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Rev. Bras. Fisiot. Yol. 4, No. I (1999), 1-9 ©Associação Brasileira de Fisioterapia SÍNDROME DOLOROSA MIOFASCIAL- ARTIGO DE REVISÃO Sande, L. A. P., Parizzoto, N. A. e Castro, C. E. S. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP Correspondência para: Luciane Aparecida Pascucci Sande, Rua Pref. Francisco Toledo Arruda, 190, Vila Canhos, CEP 17202-450, Jaú, SP Recebido: 10/07/98- Aceito: 18/10/99 RESUMO O objetivo deste artigo foi apresentar aspectos da síndrome dolorosa miofascial encontrados na literatura. Além dos conhecidos distúrbios dos tecidos moles, que incluem os efeitos de traumas, as inflamações, fraqueza, tensão e espasmos musculares, há uma entidade fisiopatológica descrita há alguns anos, que também atinge estes tecidos e é conhecida como síndrome dolorosa miofascial. Esta síndrome é descrita como sendo uma disfunção neuromuscular regional caracterizada pela presença de locais sensíveis em bandas musculares contraturadas/tensas que produzem dor referida em áreas distantes ou adjacentes. Inúmeros tratamentos têm sido propostos visando à remissão do quadro clínico, entre eles: agulhamento seco, uso do spray de cloreto de etila ou fluormetano seguido por alongamento, injeção do ponto-gatilho com anestésicos ou solução fisiológica salina também seguida por alongamento, compressão isquêmica, técnicas de fricção profunda miofascial, TENS (estimulação elétrica nervosa transcutânea), ultra-som, iontoforese, calor (seco e úmido), medicamentos analgésicos, antinflamatórios ou relaxantes musculares, biofeedback. O objetivo desses tratamentos é a eliminação do ponto gatilho, restauração da amplitude de movimento e força muscular normais e sem dor. Além disso, é necessária uma educação para o paciente prev~nir e lidar com as recorrências e também bloquear os fatores precipitantes e/ou perpetuantes. Mas ainda há muitas divergências nos resultados de diferentes estudos, o que sugere uma análise crítica dos mesmos e uma maior preocupação com as metodologias empregadas. Palavras-chave: dor miofascial, dor musculoesquelética, pontos-gatilho. ABSTRACT The aim of this article was to show aspects of Miofascial Pain Syndrome found in the literature. Among different disorders of the soft tissues, there is a physiopatologic entity known as Miofascial Pain Syndrome. This disorder has been described as a regional neuromuscle disfunction which is characterised by the presence of local tenderness on taut muscle bands, that trigger referred pain in adjacent or distant areas. Severa) treatments have been proposed to control the clinicai signs and symptoms, such as, dry needling, fluori-methane, vapo-coolant or ethyl chloride sprays followed by stretching exercices, anaesthetics or saline solution injected in the trigger points followed by stretching exercises, isquemic deeper, myofascial deep friction, TENS (trascutaneous electrical nerve stimu- lation), ultrasound, iontophoresis, thermal therapy, anaesthetic drugs and biofeedback. The main purposes o f these treatments are to deactivate the trigger points, to increase the range of movements and to restore the muscle strength with no pain. Moreover, it seems important to provide training for the patients in order to prevent and control the factors related to this disorder. But there are also many divergences between the results of different studies, and this statement suggests a criticai analysis of the studies and a great care with the methodologies to be used. Key words: myofascial pain, musculoskeletal pain, trigger points. INTRODUÇÃO A síndrome miofascial vem sendo estudada há alguns anos e inúmeras teorias já foram produzidas e rejeitadas muitas vezes na tentativa de explicar sua natureza. Há também vasta documentação de trabalhos clínicos na busca do controle desta síndrome (Pullen, 1992b). Este artigo, objetivando agrupar as informações encontradas sobre essa síndrome em outros estudos, foi elaborado a partir de uma revisão da li- teratura dos anos 1988-1995 e 1998 realizada através do uso das bases de dados Lilacs e Medline. As palavras-chave utilizadas na pesquisa foram: dor miofascial, dor musculoesquelética, pontos-gatilho. Os artigos e capítulos de