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TEORIA E METODOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL

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Teoria e M
etodologia do Serviço Social
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Teoria e
Metodologia
do Serviço Social
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Arquivo disponível gratuitamente no site: www.servicosocialparaconcursos.com
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© 2009, ULBRA.
1ª Edição.
ISBN 978-85-7697- 128-3
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser
reproduzida por qualquer meio, sem autorização prévia da autora, por
escrito. O Código Penal Brasileiro determina, no Artigo 184, pena e san-
ções a infratores por violação de direitos autorais. Qualquer semelhança
é mera coincidência.
Coordenação Editorial
Karla Viviane
Editora Imprensa Livre®
Rua Comandaí, 801
Porto Alegre/RS – CEP 90830-530
(51) 32497146
www.imprensalivre.net
imprensalivre@imprensalivre.net
S749t Sperotto, Neila
Teoria e metodologia / Neila Sperotto. – Porto Alegre :
Imprensa Livre, 2009.
152 p. ; 22 cm.
ISBN 978-85-7697-128-3
1. Normalização. 2. Metodologia científica. I. Título
Obra coletiva organizada pela Universidade Luterana do Brasil.
Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a
emissão de conceitos.
 CDU 001.8
Catalogação elaborada por: Evelin Stahlhoefer Cotta – CRB 10/1563
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Apresentação
Nesta obra vamos destacar os fundamentos teórico
práticos do trabalho social, com a finalidade de demonstrar
a construção dos conhecimentos produzidos no Serviço
Social, que fornecem as condições teórico-metodológicas
para o estudo da realidade social e apreensão da questão
social como produtora da exclusão social e das
desigualdades de renda.
Estes conhecimentos teóricos são materializados na
prática profissional quando da intervenção junto à população
usuária dos serviços sociais. Historicamente, a realização
do trabalho do assistente social se deu pelo conjunto de
ações realizadas diretamente com os indivíduos, as famílias,
os grupos e as comunidades, bem como na necessária, e
cada vez mais solicitada aos assistentes sociais,
administração e gestão de organizações, serviços,
programas e projetos sociais.
A estrutura da obra está organizada para que, de
forma didática, você apreenda como a teoria e a
metodologia da profissão foi sendo construída ao longo do
tempo. É necessário ter em mente que esta construção
não está acabada e encontra-se permanentemente em
processo de elaboração, de críticas e reconstrução de
saberes. Isso revela a condição de provisoriedade desses
saberes.
Algumas informações conceituais vocês já possui e
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Apresentação
pode (e deve) relembrá-las na leitura do material das obras
sobre Introdução ao Serviço Social e História do Serviço
Social.
Em um primeiro momento você pode pensar que é uma
repetição de alguns conteúdos que você já estudou em
outras obras, mas leia com mais atenção que logo
identificará os aprofundamentos. E lembre-se também que
a história se inscreve em um movimento, é construída e
reconstruída. Estamos sempre voltando ao passado, com
condições mais bem formuladas para compreendê-lo, o que
possibilita uma apreensão do presente e um projeto em
evolução que, certamente, coexiste com saberes
preexistentes. Feitas estas considerações acredita-se que
descobrirá muitas outras especificidades desses
conhecimentos teórico-práticos dessa ação profissional.
Vamos iniciar discutindo o papel da teoria e da
metodologia na construção do conhecimento científico,
analisando a sua influência na constituição da teoria e
metodologia no Serviço Social.
Exploraremos um pouco mais os antecedentes
metodológicos por meio da análise dos três métodos
tradicionais de Serviço Social que você já conhece: o
Serviço Social de Caso, o Serviço Social de Grupo e o
Serviço Social de Comunidade.
Esta análise pretende evidenciar a abordagem realizada
pelos profissionais do Serviço Social em cada período no
Brasil e no mundo. A opção por uma compreensão política/
história pretende dar espaço às discussões realizadas pelos
principais autores do Serviço Social em cada época, isso
certamente dará uma noção das bases que norteiam as
práticas profissionais dos Assistentes Sociais hoje.
Neila Sperotto
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Sumário
Capítulo I
A construção do conhecimento,11
Capítulo II
A construção da Ciência Social nos séculos XIX e XX,23
Capítulo III
A precursora,41
Capítulo IV
O método de caso,57
Capítulo V
O método de grupo e de comunidade,69
Capítulo VI
A teoria do Serviço Social,79
Capítulo VII
Uma concepção teórica da reprodução
das relações sociais,95
Capítulo VIII
A metodologia dos Serviço Social,105
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Capítulo IX
Ciência e contemporaneidade,125
Capítulo X
A construção do conhecimento do Serviço Social na
contemporaneidade,133
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Cap. I
A construção do
conhecimento
1 Introdução
O conhecimento pode ser definido, grosso modo, como a
capacidade que o ser humano tem de pensar e compreender a
relação existente entre si e o objeto a ser conhecido. Ninguém
inicia o ato de conhecer desprovido de instrumentos, pois
existem muitas formas de conhecimentos, umas mais elaboradas
e complexas, outras menos.
O ato de conhecer é simultâneo à transmissão da cultura
pela educação social a qual todos somos acolhidos a partir de
nossa aparição no mundo. Nossos pais e familiares vão, pouco
a pouco, nos introduzindo ao mundo dos conceitos e teorias.
Quando nos ensinam, por exemplo, que o fogo queima,
aprendemos algo sobre a temperatura, embora ainda não
conheçamos as Leis da Termodinâmica e não sabemos o porquê
que isso acontece. Da mesma forma quando nos ensinam que
caímos quando pulamos da cadeira, utilizam um conceito físico
conhecido por Lei da Gravidade.
A história tem nos mostrado que, no decorrer dos tempos,
a forma como o ser humano entrou em contato com o mundo
foi modificando-se, isso nos faz acreditar que a capacidade da
razão ou do raciocínio humano se deve às condições de
identificar as semelhanças e diferenças existentes nos objetos
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que o rodeiam. Isso vai possibilitando que novos saberes sejam
construídos.
2 A construção do
Conhecimento Teórico
Em qualquer situação do cotidiano de nossas vidas
experimentamos um ato de conhecer que se encontra primeiro
no nível da intuição, da experiência vivida. Aqui a intuição está
sendo entendida como forma de conhecimento imediato, sem
intermediários, e não como popularmente se costuma atribuir o
significado: de algo transcendental, mágico.
A intuição pode ser de vários tipos:
• Intuição sensível – é o conhecimento imediato que
nos é fornecido pelos órgãos dos sentidos, é o que nos qualifica
para sabermos que faz calor ou frio, para vermos que as folhas
das árvores são verdes ou secas, para ouvirmos se uma criança
está chorando ou rindo, para sabermos se a água do mar é
doce ou salgada, para sentirmos o cheiro das flores, para
sentirmos a maciez da pele de um bebê.
• Intuição inventiva – é o conhecimento do artista
quando, repentinamente, descobre uma nova maneira de fazer
o seu trabalho, ou mesmo em sua vida, quando, subitamente,
diante de certa situação ou adversidade, encontra uma solução
não usual. Existem ainda os inventores que criam novos produtos
ou objetos sem possuírem uma formação específica para tal.
• Intuiçãointelectual – é a que resulta de uma atitude
intencional de capturar a essência de um objeto de investigação
ou estudo, do cientista que percorre um caminho metodológico
ainda não testado.
A intuição é uma forma de conhecer o mundo em que
vivemos, mas consideramos que a Razão supera as formas
intuitivas que só correspondem às experiências concretas e
imediatas que são produzidas pela experiência. Este
conhecimento também pode ser chamado de conhecimento
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tácito.
Outro tipo é o conhecimento teórico, aquele que é
mediato, ou seja, é construído por meio de conceitos. Neste
processo, o pensamento ou a razão operam pela articulação
de um conjunto de saberes previamente existentes e que,
geralmente, são confirmados pelas experiências.
O conhecimento racional busca realizar abstrações que
permitem ao sujeito afastar-se de sua experiência concreta a
fim de capturar a essência do objeto, em uma tentativa de
separá-lo da representação deste objeto, pois certamente já
temos a imagem do objeto ou uma representação mental sobre
o fenômeno.
A título de exemplo, podemos lembrar dos primeiro anos de
escola, quando aprendemos a realizar adições, subtrações e
divisões com enunciados como: João tinha seis maçãs,
encontrou sua prima Maria e lhe deu duas maçãs, quando
chegou à escola deu uma maçã para a professora de ciências e
uma maçã para o professor de futebol, no recreio comeu uma
maçã. Quantas maçãs João levou para casa?
Note que no inicio tínhamos que ter uma ideia concreta
sobre a operação matemática. O enunciado do problema trazia
informações concretas de situações vivenciadas por nós no
cotidiano. O personagem tinha um nome e a ação ocorria em
um local onde concretamente existia a possibilidade da situação
ocorrer. Quando ainda não temos consolidado os conceitos que
regem as operações matemáticas precisamos de informações e
imagens concretas para sermos capazes de materializar a
subtração, ao passo que, quando já somos capazes de abstrair,
podemos somente considerar a quantidade. Entretanto, ainda
assim continuamos com uma representação mental sobre a
subtração que foi construída pelo conhecimento racional. Isso
possibilita a generalização e a possibilidade de construir uma
forma de se comunicar mundialmente. Onde estiver escrito o
enunciado: 6-2-1-1-1 = 1 sabemos que João voltou para casa
com 1 maçã, sem a necessidade de representá-lo
concretamente e pessoalmente.
