Buscar

Furtado, C. Formação Econômica do Brasil, Caps. 31 e 32.

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
Formação Econômica do Brasil 
Celso Furtado 
Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 
 
Capítulo XXXI – Os Mecanismos de Defesa e a Crise de 1929. 
 A política de defesa do café forneceu estímulos à expansão dos cafezais mesmo frente à queda continuada dos 
preços deste produto no mercado internacional. É assim que se explica a aparentemente paradoxal situação de que a 
maior safra de café brasileiro tenha ocorrido no pior ano da Grande Depressão, 1933. 
 Conforme discutido por Furtado, a economia cafeeira havia desenvolvido uma série de mecanismos pelos 
quais as rendas geradas em seu crescimento eram concentradas na classe dos cafeicultores e as perdas determinadas 
em suas crises eram socializadas, embora isto mantivesse o nível de emprego da economia. No contexto de 1929, 
deveriam operar estes mesmos mecanismos. No entanto, a profundidade da crise era tal que a desvalorização cambial 
decorrente da queda dos preços do café não foi suficientemente robusta para evitar perdas de renda por parte do setor 
cafeeiro, embora tais perdas tenham sido efetivamente atenuadas por este mecanismo “clássico” de defesa do café. 
 A crise do café não era apenas uma crise de demanda decorrente da diminuição da demanda internacional do 
produto frente a uma conjuntura na qual diminuíra a renda dos agentes, mas era principalmente uma crise de oferta, de 
superprodução. É assim que se explica o fato de que o preço do café não se tenha recuperado nem mesmo ao final da 
década de 1930, quando os preços das outras commodities já haviam voltado a seus níveis anteriores à Grande 
Depressão. 
 Para resolver o problema do café fazia-se necessário diminuir a pressão da oferta sobre os preços, ou seja, era 
necessário tirar do mercado o café excedente que pressionava para baixo os preços. Uma das alternativas possíveis 
seria a de aumentar a quantidade ofertada, pressionando ao máximo o mercado; isto diminuiria as receitas por meio da 
queda dos preços, mas iria aumentá-las, ao menos na teoria, através de um aumento do total exportado. Apesar desta 
idéia ser teoricamente consistente, não o é na prática, afinal a elasticidade-preço do café é muito baixa, de forma que 
quedas do preço têm efeitos muito limitados sobre a quantidade demandada. 
 Assim, tornava-se necessário tirar o café do mercado. É dessa lógica que surge a política de queimar as sacas 
de café. Ao colher-se café para queimar, garantia-se ao produtor um nível mínimo de receitas. Isto, por sua vez, 
mantinha o nível de renda da economia acima do patamar a que teria caído caso se tivesse deixado os preços flutuarem 
de acordo com a pressão do café sobre o mercado. Além disso, a compra do café passou a ser financiada com o 
aumento do crédito nacional (já que as linhas de crédito internacionais haviam secado em função da crise), de forma 
que a renda gerada pela compra do café era completamente internalizada na economia, não sendo enviada no exterior 
para pagamento dos serviços da dívida. 
 A política de queima do café proporcionou, portanto, uma queda menos brusca do nível de renda nacional. “A 
redução da renda monetária, no Brasil, entre 1929 e o ponto mais baixo da Cris,e se situa entre 25 e 30%, sendo, 
portanto, relativamente pequena se se compara com a de outros países. Nos EUA, por exemplo, essa redução excedeu 
a 50%[...]. A diferença está em que nos EUA a baixa de preços acarretava enorme desemprego, ao contrário do que 
estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nível de emprego se bem que se tivesse de destruir os frutos da 
produção”. 
 Para Furtado, a política de defesa do café nos moldes assumidos durante a Grande Depressão era uma 
aplicação inconsciente de uma forte política anticíclica. “É, portanto, perfeitamente claro que a recuperação da 
economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo, e sim à política de 
fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros”. 
 
Capítulo XXXII – Deslocamento do Centro Dinâmico. 
 A política de defesa do café durante a Grande Depressão alteraria estruturalmente a economia brasileira, 
internalizando seu centro dinâmico; isto é, pela primeira vez em sua história, o setor interno assumiria a posição de 
fomentador da atividade econômica, com a diminuição relativa da importância do setor externo como motivador para 
aquela economia. 
 Esta alteração decorreu do seguinte processo: a defesa do café, ao manter a renda nacional relativamente 
elevada em um contexto de crise, deixou a demanda interna dos brasileiros de certa forma inalterada. No entanto, o 
período marcou-se pela profunda desvalorização da moeda nacional, seja pela saída das divisas acumuladas pelo 
governo, seja pela queda dos preços internacionais do café. Dessa forma, a demanda interna do Brasil manteve-se 
quase inalterada, mas a capacidade de importar diminuiu consideravelmente. Como resultado, houve um estímulo à 
produção nacional de bens até então importados. 
 Além disso, o setor exportador da economia, cujo exemplar típico e mais relevante é a cafeicultura, estava em 
seus piores momentos, de forma que os capitais gerados nesse setor tendiam a desviar-se para as atividades voltadas 
ao mercado interno, as quais apresentavam maiores perspectivas de desenvolvimento. 
2 
 
 Furtado reconhece, no entanto, que o setor ligado ao mercado interno não podia aumentar sua capacidade 
produtiva em um primeiro momento a não ser que viesse a importar máquinas e equipamentos; mas vimos que a 
depreciação da moeda nacional tornava inviável quaisquer projetos nesse sentido. Assim, a expansão que 
experimentou o setor interno da economia, principalmente a indústria, foi decorrente da utilização da capacidade 
produtiva já existente. 
 Em uma segunda fase, ocorreu o desenvolvimento da indústria de bens de capital no Brasil, estimuladas 
justamente pela expansão das indústrias de bens de consumo que ocorrera como subproduto da manutenção do nível 
de renda decorrente da política de defesa do café. 
 Em resumo, temos o seguinte: a política de defesa do café fez com que produção cafeeira continuasse mesmo 
frente à forte queda dos preços e das receitas dos cafeicultores (se tinham prejuízos colhendo e queimando café, teriam 
no abandono dos cafezais a falência certa). Isto, por sua vez, mantinha o nível de emprego relativamente constante, de 
forma que a renda nacional caiu menos que a de outros países em decorrência dos efeitos perversos da Grande 
Depressão. Com uma renda relativamente constante e com a desvalorização da moeda decorrente da saída de capitais 
do país e da derrocada dos preços do café, a demanda nacional deslocou-se dos produtos importados para os 
produzidos no país. Pela primeira vez, o setor interno daquela economia, sobretudo a indústria, assumia o papel 
central. 
 O autor é enfático em sua conclusão sobre esta alteração de centro dinâmico da economia: “é evidente, 
portanto, que a economia não somente havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular os efeitos 
depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também havia conseguido fabricar parte dos materiais 
necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva”.

Continue navegando