livros-texto que foram selecionados abordavam temas de interesse para a caracterização da síndrome, dentre os quais: seu reconhecimento através da história, as opiniões 2 Sande, L. A. P., Parizzoto, N. A. e Castro, C. E. S. Rev. Bras. Fisiot. atuais sobre a fisiopatologia envolvida, os principais sinais e sintomas, assim como 'pistas' para o diagnóstico e aspectos do tratamento. Os artigos também deveriam estar publicados em periódicos indexados ou os resumos terem sido apresentados em congressos de renomada rele- vância. HISTÓRICO E DEFINIÇÃO A dor muscular, com reconhecimento desde o sécu- lo passado tem sido um desafio para os clínicos. Em 1843, Froriep descreveu a existência de áreas dolorosas e tensas sobre os músculos. Posteriormente, em 1898, Strauss re- latou que nenhum estudo anatômico obteve sucesso em documentar a presença de um depósito de tecido conjun- tivo que viria a explicar os 'cordões' tensos e palpáveis encontrados nos músculos acometidos (Teixeira, 1995). Em 1931, Lange descreveu detalhadamente a distri- buição, origem e patologia do que mais tarde, em 1959, foi denominado por Steider como ponto-gatilho, um dos com- ponentes desta síndrome. Lauge também escreve um livro revisando estudos anteriores sobre um aumento na visco- sidade colóide encontrado em regiões musculares responsável por uma rigidez local, conhecida como 'miogelose' (Teixeira, 1995). Já em 1939, o conceito de dor referida começa a surgir através de observações clínicas de Kellgren, que encontrou áreas dolorosas distantes dos pontos sensíveis. Kellgren também demonstrou suas observações através da injeção de uma substância irritante no músculo e obtendo como resposta a dor remota. Outros autores também contribuíram para o melhor conhecimento dessa patologia, entre os quais, Gutstein e Kelly, que publicaram artigos entre os anos de 1941 até por volta do início da década de 1960. Estes autores conceituam e descrevem os pontos-gatilho, a reação do paciente à palpação e a dor referida (Pullen, 1992a). Também Travell, Simons, Awad, Fassbender e Wegner propuseram hipóteses sobre a fisiopatologia e contribuíram para o atual conhecimento dessa síndrome (Pullen, 1992a). A síndrome dolorosa miofascial é atualmente definida como uma disfunção neuromuscular regional que tem como característica a presença de regiões sensíveis em bandas musculares contraturadas/tensas que produzem dor referida em áreas distantes ou adjacentes. Esta dor miofascial pode se originar em um único músculo ou pode envolver vários músculos, gerando padrões complexos e variáveis de dor (Wolens, 1998). ETIOLOGIA DA SÍNDROME MIOFASCIAL Em relação à etiologia da síndrome miofascial, há inúmeros fatores precipitantes, tais como: traumas (macro e microtraumas), uso excessivo (overuse), infecção ou inflamação devido a uma patologia de base, alterações biomecânicas apendiculares (discrepância de membros, aumento acentuado dos seios) e axiais posturais, distensões crônicas, esfriamento de músculos fatigados, miosite aguda, isquemia visceral (Zohn, 1988). Outras causas incluem lesões localizadas dos músculos, ligamentos, cápsulas articulares ou nervos, envolvimentos medulares, disfunções articulares, doenças viscerais, desequilíbrios endócrinos, exposição prolongada ao frio, deficiências de vitaminas C, complexo B, estrógeno, K+ e Ca+, anemia, baixa taxa metabólica, hipotireoidismo, creatinúria, stress emocional, tensão, fadiga, inflamação, deficiência muscular (Mannheimer & Lampe, 1984; Fisher, 1986). Esses fatores, se não corrigidos, podem perpetuar a dor miofascial(Zohn, 1988). COMPONENTES DA SÍNDROME MIOFASCIAL A síndrome miofascial tem como componentes essen- ciais: um ponto-gatilho, espasmo muscular segmentar, dor referida e o envolvimento de tecidos moles (Zohn, 1988; Mannheimer & Lampe, 1984; Tollison & Kriegel, 1989; Tunks et al., 1988). Simons (1990) apud Musse ( 1995) estabeleceu cin- co componentes, que podem ser usados como critérios di- agnósticos: 1) queixa de dor regional; 2) queixa dolorosa ou alteração sensorial na distri- buição de dor referida esperada; 3) banda muscular tensa palpável; 4) ponto dolorido na banda muscular; 5) restrição de alguns graus de amplitude de mo- vimento (ADM). Há outros três critérios