Quanto mais nos dedicamos ao estudo dos conceitos
matemáticos, mais somos capazes de realizar operações
complexas, como por exemplo, as utilizadas para os cálculos
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de estruturas realizados na engenharia civil, que possibilitam a
construção de edifícios, pontes e viadutos.
A capacidade de abstração é o que nos possibilita
transformar conhecimentos teóricos em práticas que são
construídas a partir de metodologias. No Serviço Social não é
diferente da Matemática, pois primeiro devemos apreender
conhecimentos ou saberes da realidade social e cultural de
cada sociedade, aliado aos conhecimentos de socialização e
de relações sociais construídos historicamente pelo ser humano.
São saberes científicos advindos de várias ciências que nos
possibilitam compreender o homem como um ser biológico e
social.
O conhecimento científico é passível de abstração e diz se
que ele é fruto de uma complexificação da razão. A ciência
pretende superar o conhecimento intuitivo, buscando
transcender a experiência concreta, para oferecer uma
representação do real, que pode ser considerada para fins de
transformação da realidade. Este esforço se justifica pela
possibilidade de conhecer sem passar pela experiência concreta,
não sendo preciso cometer sempre os mesmos erros para
acertar, e isso nos possibilita evoluir rapidamente.
Imagine se todos ainda precisassem queimar as mãos para
saber que o fogo queima. E pensem agora em todas as formas
que já foram desenvolvidas para aproveitar a energia do fogo,
que no inicio dos tempos servia simplesmente para a preparação
de alimentos, passando depois a ser utilizado para a fundição
de metais, ainda na pré-história e utilizado também para este
fim até a atualidade.
Espera-se que este exercício de abstração desperte em
você a curiosidade para saber mais sobre a construção do
conhecimento e que evidencie a importância do conhecimento
científico para a vida cotidiana. Isso porque, como futuro
profissional do Serviço Social, o conhecimento científico é
fundamental para ajudá-lo a compreender as diversas visões
de homem e mundo que se evidenciam na prática profissional
junto aos indivíduos, famílias e comunidades. Você vai precisar
estudá-los. Sabendo identificar qual é esta visão, saberá com
certeza propor uma transformação na realidade social de cada
cidadão ou cidadã, que esteja em sintonia com as possibilidades
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de concretização e, ainda, identificar concepções que precisam
ser iluminadas e crenças que devem ser desestimuladas, para
que o novo possa fazer parte da realidade social vivenciada
pela população, trazendo melhorias na qualidade de vida.
3 A Teoria do
Conhecimento
Para compreender a teoria do conhecimento é necessário
que se visite novamente alguns expoentes da filosofia, que é
uma disciplina que investiga os problemas que se originam da
relação do sujeito com o objeto do conhecimento, ou seja, do
homem com o mundo.
Conhecer a trajetória histórica do conhecimento científico
possibilita a você identificar, na sociedade do século XXI, ainda
influências do pensamento e da forma de compreender o mundo
dos filósofos da Antiguidade e da Idade Média. Lembre-se de
que, como faz parte da sociedade, você possivelmente
reproduza ou utiliza bases desse conhecimento no cotidiano.
Estas ideias geralmente estão arraigadas nos nossos hábitos,
nos clichês, nos preconceitos, nas ideologias.
Frases como “pau que nasce torto morre torto”, “mulher
deve ficar em casa cuidando dos filhos”, “é um absurdo o
casamento de homossexuais”, “só não trabalha quem não quer”,
“filho de peixe peixinho é”, “se Deus quiser”, “Deus dá o frio
conforme o cobertor”, enfim, estes e muitos outros ditos nos
colocam diante da constatação de que o pensamento e a
compreensão do mundo em que vivemos ainda estão poluídos
pelo pensamento dos séculos passados.
Sugerimos o livro “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder,
pois é uma leitura leve e que retrata com precisão e com
exemplos do cotidiano a história da filosofia, dedicando um
capítulo para cada grande filósofo da antiguidade. Neste livro o
autor inicia discutindo a existência do Jardim do Éden dizendo
“... afinal de contas, algum dia alguma coisa tinha de ter surgido
do nada”1 onde nos convida a responder perguntas como:
1 GAARDNER, 1995, p. 13.
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• “Quem é você?”
• “De onde vem o mundo?”
Esta proposta do autor se deve a sua crença de que “... a
única coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofos
é a capacidade de nos admirarmos com as coisas...”2 e de que
existem questões que interessam a todos os seres humanos
independentemente de onde vivem. Esta questão refere-se a
que “nós temos a necessidade de descobrir quem somos e por
que vivemos”3.
Muitas respostas já foram dadas no decorrer da história e
estas convivem na sociedade até hoje, dependendo do acesso
ao conhecimento e as experiências que cada grupo social teve.
Nos primórdios da civilização, as perguntas eram respondidas
pelas religiões por meio dos mitos. A filosofia é a forma nova de
pensar e compreender o mundo, surgida na Grécia antiga por
volta de 600 a.C. Desde então foram formuladas inúmeras
respostas e explicações. O conjunto de respostas que damos
para estas questões chamamos visão de homem e mundo.
Basicamente, as principais diferenças nas respostas filosóficas
são as queconstituem as bases de uma teoria e, por
conseguinte, norteiam o processo metodológico.
Entender como esses aspectos são relevantes para a
construção das teorias e metodologias construídas em cada
uma das profissões é fundamental, não só para identificá-las,
mas principalmente para reconhecermos em nós a necessidade
de modificar nossa forma de compreender o mundo, pois a
diferença existente entre um profissional técnico e a opinião
de um cidadão comum é a capacidade que os técnicos
constroem para “enxergar” além das aparências, compreendendo
um fenômeno social a partir da abstração do conhecimento
científico e sendo capaz de proferir uma explicação diferente
das do senso comum.
Esta compreensão diferenciada do fato social4, respaldada
pela ciência, é o que vai permitir com que seja um Assistente
Social. Você mesmo vai poder identificar quando estará se
2 Ibid., p. 22.
3 Ibid., p. 24.
4 Devemos considerar os fatos sociais como “coisas”. Para Durkheim, “coisa” é algo
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tornando um profissional. Este processo só se inicia no momento
em que não se contentar em repetir simplesmente o que sempre
pensou, no momento em que você começar a questionar as
verdades que você cresceu aprendendo, quando suas certezas
forem abaladas e você não encontrar no conhecimento do senso
comum respostas satisfatórias para a ocorrência dos fatos
sociais. Neste momento você estará se tornando um profissional.
O processo de questionar a ordem existente, a postura de
escutar de forma livre de preconceitos as situações vivenciadas
no cotidiano, vão permitir que você, quando for Assistente
Social, compreenda o que ocorre com um marido quando este
bate em sua esposa. Não para aceitar ou justificar o ato que
precisa ser erradicado da nossa sociedade, mas para conseguir
identificar formas de proteger essa mulher, responsabilizar esse
homem e libertá-los do aprendizado social que receberam e
vêm reproduzindo na sociedade, onde a violência de gênero
era justificada e aceita.
Os Assistentes Sociais precisam compreender a violência
doméstica de forma diferente dos vizinhos ou de pessoas da
família, pois se continuar acreditando nas explicações do senso
comum, que geralmente colocam a mulher que sofre violência
como “uma pessoa que gosta de apanhar” ou “que em briga de
marido e mulher ninguém bota a colher” – explicações e certezas
que certamente já ouviram – que mudança social os profissionais
podem promover? Uma compreensão diferente do senso
comum para a compreensão da violência doméstica é
possibilitada pelo conhecimento teórico produzido pelas ciências
sociais que se tem à disposição no processo de formação dos
cursos de Serviço Social e ainda na metodologia do trabalho
profissional. Este conhecimento nos possibilita promover na
prática a transformação desta realidade social, visto que a
violência doméstica, por exemplo, não é um problema privado
específico de um único lar, mas se constitui como um fato
social, pois possui as três características descritas por Émile
Sui generes, ou seja, é dotado de uma lógica própria. Precisamos limpar toda a
mente de prenoções antes de analisarmos fatos sociais. Essas “noções vulgares”
desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas e que nós confundimos com as
verdadeiras coisas. As prenoções são capazes de dominar o espírito e substituir a
realidade. Esquecidas as prenoções devemos analisar os fatos sociais
cientificamente (extraido de http://pt.wikipedia.org/wiki/fato social em 02 de janeiro
de 2009).
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Durkheim:
• Coercitividade – característica relacionada com a força
dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram.
Estes padrões culturais são de tal maneira fortes que obrigam
os indivíduos a cumpri-los.
• Exterioridade – esta característica transmite o fato
desses padrões de cultura serem exteriores aos indivíduos, ou
seja, ao fato de virem do exterior e de serem independentes
das suas consciências.
• Generalidade – os fatos sociais existem não para um
indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber
a generalidade pela propagação das tendências dos grupos
pela sociedade.
