banco Nacional de Habitação - BNH que teve como proposta original o desenvolvimento de uma política nacional habitacional que possibilitasse o acesso das famílias pobres à casa própria. De acordo com Azevedo (1988) a motivação para criação do BNH foi política, ou seja, intencionava-se a adesão da população de baixa renda ao regime militar. Nesse projeto estava implícita a ideia de que a casa própria poderia desempenhar um papel ideológico, transformando o trabalhador um aliado da ordem e do regime militar (AZEVEDO, 1988). O BHN atuava com as características de um banco. Seu papel era definir as diretrizes da política habitacional e as linhas de financiamento, trabalhando de modo articulado com uma rede descentralizada de agências estaduais promotoras da política, as chamadas Companhias Estaduais de Habitação - COHABs. Essas agências se replicaram pela maioria dos Estados como agente operador, na medida em que desenvolvia os projetos, recebia os financiamentos e realizava as obras. Além da política de habitação popular, o BNH atuou com financiamentos habitacionais para as classes médias, o que terminou por constituir, na prática, a principal forma de atuação do banco, pois era a fatia mais lucrativa do mercado imobiliário e com garantias de retorno. Uma das questões que levou o BNH a entrar em crise foi uma conjuntura desfavorável de um período de recessão econômica, que implicou em restrição de crédito. Além disso, os instrumentos de captação de recursos criados inicialmente não tiveram eficiência, levando a um processo de inadimplência dos mutuários. A partir de 1967, o BNH passa a contar com duas fontes de recurso, o FGTS e a Caderneta de Poupança, o que somado à criação de novos mecanismos para reduzir a inadimplência, permitiu aos poucos que o banco se 22 recuperasse. A caderneta de poupança financiava os empreendimentos para os setores médios, e o FGTS financiava os empreendimentos para os setores populares através das COHABs. Havia taxas de juros diferenciadas por faixas de renda: maior renda, taxas maiores; menor renda, taxas menores fazendo com que a camada média-baixa sustentasse o sistema, porém a população com renda inferior a três salários mínimos não suportava a contrapartida exigida dos mutuários. A última fase do banco, a partir da metade da década de 1970, foi marcada pela tentativa de retomar os financiamentos para as camadas populares. Tal iniciativa exigiu uma reestruturação do sistema, a fim de buscar a redução dos riscos de inadimplência, porém com inúmeros problemas e dificuldades acumuladas, o BNH foi extinto, 1986. As atribuições do BNH foram transferidas para a Caixa Econômica Federal, permanecendo a área de habitação, no entanto, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), cuja competência abrangia as políticas habitacional, de saneamento básico, de desenvolvimento urbano e do meio ambiente, enquanto que a Caixa estava vinculada ao Ministério da Fazenda. 4 - A política habitacional nos anos de 1990 A política habitacional após a extinção do BNH passou por longo período sem dispor de aparato institucional e de recursos consolidados que possibilitassem ações contínuas e integradas. No início dos anos de 1990, logo após a redemocratização do país os programas habitacionais passaram por uma transição, na qual, se verificou um esvaziamento, nas estratégias e formulações, da política urbana e habitacional em âmbito nacional, embora houvesse uma ocupação fragmentada e criativa, de municípios e Estados, na tentativa de solucionar a crise habitacional existente no país. Após um período de centralização das políticas urbanas e habitacionais, surge um período marcado pela diversidade e heterogeneidade, mas pouco produtiva por falta de uma politica nacional. Entre 1992 e 1994 foi implantado o Programa Habitar Brasil e Morar Município com a finalidade de financiar a construção de habitação para 23 população de baixa renda, mas devido à existência de uma regulamentação os municípios não conseguiam os recursos necessários para implementação do programa. A partir de 1995, foram elaborados alguns programas com financiamento do setor publico, como a Carta de Crédito (individual e associativa), o Pró- Moradia, cuja finalidade, seria a urbanização de áreas precárias. A partir de 1998, o financiamento público praticamente foi extinto buscou-se uma nova forma de financiamento, o chamado Programa de Arrendamento Residencial (PAR), constituído por recursos de ordem fiscal e pelo FGTS. Embora nos anos de 1990 os governos estaduais e municipais tomaram iniciativas no desenvolvimento de ações locais, com elevado grau de