Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Revista Ética & Filosofia Política (Volume 7, Número 2, Novembro/2004) RESENHA BERGER, Peter L. e Luckmann, Thomas, Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido. 1 Vol. br. 210mm X 135mm, Editora Vozes, Petrópolis, 2004, 94 p. Berger e Luckmann tratam, nesta obra, da perspectiva social de compreensão das características do pluralismo na modernidade, elemento, segundo os autores, responsável pela crise de sentido observada em todas as sociedades. Ao final, com base na discussão desenvolvida, propõem um caminho para a busca de sentido individual através do respaldo da comunidade da qual este faz parte. Capítulo 1: Os fundamentos da significância da vida humana Neste capítulo encontramos uma discussão que fundamenta a significação da vida humana através das análises sociológicas atuais em que se pressupõe, obviamente, algo como sentido e significância como motivo do agir humano e como pano de fundo sobre o qual se projeta a suposta crise de sentido da modernidade. A consciência, segundo os autores, somente existe enquanto dirige sua atenção para um objeto, um objetivo. Esse objeto é constituído pelas diversas realizações de síntese de consciência e aparece em sua estrutura geral se se trata de percepções, memórias ou imaginações. A seqüência de temas inter-relacionados chama-se “vivências”, que quando o eu volta sua atenção para torna-se experiência. Sentido, por conseguinte, é a consciência de que existe uma relação entre as experiências e passa a ser construído através de especiais realizações “relacionais” da consciência. As tradições fazem parte do sentido da experiência do indivíduo na medida em que conferem elementos de sentido modelados historicamente nas vertentes mais antigas do agir social, definidas pelos autores como acervo social de conhecimento. Como pessoas diferentes reagem da mesma forma a desafios semelhantes, pode acontecer que elas esperem essa forma de reação umas das outras e que se obriguem reciprocamente até mesmo a lidar com esta situação típica dessa maneira e não de outra. Esta colocação sustenta a idéia e torna-se pressuposição de que ações sejam transformadas em instituições sociais. Porém nem todas as repetições de ações transformam-se em instituições, o que faz com que continuem sendo socialmente elaborados. Quando discutimos as instituições atuais podemos identificar as dominantes da organização e do trabalho que dirigem em grande parte seu interesse sempre para os diferentes estratos e campos da produção de sentido. As funções como censura, pedagogização, canonização, sistematização, foram assumidas nas sociedades por peritos especialmente escolados para isso. As áreas de sentido são estratificadas em si, onde as tipificações “inferiores”, simples, relacionadas a fatos da natureza e do mundo social, são o fundamento de diferentes padrões de experiência e processamento. Sobre o fundamento dessa tipificação são desenvolvidos esquemas de ação; estes são orientados por máximas comportamentais para valores maiores. “Configurações de valores” superiores foram transformadas em sistema de valores por peritos religiosos e, mais tarde, também filósofos desde as antigas culturas mais avançadas. A aplicação destes sistemas visa explicar e regular significativamente a conduta do indivíduo, tanto na relação com a sociedade e nas rotinas do dia-a-dia, quanto na superação de suas crises em vista das realidades que transcendem o cotidiano. Os autores encerram este capítulo colocando que o sentido do agir e da vida é imposto como regra óbvia de conduta de vida, que a todos obriga. Dessa maneira, por exemplo, se define inquestionavelmente o relacionamento entre casados e dos pais para com os filhos. Os pais e os filhos geralmente se conformam às suas condições, enquanto desvios do comportamento esperado são claramente definidos como desvios da norma. Capítulo 2: Significância nas relações sociais, coincidência de sentido e as condições gerais para o surgimento da crise de sentido Há claramente neste capítulo a construção do sentido de vida individual, a relação deste com a concordância ou não com a comunidade, desta feita resultando na chamada crise de sentido. Neste caminho o agir do indivíduo é moldado pelo sentido objetivado, colocado á disposição pelos acervos sociais do conhecimento e comunicado por instituições através da pressão que exercem para seu acatamento. Neste processo, o sentido objetivado está em constante integração com o sentido subjetivamente constituído e com o projeto individual de ação. Mas significativa é também a estrutura intersubjetiva das relações em que o indivíduo atua e vive. Desde o nascimento a criança está colocada numa relação social, especialmente