Esperamos que tenha ficado clara a importância de se
conhecer a trajetória da construção do conhecimento teórico
para que fique mais fácil o entendimento de como a visão de
homem e mundo interfere em nossa vida profissional e pessoal,
e a importância da ruptura da compreensão de senso
comum que temos para incorporar uma postura científica.
Você quer ser um Assistente Social? Comece agora mesmo
o exercício de encontrar várias explicações para um mesmo
fato social e identificar qual é uma concepção de senso comum
e uma compreensão teórica deste mesmo fato social. Você vai
se surpreender com as descobertas.
Marilena Chauí, uma importante filósofa brasileira de nosso
tempo, no seu livro “Convite à Filosofia”, em uma linguagem
muito clara nos ensina como assumir uma atitude crítica. Convida
a questionar as evidências do cotidiano para conseguirmos
romper com esta atitude de aceitação passiva diante das crenças
e explicações causais lineares. Diz que as perguntas inesperadas
oportunizam tomar uma distância de si mesmo e da vida
cotidiana para atingir uma atitude filosófica que requer indagar,
perguntar, investigar, estudar para compreender.
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As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático.
Que significa isso? Significa que a filosofia trabalha com
enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos
lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias
obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige
a fundamentação racional do que é enunciado e pensado.
Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa
experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem
uma visão crítica de si mesmas.5
O caminho proposto pela autora para chegar ao pensamento
sistemático, onde não existe lugar para o “acho que” ou um
“eu gosto de”. O pensamento sistemático que é dotado da
postura de incerteza utiliza-se de um método Socrático, onde
guia-se pelo princípio da célebre frase: “Sei que nada Sei”,
sendo esta, segundo Sócrates, a única verdade filosófica.
5 CHAUÍ, 1994, p.15.
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Figura 1 – Quadro Resumo de Marilena Chauí
Crenças (relações casuais) «» evidências (não são questionadas)
Perguntas (inesperadas) «» tomar distância de
si mesmo/da vida cotidiana
Atitude filosófica
(Indagar, perguntar, investigar para compreender)
O que? Natureza, significação
Como? Estrutura, relações
Por que? Origem, causa
Atitude crítica
pensamento crítico
Sócrates: sei que nada sei
Platão: admiração
Aristóteles: Espanto
Perguntamos ao próprio pensamento o pensamento
volta para si mesmo
Reflexão filosófica
Motivação, razões, causas
conteúdo, sentido,
intensão/finalidade
Pensar
Dizer
Fazer
Eu penso que
(Eu acho que: opinião, crença)
Pensamento sistemático
Demonstração, prova racionais
(rigor do pensamento)
Negativa
Dizer Não
senso comum
preconceito
prejuizo
Estabelecido
Positiva
O que são?
Coisas, ideias, fatos, situações
comportamentos, valores, nós-
mesmos
»
»
»
»
»
»
»
»
»
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Uma dica: diante de qualquer fato social que você já possui
uma opinião faça sempre as perguntas sugeridas por Marilena
Chauí. Observe a sequência do encadeamento lógico, de onde
vem e para onde leva o raciocínio. As relações horizontais e
verticais nos levam a desenvolver um raciocínio lógico dentro
do método científico.
4 Conclusão
Neste primeiro capítulo a aproximação com a teoria do
conhecimento pretendeu levar ao entendimento de que, mesmo
existindo teorias e metodologias, essas não devem simplesmente
ser “aplicadas na prática” comocomumente se vê dizer. Um
profissional de nível especializado, como o Assistente Social,
tem o compromisso social de também produzir conhecimentos
a partir da sua intervenção na realidade social, que inicia com
o estudo de cada situação que se apresenta no cotidiano do
trabalho social.
Para tanto, há de se ter em mente que existem teorias
nas Ciências Humanas e Sociais que, mesmo tendo sido
construídas nos séculos XIX e XX, são ainda fundamentais
para iniciar o processo de compreensão da realidade social na
qual desenvolve-se o trabalho do Assistente Social, com vistas
à consolidação de um conhecimento sistemático. Basicamente,
no Serviço Social você encontrará muitas referências às teorias
filosóficas e às ciências sociais. Algumas serão destacadas no
capítulo seguinte.
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Cap. II
A construção da Ciência
Social nos séculos XIX e XX
1 Introdução
Como já vimos no capítulo anterior, o conhecimento foi
sendo produzido ao longo dos séculos, a partir da inserção do
ser humano no mundo, e se perpetuou por meio das crenças e
processos de socialização nos quais todos somos educados
até chegar a um nível de maturidade em que a forma de conhecer
transcendeu a experiência e a intuição e elevou-se ao status
de ciência, produzindo o que hoje chamamos conhecimento
científico ao conjunto de enunciados e teorias que embasam
as ações profissionais.
Partindo do princípio de que a ciência se constroi a partir
da observação do real, os referenciais teóricos contribuem de
forma fundamental para a construção das ciências humanas e
sociais que, pela observação do contexto sociohistórico do
século XIX, clamava por explicações que pudessem dar uma
esperança de organização. Este século foi marcado por grandes
rupturas e instauração de novos hábitos resultado do processo
de industrialização. As instituições sociais tradicionais se
encontravam enfraquecidas, havia muitos questionamentos,
valores tradicionais eram rompidos, este cenário era frutífero
para a emergência de novos conhecimentos científicos e a
sociedade estava necessitada destes.
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Uma teoria geral possibilita ao profissional parâmetros e
métodos eficazes para a observação do real. Assim, o referencial
teórico ajuda na codificação do conhecimento concreto
existente no real, que pode orientar a formulação de hipóteses
gerais para o estudo dos acontecimentos, ideias e situações
concretas que se colocam no cotidiano da prática profissional.
Isso ajuda a acumular conhecimento sobre os aspectos mais
frágeis e fragmentados do fato social estudado, o que dá
respaldo para produzir as propostas de transformação da
situação e evidencia quais os pontos onde deve ser focado e
intensificado o trabalho social.
Percebemos que a teoria é um guia para a investigação e
estudo nas ciências sociais, é o ponto de partida que facilitará
o controle das distorções e interpretações do pesquisador na
hora de analisar os dados.
A pesquisa só se encaminha de forma científica se possuir
um referencial teórico que direcione os seus passos, para que
não tome outro caminho e que não cometa vieses no tratamento
dos dados que estão sendo coletados e trabalhados.
Se, por um lado, as teorias são construídas a partir da
observação do real, por outro, o real só é conhecido através
do emprego de métodos científicos rigorosos.6
Podemos verificar na história que a preocupação pela
sistematização do conhecimento do homem vem desde o
princípio, até evoluir para a necessidade de se produzir um
conhecimento mais exato, mais fidedigno e livre de vieses. Mas
as divergências sobre a origem do homem, sua possibilidade ou
não de pensar e raciocinar, fizeram com que o problema por
muito tempo fosse visto apenas enquanto constituição do ser,
considerado em si mesmo, sem levar em conta o modo pelo
qual se manifestava e como se relacionava com os outros.
Kant foi o primeiro a limitar-se à observação do
comportamento humano, suas relações, concebendo o homem
como um ser que dispõe de um aparato mental, que o qualifica
como ser consciente.
6 HAGETTE, 1995, p. 12.
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Mesmo com essas discussões epistemológicas, somente
no século XIX, com o positivismo de Comte e o materialismo de
Marx, inicia-se a discussão sobre a problemática política que
se reflete nas ações dos homens uns sobre os outros.
2 A Concepção Positivista
A concepção positivista de Auguste Comte, propositor da
Sociologia e o fundador do Positivismo (1789–1857), defendia
um modelo único de ciência. O positivismo de Comte propôs
refutar a ciência especulativa, a visão evolucionista e linear da
história. A filosofia positiva de Comte nega que a explicação
dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um
só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideração
das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se
pesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas e
constantes entre fenômenos observáveis. No quadro a seguir
encontra-se um fragmento do texto apresentado em http://
pt.wikipedia.org sobre August Comte. Sugerimos o acesso ao
hipertexto em sua integra.
Tendo por método dois critérios, o histórico e o sistemático,
outras ciências abstratas antes da Sociologia, segundo Comte,
haviam atingido a positividade: a Matemática, Astronomia, a
Física, a Química e a Biologia. Assim como nestas ciências, em
sua nova ciência chamada de física social e posteriormente
Sociologia, Comte usaria da observação, da experimentação,
da comparação, da classificação e da filiação histórica como
método para a obtenção dos dados reais. Comte afirmou que
os fenômenos sociais podem ser percebidos como os outros
fenômenos da natureza, ou seja, como obedecendo a leis
gerais. Pode-se dizer que o conhecimento positivo tem como
fundamento “ver para prever, a fim de prover” – ou seja:
conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de
nossas ações, para que o ser humano possa melhorar sua
realidade. Dessa forma, a previsão científica caracteriza o
pensamento positivo. O espírito positivo, segundo Comte, tem
a ciência como investigação do real. No social e no político, o
espírito positivo passaria o poder espiritual para o controle
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dos “filósofos positivos”, cujo poder é, nos termos comtianos,
exclusivamente baseado nas opiniões e no aconselhamento,
afastando-se a ação política prática desse poder espiritual –
o que afasta o risco de tecnocracia. O seu método em termos
gerais caracteriza-se pela observação, mas deve-se perceber
que cada ciência, ou melhor, cada fenômeno tem suas
particularidades, de modo que o método de observação para
cada fenômeno será diferente.