autofinanciamento, e baseadas em modelos alternativos em programas de urbanização de favelas e regularização fundiária não possibilitou solucionar o problema urbano e habitacional enfrentado por boa parte da sua população, em particular, a de baixa renda. Referências bibliográficas AZEVEDO, Sérgio de. Vinte e dois anos de política habitacional (1964-86): criação, trajetória e extinção do BNH. Revista de Administração Pública, vol. 22, no 4. Rio de Janeiro, p. 107-120, out./dez. 1988. BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social do Brasil: arquitetura moderna, lei de inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, FAPESP, 1998 DUMONT, Tiago Vieira Rodrigues. Uma Análise da Política Urbana e habitacional no Brasil – A construção de uma ilusão. Áskesis, v. 3, n. 1, p. 23 – 44, janeiro/junho – 2014. DUTRA, Walkiria Zambrzycki. Entre a produção habitacional estatal e as moradias precárias: uma análise da popularização da casa própria no Brasil, Configurações, 10, p. 151-164, 2012. 24 AULA 5 A Reforma Urbana e o Direito à Moradia no Brasil 1 – O Movimento Nacional de Reforma Urbana Em resposta ao acirramento dos problemas urbanos decorrentes do crescimento das cidades não ser acompanhado do acesso a bens e serviços necessários à reprodução social nas cidades, isto é, não foi acompanhado do direito à cidade para todos, surgiram mobilizações e discussão sobre a política urbana na sociedade questionando o modelo de desenvolvimento urbano adotado. Neste contexto emergiu, a partir da década de 1980, durante o processo de redemocratização do país, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Articulado em torno dos movimentos sociais de luta por moradia e reforçado pela Comissão Pastoral da Terra, Comunidades Eclesiais de Base, sindicatos e universidades, o Movimento pela Reforma Urbana foi responsável pela elaboração de uma plataforma política em torno do tema, que culminou na formulação do capítulo da Política Urbana na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade em 2001. As primeiras discussões sobre o ideário da reforma urbana iniciaram nos anos de 1960, através de Movimentos populares, associações profissionais e instituições religiosas que passaram a se articular em torno do objetivo de promover a democratização do acesso ao solo urbano nas cidades brasileiras. O propósito era diagnosticar e elaborar soluções para os problemas urbanos tendo como principais bandeiras a questão habitacional e agrária. Em 1964, após o golpe militar instaurou-se o estado autoritário impedindo o avanço desse debate. Nos anos 1970 e 1980 ressurgiu o debate sobre o tema da reforma urbana, através da articulação dos movimentos sociais que neste período de abertura política ganhavam força e relevância política. Como expressãodesta retomada em meados de 1970 formulou-se a primeira versão do Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano, liderado pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana - MNRU. Este projeto tinha o objetivo de dotar o poder público de instrumentos adequados para combater os processos especulativos 25 prevalecente nos grandes centros urbanos na medida em que definia normas de ocupação do solo urbano, fixava as diretrizes, instrumentos, equipamentos urbanos, e ditava normas para a regularização fundiária de áreas urbanas. (CARDOSO, 2003). Este projeto de lei tramitou por alguns anos no Congresso Nacional, mas o acabou sendo arquivado, porém os debates suscitados a partir dessa proposta permitiu que o MNRU elaborasse uma proposta de emenda popular para um capítulo na constituição federal referente à política urbana. Essa emenda defendia entre outras coisas o Direito à cidade e à cidadania: universalização dos equipamentos e serviços urbanos e a Função social da propriedade, ou seja, os limites ao direito de propriedade privada do solo urbano, priorizando o interesse comum sobre o individual de propriedade tendo um uso justo e social do espaço urbano. Assim, os imóveis vazios situados cidade que geralmente se beneficiam de infraestrutura urbana (esgoto, água, luz, asfalto etc.) custeados pelo poder público e, portanto, por toda a sociedade, representam um alto custo social e, por isso, o proprietário deve dar uso para cumprir a função social da propriedade. A Constituição Federal de 1988 absorveu essa demanda em seus artigos 182 e 183 no capítulo da Política Urbana. Esses dois artigos estabeleceram que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, teria por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, sendo o Plano Diretor o instrumento básico desta política de desenvolvimento urbano. Pode-se dizer então que a constituinte passou a regular as desigualdades criadas pela política de urbanização brasileira adotada até então, na qual os interesses patrimoniais estavam protegidos. Além disso, a Constituição Federal definiu que é competência comum da União, Estados e Municípios a “promoção e implementação de programas para construções de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” Portanto, todos os programas habitacionais passam a ser desenvolvidos pelos entes federados em conjunto, ou pela adesão a um programa nacional. 