menores: 1) reprodução de queixa durante pressão no ponto; 2) contração durante inserção de agulha ou palpação transversal do ponto na banda; 3) alívio da dor pelo estiramento do músculo. Pontos-gatilho As zonas ou pontos-gatilho foram primeiramente descritos em 1936, com a reprodução de dor referida para o ombro e braço por pressão na área superior da escápula. Travell relata estudos sobre estes pontos desde 1942 (Pullen, 1992b). O ponto-gatilho é um local irritável, localizado em uma estrutura de tecido mole, mais comumente o músculo, ca- racterizado por baixa resistência e pela alta sensibilidade em relação a outras áreas (Fisher, 1995a). Quando se es- timula esse ponto por 30 segundos com uma pressão mo- Vol. 4 No. I, 1999 Síndrome Dolorosa Miofascial 3 derada, surge uma dor referida. Para Simons ( 1986) apud Zohn (1988), pontos-gatilho são uma série de má funções auto-sustentadas de contração muscular, iniciada por uma injúria estrutural reparável. Outra definição seria uma área bem localizada de hipersensibilidade (tenderness), uma região hipersensitiva no músculo, ligamento, fáscia ou cápsula articular, a partir da qual impulsos bombardeiam o sistema nervoso central, causando dor referida (Mannheimer & Lampe, 1984; Tollison & Kriegel, 1989). Para Teixeira ( 1995), o ponto constitui uma degeneração de fibras musculares, destruição de fibrilas musculares, aglomeração nuclear e infiltração gordurosa em áreas de degeneração muscular. Associa-se redução mitocondrial, desorganização das fibras musculares e do tecido conjuntivo e distensão das áreas intercelulares. Um ponto-gatilho é dito ativo quando é um foco de hiperirritabilidade sintomática no músculo ou fáscia com padrão de dor referida (dor espontânea ou ao movimento, diminuição de ADM, diminuição de força, dor à palpação e bandas tensas). O ponto, em forma latente, não causa dor nas atividades da vida diária, mas pode gerar diminuição nos movimentos e secundariamente fraqueza do músculo afetado e se tornar ativo por qualquer evento (trauma, estresse), gerando a dor referida. Se a dor persiste com ou sem tratamento, pontos-gatilho satélites podem se desen- volver em estruturas adjacentes, especialmente na área de dor referida, e pontos secundários podem surgir em sinergistas ou antagonistas ao músculo com ponto primário (Wolens, 1998; Musse, 1995; Fisher, 1995a; Jacob, 1991 ). Numerosos artigos têm sido publicados sobre pontos- gatilho (Mannheimer & Lampe, 1984). Os autores concordam que a excitação do ponto produz o sinal do ressalte, o en- curtamento de um músculo envolvido e/ou fasciculação visível, o padrão de dor concomitante, que é cega e profunda, a hiperalgesia local e o desconforto referencial. Mas há controvérsias sobre o fato de sua composição histológica constituir ou não uma entidade anatômica real. Dessa forma, pode-se notar que ainda não há consenso sobre o fenômeno dos pontos-gatilho. Contudo, sua exis- tência clínica é inquestionável, e eles são sítios ótimos de estimulação elétrica nervosa transcutânea, possivelmente devido aos densos impulsos ao Sistema Nervoso Central que eles promovem a partir de suas terminações sensoriais (Mannheimer & Lampe, 1984). Além disso, eles são res- ponsáveis pela rigidez, encurtamento e fraqueza dos músculos envolvidos (Wolens, 1998) TEORIA MAIS ACEITA SOBRE PONTOS-GATILHO - FISIOPATOLOGIA Liberação de Ca+2 A teoria mais aceita afirma que os pontos ativos po- dem ser iniciados por um trauma que localmente abre o retículo sarcoplasmático, liberando Ca+2 • Este Ca+2 combina- se com o ATP para continuamente ativar os mecanismos locais de contração, gerando deslizamento e interação de actina e miosina com encurtamento do feixe muscular afetado. Isso causa uma contratura local (banda tensa), ou seja, a ativação de miofilamentos sem atividade elétrica e controle neurogênico. Essa atividade gera alto gasto energético e colapso da microcirculação local. O consumo energético sob condições de isquemia leva à depleção de ATP o que im- pede a recaptação do Ca+2 pelo retículo- ciclo vicioso auto- sustentado (Musse, 1995). Inflamação neurogênica Substâncias como serotonina, histamina, bradicinina, íons K+, substância P e prostaglandinas excitam os noci- ceptores dos