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Índice 4 Magnólia Gibson Cabral da Silva; Maria do Socorro Sousa e Kelly Eileen Hayes, Esoterismo, Religiões Místico-esotéricas e Ciência 5 Nelson Job, Magia e Ciência ao longo da História: do Renascimento ao Presente 20 José Filipe P. M. Silva, A parapsicologia Freudiana: telepatia, espiritualidade e ocultismo 32 Magnólia Gibson Cabral da Silva, Holismo E Saúde: O Despertar Mágico Da Ciência? 47 Maria do Socorro Sousa, Saber Popular, Religião e Magia quando a Natureza e a Fé são os últimos recursos 61 Nara Keiserman, O que há de mais sagrado 71 António Tavares, Eubiose 81 Carolina Jaramillo, Movimiento Gnóstico Cristiano Universal 94 Kelly Eileen Hayes, Esoterismo Ocidental e Novas Religiões no Brasil: O Vale do Amanhecer 105 Celso Luiz Terzetti Filho, A Magia Como Liminaridade – O Ato Mágico Como Expressão Da Communitas Esoterismo, Religiões Místico-esotéricas e Ciência Coordenação: Magnólia Gibson C. da Silva (UFPB) Maria do Socorro Sousa (UFPB) Kelly E. Hayes (IU-PUI) Nos últimos cinquenta anos têm-se tornando cada vez mais evidente o crescimento, a diversificação e a difusão de estudos e práticas místico- esotéricas nas mais diferentes camadas da população urbana ocidental. O que chama a atenção dos estudiosos é que os reflexos destas práticas e destes estudos, não se restringem aos estreitos limites da individualidade. Espraiando-se muito além destes limites, objetiva-se numa miríade de formas movimentos e práticas que não obstante a pouca representação numérica nas estatísticas oficiais, configura-se como um dos fenômenos de maior significância sociológica da atualidade, em razão do seu caráter reflexivo e eclético, com incursões em quase todos os campos do conhecimento e em todos os setores da vida. Com efeito, o esoterismo estende-se a praticamente, todos os campos simbólicos de sentido – religioso, artístico, cultural e científico. Projetos artísticos, culturais, bem como científicos nas áreas da saúde, tecnologia e arquitetura, entre outros, têm sido desenvolvidos com base no conhecimento esotérico. A proposta deste simpósio é promover uma ampla discussão a respeito do esoterismo ocidental hoje e sua influência na vida das pessoas, na cultura, e nas atividades científicas e profissionais em geral, nas quais sua influência está claramente evidenciada. MAGIA AO LONGO DA CIÊNCIA RENASCENTISTA E MODERNA Nelson Job 1 (HCTE/UFRJ) Resumo Magia e ciência possuem relações históricas e conceituais que foram obnubiladas pelo Iluminismo. A partir de conceitos como rizoma e obviação, mostraremos como os cientistas renascentistas - Paracelso em sua medicina, Bruno enquanto frade e místico conceituador herege do universo infinito, Kepler como astrônomo e astrólogo e finalmente, Newton como filósofo natural, teólogo e alquimista - desenvolveram suas obras que moldaram nossa visão moderna de ciência a partir do Hermetismo. A ciência contemporânea permanece sob sua influência indireta através da física moderna. Estabelecida as relações entre Hermetismo e física moderna, explicaremos como tais relações produzem um campo híbrido simultaneamente ontológico e epistemológico, dinâmico e permeável que nós chamaremos de “vortex”, um transaber, ou seja, a transdisciplinaridade aplicada à vida, em que a obviação se tornará mais evidente. Palavras-chave: magia, ciência, obviação, rizoma, vortex. Abstract Magic and science have historical and conceptual relationships, but these relationships were muddled by Illuminism. Using concepts like rizhome and obviation, we will demonstrate how the Renaissance scientists - Paracelsus in his medical capacity, Bruno as a heretical friar and mystic who conceived an infinite universe, Kepler as an astronomer and astrologer and, finally, Newton as a natural philosopher, theologian and alchemist – were inspired by Hermeticism in the development of their works, which shaped our modern vision of science. Contemporary science remains under your indirect influence via modern Physics. This relationship produces a hybrid field, simultaneously ontological and epistemological, dynamic and permeable, which will be called “vortex”, a transknowledge, that is, transdisciplinarity applied to life, where obviation will become more evident. Key words: magic, science, obviation, rizhome, vortex. 