26 Assim, foram estabelecido, pela primeira vez, as diretrizes para política urbana, além da garantia da função social da propriedade e a gestão participativa da política urbana. Através da descentralização político-administrativa, as políticas públicas passam a ser pensadas na singularidade de cada município, ampliando-se as possibilidades de intervenções mais próximas das necessidades locais e possibilitando que novos atores sociais ganhassem visibilidade, principalmente os tradicionalmente excluídos do acesso às decisões do poder político, remodelando assim a arena política decisória (SOUZA, 2001). Porém, para colocar em prática os preceitos do capítulo da Política Urbana da Constituição Federal, foi necessária a criação de uma lei federal. Assim, foram necessários 13 anos de espera para que o capítulo da Política Urbana da nossa Constituição fosse definitivamente aprovado através da lei federal 10.257/2001, mais conhecida como Estatuto das Cidades. 2. O Estatuto da cidade O Estatuto das Cidades tem como um dos princípios básicos a função social da propriedade, assim define as ferramentas que o Poder Público, especialmente o Município, deve utilizar para enfrentar os problemas habitacionais. As inovações do Estatuto da Cidade estão em regulamentar uma série de instrumentos de natureza jurídica e urbanística voltados a induzir as formas de uso e ocupação do solo, possibilitando a regularização de posses urbanas de áreas ocupadas para fins de moradia não formalizadas da cidade. Como exemplo destes instrumentos destacamos o são instrumentos de política urbana criado pelo Estatuto da cidade A importância do Estatuto da Cidade também se relaciona com a adoção de espaços e canais de participação popular, através dos conselhos de política urbana, das conferências de desenvolvimento urbano, de debates, fóruns, e audiências, visando à gestão democrática da política urbana. O Estatuto mantém a divisão de competências entre os três níveis de governo, concentrando na esfera municipal as atribuições de legislar sobre a política 27 urbana de modo a ordenar o desenvolvimento da função social da cidade e desenvolver o bem estar de seus habitantes. O instrumento de política urbana para regulamentar a função social da propriedade é o Plano Diretor e ele deve ser desenvolvido em todos os municípios, sejam na área urbana ou rural, acima de 20 mil habitantes. De acordo com o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor, por exemplo, deve estabelecer mecanismos para ampliar a oferta de terra urbanizada, inibir a retenção de solo urbano, incidir sobre a formação do preço da terra e reservar áreas que estejam vazias ou já ocupadas para habitação social. Outro instrumento importante do estatuto é a delimitação de zonas especiais de interesse social – ZEIS. O município pode delimitar zonas urbanas específicas, que podem conter áreas públicas ou particulares ocupadas por população de baixa renda, onde há interesse público de promover a urbanização e/ou a regularização jurídica da posse da terra, para salvaguardar o direito à moradia. O Plano Diretor pode delimitar e regular as ZEIS ou pode indicar a necessidade de elaboração de uma lei específica com essa finalidade. Recomenda-se que os assentamentos precários do tipo favelas, loteamentos irregulares e cortiços, sejam delimitados como ZEIS para promover sua regularização fundiária. A delimitação destes assentamentos como ZEIS permite contribuir para o reconhecimento da posse de seus ocupantes. Como zonas urbanas específicas, as Zeis são criadas no sentido de incorporar territórios que até então estavam fora das normas estabelecidas. Outro instrumento que pode ser combinado com as ZEIS e com a produção de habitação de interesse social é a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso que, quando empregado pelo município, deve dirigir os recursos auferidos para a execução de programas habitacionais, constituição de reserva fundiária, regularização fundiária ou, ainda, para dotar áreas periféricas com infraestrutura e equipamentos. É importante