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141 POLIMORFISMOS GENÉTICOS: IMPLICA˙ÕES CL˝NICAS Cap. 11 O fenômeno da existŒncia de duas ou mais variantes de determinado gene, sem efeitos de- letØrios como os que ocorrem nas mutaçıes, Ø conhecido como polimorfismo genØtico. Cada cØlula do organismo sintetiza inœmeras proteínas diferentes, incluindo enzimas, hormô- nios, receptores, e componentes estruturais res- ponsÆveis por todos os processos do metabolismo e desenvolvimento do organismo. A seqüŒncia co- dificadora de bases de um determinado gene no DNA especifica a seqüŒncia de aminoÆcidos na cadeia polipeptídica da proteína correspondente. A alteraçªo de um nucleotídeo na seqüŒncia do gene, ou mutaçªo, pode levar à alteraçªo na es- trutura e/ou funçªo da proteína. Quando as al- teraçıes do DNA nªo modificam a seqüŒncia primÆria de aminoÆcidos de um polipeptídeo ou quando ocorrem em regiıes do gene nªo codifi- cadoras de proteína, nªo se observa efeito fenotí- pico. Portanto, nem todas as proteínas variantes trazem conseqüŒncias clínicas. A ocorrŒncia de mais de uma versªo de determinada proteína numa populaçªo, ou seja, duas ou mais formas estruturalmente distintas, geneticamente diferen- tes e relativamente comuns Ø considerada um po- limorfismo genØtico. Os genes estªo em ordem linear ao longo dos cromossomos, cada gene possuindo uma posiçªo precisa denominada locus. Cada locus genØtico abriga pelo menos um alelo, que Ø uma Polimorfismos GenØticos: Implicaçıes Clínicas das possíveis formas de um gene. Como existem duas cópias de cada cromossomo (exceto X e Y nos homens), existem no mínimo dois loci, ou seja, duas cópias de cada gene. Se os dois alelos presentes em cada gene sªo idŒnticos, o indiví- duo Ø considerado homozigoto. Se os alelos di- ferem, Ø heterozigoto. Se a presença de um alelo anormal resulta em doença, significa que existe uma mutaçªo em tal alelo. O alelo mutante pode ser dominante, co-dominante ou reces- sivo. Entretanto se o alelo, apesar de nªo usual, nªo causar nenhuma anormalidade, esta forma alternativa do alelo Ø considerada um polimor- fismo genØtico. Em sua maioria os genes sªo mais comple- xos do que apenas um locus por cromossomo com um œnico alelo comum. Podem existir mœl- tiplos alelos para um locus œnico, ou a funçªo da proteína pode depender de mœltiplos loci. Define-se entªo polimorfismo genØtico como a ocorrŒncia de mœltiplos alelos em um locus, onde pelo menos dois alelos aparecem com fre- qüŒncias superiores a 1%. Loci polimorfos sªo, por convençªo, aqueles nos quais pelo menos 2% da populaçªo sªo heterozigotos. A determinaçªo dos tipos sangüíneos Ø um dos primeiros exemplos de variaçªo de proteína determinada geneticamente, onde existem mœl- tiplos alelos para um locus œnico. No sistema Ita Pfeferman Heilberg 142 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 11 ABO, um indivíduo pode possuir um dos trŒs alelos, A, B ou O, em cada locus. Se o paciente Ø homozigoto AA ou BB, o tipo sangüíneo Ø A ou B, respectivamente. Se o indivíduo Ø heterozi- goto para os alelos A ou B, o tipo sanguíneo nªo serÆ A nem B e sim AB. Neste exemplo, ambos alelos sªo expressos e as proteínas derivadas des- tes genes sªo expressas como antígenos na su- perfície da hemÆcia. O tipo sangüíneo AB Ø um exemplo de herança co-dominante num sistema de alelos mœltiplos. Se o indivíduo Ø heterozigo- to para A e O (ou B e O), o fenótipo O Ø silen- cioso, e apesar de ser um heterozigoto o indivíduo demonstra o fenótipo A ou B. Como os diferen- tes tipos sangüíneos nªo sªo doenças, estes mœl- tiplos alelos sªo considerados polimorfismos. No curso da evoluçªo, a ocorrŒncia cons- tante de variaçıes de nucleotídeos confinada nªo só às seqüŒncias