1 Nelson Job é pós doutorando pela História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HCTE/UFRJ) e atrator do grupo de pesquisa independente Coletivo Transaberes. Contato: nelsonjob1@yahoo.com.br Quando entras nessa dança, Abandonas os dois mundos; É fora deles que se encontra O universo infinito do giro. Rumi Vamos evidenciar aqui as relações histórias e conceituais entre magia e ciência. Historicamente, as relações com a magia se mostram mais óbvias com a ciência renascentista, mas é com o advento da ciência moderna, sobretudo com a Mecânica Quântica e a Teoria do Caos que as relações conceituais se tornam, ao nosso ver, evidentes. Utilizaremos para conceituar a magia ocidental o Hermetismo, pois sua influência é gigantesca e sua organização, a partir do século XIX, em sete princípios, torna nossas ressonâncias mais contundentes. O Hermetismo recebe essa alcunha em função da figura de Hermes Trismegisto. Yates (1964) afirma que ele não existiu, já os textos alquímicos medievais colocam o advento de Trismegisto no mais tardar em 1800 a.C., no Antigo Egito. Sua figura se confundiria com o deus Thoth, ora aparecendo como o próprio, ora como seu principal seguidor e difusor. Modernamente, organizam-se os princípios básicos do Hermetismo em sete, mas, como é comum nos estudos herméticos, não se sabe com exatidão quem fez a organização. Provavelmente foi organizado por William Walker Atkinson, que escreveu em 1912 (em conjunto ou não, mais uma vez, não se sabe) o famoso O Caibalion: estudo da filosofia hermética do Antigo Egito e da Grécia com a alcunha autoral de Três Iniciados (2006), ou até mesmo antes, pela médica Anna Kingsford e seu “parceiro espiritual”, o escritor Edward Maitland, em sua introdução à tradução que ambos fizeram em 1885 da The Virgin of the World, atribuído a Hermes Trismegisto (GREER, 2011). Sendo assim, os Sete Princípios Herméticos foram organizados em: Mentalismo ― Tudo é mente, sendo que a matéria é força mental coagulada. Vibração ― Tudo está em movimento, tudo se move, tudo vibra. Ritmo ― Tudo tem fluxo e refluxo, um movimento para a frente e para trás. Polaridade ― Tudo tem o seu oposto, que é, na verdade, o extremo de uma mesma coisa; tudo tem o seu duplo, que é diferente em grau, mas o mesmo em natureza. Correspondência ― O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima. Existem três grandes planos: o físico (matéria, substância etérea e energia), o mental (mineral, elemental, vegetal, animal e hominal) e o espiritual, sendo que os sete princípios se encontram em todos eles. Causa e Efeito ― Toda a causa tem o seu efeito. Os estudiosos do Hermetismo conhecem os métodos da elevação mental a um plano superior, onde se tornam apenas causadores, e não efeitos. Não apenas uma causa anterior gera um efeito, mas todas as causas anteriores, até a mais longínqua, geram um efeito. Gênero ― Tudo tem o seu masculino e o seu feminino, e eles se engendram, de modo semelhante à complementariedade entre yin-yang no conhecido diagrama Taiji do Taoismo. O Hermetismo obteve sua maior popularidade na IdadeMédia. Apesar de o cristianismo ter se mesclado inicialmente ao Hermetismo, na Inquisição, todos os tipos de paganismo foram entendidos como heresia pela Igreja, sendo seus praticantes convertidos ou condenados. Inicialmente, a ciência também tinha íntimas relações com o pensamento hermético, mas, com o seu avanço, abandonou-o gradativamente. Se pensarmos a ciência como um saber que busca o entendimento da natureza para sua operação, controle e previsão, a magia, em suas vertentes naturais, apresenta uma clara ressonância em seus objetivos epistêmicos e de ordem empírica com os da nascente ciência. Contudo, como resultado do processo da Revolução Científica, que culmina no século XVIII, magia natural e ciência já não são mais o mesmo saber, embora tenham interagido e de alguma forma coexistido nas pesquisas de pensadores como Paracelso, Giordano Bruno, Kepler, Robert Boyle e Newton. Referindo-se a estes pensadores, Debus (2002) comenta que: “mais do que os outros, Paracelso pode ser visto como o arauto da Revolução Científica”, e ainda Paolo Rossi (1997): “a ciência do século XVII, junto e ao mesmo tempo, foi paracelsiana, cartesiana, baconiana e leibziniana”. Theophrastus Paracelsus (1493–1541) foi um médico alquimista suíço, muito crítico da medicina de sua época. Segundo o ex-editor da Nature, Philip Ball (2009), a concepção de medicina e filosofia de Paracelso baseava-se no Hermetismo e no Neoplatonismo. Paracelso estudava a natureza para entender o corpo, o que revelava, com tais relações de micro e macro, a presença do Princípio de Correspondência do Hermetismo. Paracelso acreditava nos arcanos, incorpóreos eternos que têm o poder de transmutar os doentes. Esses arcanos combatiam doenças de calor com calor, frio com frio etc., o que veio posteriormente a influenciar os homeopatas ― daí a máxima “similar cura similar”. Com o advento do oxigênio de Lavoisier e sua química, a influência de Paracelso foi reduzida. Ball discute o mito de que essa “nova” química seria antiparacelso. De acordo com o autor, poderíamos supor que ele aplaudiria a descoberta do oxigênio. A grande perda da química é seu afastamento da filosofia, é o fato de ela ter se tornado uma disciplina