garantir o controle social desses recursos, destinando-os ao fundo municipal de habitação ou ao fundo de desenvolvimento urbano, geridos por conselhos democráticos. Nessa perspectiva, as definições dos planos diretores municipais deveriam ser resultado de um amplo processo de leitura da realidade local, envolvendo os mais variados setores da sociedade: prefeitura, câmara de 28 vereadores, poder judiciário, ministério público, sociedade civil organizada, movimentos sociais, entre outras. É importante assinalar a importância do Plano Diretor no sentido da definição de instrumentos e estratégias que contribuam para o acesso à terra urbanizada e à moradia. Descrever esses instrumentos no corpo do Plano Diretor, por si só não garante sua aplicação. A aplicação desses instrumentos requer vontade política, depende da construção coletiva de um pacto social e também da capacidade administrativa do governo municipal. 3 – Ministério Das Cidades O Ministériodas Cidades foi criado em 2003 para tratar da política de desenvolvimento urbano. Através da Caixa Econômica Federal, operadora dos recursos, o Ministério trabalha de forma articulada com os estados e municípios, além dos movimentos sociais, organizações não governamentais, setores privados e demais segmentos da sociedade. Neste sentido, o ministério tornou-se o órgão coordenador, gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e da Política Nacional de Habitação (PNH). Assim, pode-se dizer que somente a partir do Estatuto da cidade e da criação do Ministério das Cidades, o estado brasileiro passa a inserir a questão da moradia na esfera de prioridades. Referência Bibliográficas ASSIS, Carolina Tavares; GRANADO, Emerson de Morais. A função social da propriedade urbana. Revista Eletrônica de Iniciação Científica, Itajaí, v. 4, n.1, p. 382-393, 1º Trimestre de 2013. MARICATO, Ermínia. O Ministério das Cidades e a política urbana no Brasil: quais as ações do Ministério desde sua criação, os problemas e desafios enfrentados. Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, nº 156, março de 2007. 29 AULA 6 POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO E O TRABALHO SOCIAL EM PROGRAMAS DE INTERESSE SOCIAL 1 – A nova política nacional de habitação Entre 1986 e 2003, a política habitacional em nível federal mostrou descontinuidade administrativa, com baixo grau de planejamento e baixa integração às outras políticas urbanas. A sequência de programas desconexos e com ações pontuais que muitas vezes não dialogavam com outras políticas de desenvolvimento urbano foram majoritárias. Com vistas a enfrentar esse problema e o aumento do déficit habitacional, o governo federal decidiu retomar o processo de planejamento do setor habitacional, traçando assim, uma Política Nacional de Habitação. Essa política foi instituída pelo Ministério das Cidades em 2004 e obedeceu a princípios e diretrizes que têm como principal meta garantir à população, especialmente a de baixa renda, o acesso à habitação digna. Um dos principais objetivos desta politica é a mobilização de recursos de forma a viabilizar a cooperação entre União, Estados e Municípios para o enfrentamento do déficit habitacional brasileiro. A Política Nacional da Habitação tem como componentes principais a integração urbana de assentamentos precários, a urbanização, regularização fundiária e inserção de assentamentos precários, a provisão da habitação e a integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano, que definem as linhas mestras de sua atuação. Essa politica se inscreve dentro da concepção de desenvolvimento urbano integrado, no qual a habitação não se restringe a casa, incorpora o direito à infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais, buscando garantir direito à cidade. Assim, criou-se uma série de instrumentos para viabilizar sua implantação e possibilitar a retomada do financiamento habitacional, dentre esses instrumentos, destaca-se o Plano Nacional de Habitação e o Sistema Nacional de Habitação. 