codificadoras, mas tambØm em regiıes nªo codificadoras dos cromossomos e atØ mesmo em seqüŒncias extragŒnicas, tem ga- rantido um alto grau de diversidade genØtica entre os indivíduos. Como os produtos de mui- tas vias metabólicas interagem, outra conse- qüŒncia importante do polimorfismo de proteínas Ø propiciar uma constituiçªo química genetica- mente singular, que responde de maneira œnica a influŒncias ambientais, dietØticas e farmacoló- gicas. Os polimorfismos tŒm valor principalmente por seu uso como marcadores genØticos para distinguir diferentes formas hereditÆrias de um gene em estudos de famílias. Em genØtica mØdi- ca, estes marcadores tŒm servido para: a) mape- amento de genes nos cromossomos por anÆlise de ligaçıes; b) diagnóstico prØ-sintomÆtico e prØ- natal de doenças genØticas; c) detecçªo de hete- rozigotos portadores de doenças genØticas; d) testes de paternidade e aplicaçıes forenses; e) combinaçªo de pares doador-receptor para transplante de tecidos e órgªos. Na prÆtica clínica, a avaliaçªo dos polimor- fismos tem sido œtil na identificaçªo de indiví- duos de alto risco, ou seja, com predisposiçªo para desenvolvimento de determinadas doenças como diabetes melito, câncer, hipertensªo arte- rial, osteoporose, etc. Tem sido sugerido que al- gumas variantes genØticas contribuem para diferenças na vulnerabilidade ao alcoolismo e abuso de substâncias. Considerando que cada polimorfismo tem um impacto individual peque- no no fenótipo, a identificaçªo de genes indivi- duais contribuindo para determinada doença representa um desafio maior do que grandes anormalidades cromossômicas ou mutaçıes de um gene específico. A presença de alelos sus- ceptíveis em mœltiplos alelos nªo leva necessa- riamente à doença porque a interaçªo com fatores ambientais tambØm tem papel impor- tante na patogŒnese. O conhecimento dos po- limorfismos genØticos pode auxiliar a selecionar os pacientes candidatos a prevençªo de deter- minadas patologias. POLIMORFISMOS DO COMPRIMENTO DE FRAGMENTOS DE RESTRI˙ˆO O polimorfismo das proteínas, conforme jÆ mencionado, pode ocorrer em regiıes codifica- doras, que correspondem a 5% do DNA genô- mico total. JÆ a diversidade genØtica de regiıes nªo codificadoras, que nªo tŒm efeito sobre a expressªo gŒnica, Ø ainda maior, uma vez que se processa em 95% do DNA. O polimorfismo se torna um polimorfismo do comprimento dos fragmentos de restriçªo ou RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism) quando a alte- raçªo na seqüŒncia específica do DNA decor- rente de mutaçªo hereditÆria ou adquirida faz com que um sítio de clivagem para uma enzima de restriçªo apareça ou desapareça em determi- nado alelo. Enzimas de restriçªo, tais como a BsmI , EcoRV, ApaI, TaqI etc. reconhecem se- qüŒncias específicas no DNA, cortando-o em fragmentos e o tamanho dos fragmentos de DNA depende entªo da presença ou ausŒncia do sítio de clivagem. POLIMORFISMO DO GENE DO RECEPTOR DA VITAMINA D (VDR) Na Fig. 11.1 Ø mostrada a identificaçªo do polimorfismo do VDR decorrente da variaçªo num sítio de clivagem para a enzima BsmI. Por convençªo, quando o sítio de clivagem estÆ pre- sente, o alelo recebe a denominaçªo da letra minœscula correspondente à enzima de restri- çªo utilizada (b), e letra maiœscula quando o sí- tio de clivagem estÆ ausente no alelo (B). No alelo polimórfico, devido à alteraçªo de um nu- cleotídeo, a enzima BsmI nªo reconhece a se- qüŒncia e o sítio de clivagem desaparece. Após amplificaçªo da regiªo do DNA que contØm o 143 POLIMORFISMOS GENÉTICOS: IMPLICA˙ÕES CL˝NICAS Cap. 11 Fig. 11.1 Polimorfismo do comprimento dos fragmentos de restriçªo. O polimorfismo do receptor de vitamina D (VDR) decorre da variaçªo num sítio de clivagem para a enzima