isolada, paradigma comum no Iluminismo. A alquimia prezava a consonância entre experimento e filosofia. A ciência foi se distanciando da filosofia, limitando-se ao experimento. Paracelso ainda influenciaria a sinfilosofia dos Primeiros Românticos Alemães. O italiano Giordano Bruno (1548–1600) foi um polêmico frade dominicano, teólogo, filósofo e astrônomo, morto pela Inquisição. Influenciado pelo Hermetismo e pelo Neoplatonismo, era divulgador da arte da memória, uma técnica mágica de memorização. Bruno (2008) afirmava no Tratado da Magia: “mago designa um homem que alia o saber ao poder de agir”. Yates (1964) chama atenção para o fato de que o cálculo e a experimentação diferenciavam os magos renascentistas dos gregos antigos e teólogos da Idade Média, e que essa disposição de homens como Bruno foi o germe que tornou a ciência tão poderosa. Giordano Bruno conceberia filosoficamente um universo mutante, anímico, infinito, eterno e descentrado; sendo que as duas últimas características foram sustentadas pouco depois por Galileu Galilei. O filósofo Nuccio Ordine (BRUNO, 2010, p. XL), comentando a peça cômica Castiçal de Bruno, faz uma síntese de toda a obra: Tudo muda, tudo se transforma. Aos nossos olhos o que existe parece se perder definitivamente, de uma vez por todas. Na verdade, não é assim. Aqui se anula uma forma, se dissolve um indivíduo específico, mas ao mesmo tempo ali nasce outra forma; um novo ser abre-se para a vida. Os agregados se desagregam e os elementos indestrutíveis vagam, sem cessar, de um composto a outro, sem conhecer a imobilidade e o repouso. Se Galileu possuía diplomacia com a Igreja, diferentemente de Bruno, cujas ideias pagãs e peças debochadas em relação à instituição o levaram à fogueira em Roma, depois de um cruel processo de julgamento. O historiador da ciência Alexandre Koyré (1979) escreve: “foi Bruno quem pela primeira vez nos apresentou o delineamento, ou o esboço, da cosmologia que se tornou dominante nos últimos dois séculos”. Johannes Kepler (1571–1630) foi um astrônomo, astrólogo e matemático alemão. Ele formulou leis da mecânica celeste que viriam a ser muito importantes para a física newtoniana. Segundo o teólogo, ex-padre e especialista em geociência James Connor (2005), Kepler obteve grande fama como matemático imperial e astrólogo, fazendo previsões certeiras e recebendo durante certo tempo a alcunha de profeta. Porém, ele sempre foi ambíguo em relação à astrologia, mas a considerava importante para apurar a astronomia. Sua mecânica foi decisiva para engendrar a de Newton, que tirou a importância da astrologia, relegando-a a guetos. Kepler obviamente sofreu influência do Hermetismo, citando Hermes Trismegisto em sua Harmonia do Mundo (YATES, 1964), mas se diferenciando dos esotéricos fraudulentos que também citavam textos herméticos. A concepção kepleriana de harmonia era um misto de música, astronomia e, principalmente, geometria. Para ele, a harmonia ― uma categoria primária da existência que permitia a experiência do mundo ― oferecia acesso à mente de Deus. Devido a sua peculiar fé luterana, Kepler negou a concepção de universo infinito de Giordano Bruno e Galileu, utilizando-se de argumentos aristotélicos. Sua mãe, Katharina ― que era dada a costumes pagãos, fazendo poções de curas com ervas, ainda que não fosse propriamente uma bruxa ―, foi condenada e presa pela Inquisição já em idade avançada. Os esforços de Kepler permitiram uma soltura tardia, mas logo depois Katharina faleceu. Isaac Newton (1643–1727) foi físico, matemático, astrônomo, alquimista e teólogo. Segundo a historiadora Betty Dobbs (1984), Newton se dedicou principalmente aos estudos da alquimia, principal inspiração para o seu conceito de força. É conhecido o discurso de Keynes (2002) dizendo que Newton não foi o primeiro homem da Idade da Razão, mas o último dos magos. Na primeira edição do Principia, Newton explicitava a sua crença na transmutação da matéria. Com o advento de sua Optica, ele retirou a afirmação do Principia, deixando-a apenas na primeira, considerada obra menor. Se Koyré acredita que Newton deixou de acreditar na transmutação, Dobbs afirmaria que ela está subentendida na obra-prima de Newton. Koyré (2002) faria ainda uma crítica ao legado de Newton; ele teria posto o “movimento absoluto” no lugar do devir, gerando uma espécie de mudança sem mudança, separando o mundo em dois: o da quantidade, que seria o mundo da ciência e da qualidade, e o nosso mundo percebido e experimentado. Essa separação, acreditamos, tem seu germe na “confusão” pitagórica sugerida por Bergson e culmina na separação entre ciências e humanidades, “as duas culturas”. Os newtonianos, sem acesso ao Newton alquímico, fortaleceram a imagem de uma ciência “pura”, matemática, empírica, sendo que desde sempre esta emergiu por vetores