grupos 3 e 4, e promovem diminuição no li- miar mecânico e aumento da zona receptiva, com aumento da atividade de base desses receptores. Além disso, essas substâncias produzem edema local, que aumenta a pressão perivascular e acarreta compressão venosa e agravamento da isquemia e da hipóxia (Teixeira, 1995). É provável que este seja o mecanismo responsável pela hipersensibilidade do pontos-gatilho à palpação, dor ao movimento, dolorimento espontâneo (Musse, 1995) e rigidez, pois o transporte intracelular e extracelular está alterado (Tsujii, 1989). Abertura das comportas O ponto-gatilho envolve a diminuição no comprimento do músculo em repouso e hipomobilidade articular. O es- pasmo muscular pode promover vasoconstrição e isquemia local que causa irritação nervosa. Portanto, impulsos nóxicos podem surgir de mecanoceptores e quimioceptores que ao entrarem no corno dorsal, convergem com outros impulsos somáticos e viscerais e fazem sinapses na camada margi- nal, onde podem ocorrer referências extrasegmentares ou na substância gelatinosa, resultando em abertura das com- portas medulares à dor (Melzack & Wall, 1976 apud Pullen, 1992b)- percepção da dor local e referida. O reflexo de vasoespasmo, posterior a esse processo, ocorre por conexões entre nociceptores e fibras simpáticas (Tsuj i i, 1989), prejudicando a capacidade do corpo em re- mover catabólitos e perpetuando a sintomatologia (Friction, 1989 apud Pullen, 1992b; Simons, 1986 apud Zohn, 1988; Travell & Simons, 1983 apud Mannheimer & Lampe, 1984; Mannheimer & Lampe, 1984; Fisher, 1995d). Desfacilitação do fuso As fibras mielínicas AD e amielínicas C conduzem impulsos ao corno posterior e produzem inibição do sistema de homônimo ao músculo lesado, o que gera uma diminuição da aferência ao fuso "desfacilitação do fuso", ou seja, é necessário mais esforço do SNC para ativação da uni- dade motora. Este talvez seja o mecanismo responsável pela sensação de diminuição da força muscular (Musse, 1995). 4 Sande, L. A. P., Parizzoto, N. A. e Castro, C. E. S. Rev. Bras. Fisiot. Modificações no SNC Há uma sensibilização periférica sublimiar crônica que "bombardeia" o SNC com estímulos nociceptivos constantes, induzindo a modificações secundárias no SNC que contri- buem para o quadro clínico encontrado. Por exemplo, um estímulo vai até o corno posterior e modifica-se por dois fenômenos: 1) a plasticidade: ocorrem alterações de lon- ga duração nas propriedades e morfologia neuronais pro- duzidas pelo estímulo, mas que se tornam independentes deste após serem geradas; 2) a modulação: alterações re- versíveis de descarga neuronal sob influência de um fator de modulação. I e 2 ocorrem em células nociceptivas (20%) levando à resposta desaceleradora e multireceptivas (80%) levando a uma resposta aceleradora.Isso gera aumento da dor ao esforço. Os estímulos constantes nas fibras amielínicas C in- duzem modificações plásticas nos neurônios, aumentam a excitabilidade do corno posterior (aumentam as descargas espontâneas, aumentam as respostas a estímulos mecâni- cos, múltiplos campos receptivos, abertura de sinapses inefetivas). É a Sensibilização Central, importante na gênese da dor ao movimento, estiramento e contração (Musse, 1995). Reflexos viscerossomáticos e somatovisceriais e dor referida O mecanismo de somação e/ou convergência sobre interneurônios na lâmina V são as principais origens dos reflexos viscerossomáticos e somatoviscerais, assim como da dor referida (Mannheimer & Lampe, 1984 ). A dor referida se deve à nocicepção de estruturas somáticas profundas visceriais e musculares, por distúrbio de percepção e análise discriminativa das estruturas encefálicas decorrente de particularidades morfológicas e funcionais nas estruturas que detectam e processam o si- nal aferente muscular (Mannheimer & Lampe, 1984 ). A ativação de motoneurônios e o reflexo flexor aferente podem ser responsáveis pelo sinal do ressalte (Mannheimer & Lampe, 1984 ). Sinais do SNA e memória Os impulsos que ascendem por via nociceptiva e fazem sinapses em vários centros subcorticais podem ser os res- ponsáveis pelos sinais associados do SNA. Circuitos subcorticais reverberativos podem se desenvolver, produzindo o processo de memória da dor responsável