Além da realidade, outros princípios caracterizam o
Positivismo: o relativismo e o espírito de conjunto (hoje em
dia chamado de “holismo”). Na verdade, na obra “Apelo aos
conservadores”, Comte apresenta sete definições para o
termo “positivo” a saber: real, útil, certo, preciso, relativo,
orgânico e simpático.
A sociologia de Comte promoveu o destaque para o papel
das elites intelectuais, esclarecidas e defendeu a imparcialidade
científica, condenando a influência da ideologia política,
interferindo na construção da ciência, na busca de construir
um método e uma doutrina política capaz de dotar o cientista
de uma imparcialidade absoluta. Para evitar as influências da
igreja, defendeu a ciência como nova religião.
Estes princípios, segundo Comte, proporcionariam:
• Exatidão científica x imprecisão filosófica
• Fundamentação x especulação
• Real x quimérico
• Útil x inútil
• Verdade x ilusão
• Eficaz x diletante
• Empírico x abstrato
• Objetivo x opinativo
Tendo o Positivismo inaugurado o status de Ciência paraas Ciências Humanas e Sociais que até então estavam igualadas
as artes, em função de não ter uma metodologia que garantisse
o tão exigido rigor científico já conquistado pela ditas ciências
exatas, a sociologia moderna foi inaugurada pelo Funcionalismo
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de Durkheim. Esse foi um dos métodos muito difundidos e
utilizados na construção das ciências sociais ao longo destes
anos, que seguiu as premissas e doutrinas positivistas, aliados
a outros que inauguravam novas concepções e visões de homem
e mundo.
Acredita-se que o estudo do Funcionalismo, do
Estruturalismo e do Marxismo, referenciais teóricos que tem
contribuído para a construção das ciências humanas e sociais,
nos séculos XIX e XX, se estabelece em condição necessária
para verificarmos de que maneira cada um contribuiu e continua
contribuindo ainda hoje para a construção da ciência nas áreas
Humanas e Sociais e, consequentemente, nas metodologias do
Serviço Social. Para tanto, a seguir veremos cada uma delas.
3 O Funcionalismo
O funcionalismo tem interesse em verificar e apreender as
conexões funcionais. Para verificar estas relações é necessário
conhecer o conceito de função e do método de interpretação,
ou seja, a análise funcionalista.
A evolução do pensamento funcionalista passa por três
períodos: organizacionista – da constatação dos conceitos,
período das orientações interpretativas e o período da visão
crítica e sistematização teórica.
1 – Período organizacionista – é marcado pela
transferência da conotação biológica da palavra “função” para
o campo da sociologia. O termo função é usado tanto para
definir função de nutrição, de relação e de reprodução, quanto
para exprimir a relação de correspondência entre estes
movimentos e as necessidades do organismo. O sistema não
era objeto de muitas preocupações e Spencer definiu a
sociedade como uma “entidade, composta de unidades discretas,
os indivíduos, mas possuidora de existência regulada”7,
concluindo ainda com uma frase que respaldou logicamente
toda a sua produção organizacionista “as relações permanentes
que existem entre as partes de uma sociedade são análogas às
7 FERNANDES, 1972, p. 188.
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relações permanentes que existem entre as partes de um corpo
vivo”8.
Florestan Fernandes destaca de Spencer cinco itens da
teoria das funções: funções sociais, estrutura e função, princípio
da integração funcional, princípio da reversibilidade das funções
e princípio da vitalidade das funções.
• As funções sociais: são predominantemente descritas
a partir dos resultados alcançados pelas instituições, grupos e
estruturas sociais;
• Estrutura e função: são concebidas como parâmetros
independentes na dinâmica social;
• Princípio da integração funcional: as partes de uma
sociedade são unidas por uma relação de dependência tão
rigorosa quanto às partes de um corpo vivo;
• Princípio da reversibilidade das funções: quando as
partes têm poucas diferenças, elas podem desempenhar
as funções de outras, entretanto sendo muito diferentes,
elas não podem desempenhas as funções de outras;
• Princípio da vitalidade das funções: a vitalidade
aumenta à medida que as funções se especializam.
2 – Período da construção dos conceitos e das
orientações interpretativas – Durkheim é o autor que mais
se destaca neste período em função de ter escrito duas obras
nas quais crítica a influência organizacionista, no que se refere
à definição de função social, pela analogia (organismo e
sociedade) sem que ao menos se preocupassem com as suas
consequências.
As preocupações deste teórico eram com o que ele
considerou uma patologia social. Descreveu a sociedade do
século XIX como doente de anomia, ou “anomana”. A anomia9
era a grande inimiga da sociedade, algo que devia ser vencido,
8 Ibid., p. 189.
9 A anomia é um estado de falta de objetivos e perda de identidade, provocado pelas
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e a sociologia, segundo ele, era o meio para isso. O papel do
sociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar a
sociedade. No trecho apresentado no quadro a seguir encontra-
se um fragmento do texto apresentado em http://
pt.wikipedia.org. Sugere-se o acesso no hipertexto com a
entrada “Émile Durkheim”.
Na tentativa de “curar” a sociedade da anomia, Durkheim
escreve “Da divisão do trabalho social”, onde ele descreve a
necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica
entre os membros da sociedade. A solução estaria em,
seguindo o exemplo de um organismo biológico, onde cada
órgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver,
se cada membro da sociedade exercer uma função na divisão
do trabalho, ele será obrigado por meio de de um sistema de
direitos e deveres, e também sentirá a necessidade de se
manter coeso e solidário aos outros. O importante para ele é
que o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, que
realmente precise da sociedade de forma orgânica,
interiorizada e não meramente mecânica.
Na obra “A Divisão Social do Trabalho”, o autor limitou-se
a estabelecer conexões de ordem sociológica, conexões
funcionais existentes de fato entre os fenômenos, justificando
intensas transformações ocorrentes no mundo social moderno. A partir do
surgimento do Capitalismo, e da tomada da Razão, como forma de explicar o mundo,
há um brusco rompimento com valores tradicionais, fortemente ligados à concepção
religiosa. A Modernidade, com seus intensos processos de mudança, não fornece
novos valores que preencham os anteriores demolidos, ocasionando uma espécie
de vazio de significado no cotidiano de muitos indivíduos. Há um sentimento de se
“estar à deriva”, participando inconscientemente dos processos coletivos/sociais:
perda quase total da atuação consciente e da identidade. Este termo foi cunhado
por Durkheim em seu livro O Suicídio. Durkheim emprega este termo para mostrar
que algo na sociedade não funciona de forma harmônica. Algo desse corpo está
funcionando de forma patológica ou “anomicamente”. Em seu famoso estudo sobre
o suicídio, Durkheim mostra que os fatores sociais – especialmente da sociedade
moderna – exercem profunda influência sobre a vida dos indivíduos com
comportamento suicida. Segundo Robert King Merton, anomia significa uma
incapacidade de atingir os fins culturais. Para ele, ocorre quando o insucesso em
atingir metas culturais, devido à insuficiência dos meios institucionalizados, gera
conduta desviante. Seu pensamento popularizou-se em 1949 com seu livro:
Estrutura social e Anomia. A teoria da anomia de Merton explica porque os membros
das classes menos favorecidas cometem a maioria das infrações penais, explica
os crimes de motivação política (terrorismos, saques, ocupações) que decorrem de
uma conduta de rebeliões e explica comportamentos como os do alcoolismo e
tóxico-dependência (evasão). Obtido em “http://pt.wikipedia.org/wiki/Anomia.
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que a escolha do termo função se deu pelo fato de qualquer
outro ser inexato ou equívoco.
Durkheim apresenta as ideias de que é necessário
“determinar se há correspondência entre o fato considerado e
as necessidades gerais do organismo social e em que consiste
essa correspondência”. Assim “deve ser procurada a função de
um fato social na relação que ele mantém com algum fim
social”10.
Durkheim crítica o período organicista pelo fato de reduzir
a análise em termos de função aos seus limites explicativos. A
solução encontrada por ele aponta para a realização de pesquisa
separada: “quando, pois se pretende explicar um fenômeno
social, é preciso pesquisar, separadamente, a causa eficiente
que o produz e a função que ele preenche.11
O esforço é reconhecido como o passo decisivo na
conceituação sociológica de função social e na fundamentação
da interpretaçãofuncionalista dos fenômenos sociais.
3 – Período da visão crítica e de sistematização teórica –
este período é muito importante para o amadurecimento do
funcionalismo porque é criticado por um dos seus próprios
membros.
Merton fez a melhor crítica ao funcionalismo. Não
necessitamos recorrer a autores marxistas, por exemplo, para
identificar lacunas e fragilidades do funcionalismo. O próprio
Merton faz isso com conhecimento profundo.
A obra de Merton12 é preocupada com a teoria e a pesquisa
voltada para a operacionalização. Propõe uma reformulação do
funcionalismo apontando os riscos e prejuízos do método.