múltiplos, que envolvem tanto magia, quanto filosofia e religião. Segundo Dobbs, a Optica é, praticamente, um tratado alquímico, visto que o espírito era luz, para Newton. Ele ainda faria uma tradução comentada para o inglês do texto mais importante do Hermetismo, “A Tábua das Esmeraldas”, dizendo que todas as coisas derivam do caos fiosófico (DOBBS, 2002). Caberia a questão se Newton seria “newtoniano”: não, se alimentarmos a hipótese de que Newton realmente acreditava na transmutação da matéria, característicada alquimia que envolve o Princípio de Mentalismo no Hermetismo. Assim, Einstein (1999) e sua Teoria da Relatividade ― que equivaleria matéria e energia ― não apontariam um acréscimo em relação à física de Newton, mas recuperaria e desdobraria o Newton oculto. A Teoria da Relatividade é a versão da ciência moderna da transmutação alquímica, uma espécie de Mentalismo sem mente, que é substituída pelo conceito de energia. O Hermetismo presente na obra de Newton põe em dúvida se ele acreditaria realmente no espaço absoluto ― visto que no Princípio de Vibração é apresentado um universo dinâmico em sua mais profunda constituição ―, ou se a postulação deste foi uma concessão para o seu pensamento ter mais alcance. No tocante a este afastamento entre o nível ontológico, ou “mundo real”, e o nível epistemológico, ou discurso e representação aceitável do primeiro, há uma transformação significativa da magia para a ciência. O discurso mágico, os nomes e os sons das palavras nas descrições, encantamentos e invocações não constituem modelos ou representações das coisas a que se referem. Na magia o discurso é extensão da ontologia: Do século XVII em diante, as condições de conhecimento e a organização de signos foram pensadas em termos muito diferentes. O importante agora sobre a linguagem era a sua capacidade de espelhar a natureza, e não de se assemelhar a ela. A linguagem entrou no que Foucault denominou “período de transparência e neutralidade”; a representação tornou-se a sua tarefa essencial. (CLARK, 2006, p. 372) O que Foucault (2002) faz em seu As Palavras e as Coisas é mostrar que o ser saiu da representação, tendo como consequências, na linguagem, o fim de sua interdependência com o mundo ― o que legitimava a magia ―, criando a ideia de separação entre as palavras e as coisas, e na biologia, a separação entre o vivo e o não vivo, ou o fim do mundo anímico, devido à taxonomia aristotélica levada as suas últimas consequências por Lamarck etc. Para Foucault, um dos únicos abrigos do ser selvagem das palavras é a literatura, ou, nas palavras de Blanchot (2011): “poderíamos mesmo sonhar em vê-la [a literatura] desenvolvendo-se em uma nova Cabala, uma nova doutrina secreta que, vinda dos séculos antigos, se criaria de novo hoje e começaria a existir a partir e além de si mesma”. Outra perspectiva relevante é a questão das “políticas místicas” que Clark levanta, colocando que a Inquisição deve ser entendida tendo como pano de fundo a disputa pelo poder entre o Império e o Papado, fazendo que os julgamentos e condenações de bruxas contribuam para a manutenção do poder do Papa. Pierre Hadot (2006) afirma que a revolução mecanicista levou a democratização do saber, até então restrito a grupos de iniciados. O problema que nós trazemos aqui, é que, se de um lado o conhecimento amplia seu alcance, de outro, a ciência perde em qualidade de reflexão acerca de suas práticas. Hadot acrescenta que “o cristianismo contribuiu para o desenvolvimento da representação mecânica da natureza e para a dessacralização da natureza”. Tudo isso culminaria em seu estupor maior, a crítica kantiana, separando a coisa em si do sujeito, resultante de um processo ontologicamente “separatista” na História do pensamento, desde Parmênides (separação entre ser e não ser), Platão (Mundo das Ideias e simulacro) e Descartes (naturezas diferentes de corpo e mente), que constelaria a separação entre natureza e cultura. Bruno Latour (2002, p. 77) vai definir bem essa problemática, envolvendo-a com a da representação: Pode-se ver que o sujeito da interioridade serve de contrapartida para os objetos de exterioridade. Para fazer a ligação, inventaremos, em seguida, a noção de representação. Graças a ela, o sujeito da interioridade começa a projetar sobre “a realidade exterior” seus próprios códigos ― os quais lhe seriam dados de fora, por um encadeamento causal dos mais impressionantes, das estruturas da língua, do inconsciente, do cérebro, da história, da sociedade. Se as críticas de Latour nos são úteis, é preciso salientar que sua antropologia simétrica, justamente por ser simétrica, vai denunciar muito bem o problema, mas não vai resolvê- lo, ou seja, criticando um dualismo criando outro. Aqui, não nos interessa trocar uma natureza e várias culturas por uma cultura e várias