BsmI; no alelo b o sítio estÆ presente, e no alelo B, devido à alteraçªo de um nucleotídeo, a enzima BsmI nªo reconhece a seqüŒncia e o sítio de clivagem desaparece. No indivíduo BB, o resultante fragmento de restriçªo detectado pela digestªo do produto do PCR com a BsmI Ø maior (tem 800 pares de base), devido à ausŒncia de corte nos dois alelos. No indivíduo bb os fragmentos resultantesdos cortes em ambos alelos tŒm 650 e 150 pares de base, respectivamente. polimorfismo, o produto do PCR Ø submetido à digestªo com a enzima de restriçªo BsmI e as bandas obtidas podem ser visualizadas em ele- troforese em gel de agarose corado com brome- to de etídio. No indivíduo homozigoto BB, o resultante fragmento de restriçªo detectado pela digestªo do produto do PCR com a BsmI Ø maior (tem 800 pares de base), devido à ausŒncia de corte nos dois alelos. No indivíduo homozigoto bb os fragmentos resultantes dos cortes em am- bos alelos tŒm 650 e 150 pares de base, respecti- vamente. O indivíduo heterozigoto Bb possui um alelo com corte e um sem corte. O polimorfis- mo do comprimento dos fragmentos de restri- çªo tambØm pode ser evidenciado por southern blot e hibridizaçªo com sonda específica. O polimorfismo para BsmI do VDR ocorre no íntron 7 e tem sido relacionado com a massa óssea em alguns estudos. Indivíduos com o ge- nótipo bb parecem ter densidade óssea melhor do que indivíduos BB. POLIMORFISMO DOS GENES DO SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA (SRA) Um dos polimorfismos conhecidos deste sis- tema Ø o polimorfismo da enzima de conversªo da angiotensina I (ECA) ou cininase II, que se caracteriza pela presença ou ausŒncia de um fragmento de 287 pares de bases que ocorre no íntron 16 do gene da ECA. A presença do frag- mento define o alelo de inserçªo, alelo I, e sua ausŒncia, a deleçªo, alelo D. O genótipo hete- rozigoto Ø, portanto, denominado ID. O polimorfismo I/D da ECA parece se relaci- onar com os níveis intracelulares e plasmÆticos de enzima conversora. Esta diferença funcional, que nªo seria característica dos polimorfismos, de modo geral resulta do fato de que a inserçªo dentro da regiªo reguladora do gene da ECA, contØm um elemento silenciador, cuja deleçªo ativaria o gene. Tem sido descrito que indiví- duos com o genótipo DD possuem maior risco de infarto do miocÆrdio e maior associaçªo com miocardiopatia hipertrófica do que os demais genótipos. No que tange às doenças renais, o polimorfismo I/D da ECA tambØm tem sido as- sociado ao prognóstico da nefropatia por IgA (doença de Berger). O genótipo DD tem sido relacionado com maior comprometimento da funçªo renal alØm de maior progressªo para insuficiŒncia renal crônica. VÆrios estudos ten- taram relacionar o polimorfismo I/D da ECA com nefropatia em diabetes nªo-insulinodepen- dente mas os resultados, com exceçªo à popu- laçªo asiÆtica, nªo confirmaram tal associaçªo. 144 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 11 Outros polimorfismos do SRA sªo os do gene do receptor AT1 da angiotensina II e do gene do angiotensinogŒnio. O polimorfismo do receptor AT1 decorre da substituiçªo de um Æci- do nuclØico (A por C) na posiçªo 1166 (A1166C) da regiªo 3UTR de um exon do gene AT1. Homozigose para A1166C nªo tem sido considerada como valor preditivo isolado para maior risco de infarto do miocÆrdio mas teria efeito sinØrgico com o polimorfismo I/D da ECA e pode representar um marcador de um locus variante funcional. A hipertensªo essencial nªo segue uma herança mendeliana simples, e os po- limorfismos da ECA, renina e do receptor AT1 nªo tŒm sido associados com hipertensªo. Dife- rentemente, a mutaçªo na qual a treonina Ø subs- tituída por metionina no resíduo 235 do gene do angiotensinogŒnio (M235T) se associa nªo só com concentraçıes plasmÆticas mais eleva- das de angiotensinogŒnio quanto com hiperten- sªo arterial. POLIMORFISMOS DAS VNTRS Outra classe de polimorfismos caracterizados por inserçªo/deleçªo consiste numa sØrie de com- primentos de fragmentos alØlicos, relacionados entre si por um nœmero hipervariÆvel de seqüŒn- cias curtas de DNA, tipicamente de seis a oito pares de bases, que se repetem de seis a 20 vezes (Variable Number of Tandem Repeated, VNTR). A funçªo destas repetiçıes Ø desconhecida, mas a sua repetiçªo ao acaso e peculiar a cada indiví- duo, ao longo do genoma, fornece o equivalente a um nœmero serial ou código de barras para identificaçªo dos indivíduos. Os marcadores mais informativos de VNTR apresentam atØ vÆrias dœ- zias ou mais de alelos. Desta forma, conforme Ø mostrado na Fig. 11.2, os marcadores podem ser utilizados para anÆlise de ligaçıes genØticas e iden- tificaçªo individual (medicina forense e verifica- çªo de paternidade) jÆ que provavelmente nªo existem dois indivíduos nªo aparentados que com- partilhem os mesmos alelos. FINGERPRINTING DE DNA Ao se usar como sonda uma seqüŒncia repetida compartilhada por diferentes polimor- fismos de VNTRs, demonstra-se que o padrªo de hibridizaçªo de cada indivíduo Ø œnico e ser- ve como uma impressªo digital (fingerprinting) de DNA (Fig. 11.2), como se fosse um código de leitura de barras, conforme jÆ mencionado. Somente gŒmeos idŒnticos mostram um padrªo indistinguível um do outro. Fig. 11.2 Mapeamento do padrªo de VNTR em trŒs regiıes diferentes (A, B e C) de dois indivíduos para fingerprinting de DNA. Uma enzima de restriçªo reconhece e corta seqüŒncias entre dois sítios de restriçªo liberando fragmentos de DNA contendo as VNTRs. Por exemplo, na regiªo A, o paciente I apresenta seis repetiçıes, enquanto o paciente II apresenta somente duas repetiçıes. Regi o Paciente Pacientes 145 POLIMORFISMOS GENÉTICOS: IMPLICA˙ÕES CL˝NICAS Cap. 11 ASSOCIA˙ˆO DE GENÓTIPOS COM PROGNÓSTICOS DE DOEN˙AS Existem algumas razıes pelas quais um determinado genótipo pode nªo se tornar um preditor suficientemente acurado de prognósti- cos. No caso do polimorfismo I/D da ECA, a amplificaçªo do alelo I por PCR Ø menos efici- ente do que a do alelo D, levando à superesti- mativa da freqüŒncia do alelo D e, portanto, do genótipo DD. Este problema pode ser contor- nado com a repetiçªo da genotipagem atravØs de um PCR utilizando um primer específico para a regiªo de inserçªo. AlØm deste fator tØcnico, outros fatores tambØm sªo importantes. Dife- rentemente de distœrbios mendelianos simples, o processo de progressªo de vÆrias doenças re- nais resulta da interaçªo de fatores genØticos com fatores ambientais. Adicionalmente, o impacto de determinado genótipo pode ser tŒnue e quanti- tativo em vez de marcante e qualitativo, sendo por vezes tecnicamente difícil de se identificar um papel funcional direto. Por exemplo, se um locus de susceptibilidade para uma determinada doença for procurado em mais do que 20 sítios polimórficos de um gene, pelo menos um serÆ provavelmente estatisticamente significante. De maneira anÆloga, se mais do que 20 doenças fo- rem investigadas para um determinado locus po- limórfico do DNA, este locus servirÆ de marcador significante de susceptibilidade para pelo menos uma doença. Portanto, uma vez que a anÆlise es- tatística revela uma associaçªo significante entre um genótipo e um fenótipo de doença, Ø muito importante que estenda a amostra da populaçªo estudada, usando os mesmos critØrios de defini- çªo de um fenótipo específico, para que se ele- vem as chances de uma associaçªo biológica verdadeira. BIBLIOGRAFIA 1. Cooper GS, Umbach DM. 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