Os problemas do método:
• Os vocábulos da análise – categoria função pode ser
encontrada com vários conceitos. Esta fragilidade prejudica a
pesquisa, uma vez que fica a mercê de diversas concepções
do termo (um só termo, diversos conceitos), deixam margem
que impedem a lógica do procedimento (um só conceito, diversos
10 Ibid., p. 191.
11 Ibid., p. 193.
12 MERTON, 1968, p. 104.
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termos).
• Os postulados com bases falsas – postulado da
unidade funcional, o fato dos pesquisadores trabalharem com
sociedades simples, deram muita ênfase à integração, não
necessariamente todas as sociedades sejam funcionais. Merton
chama a atenção para o fato de nem a biologia ter este tipo de
postulado, pois acredita que a função e disfunção convivem,
além da possibilidade de existir fatos que não tenham função
nenhuma dentro do recorte que se faça.
• Postulado do funcionalismo universal – este
pressuposto de que função sempre se refere a resultado também
está equivocado.
• Postulado da indispensabilidade – supõe que existem
certas funções que são indispensáveis, dá origem a toda espécie
de problemas teóricos. Este postulado inviabiliza todo o processo,
além de ser reacionário e conservador.
• A análise funcional como ideologia – a questão da
análise funcional como elemento conservador, se dá pelo fato
de afirmar a invariabilidade entre os interesses. Este “perigo”
só ocorre se for estabelecido o postulado da indispensabilidade
que Merton também aponta como conservador e reacionário.
• A análise funcional como elemento radical – Merton
não prega a neutralidade, mas coloca que a análise funcional é
neutra no sentido de que ela não vem em nome de (nada). O
marxismo sim vem em nome do socialismo.
“O fato da análise funcional ser entendida por uns como
inerentemente conservadora e por outros como intrinsecamente
radical, sugere que a análise funcional pode não implicar em
nenhum compromisso ideológico intrínseco, embora, como outras
formas de análise sociológica, ela possa estar imbuída de uma
extensa variedade de valores ideológicos”.13
• A ideologia e a análise funcional da religião – para
Merton é prematuro dizer que a religião garante a apatia do
povo, pois o sistema de religião é também revolucionário. As
diferenças das crenças fazem com que você perceba que não
é possível ter controle, uma vez que possuem diversas diferenças
13 Ibid., p. 106.
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entre elas.
• Funções manifestas e latentes – o real é pôr si só
embaralhado. Podemos ter uma visão equivocada do real, pois
mostra em sua aparência as coisas desarrumadas.
Note que o funcionalismo não estuda a disfunção ou não
função, ele estuda é como funciona. A busca é de como
funciona para saber o que tem se mantido para garantir o
funcionamento.
Preste bastante atenção para não se equivocar na
compreensão do pressuposto funcionalista, pois este aceita e
tem como pressuposto a existência de funcionalidades e
disfincionalidades, mas só se constitui seu objeto de estudo o
que é funcionalidade. Isso demonstra uma opção pelo estudo
da funcionalidade e não uma “cegueira” do cientista social. A
questão que precisa ser colocada no nosso tempo é a
determinação e a certeza de que aqueles que não estão
“funcionando”, ou aquilo que se mostra disfuncional precisa ser
adaptado ao modelo funcional. Isso pode impedir a
transformação da realidade social e até mesmo o progresso,
destacado como a finalidade da sociedade pelo positivismo.
A análise funcional possui muitas possibilidades, uma vez
que privilegia o estudo de fenômenos recorrentes: família, escola,
organização, enfim, tudo o que vem garantindo a manutenção
da sociedade.
A expressão “produção social” leva em conta a produção
e reprodução, privilegiando a mudança para a continuidade,
não permite a mudança revolucionária, usando para explicar a
necessidade da mudança para continuidade a expressão “reforma
social”.
Para fazer uma observação a partir do método funcionalista
é necessário seguir alguns passos:
• Vínculo claro com o empírico.
• Decomposição por intermédio de processo analítico, o
contexto empírico em seus aspectos nucleares. Esta
decomposição se dá pela necessidade de agrupamentos
para possibilitar a construção de instrumentos apropriados
para o estudo de cada uma.
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• Por meio de do desvelamento do como funciona,
percebem-se as consequências, pelo processo de
interpretação das conclusões alcançadas pelo estudo.
• Isto possibilita o planejamento da mudança, pois o
planejamento é funcional e a melhor forma de dar
continuidade ao fenômeno é fazendo uma mudança
planejada. Para tanto é importante estar atento para as
funções manifestas e latentes.
Segundo Merton14, é necessário que se identifique para o
estudo as funções manifestas (evidentes) que se referem às
consequências objetivas para uma unidade específica, que
contribui para o seu ajustamento ou adaptação, sendo esta
intencionada.
As funções latentes não são intencionadas, tendo a
possibilidade de incluir questões latentes – ideia da contingência,
de um imprevisto.
Por intermédio das análises interpretativas, o funcionalismo
pode ampliar o conhecimento do fenômeno, diminuindo os juízos
morais ingênuos, pois eliminar estruturas sociais existentes pura
e simplesmente sem a proposição de novas estruturas para
substituí-las, é desconsiderar o seu caráter de manutenção da
sociedade. Este é o risco que Merton chama a atenção.
Procurar a mudança social sem o devido reconhecimento das
funções manifestas e latentes desempenhadas pela
organização social que está sofrendo a mudança, é contentar-
se com o ritual social em vez de lançar mão da engenharia
social”.15
Ambos, função social e estrutura social, interagem
completando o ciclo de funcionamento do sistema social. Assim
não podemos deixar de considerar que um afeta o outro e é
afetado por ele, produzindo relações sociais, latentes e
contingenciais, que requerem mudanças estruturais. A estrutura
afeta a função e a função afeta a estrutura.
14 Ibid., p. 119.
15 Ibid., p. 149.
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4 O Estruturalismo
Destaca-se Lévi-Strauss como teórico que colocou o
estruturalismo como método, perspectiva, posição ou prisma
pelo qual pode ser encarado o social. Para tal:
Estruturalismo, estrutura, não é só método, mas visão
sociológica, modo de compreender o social, não pelo que
apresenta exteriormente, mas pelo que oculta, pelo que não
revela, que, entretanto, efetivamente, o acomoda.16
Qualquer estrutura precisa se situar em uma parte profunda
da realidade social, pois não está na aparência do fenômeno,
está profundamente dada pelo tempo.
Coloca estrutura sob dois aspectos: estruturas
contingentes (que variam) e invariantes. O homem tem um
componente cultural que é contingente, e um natural que é
invariante. Biologicamente, homens brasileiros e franceses têm
estruturas invariantes, ao passo que os homens franceses são
geralmente mais galantes e românticos do que os homens
brasileiros. O comportamento amoroso possui uma estrutura
contingente. O método estruturalista consiste em encontrar
formas invariáveisem conteúdos diferentes.
A sociedade não é composta de uma única estrutura, mas
se estabelece a partir da interligação de diversas estruturas
que a constituem, obedecendo a um complexo de ordens. Assim
podemos admitir que o social seja composto por diversas
camadas de estruturas.
Esse todo social, segundo Lévi-Strauss, é formado por
três pilares: parentesco, totenismo e mito.
• O parentesco, em sua essência, é o que protege o
incesto, logo são invariantes, pois apenas modificam-se as
formas de relacionamento familiar, mas a base continua a mesma;
• O totenismo capta os signos que os homens usam para
se comunicar, captando as formas desta comunicação, que
são invariantes;
16 LEVI-STRAUSS, 1972, p. 191.
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• O mito é o meio de extensão da cultura que é contingente.
Levi-Strauss era muito radical. Pelo seu método ficava
impossível haver movimento, pois admitia que o código em sua
essência seja igual em todos os tempos.
Somente após, Levi-Strauss considerou que o movimento
social se estrutura, desestrutura e se reestrutura, admitindo-
se que na pesquisa é importante o estudo das descontinuidades
e das rupturas.
É preciso capturar a essência do fenômeno para enxergar
sua estrutura, pois a estrutura não é nem uma verdade da
“coisa” nem sobre a “coisa”; a estrutura é a “coisa”. Assim
podemos dizer que no estruturalismo a estrutura é a essência
do fenômeno, aquilo que podemos chamar objeto de estudo.
No estruturalismo admite-se que existe uma parte da história
que o homem não faz, uma parte que o homem faz, mas não
pode se deixar levar pelo roldão, sob pena de não fazer sequer
uma parte da história. Isso porque tem que levar em conta que
o homem, para fazer história, necessita de sua parte biológica
por uma questão de sobrevivência.
O enfoque estruturalista tende a captar apenas o fenômeno
que é invariante a partir da base das relações sociais. Estas se
desencadeiam sempre pelas mesmas bases. O parentesco é
uma base invariante, o homem tem características biológicas
para relacionar-se sexualmente. O parentesco é uma base
cultural, varia enquanto se refere às formas de se estabelecer
este parentesco, se monogâmico, poligâmico, matriarcal ou
patriarcal. Mas o que é essencialmente invariante é a proteção
ao incesto, pois não possuímos repulsa natural para não
relacionarmo-nos com parentes, apreendemos culturalmente
que este tipo de relacionamento sexual não promove a dinâmica
necessária para a perpetuação da sociedade.