pelos pontos latentes (Mannheimer & Lampe, 1984). DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME MIOFASCIAL Para o diagnóstico preciso da síndrome miofascial utilizam-se a história e o exame físico, essenciais para excluir outras causas. Apalpação evidencia a banda tensa, geral- mente acompanhada do sinal do ressalte; a pressão sobre o ponto gera o padrão de referência que pode ser conse- qüente a um forte input nóxico aferente com envolvimento de padrões dermatômicos, miotômicos e esclerotômicos (Zohn, 1988; Mannheimer & Lampe, 1984). Testes de amplitude de movimentos: ativa (para buscar dor à contração), passiva (dor ao encurtamento) e resisti- da (dor à contração e ao encurtamento) e alongamento (dor ao alongamento passivo) (Tsujii et ai., 1989). Porém, há muitas limitações no exame da síndrome dolorosa miofascial e vários estudos foram conduzidos visando conhecer a confiabilidade das mensurações. Os resultados sugerem que a rigidez é o único achado consistente a partir da palpação dos pontos-gatilho (Wolens, 1998). Deve-se revisar eventos clínicos, medicamentos, fa- tores que interferem com a dor e aspectos nutricionais; a busca da distribuição do padrão de dor o mais preciso possível é a chave para o diagnóstico, já que cada músculo apresenta uma síndrome dolorosa miofascial distinta com seu padrão específico (Figura 1 ). O diagnóstico se toma difícil quando há soma de padrões múltiplos. Fatores ergonômicos e posturais devem ser detalhados, histórias de alergias, sintomas de assimetrias corporais, fatores estressares psicossociais e tratamentos prévios (Musse, 1995). Outros testes como RX, EMG e exames de sangue, apresentam-se normais; as biópsias não revelam alterações patológicas. Os exames neurológicos e articulares são ne- gativos. Utilizam-se, freqüentemente, a termografia e medidas de pressão para documentar a presença de pontos-gatilho, geralmente com algômetros de pressão (popularmente, dolorímetros) (Zohn, 1988). O algômetro é usado para o diagnóstico quantitativo e diferencial, para quantificar re- sultados terapêuticos e avaliar a efetividade de procedimentos empregados. Há um medidor de Complascência Tecidual para documentação objetiva e quantitativa do espasmo mus- cular e bandas tensas (J acob, 1991; Merskey et ai., 1962 e Reeves et ai., 1986 apud Fisher, 1988), que tem apresentado evidências estatísticas de validade e reprodutibilidade de mensurações do limite de pressão pelo algômetro de pressão para identificação de pontos-gatilho miofasciais. FIBROMIALGIA VERSUS SÍNDROME MIOFASCIAL A fibromialgia e a síndrome miofascial geralmente não são claramente definidas na literatura, mas são agora re- conhecidas como duas entidades diferentes. A etiologia da fibrosite inclui fatores internos e externos (ambientais), apresenta caráter sistêmico e tem associação com outros distúrbios, como o sono. (Rogers & Rogers, 1989; Simons, 1986; Sheon, 1986 apud Pullen, 1992b; Teixeira, 1995; Wolfe, 1990; Mikkelson et ai., 1992) compararam vários aspectos de diferenciação (Figura 2). Vol. 4 No. I, 1999 Síndrome Dolorosa Miofascial .,(~ . ·~· <; ': • * . Elevador da lliocostal Vasto mediai 11[] Padrão de dor Masseter Glúteo mínimo Sólcos Gastronêmio X Área gatilho Figura 1. Exemplos de padrões específicos de dor referida, mostrando também a área gatilho - fonte da dor. 5 6 Sande, L. A. P., Parizzoto, N. A. e Castro, C. E. S. Rev. Bras. Fisiot. Características 1) Sexo 2)Idade 3) Localização 4) Dor 5) Radiação 6) Espasmo mm 7) Fraqueza mm 8)ADM 9) Atividade mm I O) Contratação local a palp. li) Outros sintomas Fibromialgia mais mulheres principalmente 40-60 múltiplos pontos 7-18 em mm e não-mm difusa, profunda, disseminada (axial+sup+int) espalhada, crônica geralmente não incomum não, geralmente restrita dolorida difusamente não fadiga, rigidez, matinal, distúrbio de sono, ansiedade, dores de cabeça freqüentes, parestesias, baixa tolerância à dor em mm e ossos Sínd. Dolor. Miofasc. ambos os sexos qualquer idade sobre pontos-gatilho -1 ou mais (poucos) em pontada, localizada padrões mm específicos presente com encurtamento comum sempre restrita dolorida em áreas locias freqüente baixa resistência da pele Figura 2. Aspectos de diferenciação entre