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Possíveis correlações entre a psicologia analítica e o uso de cocaína e derivados: Este texto visa analisar as possíveis correlações entre a teoria de Jung e o uso abusivo de substâncias entorpecentes. Esta temática é justificada pelo fato de existirem em outras linhas teóricas da psicologia estudos que procuram entender este fenômeno de modo a procurar possíveis explicações dentro de suas teorias de personalidade e fazendo uso de suas respectivas estruturas psíquicas. Pode-se citar, dentre estas, a teoria kleiniana, a teoria winnicottiana, e as teorias comportamentais, estas por sua vez mais próximas dos paradigmas médicos (Kaplan, Sadock e Greeb, 1997) A escassez de estudos dentro dos meios junguianos acerca do estudo encontra uma explicação dentro dos próprios escritos deste autor. O processo de individuação, para este autor, tem seu desenvolvimento acelerado durante a segunda metade da vida (Sharp, 1993) O uso de drogas é um fenômeno mais observado nos jovens, especialmente na adolescência. Diversas teorias psicanalíticas relacionam o uso de drogas com a fixação em fases anteriores do desenvolvimento da personalidade, tais como a fase oral, ou na preponderância da pulsão de morte (Kaplan, Sadock e Greeb, 1997). Tanto as visões biologizantes quando as psicanalíticas possuem um denominador comum: o mecanicismo, que Freud herdou da tradição médica de seu tempo. Procuram-se causas, quer seja dentro das conexões entre os neurônios (sinapses), quer seja em fixações no processo de desenvolvimento da psique, que teriam levado um dependente a esta condição. Observa-se nestas tentativas um esforço para dotar fenômenos caracterizados pela complexidade, tal como descrita por Morin, de alguma ordem, por meio da exclusão dos dados que não corroboram um ou outro paradigma. Desde a gênese das ciências naturais, o homem tem procurado explicar o universo à sua volta por meio de métodos que buscam reduzir os objetos de seu conhecimento aos seus componentes básicos, procurando estudar as relações entre eles por meio de quantificações de forma a extrair-se destes dados leis que tenham uma validade universal. Todo o conhecimento opera mediante a seleção de dados significativos e o rechaço de dados não significativos: esta separação termina por criar relações entre os dados de hierarquização, articulação, desarticulação e centralização (Morin, 1993). Houve nas últimas décadas uma notável profusão de teorias que procuravam diminuir o desconhecimento destes fatos por meio destes paradigmas mecanicistas. O fracasso destes, entretanto, em encontrar respostas levou mais recentemente os estudos acadêmicos acerca de drogas a se aproximar das ciências humanas, diminuindo a preponderância do modelo médico cientificista. Diversos pesquisadores passaram a ressaltar a importância para os estudos dos efeitos dos psicofármacos da compreensão do estado psíquico de quem o utiliza e o contexto sociocultural no qual ocorre esta utilização. Por exemplo, para Velho (1994), "(...) A contribuição da antropologia para a compreensão desta problemática consistem em mostrar como existem n maneiras de utilizar as substâncias, em função de variáveis culturais e sociológicas. Estas não só se somam, como complexificam as distinções que possam ser registradas ao nível da análise bioquímica". De fato, o problema do uso abusivo de substâncias psicotrópicas é extremamente acentuado na civilização ocidental contemporânea. Quase todas as civilizações fizeram uso de substâncias psicotrópicas, contudo sem os índices de dependência que são observados em nossos dias. A folha da coca, por exemplo, foi usada durante séculos pelos incas como uma forma de resistir às baixas temperaturas e à escassez de alimento dos Andes. Os romanos e os gregos tinham uma opinião neutra sobre os psicotrópicos (eles podiam fazer tanto bem quanto mal, dependendo do uso. Muitos povos usaram as substâncias psicotrópicas em rituais religiosos, como meio de expansão da consciência (MacRae, 2001). Cumpre destacar que a ausência de rituais para lidar com os conteúdos do inconsciente coletivo na civilização contemporânea é frequentemente associada com os problemas nela observados, tais como o aumento de crimes violentos, guerrilhas, agressões ao meio ambiente, reificação das relações sociais, etc... Conforme afirma Whitmont (1991), "A raiva, a agressão, a cobiça e a violência são oficialmente consideradas incondicionalmente más. Ao mesmo tempo, tornaram-se prerrogativa do ego moderno, podendo ser acionadas de modo mais arbitrário a serviço de propósitos egóicos, sem qualquer consideração pelas forças abolidas". Outra possível aproximação entre estes novos paradigmas de pesquisa e a psicologia analítica está em um contraste ressaltado por Jung acerca de seus métodos e os da psicanálise: enquanto esta procurava as causas dos sintomas no passado, o que era chamado de método redutivo, a psicologia analítica procura entender para onde os sintomas se dirigem - o que foi chamado de método indutivo. Em outras palavras, as causas do passado não têm importância senão à medida em que estão relacionadas com algum objetivo