naturezas, e sim nos remeter a antropologia de Tim Ingold (2001) e sua obviação, no sentido que natureza e cultura são, de fato, uma extensão, ou seja, há uma “borra” ao longo da natureza e da cultura em que sua distinção não faz mais sentido, assim como quaisquer dualidades. Resta ainda explicitar uma consequência social do advento da ciência moderna: a ciência, em conjunto com a lógica clássica, o sujeito liberal e a lógica transcendental, recalcou o “feminino”, ou inconsciente, a lógica da diferença (do outro, da alteridade). O resultado disso, entre outros, é a caça às bruxas na Inquisição. A “modernidade”, por definição, é misógina. Abre-se espaço para o Iluminismo e sua maior vertente separatista nos saberes: o enciclopedismo. Vamos apreender nossas articulações (a princípio) “entre” magia e ciência como um rizoma 2 no sentido que desenvolvem Deleuze e Guattari (1995), ou seja um campo imanente múltiplas de relações locais e não-locais de vetores que podem se conectar a quaisquer outros vetores. É aqui que magia e ciência sofrerão uma obviação, no sentido que Tim Ingold (2012) nos oferece. Então, magia e ciência não serão campos distintos do saber, mas um campo que se percorre ao longo da magia e ciência, sabendo que historicamente e conceitualmente, ou melhor, ontologicamente e epistemologicamente, são apreendidos enquanto um campo híbrido. Vamos agora relacionar os Sete Princípios do Hermetismo com conceitos da física moderna 3 : O Princípio de Gênero, no Hermetismo, afirma a relação dos princípios masculino e feminino engendrando a continuidade do universo. Não “homem” e “mulher”, mas princípios cósmicos diferentes e complementares. Já a cosmologia de Mário Novello (2010) supõe um universo do tipo bouncing, eterno 4 e dinâmico, diferente da proposta do Big Bang, que propõe um “ponto zero” do universo, como no cosmos enunciado por Heráclito. Aqui, as relações entre esses três saberes comungam um cosmos dinâmico, processual, que se autocria de forma contínua em todos os níveis. No Princípio de Causa e Efeito, de todas as causas anteriores emergem um efeito, ou seja, o efeito não é gerado apenas por uma causa anterior, mas por toda a cadeia de eventos até então, mantendo a ideia que os processos cósmicos são contínuos. Na física corresponde tão somente às partículas não elementares, ou seja, sem as características quânticas. O mais popular Princípio do Hermetismo é o de Correspondência, que diz: tudo o que está em cima é como o que está embaixo, relacionando o macro com o microcosmos. Na Filosofia da Diferença, há o conceito de mônada, sistematizado por Leibniz, desenvolvido por Gabriel Tarde. Deleuze (2000) conceitua a mônada a partir desses autores afirmando que ela é o espelho vivo e perpétuo do universo, mas tem um andar 2 Tim Ingold (2015) vai preferir, com razão, a imagem biológica do micélio fúngico ao do rizoma da botânica, para ser mais fiel ao conceito filosófico de rizoma. 3 Todas essas relações conceituais terão o suporta da filosofia da diferença e serão tecidas com mais vagar e detalhe em nosso livro “Confluências entre magia, filosofia, ciência e arte: a Ontologia Onírica” (JOB, 2013). 4 “Eterno” aqui menos no sentido de sempre existiue sempre existirá, mas num sentido intempestivo, que existe “por enquanto”, enquanto é, sem uma escala transcendente de tempo, tampouco sem determinar início e fim. fechado e ressoante com todo o universo e outro que se conecta diretamente com o universo. O filósofo articula as mônadas com os fractais, figuras auto-similares relacionadas com a Teoria do Caos (GLEICK,1989) . O médico Stuart Hameroff, a partir de seu modelo especulativo de consciência quântica criado com o físico Roger Penrose (PENROSE e HAMEROFF, 1996), relaciona a versão do quanton – a proposta do físico Mario Bunge (2005) de nomear um único objeto que tenha simultaneamente características tanto de partícula como de onda - realizado pela suposta gravidade quântica 5 , chamada Redução Objetiva, como um exemplo de mônada. Assim como a Monadologia cria um novo estatuto do sujeito diferente do cartesiano - não apriorístico, mas relacional em devir, em que a sequência de mônadas é de onde emerge o sujeito - também a sequência de Reduções Objetivas no cérebro é que cria o fluxo da consciência, diferindo das interpretações convencionais da MQ em que o observador realiza o colapso de onda. Finalmente, a proposta especulativa de gravitação quântica chamada Triangulação Dinâmica Causal desenvolvida pela física Renate Loll e equipe (AMBJORN, JURKIEWICZ,e LOLL, 2008) estabelece uma auto-similaridade fractal no nível quântico da matéria. Todas essas articulações evidenciam uma profunda relação entre os níveis macro e micro do cosmos, mostrando que em cada porção do cosmos abriga a totalidade, ainda que em devir. O Princípio