Fibromialgia e SDM. O tratamento da fibrosite é não-específico e esta é raramente curada, utiliza-se equipe de reabilitação para também fornecer um suporte psicológico. A síndrome miofascial, por outro lado, responde bem à terapia espe- cífica local e é freqüentemente curada. O paciente com fibrosite acorda e vai se deitar com sintomas dolorosos e rigidez e melhora durante a tarde (Pullen, I992b; Cruz Filho, 1980; Golding, 1984; Sheon et al., I989). TRATAMENTOS PARA SÍNDROME MIOFASCIAL Após estabelecido o diagnóstico, deve-se escolher o tipo de tratamento a ser empregado. Há inúmeros tipos de tratamento para a síndrome miofascial, todos eles visando à eliminação do ponto-gatilho, restauração da amplitude de movimento e força muscular normais e sem dor e, portanto, restabelecer o comprimento normal do músculo e analgesia. Além disso, uma educação para o paciente de modo a pre- venir e lidar com as recorrências e também bloquear os fatores precipitantes e/ou perpetuantes (Tollison & Kriegel, 1989; Fisher, 1995b). Com base nisso, o tratamento pode ser dividido em 3 fases: I) inativação dos pontos-gatilho; 2) reabilitação muscular; e 3) remoção preventiva de fatores perpetuantes (Musse, I995). Considerando a primeira fase, dentre todas as possibilidades de tratamento, as mais usadas, segundo relatos de estudos e por sua efetividade na clínica, são a infiltração, a injeção e o spray de fluormetano ou cloreto de etila (Fisher, 1995c; Fisher, 1995d; Lima & Segurichi, I995; Ares, 1995; Tomikawa, 1995). Mas há outras moda- lidades que têm apresentado resultados positivos para o tratamento da síndrome dolorosa miofascial que também serão mais detalhadas a seguir. Drogas As classes de agentes mais freqüentemente usados são os antinflamatórios não-esteróides, os antidepressivos tricíclicos os miorelaxantes e os opiáceos. Os primeiros são importantes duranteo tratamento com a fisioterapia, já que a atividade física causa uma inflamacão temporária que pode ser efetivamente tratada com estas drogas. Quanto às de- mais modalidades nota-se que centram suas ações em as- pectos secundários da síndrome e, portanto, podem ser substituídas por outros tratamentos (Covey, I998). Injeção A injeção do ponto-gatilho com anestésicos ou solução fisiológica salina seguido por alongamento e ca- lor é uma técnica muito efetiva, de alívio rápido. Há inú- meras técnicas de aplicação (Pullen, I992b; Zohn, I988; Mannheimer & Lampe, 1984; Tollison & Kriegel, 1989; Fisher, 1995a; Fisher, 1995b; Fisher, 1995c). Acredita-se que o ponto-gatilho sofra a introdução mecânica da agu- lha, o que associado ao analgésico (por exemplo, procaína diluída a 0,5%, com volumes de 0,5 a I ml injetados dire- tamente no ponto), calor e movimentação em toda a am- plitude de movimento pode gerar ali vi o e remissão da dor (Wolens, I998). O uso do anestésico local parece não ser tão importante quanto o benefício gerado pela introdução da agulha (Covey, 1998). Spray O uso de spray frio tem se-mostrado efetivo em vá- rios estudos quando associado ao alongamento (Pullen, 1992b; Travell & Simons, 1983, apud Tollison & Kriegel, 1989; Tollison & Kriegel, 1989; Fisher, 1995b; Fisher, I995c ). O cloreto de e ti la é mais frio, então o paciente sente mais desconforto, ele é inflamável e explosivo em concen- tração crítica, é um anestésico geral potente, de ação rá- pida. Já o fluormetano é um clorofluorcarbono, não é inflamável, não é anestésico geral. Há autores que prefe- rem o primeiro tipo de spray (Kraus, I970, apud Tollison & Kriegel, 1989), enquanto outros preferem o segundo (Travell & Simons, I983, apud Tollison & Kriegel, 1989). Vol. 4 No. I, 1999 Síndrome Dolorosa Miofascial 7 Toxina Botulínica A toxina Botulínica A é um agente bloqueador neuromuscular que produz uma denervação temporária e parcial por bloquear a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular com duração de sua ação variando de 3 a 4 meses. Esta toxina tem sido recentemente usada em trata- mento de torcicolo e de distonia espástica que, apesar de serem desordens distintas, com desenvolvimento envolvendo mecanismos separados, ambas são dolorosas e disparadas por traumas em tecidos moles (Covey, 1998). Embora haja resultados positivos quanto ao seu