30 O Plano Nacional de Habitação (PlanHab) é um dos instrumentos previstos para a implantação da atual Política Nacional de Habitação. O principal objetivo do PlanHab é planejar as ações públicas e privadas, no médio e longo prazo, com o propósito de formular uma estratégia do governo federal para enfrentar as necessidades habitacionais do país, considerando o perfil do déficit habitacional, a demanda futura por moradia e a diversidade do território nacional. A elaboração do PlanHab foi finalizada em dezembro de 2008 e se caracterizou simultaneamente como um plano estratégico de longo prazo e como um plano de ação, ou seja, uma ferramenta de planejamento com propostas que são operacionais e que devem ser implementadas no curto, médio e longo prazo. O Plano contou com um intenso processo participativo envolvendo todos os segmentos da sociedade civil - movimentos populares, empresários, entidades técnicas e acadêmicas, organizações não governamentais (ONGs) e poder público - buscando pactuar visões sobre o cenário habitacional brasileiro. O Sistema Nacional de Habitação (SNH) está subdividido em dois: o de interesse social que se compõe de fundos públicos para atender à demanda da população de baixa renda e o outro é o Subsistema de Habitação de Mercado (SHM), com o objetivo de atender e reduzir a demanda da população de classe média. 2 - Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) O SNHIS foi instituído em 2005 pela Lei Federal nº 11.124, e é fruto do da iniciativa do movimento pela reforma urbana. Seu princípio é promover o acesso à moradia adequada à população de baixa renda, especialmente a que se encontra limitada a rendimentos de até três salários mínimos e que compõe a quase totalidade do déficit habitacional do País, e a construção de cidades justas, humanas, democráticas e sustentáveis. O principal objetivo do Sistema é articular as políticas de habitação social em um sistema federativo de forma descentralizada e democrática na produção de habitação para a população de baixa renda 31 O SNHIS é organizado a partir da montagem de uma estrutura institucional, composta por uma instância central de coordenação, gestão e controle, representada pelo Ministério das Cidades, além do Conselho Gestor, por agentes financeiros e por órgãos e gentes descentralizados. A partir dessa estrutura central é prevista a criação de Fundos Estaduais e Municipais, e seus respectivos conselhos são responsáveis por gerir os recursos. É necessário que os Estados e Municípios possam aderir ao sistema para operacionalizar os recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS. Os Fundos de HIS seriam os mecanismos que permitiriam aos Municípios alavancar recursos próprios e potencializar os recursos federais ou estaduais que lhes fossem repassados. Para aderir ao sistema e receber o financiamento do Fundo, os estados e municípios deveriam se comprometer com a criação de um fundo de habitação, a ser gerido por um conselho com participação popular, além da elaboração de um Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) que deveria estabelecer as diretrizes e prioridades da política em nível local. A criação do FNHIS marca um momento inovador na política habitacional, em que se manifesta um claro compromisso do governo federal em subsidiar a produção de moradias para as camadas de mais baixa renda. 3 - O Programa Minha Casa Minha Vida Com o objetivo de criar condições de ampliação do mercado habitacional e impactar a economia, através dos efeitos do setor da construção civil, o governo federal criou no ano de 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV. O programa se restringe a pessoas que tenha renda familiar (que inclui todas as pessoas que moram na mesma casa), de no máximo R$ 5000 reais, mas o governo subsidia uma parte dos imóveis, além disso, as taxas de juros e prestações são diferenciadas para cada faixa salarial. Na faixa salarial 1 (quem possui renda de até R$ 1600 reais por mês) as prestações limitadas a 5% da renda familiar mensal, com valor mínimo de R$ 25 mensais. Já as faixas 2 e 3 (quem recebe entre R$ 1600 e R$ 5000) têm 32 taxa de juros de 5% a 7,16% ao ano, reais tem 30 anos e Prestações limitadas a 30% da renda familiar mensal. Passados cerca de 6 anos do lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida, os números oficiais apontam para mais de 4 milhões de unidades beneficioumais de 9,6 milhões de pessoas em todo o país. O Minha Casa Minha Vida foi inspirado na experiência chilena que como o modelo mais adequado para dinamizar a produção habitacional, resguardando um papel protagonista para o setor empresarial. De acordo com Cardoso, Amorim e Souza, 2011 o desenho adotado para o programa, foi ancorado na participação do setor privado, entrando, assim, em choque com os princípios do SNHIS que é pautado no setor público e em premissas e debates acumulados em torno do Plano Nacional de Habitação de Interesse Social. A implementação de uma política habitacional regida por uma lógica empresarial trouxe reflexos diferenciados para a construção do espaço urbano, assim como para a eficácia da política de habitação como mecanismo de redução das desigualdades socioespaciais, tais como as construções das moradias são convencionais e se repetem no Brasil inteiro, sem uma adaptação às necessidades regionais da população, além disso, a localização dos empreendimentos, em geral, é em áreas periféricas, muito distantes e com pouca ou nenhuma infraestrutura urbana. 