de Polaridade diz que tudo no cosmos tem o seu oposto que é, na verdade, o extremo de uma mesma coisa; tudo tem o seu duplo, que são diferentes em grau, mas os mesmos em natureza. Na MQ, o emaranhamento quântico é a relação de simultaneidade entre duas partículas elementares em estado quântico, com algumas diferenças, como a rotação do spin que são opostas. Aqui, verifica-se nesses dois saberes uma relação de simultaneidade entre processos diferentes, mas interligados. O Princípio de Ritmo mostra que tudo tem fluxo e refluxo no cosmos, padrões de comportamento. O atrator é uma constante na turbulência e quando este sua bifurcação é fractal, recebe a alcunha de “atrator estranho” na Teoria do Caos (GLEICK, 1989), ou seja, é formado por vetores que se auto-organizam, bifurcando fractalmente. Com essas relações, observa-se que o cosmos possui um processo de auto-organização, manifestado em padrões identificados em vários níveis. 5 Na MQ não existiria gravidade, pois estamos falando de partículas elementares, em que a gravidade não exerceria influência. No entanto, com o objetivo, entre outros, de produzir uma teoria da unificação da física, existem propostas de articulação entre a MQ e a Teoria da Relatividade Geral. Dessas propostas, as que envolvem gravidade no nível quântico são agrupadas como teorias de gravidade quântica. O Princípio de Vibração afirma que o cosmos inteiro é vibracional, aqui os vetores começam a aparecer, mas o sentido e a ligação ainda não estão definidos. Uma das teorias de unificação, a Teoria das Supercordas (GREENE, 2005), também supõe um cosmos vibracional, de cordas que vibram de formas diferenciadas gerando as diferentes manifestações das partículas elementares. Não é preciso apostar nas supercordas como um todo 6 , aqui é enfatizado apenas esse aspecto vibracional. Nesse item é fácil relacionar tal aspecto vibracional tanto no Hermetismo, na filosofia e na física: tudo é vibração. Finalmente, no Princípio de Mentalismo o cosmos é mente, e a matéria é entendida como uma coagulação dessa mente, em outras palavras: diferença pura, a velocidade infinita, o “zero positivo”. Na MQ, o vazio quântico é a função que mais se aproxima desses conceitos, pois é formado por uma complexa estrutura de relação de opostos, que se cancelam, mas que podem ser excitados de forma a suscitarem alguma forma material. Existem vários exemplos de uma estrutura semelhante, como o conceito de Tao, oriundo do Taoísmo. Nessa última articulação, percebe-se que existe uma instância no cosmos que quase não existe, mas existe minimamente, gerando a possibilidade de, a partir de si, se emergir o cosmos. Mas, como observamos, o caminho não há apenas ao caminhar a partir dessa instância primordial, mas em devir, chega-se a ele, também em um processo de descoagulação da matéria, seja através da meditação, do estado quântico ou do suscitar transformações sutis ou não, intensivas, nos corpos. Estabelecidas essas relações, o campo de saber híbrido, que somado com elementos oriundos da filosofia e da arte, nós vamos entender como o “conceito” de vortex (JOB, 2013), ou seja, um dinamismo auto-organizado e auto-similar, cujos vetores instáveis possuem gradações de permeabilidade. Não vamos mais apreender “a relação entre saberes” produzindo híbridos como a “transdisciplinaridade”, pois essa hibridização parcial, além de evocar o disciplinar em sua alcunha, ainda não compromete as práticas de vida com o conhecimento. O que de fato se compromete é um campo relacional “epistemontológico” produzido ao longo dos saberes aplicados à vida, os assim chamados transaberes, cujo conceito mais explícito é o vortex. Em outras palavras e à guisa de conclusão: os saberes apreendem o vortex das seguintes formas: a ciência o modela, a filosofia o ex-plica (des-dobra), a magia o modula (conjura e intensifica), a 6 Nossa relação de conceitos estabelecida aqui envolve um “encadeamento” de funções da física que sugerem uma espécie de “guia” para uma teoria da unificação específica, diferente das propostas até então pelos físicos. arte o evidencia, a ética o cultiva, o amor o multiplica. Colocando-o, por exemplo, nos nexos ao longo das dualidades, cabe-nos, à luz dos transaberes, vivenciarmos o vortex! REFERENCIAS AMBJORN, Jan, JURKIEWICZ, Jerzy e LOLL, Renate “Universo quântico auto- organizado” in: Scientific American 75 ano 06, pp 28-35, 2008. BALL, Philip, O Médico do Demônio – Paracelso e o Mundo da Magia e da Ciência Renascentista. 1 ed. Rio de Janeiro, Imago, 2009. BLANCHOT, M., A Parte do Fogo. Rio de Janeiro, Rocco, 2011. BRUNO, Giordano, Castiçal, 1 ed. Caxias do Sul, EDUCS, 2010. 