uso nesta síndrome, é necessário muita cautela, uma vez que um posicionamento impróprio pode levar à difusão de toxina em tecidos críticos (Wolens, 1998). Terapia manual Há outras técnicas de tratamento, como pressão manual sobre o ponto ou compressão isquêmica, técnicas de fricção profunda miofascial e técnicas de alongamentos (Tsujii, 1989). O uso de alongamentos diretamente aplicados às fibras por meio de pressão transcutânea associados a alon- gamentos tradicionais envolvendo mobilização articular nas regiões dos pontos e áreas de dor referida envolvem a di- minuição da dor e ganho de flexibilidade. A massagem de fricção profunda, envolvendo movimentos oscilatórios dos polegares com uma freqüência de 2-5 Hz sobre o múscu- lo e/ou fáscia tem sido usada para supressão da dor. Durante a aplicação da pressão transcutânea, o terapeuta deve con- tinuar mantendo a pressão inicial e estar atento para sen- tir o momento em que a resistência muscular cede, para que a aplicação da pressão seja feita em outras fibras. Já no alongamento tradicional, o terapeuta pode continuar o alon- gamento em alguns graus após o músculo ceder (Tsujii, 1989). TENS A utilização do TENS foi estudada por ser uma mo- dalidade utilizada com sucesso na redução da dor, quando aplicada sobre os pontos-gatilho, apesar de não ser espe- cífica para esse tratamento (Graff-Radford et al., 1989). Esses autores investigaram a eficácia de quatro modalidades TENS e um grupo controle, sobre a dor miofascial e sensibilidade do ponto-gatilho. Uma aplicação de dez minutos de TENS B (F = I 00 Hz, T = 25 j..lseg, onda bifásica assimétrica re- tangular, intensidade abaixo do limite de contração menor que 39 mA), resultou na maior redução da dor, que foi de 50%, mas não houve alteração na sensibilidade do ponto- gatilho. Ultra-som A dor é um dos sintomas para o qual o ultra-som (US) é fortemente recomendado por muitos autores. Nwuga (1983) mostrou que os pacientes com dor lombar aguda com diagnós- tico de hérnia de disco, que foram tratados com repouso e US, tiveram um alívio significativamente maior da dor do que os grupos placebo e controle. Ele concluiu que esse tratamento acelera a resolução de inflamação local, aumenta a amplitude de movimento e aumenta a rapidez da recupe- ração da função. Mesmo sendo o US recomendado para o tratamento da síndrome miofascial (Mannheimer & Lampe, 1984; Musse, 1995; Jacob, 1991) foi encontrado apenas um estudo espe- cífico (Delacerda, 1982). O estudo comparou a eficácia da aplicação de bolsas de gelo por 20 minutos, seguidas deUS contínuo com 1,25 a 1,5 W/cm2 por 4 minutos, em relação ao uso de miorelaxantes e uso de iontoforese. Os pontos se localizavam na região escapular e os tratamentos e as medidas eram feitos diariamente. A análise foi feita em termos de aumento na abdução do membro superior. Os resultados mostraram que todos os tratamentos foram efetivos, mas a iontoforese gerou melhor resposta, seguida pelo US e por último o uso de miorelaxantes. Laser A terapia com laser para redução da dor tem alcançado popularidade nos últimos anos e seu uso em síndromes de dor musculoesquelética tem como resultado casos relata- dos descrevendo seus benefícios para tais problemas (Waylonis et al., 1988). Waylonis et al. (1988) descreve es- tudos sobre o uso da terapia laser superficial para controle de síndromes de dor crônica, incluindo a síndrome miofascial; e afirma que esta é uma forma de acupuntura não invasiva. Este autor também relatou que após três anos de estudos com o uso de laserterapia concluiu-se que a "estimulação laser é marcadamente mais efetiva em dores agudas e crônicas do que a estimulação elétrica do ponto de acupuntura, na maioria dos casos". Ele indicou como efeito colateral uma incidência de 2% de tontura após o tratamento. Pesquisas européias, chinesas, japonesas e russas têm sugerido que a terapia laser pode ser no mínimo tão efetiva quanto a acupuntura. Basford (1985) apud Waylonis (1988) afirma que os artigos americanos são inadequados para estabelecer com certeza a efetividade de tratamento de síndromes dolorosas com laser (Waylonis, 1988). De 1970 ao início dos anos 80, os efeitos do laser Hélio- Neônio (HeNe), monocromático, divergência de 10 a 15 