com a família, dessa forma inicia-se a construção de sentido. As chamadas comunidades de vida pressupõem um mínimo de comunhão de sentido entre os indivíduos. As condições do surgimento de crise de sentido acontecem quando os membros de certa comunidade de vida acham inquestionáveis as concordâncias de sentido que se esperam deles, mas não conseguem cumpri-las. É a discrepância entre o “ser” e o “dever ser”. Nesse contexto quando há uma crise de sentido o mais provável é que a causa esteja na estrutura social e não no sujeito em si nem na suposta intersubjetividade da vida humana. Os autores, então, perguntam quais as propriedades estruturais específicas de uma sociedade histórica que poderiam impedir o surgimento de crises de sentido e quais poderiam favorecê-lo. A tentativa das instituições de ligar finalidades legitimadoras a valores supra-ordenados podem acarretar nada mais do que fórmulas vazias, assim como a conduta de vida orientada para valores pode ficar limitada ao âmbito privado. Assim se fortificam as condições para a difusão de crises subjetivas e intersubjetivas de sentido. Contudo, criam-se assim pressupostos para a coexistência de diferentes ordens de valores e de fragmentos de ordem de valores na mesma sociedade e, com isto, a existência paralela de comunidades de sentido bem diferentes. O estado que resulta desses pressupostos pode ser chamado de pluralismo. Quando ele mesmo se desenvolve como um valor supra-ordenado para a sociedade, podemos falar de pluralismo moderno. Capítulo 3: Modernidade e crise de sentido Discute-se neste capítulo de que somente o fato de pessoas levarem uma vida diferente dentro de uma sociedade, fato que ocorre praticamente em todas as sociedades, não caracteriza o denominado pluralismo moderno. Este por sua vez caracteriza-se por uma sociedade onde as ordens de valores e as reservas de sentido não são mais propriedade comum de todos os membros da sociedade. O indivíduo cresce em um mundo onde não há mais valores comuns, que determinam o agir nas diferentes áreas da vida, nem uma realidade única, idêntica para todos. Ele é incorporado pela comunidade de vida em que cresce num sistema supra-ordenado de sentido. As religiões são sem dúvida a forma mais significativa de um padrão abrangente, rico em conteúdos e esquematicamente estruturado de experiência e valores. Mas nem mesmo as religiões tiveram êxito na homogeneização social, haja visto os fenômenos históricos. Outras instituições apresentam os mesmos elementos de pluralismo, mas esse aspecto criou ao mesmo tempo a possibilidade da formação de comunidades supraespaciais de convicção, por exemplo, através de ideologias abrangentes. É apresentado como exemplo o caso do judaísmo: Muro da Lei, com a finalidade de preservar a identidade, que foi relativamente perdida nos judeus espalhados pelo mundo e vulneráveis a outras instituições. Contudo, essa estratégia de isolamento- defesa não proporcionou o resultado esperado. O pluralismo moderno leva a um enorme relativismo dos sistemas de valores e da interpretação. Considerando toda a crise de sentido,de uma forma ou de outra, com ou sem religião, as pessoas conseguem levar sua vida. É importante conhecer como conseguem isso e quais os fatores implicados nesse processo. Capítulo 4: A perda da auto-evidência Os autores definem, neste capítulo, auto-evidência, fenômeno que acontece quando a comunidade de vida e a comunidade de sentido coincidem de fato e o indivíduo flui pela vida. Porém, o pluralismo moderno desacredita esse “conhecimento” auto-evidente. Quando as instituições funcionam normalmente os indivíduos cumprem os papéis a ele atribuídos pela sociedade. Segundo os autores as instituições substituem os instintos, na medida em que possibilitam um agir para o qual nem sempre é preciso pensar cuidadosamente as alternativas. Os projetos restauradores de reconstituição de um “mundo curado” incluem quase sempre a supressão ou, ao menos, a limitação do pluralismo - e com boas razões: o pluralismo coloca sempre alternativas diante dos olhos, as alternativas obrigam a refletir; a reflexão solapa o fundamento de todas as versões de um “mundo curado” - ou seja, de sua auto- evidência. Mas não faltam ofertas (religiosas, políticas, terapêuticas) que pretendem tornar possível uma volta interior, ofertas de curar os sofrimentos causados pela alienação. O desenvolvimento tecnológico, em um plano puramente material, traz consigo uma expansão enorme de possibilidades. Capítulo 5: Hábitos e crises de sentido Alguns fatores são geradores de crises de sentido como mencionados anteriormente, porém em sociedades onde as crises de sentido não acontecem como seqüelas de grandes catástrofes ou guerras totais, o âmbito