Esse aspecto da inexistência de uma “repulsa” natural para
não nos relacionarmos sexualmente com pessoas de nossa
família foi frequentemente tratada na literatura de romances e
novelas, que mostravam, por exemplo, os casos de paixão e
amor entre irmãos de sangue que, separados na infância e não
sabendo da existência deste irmão, ao encontrá-lo na vida
adulta acabam por apaixonarem-se. Este é o mote que leva a
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necessidade da revelação de um segredo familiar. A concepção
de que o incesto é proibido e repulsivo é cultural, aprendido
socialmente. Concordamos que a prática do incesto é
antissocial e que deve ser erradicada da sociedade, mas estas
informações e teorias são muito úteis para compreendermos
muitas situações de abuso sexual de crianças e adolescentes
por familiares, situações que cada vez mais são objeto de
intervenção do Assistente Social.
O método estruturalista se constitui na materialização para
capturar a teia de relações que se estabelece no social, que
se apresenta para sistematizar a sua construção, a partir do
modelo que o constitui, como vem se constituindo e como vem
se mantendo.
Esse processo é que vai nos permitir reconhecer a
estrutura, a essência. Essa captura do processo demonstra o
constante embate entre o real e o racional, compostos por
múltiplas hierarquias.
5 Marxismo
O Marxismo surgiu com a sociedade moderna, com a grande
indústria e o proletariado fabril. Apresenta-se como a
concepção do mundo que exprime este mundo moderno, as
suas contradições, os seus problemas, e que propõe, para
tais problemas, soluções racionais.17
Segundo Lefebvre, o marxismo é a corrente filosófica mais
influente da nossa época, construída a partir da filosofia clássica
alemã, a economia política inglesa e o socialismo utópico francês,
Marx expôs sua ideia generosa de possibilitar ao homem uma
sociedade igualitária. Por meio do pensamento de Hegel, maior
influência de Marx, que mesmo criticando seu idealismo,
consegue substituí-lo pelo materialismo.
Para construir este referencial, Marx apoiou-se em três
pilares fundamentais: a práxis, a alienação e o homem novo.
A práxis – pressuposto fundamental da concepção marxista
do homem, constituído de um conjunto de trocas antropológicas
17 LEFEBVRE, 1974, p. 17.
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que determina que o sistema de produção produz o homem, e
esta se dá pelo trabalho. O homem se realiza transformando as
relações sociais e de produção.
Alienação – é a segunda categoria básica da antropologia
marxista. Segundo Marx o homem, ao longo da história, perdeu
sua própria identidade, vítima do processo de produção que
era desumano.
Em Marx, a alienação de caráter econômico da sociedade
capitalista é radical, primordial e fonte de alienação social,
política, filosófica e religiosa, que se concretiza em quatro níveis:
alienação com respeito ao produto de seu trabalho, ao ser
genérico do homem, com respeito à própria atividade e em
relação a outro homem.
Além de descrever a situação alienada do homem da
sociedade capitalista, forneceu as condições de mudança futura
para um “homem novo”.
Homem novo – para que este homem novo apareça é
necessário que se crie a necessidade de uma nova sociedade.
Para isso sugere a superação de toda a alienação, da
propriedade privada, da divisão do trabalho e a possibilidade de
desfrutar um tempo “livre” para espiritualizar-se. Assim, o homem
novo é “total”, “pleno”, “universal”, “completo”, “multilateral” e
“espiritualmente dotado”.
O marxismo promoveu:
O encontro da dialética Hegeliana com o real e,
consequentemente, com o postulado empirista de que o
conhecimento não pode prescindir dos sentidos, distanciando-
o do princípio cartesiano das ideias inatas. O materialismo
histórico, pedra angular do marxismo, propunha que não é a
consciência do homem que determina a sua existência mas,
ao contrário, é sua existência social que determina sua
consciência”18
O método dialético aborda o real de forma a compreender
e apreender a historicidade antropológica do homem, por meio
de das suas realizações no campo do trabalho e das relações
18 HAGETTE, 1995, p. 15.
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de produção, a partir da luta de classes e da luta dos homens
contra a exploração dos sistemas de produção, sobre a venda
da força do trabalho, com a proposta de uma “nova sociedade
igualitária”.
O conteúdo político e humanista da teoria marxista tem
atraído os cientistas sociais comprometidos com a justiça e a
equidade social, o que tem levado, por vezes, a um viés na
coleta de dados do real, pelo apelo intervencionista que este
conteúdo político sugere ao pesquisador. Esta teoria, como
você poderá perceber nos capítulos subsequentes, tem grande
influência na construção teórico-metodologica do Serviço Social
pós Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que você
já estudou nas obras de História do Serviço Social e Introdução
ao Serviço Social.
No quadro a seguir destacam-se algumas ideias chave para
a compreensão. O texto pretende ser de caráter informativo e
não explicativo.
O marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, econômicas,
políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e
Friedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outros
seguidores.Baseado na concepção materialista e dialética
da História interpreta a vida social conforme a dinâmica da
base produtiva das sociedades e das lutas de classes daí
consequentes. O marxismo compreende o homem como um
ser social histórico e que possui a capacidade de trabalhar e
desenvolver a produtividade do trabalho, o que diferencia os
homens dos animais e possibilita o progresso de sua
emancipação da escassez da natureza, o que proporciona o
desenvolvimento das potencialidades humanas. A luta
comunista se resume à emancipação do proletariado por meio
da liberação da classe operária, para que os trabalhadores
da cidade e do campo, em aliança política, rompam na raiz a
propriedade privada burguesa, transformando a base
produtiva no sentido da socialização dos meios de produção,
para a realização do trabalho livremente associado – o
comunismo –, abolindo as classes sociais existentes e
orientando a produção – sob controle social dos próprios
produtores – de acordo com os interesses humanos-naturais.
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Uma classe social é um grupo de pessoas que têm status
social similar segundo critérios diversos, especialmente o
econômico. Diferencia-se da casta social na medida em que
ao membro de uma dada casta normalmente é impossível
mudar de status.
Segundo a óptica marxista, em praticamente toda sociedade,
seja ela pré-capitalista ou caracterizada por um capitalismo
desenvolvido, existe a classe dominante, que controla direta
ou indiretamente o Estado, e as classes dominadas por aquela,
reproduzida inexoravelmente por uma estrutura social
implantada pela classe dominante. Segundo a mesma visão
de mundo, a história da humanidade é a sucessão das lutas
de classes, de forma que sempre que uma classe dominada
passa a assumir o papel de classe dominante, surge em seu
lugar uma nova classe dominada, e aquela impõe a sua
estrutura social mais adequada para a perpetuação da
exploração.
Luta de classes foi a denominação dada por Karl Marx,
ideólogo do comunismo juntamente com Friedrich Engels, para
designar o confronto entre o que consideravam os opressores
(a burguesia) e os oprimidos (o proletariado), consideradas
classes antagônicas e existentes no modo de produção
capitalista. A luta de classes se expressa nos terrenos
econômico, ideológico e político.
6 Conclusão
Neste capítulo, de forma breve você pôde tomar contato
com as principais correntes teóricas de influencia social, cada
uma a seu tempo desvelou aspectos importantes da construção
das relações socias.
As Ciências Sociais estão permanentemente em formulações
e reformulações teóricas em função da dinâmica de seu objeto
de estudo.
Para a compreensão do conhecimento produzido na área
do Serviço Social, estas correntes teóricas representam a
possibilidade de abstração e compreensão racional da realidade
social.
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Cap. III
A precursora
1 Introdução
É preciso ter em mente a historicidade e o contexto sócio
político de cada período, para evitar o risco de pensar a
“evolução” deste conhecimento como algo linear e cronológico.
A trajetória percorrida pela profissão em quase um século de
sistematização de sua prática profissional é fruto de embates
políticos e ideológicos.
Pensar a inserção de uma disciplina profissional no seio da
sociedade pós-industrial revela a complexidade e os reflexos
gerados na sociedade pelas transformações no mundo do
trabalho. Na esfera política as guerras mundiais e os conflitos
étnicos raciais produziram um contingente de pessoas que
necessitavam de assistência.
O berço histórico da profissão revela a dificuldade em tornar
técnica uma ação que, por milênios, vinha sendo realizada pela
ação de benevolência e pela caridade. Aceitar que a providência
divina e a compaixão humana não davam mais conta de assistir
os necessitados era também um pesadelo, já que isso colocava
em questão os valores da caridade difundidos pelo cristianismo.
Esta tarefa foi aceita por Mary Richmond, em 1917, que, com
sua sistematização fez nascer a profissão de Serviço Social,
que estava sendo gerada no inicio do século XX.
Estudar os precursores só tem sentido se nossa perspectiva
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de leitura histórica obedecer a um olhar contextualizado, uma
postura crítica diante das determinações e tendo em mente
que existe uma limitação espaçotemporal. Nas palavras de
Faleiros:
Quando se fala de Mary Richmond, por exemplo, ela se situou
num contexto liberal e negou uma forma muito mais empiricista
que os assistentes sociais desenvolviam, articulou um
pensamento, uma crítica àquela outra prática, anterior a ela.