mm, baixa capacidade de produzir calor foram confirmados: ace- leração de cicatrização de úlceras/feridas, redução da dor em artríticos e correção de problemas ortopédicos. E foi incluído a eliminação de pontos-gatilho, as pesquisas constituem-se de achados não controlados, não substanciais e equivocados, como visto anteriormente (Mackler et al., 1989). A partir dos anos 80, melhoraram as pesquisas. Walker (1983) apud Mackler et al. (1989) relatou sucesso no alí- vio da dor crônica e aumento da excreção urinária de um subproduto da serotonina em indivíduos que foram trata- dos com laser HeNe. Subseqüentemente, concluiu que a 8 Sande, L. A. P., Parizzoto, N. A. e Castro, C. E. S. Rev. Bras. Fisiot. radiação laser pode ter um efeito sobre o metabolismo da serotonina, servindo, desse modo, como um mecanismo de alívio da dor. Snyder-Mackler et a!. (1988) apud Mackler (1989) encontrou uma normalização da resistência da pele em pacientes com pontos-gatilho em três tratamentos de curta duração com HeNe. Mais recentemente, um estudo feito por Snyder-Mackler & Bork (1986) apud Mackler (1989) deter- minou que o laser HeNe aumenta alatência sensorial distai do nervo radial superficial em humanos (queda na veloci- dade de condução). Eles hipotetizaram que a latência pode ser um mecanismo para alívio da dor e, portanto, o laser HeNe pode ser uma benéfica modalidade analgésica. Em uma revisão metodológica, Beckerman et a!. ( 1992) concluíram que em média o laser é mais eficaz que o tratamento placebo e tem um efeito terapêutico específico para a síndrome miofascial. Mas, não está clara qual a dosagem ideal a ser usada. Um estudo com o objetivo de examinar o efeito do laser HeNe sobre a dor crônica miofascial obteve como conclusão que o laser em pontos de acupuntura não é efetivo, pois tanto o grupo placebo quanto o tratado não alteraram as respostas a dor (Waylonis, 1988). Por outro lado, um outro estudo sobre a aplicação do laser HeNe sobre pontos-gatilho em três seções, verifican- do a resistência da pele e a dor (Mackler, 1989), teve como resultados o aumento da resistência da pele e a redução da dor. Outros tratamentos A acupuntura, a manipulação com agulha e a pressão com os nós dos dedos sobre os pontos também se demostra- ram eficazes (Mannheimer & Lampe, 1984; Jacob, 1991). Outros tratamentos propostos são: calor (seco e úmido), crioterapia sem alongamento subseqüente, medicamentos analgésicos, antinflamatórios ou relaxantes musculares, biofeedback, que, na opinião de Tollison & Kriegel (1989), são úteis para o espasmo muscular que freqüentemente acompanha os pontos, mas não para os próprios pontos. Desses tratamentos, os mais usados, segundo relatos de estudos e por sua efetividade na clínica, são a infiltra- ção, a injeção e o spray de fluormetano ou cloreto de etila (Fisher, 1995a; Fisher, 1995c; Lima & Segurichi, 1995; Ares, 1995; Tomikawa, 1995). Mas independente da escolha, o tratamento selecio- nado deve envolver uma seleção e combinação adequadas das ferramentas disponíveis para o trabalho. Associado a isso, a participação ativa do paciente é de extrema impor- tância. CONCLUSÃO Em relação ao constructo 'Síndrome miofascial' pode- se perceber que este foi aceito sem um exame crítico. E um forte argumento a este favor é sua definição circular: o ponto- gatilho miofascial é a causa, o sintoma e o diagnóstico-padrão para a patologia, sendo que também a resposta terapêuti- ca das diferentes modalidades não tem sido apropriadamente validada. Portanto, o exame desta síndrome é difícil e o diagnóstico pode ser dado por qualquer examinador que queira identificá-la. Da mesma forma, o constructo não tem suporte de evidências biomecânicas, histológicas e elétricas. Apesar das deficiências apontadas, não se pode ignorar a presença comum da síndrome dolorosa miofascial. Portanto, a intervenção clínica deve ser iniciada cedo e muitos cuidados devem ser tomados. Mas, no que tange às questões incertas, estas somente poderão ser resolvidas a longo prazo, através de uma padronização do diagnóstico e da prática clínica associada à padronização das metodologias de estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARES, M. 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