4 – O trabalho social em projetos de habitação de interesse social Em 2003, o trabalho social passou a ser componente básico da Política Nacional de Habitação. Esta exigência foi estendida aos programas em que o Ministério da Cidade concedesse recursos. Assim, essa determinação generalizou a inclusão do Trabalho Social Integrado nos programas habitacionais de interesse social. O trabalho social compreende um conjunto de estratégias, processos e ações, realizado a partir de estudos diagnósticos integrados e participativos do território, compreendendo as dimensões: social, econômica, produtiva, ambiental e além das características da intervenção, visando promover o exercício da participação e a inserção social dessas famílias, em articulação com as demais políticas públicas, contribuindo para a melhoria da sua 33 qualidade de vida e para a sustentabilidade dos bens, equipamentos e serviços implantados. Essas diretrizes estão embasadas na Portaria nº 21 (BRASIL, 2014). Assim, as intervenções públicas na área de habitação devem ser acompanhadas por um trabalho social promova a inclusão social, o acesso à cidade e aos serviços públicos, e que estimule a participação cidadã. O Trabalho tem como objetivos : 1. Mobilização, organização e fortalecimento social – prevê processos de informação, mobilização, organização e capacitação da população benef iciária visando a promover a autonomia e o protagonismo social, bem como o fortalecimento das organizações existentes no território, à constituição e a formalização de novas representações e novos canais de participação e controle social. 2. Acompanhamento e gestão social da intervenção – visa a promover a gestão das ações sociais necessárias para a consecução da intervenção, incluindo o acompanhamento, a negociação ao longo da sua execução, bem como, preparar e acompanhar a comunidade para compreensão desta, de modo a minimizar os aspectos negativos vivenciados pelos beneficiários e evidenciar os ganhos ocasionados ao longo do processo, contribuindo para sua implementação. 3. Educação ambiental e patrimonial – visa a promover mudanças de atitude em relação ao meio ambiente, ao patrimônio e à vida saudável, fortalecendo a percepção crítica da população sobre os aspectos que inf luenciam sua qualidade de vida, além de refletir sobre os fatores sociais, políticos, culturais e econômicos que determinam sua realidade, tornando possível alcançar a sustentabilidade ambiental e social da intervenção. 4. Desenvolvimento socioeconômico – objetiva a articulação de políticas públicas, o apoio e a implementação de iniciativas de geração de trabalho e renda, visando à inclusão produtiva, econômica e social, de forma a promover o incremento da renda familiar e a melhoria da qualidade de vida da população, fomentando condições para um processo de desenvolvimento socioterritorial de médio e longo prazo. (BRASIL, 2014, p.11) Referências Bibliográficas CARDOSO, Adauto; AMORIAM, Thêmis, ARAUJO, Flavia. Habitação de 34 interesse social: política ou mercado? Reflexos sobre a Construção do espaço metropolitano in XIV Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro, Maio de 2011. NASCIMENTO NETO, Paulo; MOREIRA, Tomás.; SCHUSSEL, Zulma.. Conceitos divergentes para políticas convergentes: descompassos entre a Política Nacional de Habitação e o Programa Minha Casa, Minha Vida. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, mar. 2013. Sistema nacional de habitação de interesse social à luz do novo marco legal urbanístico: subsídios para implementação nos estados e municípios : lei federal nº 11.124/05. Desenvolvido pelo Instituto Polis a publicação visa contribuir com a implementação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). AMORE, Caio Santo; SHIMBO, Lúcia Zanin; RUFINO, Maria Beatriz Cruz (Org.) Minha Casa... E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros que faz um balanço dos primeiros cinco anos do maior programa de habitação do país. Rio de Janeiro : Letra Capital, 2015. BRASIL. Ministério das Cidades. Portaria nº 21, de 22 de janeiro de 2014. Aprova o Manual de Instruções do Trabalho Social nos Programas e Ações do Ministério das Cidades. Brasília, DF, 2014. CARVALHO, MARIA do CARMO BRANT . Metodologias de Trabalho Social. São Paulo: IEE/PUC, 2008. 