A negação de Mary Richmond se dá num confronto com o
marxismo, com o debate mais articulado que pode, ao mesmo
tempo, destruir alguns aspectos colocados por ela, negar a
positividade, reconstruir alguns aspectos que ela reconstruiu,
num outro contexto. À medida que há uma negação, há
também uma retomada. À medida que estamos com os alunos,
na prática, criticando o funcionalismo, que está presente no
dia a dia, estimula-se à crítica e desenvolve-se um
pensamento teórico.19
Esta proposição revela a necessidade de criticar e
contextualizar. Admitindo que as teorias coexistem no contexto
histórico social, não podemos pensar que, na atualidade, não
existem práticas funcionalistas, elas existem. Nossa tarefa, como
pesquisadores e profissionais competentes, é problematizar
estas práticas a fim de superá-las.
Existem outras perspectivas que dão conta de analisar os
primórdios da profissão de Serviço Social sem considerar estes
aspectos da história. Esta perspectiva teórica, filiada ao
marxismo, considera o surgimento do Serviço Social a partir da
divisão sóciotécnica do trabalho, que igualmente está limitada
por uma realidade histórica determinada. Nas palavras de José
Paulo Neto:
Na segunda alternativa – aquela que concebe o Serviço Social
como profissão fundada na divisão social do trabalho –, o
encaminhamento da relação sistematização (da prática)/teoria
é diverso. Aqui, o que se cancela é uma teoria do Serviço
Social: interdita-se um saber teórico constituído e construído
19 FALEIROS, 1989, p. 155.
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pela profissão. O suposto é que o Serviço Social opera com
um conjunto de representações teóricas e ideais que extrai
das chamadas Ciências Sociais ou da tradição marxista –
rearticuladas sincreticamente em função de suas demandas
de intervenção. Assim, a sistematização (da prática) mostra-
se, de uma parte, como urgência para localizar os seus pontos
de estrangulamento, para indicar a necessidade de novos
aportes teóricos, para sinalizar a existência de lacunas no
acervo de conhecimentos e de técnicas, para sugerir a
emergência de fenômenos e processos eventualmente
inéditos, isto é, como momento pré-teórico a ser elaborado
pelas Ciências Sociais ou pela tradição marxista.20
Não é nosso interesse apontar uma ou outra perspectiva.
Acreditamos que você já está incorporando o “espírito” filosófico
e está seguindo as pistas oferecidas por Marilena Chauí, no
Capítulo 1. Esta atitude certamente irá propiciar a você um
caminho, uma escolha teórico-metodológica particular no futuro.
Isso posto, apresentaremos, nos próximos capítulos, tanto
a análise das teorias e metodologias mais atuais quanto aquelas
dos primórdios, alertando-os para o fato de que exigem
igualmente uma apreensão crítica e comprometida com princípios
ético políticos da profissão. Com este intuito é que vamos
estudar, neste capítulo, a metodologia do diagnóstico social,
sistematizada por Mary Richmond, a precursora do Serviço
Social.
2 Mary Richmond
Como você já estudou anteriormente, Mary E. Richmond
escreveu o livro intitulado “DiagnósticoSocial” que, segundo a
declaração no prefácio, foi resultado da sistematização de 15
anos de anotações e pesquisas feitas com outros trabalhadores
sociais, a fim de “transmitir aos novos que viessem a trabalhar
em instituições de caridade a explicação dos métodos que nós,
os velhos, julgávamos mais úteis”.21
Quando Mary Richmond iniciou as notas ainda não existia
20 NETO, 1989, p. 151.
21 RICHMOND, 1917, p. IV.
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um curso de formação em Serviço Social, que só foi criado em
Nova Yorque, nos Estados Unidos, em 1898, depois de seguidos
apelos de Mary Richmond e colaboradoras que já praticavam o
Serviço Social, mas “apreendiam fazendo”.
Diante da emergência das mazelas de uma sociedade
industrializada, crescia o número de pessoas necessitadas de
ajuda, não sendo mais possível o auxílio aos pobres ser realizado
somente pelos princípios da caridade. A complexidade da
questão social exigia um tratamento mais científico e sistemático
e Mary Richmond, preocupada com esta necessidade, passou
a sistematizar o conhecimento produzido no cotidiano da prática,
alimentado pelo conhecimento de outras áreas complementares,
como as Ciências Sociais, a Medicina e o Direito.
As primeiras escolas estavam ligadas à faculdade de
Medicina e destinavam-se ao trabalho de visitação social e a
organização dos serviços das agências de caridade.
Destacaram-se da obra fragmentos do prefácio escrito por
Mary Richmond, em 1917, data de publicação do livro, para
você ter uma ideia da motivação da autora. Certamente é
recomendada a leitura desta obra, mas infelizmente o livro está
esgotado e são poucos os exemplares existentes nas bibliotecas
brasileiras, pois a obra só foi editada em língua portuguesa em
Lisboa, em 1950, pelo Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo
Jorge. A Editora Século XXI, de Madri, publicou em 2006 este
livro em Castelhano. Certamente é um exemplar digno de uma
biblioteca pessoal de um Assistente Social.
Prefácio
Há 15 anos, comecei a tomar notas, a juntar elementos
informativos e a esboçar mesmo certos capítulos de um livro
sobre o trabalho social nas famílias.
Nele esperava transmitir aos novos que viessem a trabalhar
em instituições de caridade a explicação dos métodos que
nós os velhos, julgávamos mais úteis.
Pareceu-me logo, contudo, que não haveria objetivo ou
método que pudesse ser característico e exclusivo desse
campo de trabalho, pois que, em última analise, os objetivos
e métodos para se solucionaram os casos sociais eram ou
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deveriam ser os mesmos, qualquer que fosse o tipo de
necessidade que havia a atender, quer se tratasse dum
paralítico sem casa onde viver, duma criança abandonada
por pais alcoólicos ou de uma viúva com filhos pequenos e
sem recursos.
Para outros profissionais, como os médicos e os advogados,
por exemplo, existe sempre uma base de conhecimentos
gerais comuns. Se um neurologista e um cirurgião têm de
decidir juntos seja o que for sobre determinado caso, um e
outro servem-se, alem da experiência adquirida no seu ramo,
de certos elementos basilares de ordem técnica que ambos
conhecem.
Em circunstâncias semelhantes, que noções básicas e
comuns haverá que possam orientar às trabalhadoras
sociais?
Entretanto, havia já que pensar na circunstância de se ter
alargado o campo da averiguação das realidades sociais,
do diagnóstico social e do respectivo tratamento, tanto no
domínio do verdadeiro trabalho social como para conseguir
outros que já não eram os da correção de necessitados ou
delinquentes, pois seria necessário que o Serviço Social dos
casos individuais viesse também a servir de complemento à
ação médica, educativa e judicial.22
A obra está imbuída de difundir a necessidade de produzir
conhecimentos e métodos mediados pela ciência. A preocupação
em sistematizar o conhecimento da prática e colocar a ação
do Serviço Social em sintonia com o espírito científico da época
revela com precisão a produção de um conhecimento próprio
da área, mesmo que ancorado nos saberes de outras áreas
como a Medicina e o Direito.
O forte apelo do funcionalismo de Durkheim, visto no
Capítulo 2, aparece na obra, uma vez que o Diagnóstico
destinava-se principalmente para respaldar a eficácia do
tratamento social. Lembre que neste momento não devemos
“julgar” (atribuir um valor) a pertinência do método funcionalista,
mas conhecer, fazer as questões que aprendemos com Marilena
Chauí. Assim podemos compreender como a teoria e a
22 Ibid., p. VII.
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metodologia do Serviço Social foi sendo construída, levando
em conta o que Mary Richmond escreveu no inicio dos anos do
século XX. Segundo ela, as trabalhadoras sociais nos Estados
Unidos:
(...) na sua maioria estão ocupadas no Serviço Social dos casos
individuais, isto é, em atividades que tem como objetivo
imediato a melhoria dos indivíduos ou das famílias, uma a
uma, independentemente da sua melhoria coletiva, no
conjunto do agregado social. A melhoria do agregado social
e a melhoria do indivíduo são, porém, interdependentes e
por isso, o trabalho de reforma social e o dos casos individuais
devem necessariamente caminhar a par.23
O livro Diagnóstico Social foi dividido em três partes. Sendo
apresentados na primeira parte cinco capítulos que tratam do
estudo do que Mary Richmond chamou “Realidades Sociais”. A
segunda parte foi destinada aos Métodos que Conduzem ao
Diagnóstico, com 14 capítulos, e a terceira parte foi intitulada
“Modalidades Nos Processos a Seguir”, com nove capítulos,
totalizando 455 páginas.