da normalidade mantida habitualmente é bem maior. Os hábitos evidentes não são ameaçados apenas por acontecimentos graves do destino coletivo, mas também por mudanças radicais na vida do indivíduo. Em todas as sociedades há mudanças prototípicas na existência do indivíduo que podem provocar crise de sentido se não forem reconhecidas socialmente. Nas sociedades arcaicas e tradicionais havia ritos de passagem que davam sentido a essas mudanças. Podia-se enfrentar mais serenamente a puberdade, a iniciação sexual, a entrada na vida profissional, a velhice e a morte, porque havia modelos de comportamento para lidar com esses cortes biográficos. A sociedade moderna, por sua vez, “inventou” novas instituições de produção e comunicação de sentido - diferentes tendências de psicoterapias, aconselhamento sexual e profissional. Às vezes não é nem preciso recorrer a uma instituição, repartição ou consultório, basta ligar a televisão e ali estão diversos programas terapêuticos ao nosso dispor, ou podemos ir a uma livraria e escolher, entre muitos um livro de auto-ajuda. A sociedade criou uma série de instituições especializadas na produção e comunicação de sentido. A participação da sociedade na formulação de estratégias de organização cria instituições que permitem que o indivíduo coloque a serviço de vários setores da sociedade os valores de sua vida privada de modo a constituírem uma força que ajude a formar a sociedade como um todo. Assim como uma comunidade eclesial local, um grupo psicoterapêutico e mesmo uma Secretaria de Estado de Bem-Estar podem ser intermediadoras para seus membros. Dessa feita, surgem as instituições intermediárias, definidas dessa maneira porque fazem a ponte entre o indivíduo e os padrões de experiência e ação estabelecidos na sociedade. A Igreja deixou de ter papel central na sociedade e passa a uma condição de intermediária, com seu valor, porém relativisado. As regras que valem para toda a sociedades servem para tornar possível à coexistência e a necessária cooperação das diferentes comunidades de sentido, sem impor-lhes uma ordem comum de valores. Capítulo 6: O trato social das crises de sentido: ilusões e possibilidades Os autores fazem uma recapitulação do processo de entendimento construído por eles até o momento e buscam fundamentar sua tese na relação estabelecida entre indivíduo e sociedade através do papel das instituições intermediárias. Há características nessas instituições que são desejáveis e outras não, apresentando dessa maneira um equilíbrio das relações estabelecidas em todos os sentidos. As instituições intermediárias precisam ser apoiadas lá onde não encarnam atitudes “fundamentalistas”, mas onde apóiam os “pequenos mundos de vida” de comunidades de sentido e eventualmente também de convicção e educam ao mesmo tempo seus membros para serem portadores de uma vida social cívica pluralista. Os autores apresentam uma reflexão sobre o papel integrado das instituições intermediárias no contesto das sociedades, ressaltando que somente quando elas contribuírem para que os padrões subjetivos de experiência e de ação dos indivíduos participem da discussão e estabelecimento de sentido, será possível evitar que os indivíduos se sintam totalmente estranhos no mundo moderno; e somente então será possível evitar que a identidade das pessoas individuais e a coesão intersubjetiva das sociedades sejam ameaçadas ou, até mesmo, destruídas pelas afecções de crises da modernidade. Capítulo 7: Perspectivas Os autores procuram neste último capítulo relembrar e reforçar as idéias anteriormente propostas, propondo uma perspectiva de exploração mais profunda dos elementos identificados como fundamentais no processo de relação. O primeiro trata sobre o nível da comunicação de massa que através de seu conteúdo apresenta uma carga moral implícita nas suas informações. O segundo é o nível do indivíduo no cotidiano das comunidades de vida e de convicção onde o grau de moralidade refere-se á comunicação oral do dia-a-dia. O nível das instituições intermediárias, que só podem ser designadas como tal na medida em que for examinada sua função concreta e identificada como mediadoras entre grandes instituições e toda a sociedade. E somente quando essas instituições permitirem que os padrões subjetivos de experiência e de ação dos indivíduos estabeleçam o sentido de vida, será possível evitar que os indivíduos sintam-se estranhos no mundo moderno. Artur Andriolo* Prof. Adjunto do depto. de Zoologia Instituto de Ciências Biológicas Universidade Federal de Juiz de Fora *Doutor em Ciências - Programa de Psicobiologia, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP. Extraído de: http://www.eticaefilosofia.ufjf.br/7_2_resenha.html
Compartilhar