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Silva (IF/FLUP) 7 Resumo O presente artigo tem por objectivo reflectir sobre as problemáticas da “telepatia”, da “espiritualidade” e do “ocultismo” na obra de S. Freud. Estes vectores serão colocados em contraste com as principais postulações psicanalíticas (metapsicológicas) do autor, as quais afirmam não só a inexistência de fenómenos de comunicação inter-mentais e a ineficácia geral dos métodos animistas, ritualistas e religiosos como também os conota como mundividências supersticiosas e primitivas. Assim, e partindo de alguns textos onde Freud reconhece, paradoxalmente, a possibilidade de existência de certos fenómenos espirituais ocultos, nomeadamente a telepatia, procuraremos compreender estes aspectos mais misteriosos e desconhecidos do grande público e entroncá-los numa linhagem de pensamento proto-esotérico que, simultaneamente, interioriza e extravasa os pressupostos teóricos da sua psicanálise. Palavras-chave: espiritualidade; ocultismo; parapsicologia; telepatia. Abstract This article aims to reflect on the issues of “telepathy”, “spirituality” and “occultism” in S. Freud’s work. These vectors will be put in contrast with the main psychoanalytical (metapsychological) postulations of the author, whose affirm not only the inexistence of the inter-mental communication phenomena and the general inefficiency of the animist, ritualistic and religious methods but also defines them as supersticious and primitive world views. Thus, and starting with some texts where Freud paradoxically recognizes the existence of certain occult spiritual phenomena, namely telepathy, we’ll seek to understand these mysterious aspects unknown to the general public as well as to connect them with a line of proto-esoteric thought which, simultaneously, internalises and surpasses the theoretical prepositions of his psychoanalysis. Keywords: occultism; parapsychology; spirituality; telepathy. 7 Doutorando em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Grupo “Aesthetics, Politics and Knowledge” do Instituto de Filosofia do Porto. “Grupo de Estudos Lusófonos” da FLUP. Membro da plataforma “Report(h)a”. E-mail: josefsilva@live.com.pt. Algumas considerações metapsicológicas A psicanálise freudiana 8 define clássica e primordialmente o «sonho» (Traum) como um «fenómeno psíquico de pleno direito, mais precisamente um cumprimento de desejo» 9 . O sonho é o enigma que permite o acesso mais íntimo ao reservatório 10 «inconsciente» (Unbewusste) 11 onde se encontra a libido, a energia das «pulsões sexuais» (Sexualtriebe) 12 pertencentes ao primeiro dualismo pulsional, sendo que a psicanálise se funda precisamente nesta «análise de sonhos» 13 . De facto, Freud escreve que todo o sonho «está provido de sentido; a sua dificuldade deve-se a umas desfigurações que se empreenderam sobre a expressão do seu sentido; o seu carácter absurdo é deliberado e expressa burla, escárnio e contradição; a sua incoerência é indiferente para a interpretação» 14 . Estas palavras, não obstante, apenas revelam e reforçam a ideia de uma metafísica onírica independente, bem distinta da realidade das coisas materiais e do mundo externo – onde o «ego» (Ich), sublinhe-se, como «ser fronteiriço»15, tenta harmonizar essas exigências da realidade com a anárquica libido do «id» (Es) e a moral superegóica –, mas possuidora de idêntico estatuto de verdade, sobretudo por se constituir como o mais antigo modo de ser e de pensar: «O núcleo do inconsciente anímico é constituído pela herança arcaica do ser humano, e dela sucumbe ao processo repressivo tudo o que, no progresso até fases evolutivas posteriores, deva ser relegado por inconciliável com o novo e prejudicial para ele» 16 . Estágios de pensamento e fases psicossexuais Em boa verdade, e tendo como exemplo textos como Totem und Tabu ou Die Zukunft einer Illusion, facilmente compreendemos este elemento «novo e prejudicial» reportado 8 Todas as citações/referências de Sigmund Freud remetem a: FREUD, S. (1992). Obras Completas, Buenos Aires: Amorrortu Editores. Indica-se o título, volume e página. 9 Die Traumdeutung. Vol. IV, p. 142. 10 Cf. Abriss der Psychoanalyse. Vol. XXIII, p. 148. 11 Sublinhe-se que o inconsciente – independentemente do prisma pelo qual se analise, seja descritivo [enunciador de estados] (cf. Einige Bemerkungen über den Begriff des Unbewussten in der Psychoanalyse. Vol. XII, p. 272), funcional/tópico [lugar psíquico] (cf. Das Unbewusste. Vol. XIV, p. 169), dinâmico [construção derivada da teoria do «recalcamento» (Verdrängung)] (cf. Einige Bemerkungen über den Begriff des Unbewussten in der Psychoanalyse. Vol. XII, p. 272) ou económico [medidor das magnitudes de excitação] (cf. Das Unbewusste. Vol. XIV, p. 178) – não se resume apenas ao que é alvo de recalcamento, embora tudo o que é recalcado permaneça, necessariamente, inconsciente. 12 Cf. Psychoanalyse und Libidotheorie. Vol. XVIII, p. 250. 