consciente ou inconsciente no presente (Sharp, 1993). Gostaria de destacar as similaridades entre o uso de cocaína e o conceito de inflação, tal como descrito por Jung. Para este autor, o ego encontra-se inicialmente encerrado dentro do si-mesmo. Esta fase é denominada de estado urobórico original. O ego, na verdade, só existe como potencial. Nascemos em um estado de inflação. Como o ego está dentro do si-mesmo, e este é o centro e a totalidade do ser, o ego percebe-se como uma divindade (Edinger, 1972). Os mitos acerca da origem do homem em um lugar ou estado de harmonia, unidade, perfeição ou de vida paradisíaca estão relacionados a este estado inicial do desenvolvimento do ego. As crianças tem uma experiência bem concreta de serem o centro do universo. Os relacionamentos iniciais da criança tendem a fazê-la perceber seus desejos como ordens para o mundo. Com o tempo, entretanto, ela percebe que alguns de seus desejos são frustrados. Neste ponto, o ego começa a separar-se do self, dando início ao processo de desenvolvimento (Edinger, 1972). A utilização de cocaína se assemelha muito ao que é conhecido como inflação na psicologia junguiana. Seibel (2001) descreve o quadro de intoxicação por cocaína: "...inicialmente uma diminuição da ansiedade, euforia, hiperatividade, desinibição, aumento de auto-estima e estimulação sexual. As consequências adversas da intoxicação aguda consistem, em princípio, em um exagero dos componentes anteriormente referidos, podendo ser descritos como desinibição eufórica, sintomas físicos de descarga de energia generalizada, disforia, diminuição das capacidade de juízo crítico, idéias de grandeza, impulsividade, hipersexualialidade, excitação psicomotora, anorexia, diminuição da necessidade de dormir, por vezes ataques de pânico, podendo algumas vezes servir como "gatilho" para o desencadeamento de um quadro maníaco" Pode-se colocar, desta forma, a utilização de drogas como a cocaína como uma tentativa de reestabelecer o estado de inflação original. O usuário, sob efeito da droga, apresenta um comportamento semelhante ao da criança acima descrita, que percebe os acontecimentos à sua volta de forma auto-referenciada. É comum o surgimento de paranóia, com o usuário temendo ser descoberto e preso pela polícia ou morto por traficantes. Da mesma forma, o que é chamado de ego alienado se aproxima bastante dos sintomas causados pelo estado de abstinência da droga. O ego alienado do Self costuma ser simbolizado por imagens como queda, exílio, ferida sem cura, tortura perpétua.Para Edinger (1972), "A observação clínica leva-nos à conclusão de que a integridade e a estabilidade do ego dependem, em todos os estágios do desenvolvimemto, de uma viva conexão com o Self". A alienação do ego costuma ser ocasionada pelo estado de inflação, por meio do qual o ego se identifica com conteúdos arquetípicos, passando a agir como divindade. Como a psique busca o equilíbrio, o inconsciente compensa a alienação constelando complexos relacionados a sensações de rejeição e humilhação. Isto se encontra representado em todas as mitologias, tais como no banimento do Paraíso, no assassínio de Abel por Caim, no mito de Prometeu e de Íxion, etc... (Edinger, 1972; Sharp, 1993) Da mesma forma, os sintomas observados na abstinência de cocaína possuem com frequência semelhanças aos relacionados à depressão, tais como disforia, anedonia, ansiedade, irritabilidade, fadiga e hipersonolência, e, menos frequentemente, ideação suicida. (Kaplan, Sadock e Greeb, 1997). Muitos autores apontam também uma correlação entre o uso de cocaína e a violência, se bem que a natureza desta relação é objeto de polêmica. Sinteticamente, as principais correntes se dividem entre as que procuram uma explicação em fatores biológicos e as que o fazem em fatores psicológicos ou sociais. Cumpre destacar dentre estas hipóteses o comportamento violento que aparece quando os dependentes estão com compulsão de fazer uso de cocaína, contudo não possuem a substância disponível (fase por eles denominadas de "fissura"). Por conseguinte, seria a necessidade oriunda do vício que levaria um sujeito a cometer atos violentos. Ainda segundo seus relatos, durante a utilização do narcótico e sob os efeitos deste o usuário não seria agressivo (ao invés disto sentem medo, o que eles denominam de "nóia" e os leva a preferir o isolamento) (Nappo, 1996; Ortiz, 2000). Pode-se fazer uma comparação entre a agressividade oriunda da abstinência e a reação de Caim, ao ser preterido por seu irmão Abel. A preferência de Deus pelo segundo, e o consequente assassínio de Abel ilustram a violência do ego ao ser alienado do self (Edinger, 1972). BIBLIOGRAFIA: EDINGER, E. F. Ego e arquétipo. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo, Cultrix, 1972. KAPLAN, H; SADOCK, B.; GREBB, J. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução de Dayse Batista – 7a Edição – Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. MAC ERA, E. Antropologia: Aspectos Sociais, Culturais e Ritualísticos. In: SEIBEL, S. D. e TOSCANO, A. T. (org.) Dependência de Drogas. São Paulo, Atheneu, 2001 MORIN, E. 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