35 Aula 7 A QUESTÃO AMBIENTAL E O CONCEITO DE JUSTIÇA AMBIENTAL 1- As abordagens da questão ambiental A preocupação com a degradação ambiental até meados do século XX foram dispersas e pontuais. A questão ambiental só viria a ser formulada mais sistematicamente a partir da década de 1950, quando aumentou a preocupação com a dimensão das alterações ocasionadas pelo progresso urbano e industrial. Diversos desastres internacionais ocorridos na segunda metade do século XX contribuíram para esta mudança de percepção. Assim, na segunda metade do século XX, diversas conferências internacionais vão problematizar a questão ambiental e influenciar na forma como ela é hoje enunciada. Vale destacar também a emergência dos problemas considerados “globais”, ou seja, aqueles em que os impactos não se restringem a um país ou à região onde são gerados inserindo na discussão acerca do meio ambiente aspectos vinculados à soberania nacional. A partir da reelaboração da problemática ambiental decorrente dos problemas globais, as florestas, a água e outros recursos passam a ser definidos como bens comuns da humanidade. No Brasil, as preocupações ambientais vinculadas à sustentabilidade também vão ser progressivamente incorporadas tanto nas práticas do poder público e dos diversos agentes sociais, como nos discursos que fundamentam tais práticas, por vezes com sentidos diferenciados. Quando a preocupação com o meio ambiente emerge como questão central a partir da percepção da degradação ambiental, decorrente do modelo hegemônico de desenvolvimento urbano e industrial, é possível identificar formas distintas de abordagem da questão ambiental. A abordagem do risco foi impulsionada, entre outras coisas, pela percepção do risco inerente às novas tecnologias, pela constatação das alterações climáticas globais e pela constatação da escassez crescente de recursos naturais (como a água, por exemplo), e percebe os riscos ambientais produzidos pelo homem como 36 problemas que impactam a todos os indivíduos indiferenciadamente.Ou seja, as mudanças climáticas, a poluição industrial, ocupação de moradias em áreas de preservação ambiental. Em contraposição a esta abordagem, surge, na década de 1980, nos Estados Unidos, o movimento por Justiça Ambiental, na qual os impactos ambientais indesejáveis são distribuídos de maneira desigual na sociedade. Neste período, diversos estudos científicos vieram a confirmar esta percepção crescente no movimento social, ao constatarem que os acidentes ambientais eram mais comuns nas localidades onde residiam pessoas de baixa renda. Constataram, igualmente, que a legislação ambiental não era aplicada pelos governos da mesma forma em todas as áreas, havendo maior flexibilidade com empresas que violavam a legislação nos bairros onde residiam grupos marginalizados. No lugar do termo risco, alguns dos defensores desta concepção preferem usar o termo vulnerabilidade, por expressar mais claramente que existem alguns grupos mais susceptíveis a sofrer os impactos de um modelo de desenvolvimento considerado socialmente injusto e predatório dos recursos naturais. O reconhecimento de que grupos marginalizados estavam mais expostos aos acidentes e à poluição ambiental permitiu a associação das lutas por direitos civis com as lutas ambientalistas. Foi desta aliança que surgiu o movimento por Justiça Ambiental. O conceito de Justiça Ambiental pretende articular as preocupações ambientalistas e as lutas sociais, a partir do reconhecimento de que a degradação ambiental, a poluição e outros impactos indesejáveis do progresso urbano e industrial não atingem a todos os grupos da mesma forma. Neste sentido, o tratamento justo e o envolvimento digno de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e aplicação de políticas, leis e regulações ambientais. Nenhum grupo de pessoas deva suportar as consequências ambientais negativas resultantes da operação de empreendimentos industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, ou municipais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão destas políticas, 37 assegurando, assim o acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país (Acselrad et al., 2009). Assim, a garantia da Justiça Ambiental diz respeito também à garantia do acesso de todas as pessoas aos recursos naturais necessários a sua existência e reprodução social. Por exemplo, no meio rural, o acesso à terra é elemento essencial para a garantia da justiça ambiental no campo; o acesso à água, ao território e à mata é fundamental para a reprodução de grupos indígenas. Outro elemento essencial da Justiça Ambiental se refere ao acesso à informação e à participação democrática dos grupos envolvidos nos processo decisórios relativos a empreendimentos, políticas e projetos que possam ter impactos sobre seus territórios, bem como na proposição de alterativas a tais projetos, caso estes sejam considerados indesejáveis. 