Para o Diagnóstico Social devem ser consideradas a
natureza das realidades sociais e a utilização do seu
conhecimento que possibilita a organização de um plano de
tratamento social, esse podendo ser dividido em duas partes:
Primeiro a coleta dos dados para averiguar a situação, depois
as conclusões que dessa averiguação se podem tirar. A coleta
de dados faz-se logo nos primeiros contactos que a
trabalhadora social tiver: 1.° – com o interessado ; 2.° – com
a família deste; 3º – com outras fontes de informação que
não pertençam ao grupo familiar.24
Segundo Mary Richmond, o conhecimento minucioso que
envolvem o indivíduo é o que dá sustentação para o bom
diagnóstico. As condições existentes para o tratamento também
devem ser identificadas para um prognóstico de sucesso. O
23 Ibid., p. 4.
24 Ibid., p. 16.
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envolvimento da família e de outras agências de assistência,
escolas, prontuários médicos, as informações dos patrões e
vizinhos constituíam-se em fontes significativas para a análise
dos dados. As realidades sociais definidas pela autora revelam:
1° – As realidades sociais podem ser definidas como
consistindo em todos os fatos da história pessoal e familiar
que, tomados em conjunto, indicam a natureza das
dificuldades sociais de um necessitado e dos meios de as
remover.
2° – Dependendo como o fato sucede, menos de atos
visíveis do que da tendência para um certo procedimento,
as realidades sociais comprem-se de uma série de fatos,
cada um dos quais podendo ter valor insignificante, mas
que, juntos, têm grande valor.
3º – As realidades sociais diferem das legais porque são
mais minuciosas e utilizam questionários mais complexos.
Por isso exigirão que a segurança dos dados colhidos seja
maior.
4° – A utilização da investigação das realidades sociais
fora do Serviço Social fez-se necessário para ajudar o
diagnóstico médico ou mental nos processos dos tribunais,
para certos defensores, para estudar o método a preferir
no ensino de certas crianças e para apurar qual a vocação
profissional. Quando os testes que garantirão a sua
segurança estiverem mais bem formulados e aceitos, mais
extensa ainda se tornará a aplicação da investigação das
realidades sociais.
5° – O Serviço Social tem por principal finalidade a
investigaçãodas realidades sociais, mas com respeito, a
avaliação perfeita das noções que a investigação traz tem
muito que aprender com a Medicina, o Direito, a História,
a Lógica e a Psicologia.25
Diante destes destaques, cabe ressaltar que existem
diferentes tipos de realidades sociais, sendo que essas possuem
caráter objetivo, testemunhal e circunstancial, e obedecem ao
critério dos tribunais, uma vez que o diagnóstico social era
25 Ibid., p. 56.
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principalmente utilizado para auxiliar em decisões judiciais de
proteção das crianças. Aqui as realidades sociais nesta corrente
teórica dizem respeito somente às relações diretas como a
família e as estabelecidas com algumas instituições. Ela não
considera o todo social como elemento significativo.
Para Richmond, a realidade objetiva é aquela que se
apresenta aos nossos sentidos. A testemunhal é a que se obtém
de afirmações de seres humanos; a circunstancial é a que
aceita tudo, engloba tudo o que não proveio de afirmações
diretas e, sendo verdadeira, estabelece base para deduções.
3 O Método
de Diagnóstico
Embora se defenda a importância do estudo e do uso de
várias fontes de informação sugerindo levar em conta o
depoimento de testemunhas, a autora destaca que existem
riscos e que são necessários cuidados para não cometer enganos
levados por informações inadequadas. A preocupação com os
critérios de verdade é característica do tipo de postura. Mesmo
na época não existindo um código de ética formal, já poderia
ser identificado na obra princípio condutor de posturas éticas e
morais.
As preocupações com a cientificidade e com a técnica
estavam ligadas na possibilidade de construir um corpus de
saber que revelasse unidade para o trabalho social. Esta tarefa
foi sendo perseguida por um método analítico sustentado pelos
critérios da ciência e objetivava reconhecer os elementos
presentes no processo que eram gerais e generalizáveis.
O método diagnóstico permite que a realidade apresentada
pela pessoa seja estudada e verificada. A importância dada à
documentação do processo igualmente é notável, a minúcia
dos questionários, instrumentos construídos para cada situação
de carência apresentada (viuvez, gravidez de solteiras,
delinquência, mendicância, incapacidades de trabalho, doença
de tuberculose, loucura, feridos de guerra e velhice, cegueira,
emigrantes) revelam um conjunto de variáveis sobre as quais
estava sustentada a análise constituindo-se no “objeto” definido
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para o estudo. Documentação que possibilitou a ela a
sistematização dos processos, resultando na obra.
A orientação fornecida para a realização de um bom
diagnóstico evidencia larga experiência, mas também um
tratamento analítico do dado. A orientação vem sempre seguida
de explicação e da necessidade de planejar o futuro, e evitar
os equívocos, postura atribuída ao conhecimento técnico. Como
destaque os principais cuidados que a autora revela à
trabalhadora social ao elaborar o diagnóstico:
O diagnóstico social é a tentativa para conseguir definir o
mais exatamente possível a situação social e a personalidade
de um certo necessitado. A coleta dos dados de investigação
ou das realidades constituem elementos inicias do
diagnóstico, fazendo-se a seguir o exame crítico e a
comparação das realidades apuradas e, por fim, a sua
interpretação, definindo as dificuldades sociais existentes.
Para usar uma só palavra que compreenda todos os tempos
dessa operação é preferível o termo diagnóstico ao termo
investigação, ainda que o diagnóstico seja, na realidade, o
que se faz em último lugar.
A ideia de “diagnóstico social” inclui a de este ter de se fazer
em um tempo limitado (podendo contudo ser revisto em
qualquer ocasião e a de que tem em vista sempre uma ação
beneficente).
A palavra fato não é aqui limitada ao que é tangível. Os
pensamentos e acontecimentos também são fatos. A questão
de uma coisa ser ou não um fato está antes em se determinar
se pode ou não ser afirmada com certeza.
As três espécies de realidades são de aplicação geral,
podem distinguem-se pelo sentido das deduções que delas
se possam fazer. Na realidade objetiva não há dedução a
fazer; na testemunhal a base da dedução é uma asserção
humana, e na circunstancial pode ser qualquer a base da
dedução.
Na realidade circunstancial é preciso distinguir
cuidadosamente entre quem viu ou ouviu o fato suposto e
quem afirma o que outros lhe disseram. Esse último caso é
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a realidade do diz-se e deve ser ponderada cuidadosamente
para o que será preciso uma experiência segura para lidar
com testemunhas, a fim de descobrir em toda a extensão
possível o fundamento pessoal das asserções que elas
fizeram e a parte em que utilizaram afirmações dos outros
ou simples boatos.
Há ainda a considerar uma diferença importante entre
realidade direta e indireta. A realidade circunstancial é
sempre indireta e caracterizadamente cumulativa. Na
realidade direta, as provas únicas a obter a confiança que
mereçam são aplicadas aos elementos que definem o caráter
humano, como a honestidade, as tendências, a atenção, a
memória, a sugestibilidade (...).26
Desta forma entende-se que o diagnóstico social é
composto por fases onde, em um primeiro momento, se coleta
os dados e, na sequência, com base nas informações coletadas
até o momento, o profissional está apto a fazer algumas
deduções. As deduções são orientadas por processos racionais,
portanto utilizam um conhecimento previamente construído.
Lembre-se de que já estudamos sobre como acontece esse
processo nos capítulos iniciais. Agora, os conceitos e saberes
filosóficos e a postura crítica, característica fundamental de
um Assistente Social, se fazem necessários. Assim, de posse
do conjunto de informações e do método analítico-dedutivo, o
profissional pode iniciar a sua análise compreensiva do problema
social e concluir o diagnóstico social.
Para Richmond, uma dedução consiste na possibilidade de
passar de fatos conhecidos para fatos que não se conhece até
o momento. Para ela, “é um processo de uso do raciocínio que,
na sua forma mais comum, se traduz por tirar uma conclusão
da relação existente entre os fatos. (...) pode partir de muitos
casos particulares para uma regra geral. Assim como de uma
regra verificada em fatos novos, aplicando-se a um caso
particular”27. Ou seja, do geral para o particular e do particular
para o geral, esse é o movimento realizado na síntese do
conhecimento científico, conhecido por método indutivo-
26 Ibid., p. p.60.
27 Ibid., p. 55.
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dedutivo.
Uma dedução é o que possibilita a formulação de hipóteses
que serão confirmadas ou não ao longo do processo de estudo
da situação apresentada. Segundo Mary Richmond “(...) a
trabalhadora social hábil formula muitas hipóteses, reservando
umas até sua confirmação, aceitando outras”.28
Na segunda parte do livro estão apresentados os métodos
que conduzem ao diagnóstico, onde a autora apresenta a
sequência de quatro processos que a trabalhadora dos casos
individuais emprega no cotidiano, a saber:
• Uma primeira e longa entrevista com o necessitado;
• Os primeiros contatos com sua família mais chegada;
• A busca de cooperação fora da família para que o estudo
esteja amplo;
• O exame cuidadoso de cada dado obtido e das relações
desse com outros para a sua devida interpretação.
Com estas considerações a autora propõe utilizar métodos
que caracteriza por:
• Aproximação;
• Indicações a aproveitar e perguntas a fazer;
• Apontamentos a tirar;
• Conselhos e promessas prematuros;
• Condução da entrevista para a intimidade.
Com o intuito de explicitar e generalizar estes processos,
a autora relacionou condicionamentos de duas ordens. Os
relacionados aos interesses da instituição e os relacionados à
postura profissional. Estes encontram-se

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