2 – A vulnerabilidade e injustiça ambiental No meio urbano, a questão ambiental assume características específicas. Na medida em que a garantia da Justiça Ambiental depende do funcionamento de serviços de saneamento ambiental; moradia segura e saudável; o controle da poluição industrial, tratamento de esgoto e coleta de lixo, facilitando o escoamento da água da chuva e evitando a poluição dos corpos hídricos e enchentes. No Brasil, os serviços de saneamento devem ser prestados pelo poder público e o direito a estes serviços é garantido a todos os cidadãos pela legislação federal nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, além do abastecimento de água e do esgotamento sanitário, a limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos e a drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Apesar dos avanços na legislação, ainda é um desafio a universalização dos serviços de saneamento, sendo possível perceber que os locais com os piores indicadores coincidem, via de regra, com as áreas da cidade onde vive população de baixa renda, conformando uma clara situação de injustiça ambiental no meio urbano. 38 Assim, a ocupação de encostas e de áreas sujeitas a inundações frequentes, resulta em uma maior exposição desta população a deslizamentos, inundações, contaminação por doenças comuns após as cheias e o desenvolvimento de programas habitacionais voltados para a produção de moradia em local ambientalmente adequado, que não exponha os moradores ao risco, é elemento central para a garantia da justiça ambiental nas cidades. Por esse motivo, no Brasil, a vulnerabilidade social é, muitas vezes, sinônimo de vulnerabilidade ambiental. Segundo dados do Ministério das Cidades, os deslizamentos e processos correlatos são os que atingem maior número de vítimas fatais nas grandes metrópoles do mundo. No entanto, são as inundações que causam, além das mortes por afogamento, as maiores perdas materiais e patrimoniais para a população e para o poder público, além de grandes impactos à saúde pública devido às doenças transmitidas por meio da água contaminada. Referências bibliográficas ACSELRAD, H. A Desigualdade Ambiental na conjuntura atual: uma análise sobre a Rio +20 e seus possíveis desdobramentos (Entrevista com o Professor Henri Acselrad). Revista IDeAS, v.6, n.2, p.216-226, 2012. CIDADE, Lúcia Cony Faria. Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção interdisciplinar. Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013. Copetti, Camila; Lottermann, Osmar Em Busca da Justiça Ambiental e do Desenvolvimento Sustentável na Sociedade de Risco. São Paulo, ano 8, n. 15, jan./jun., p. 133-152, 2010. 39 AULA 8 Conflitos entre o direito à moradia e a preservação ambiental Assim como o direto à morada, o direito ao meio ambiente equilibrado encontra respaldo na constituição federal, através dos artigos 23, 170 e 225. O artigo 2 do Estatuto da cidade aponta o direito à moradia e o direito ao meio ambiente como integrante da concepção de cidade sustentável. Com essas legislações, o Brasil se coloca como um país protetor e garantidor do meio ambiente, porém verifica-se muitos conflitos urbanos em curso que envolvem os temas da habitação e do meio ambiente. Como sabemos, isto decorre da expansão urbana das cidades se deu, em grande parte, em áreas ambientalmente frágeis, como pântanos, manguezais, margens de rios e encostas íngremes. A ocupação irregular destas áreas resultou em uma grande irregularidade urbanística na cidade, além de ocasionar diversos problemas aos moradores de tais áreas que, via de regra, convivem com um meio ambiente degradado e insalubre devido à ausência de uma série de serviços urbanos, como os serviços de saneamento. Nos últimos anos, é possível constatar o acirramento dos conflitos em relação a essas áreas e os argumentos que buscam legitimar as políticas para essas áreas informais estão bastante identificados com a questão da segurança e a questão ambiental. Entretanto, esta posição não é uma unanimidade dentro do poder público, existindo diversos atores que defendem o acesso aos serviços públicos em áreas de ocupações irregulares, integrando-as à cidade formal numa perspectiva de garantia do direito à cidade. Neste contexto, as propostas políticas atuais para essas áreas variam desde a urbanização até a remoção. De fato, tais conflitos são permeados por interesses objetivos dos diferentes agentes