13 Einige Bemerkungen über den Begriffdes Unbewussten in der Psychoanalyse. Vol. XII, p. 276. 14 Das Interesse an der Psychoanalyse. Vol. XIII, p. 174. 15 Das Ich und das Es. Vol. XIX, p. 56. 16 “Ein Kind wird geschlagen”. Beitrag zur Kenntnis der Entstehung sexueller Perversionen. Vol. XVII, p. 199. por Freud; tal trata-se, evidentemente, de uma alusão ao estágio psicológico animista 17 onde imperava a crença na omnipotência do pensamento 18 e que se vê naturalmente repercutida na mundividência geral das crianças (emergindo como protótipo da vida intra-uterina, anobjectal 19 ) e na dos psicóticos 20 : «Por isso estamos preparados para descobrir que o homem primitivo transladou para o mundo exterior constelações estruturais da sua própria psique» 21 ; «É para ele natural, como inato, projectar a sua essência para fora, para o mundo, e ver em todos os processos que observa uma exteriorizações de seres que no fundo são semelhantes a ele» 22 . Simultaneamente, Freud refere-se também deste modo à própria evolução e ultrapassagem das diferentes fases de desenvolvimento psicossexual 23 – «fase oral» (orale Phase), «fase sádico-anal» (sadistich-anale Phase) e «fase fálica» (phallische Phase) – por parte das crianças e que – inaugurado o «período de latência» (Latenzperiode) – precipita a formação do «superego» (Über-Ich). Com a dessexualização progressiva dos pensamentos e dos comportamentos assiste-se à «criação ou consolidação do superego» 24 , à «edificação de barreiras éticas e estéticas» 25 e ao aparecimento de sentimentos ternos. Trata-se, no fim de contas, de um duplo movimento progressivo: social ou histórico e subjectivo. Note-se ainda que a arcaicidade do «ego-prazer» (Lust-Ich) face ao «ego-realidade» (Real-Ich) – que não constituem formas radicalmente distintas do ego, mas uma «fenda» (Einriss) ou «clivagem» (Spaltung) de atitudes psíquicas face à realidade externa – mostra precisamente aquela «confiança inamovível na possibilidade de dominar o mundo e a impermeabilidade das experiências, fáceis de realizar» 26 , que nem por caminhos mágicos ou sobrenaturais. Aqui somente importa a «estima psíquica propagada desde o desejo e desde a vontade» 27 , utilizando-se o mecanismo da «projecção» (Projektion) enquanto veículo de realização psíquica e de sobreposição desta à realidade do mundo. O seu produto é o «fantasma» ou a «fantasia» (Phantasie). 17 Os «três sistemas de pensamento» (Totem und Tabu. Vol. XIII, p. 81) constituem tipos de representação do universo: animista/mitológica, religiosa e científica. 18 Cf. Totem und Tabu. Vol. XIII, p. 89 et seq. 19 Cf. Hemmung, Symptom und Angst. Vol. XX, pp. 130-131. 20 Cf. Zur Einführung des Narzissmus. Vol. XIV, p. 73. 21 Totem und Tabu. Vol. XIII, p. 94. 22 Die Zukunft einer Illusion. Vol. XXI, p. 22. 23 Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie. Vol. VII, passim. 24 Hemmung, Symptom und Angst. Vol. XX, p. 109. 25 Idem. 26 Totem und Tabu. Vol. XIII, p. 93. 27 Idem, p. 88. Interpretação: a chave psicanalítica Na metapsicologia freudiana, ou «psicologia das profundezas» (Tiefenpsychologie) 28 , ou ainda, por vezes, «feiticeira» 29 , o sonho não pode ser dissociado da «interpretação» (Deutung). Esta representa, por um lado, um processo de dedução analítica pelo qual se tenta desvelar o sentido latente para as manifestações verbais e comportamentos dos indivíduos; por outro lado, e entroncando-se com a noção propriamente clínica de «transferência» (Übertragung) – e, também, de «contra-transferência» (Gegenübertragung) –, ela procura, com a comunicação paciente/analista, encontrar a «cura» (Heiling) para os diferentes objectos inconscientes [sonho, «sintoma» (Symptom), «acto falho» (Fehlleistung), etc.] que se enraizaram no modus vivendi dos pacientes e lhes causam, de alguma forma, um intenso sofrimento: «Depois de um trabalho de interpretação completo o sonho dá-se a conhecer como um cumprimento do desejo» 30 . Nem sempre o indivíduo é capaz de discernir, no sonho, a presença de um «desejo» (Wunsch); porém ele existe sempre, até mesmo nos mais ininteligíveis, uma vez que o sonho é um «produto dotado de sentido que pode inserir-se na trama do acontecer psíquico» 31 . Ressalve-se, contudo – e contrariamente à posição dos paranóicos –, que nem tudo é interpretável, de tal modo que o «trabalho do sonho» (Traumarbeit), o de transformar o «conteúdo latente» (Latenter Inhalt) em «conteúdo manifesto» (Manifester Inhalt) 32 , de demonstrar a deformação 33 e a lógica do inconsciente 34 , poderá, por vezes, ser mal sucedido: fala-se aqui do «umbigo do sonho» (Nabel des Traum), do limite, do ponto de contacto com o «desconhecido» (Unerkannter) onde termina a inteligibilidade da interpretação 35 . Realizadas estas considerações metapsicológicas introdutórias, facilmente compreendemos que falar numa parapsicologia freudiana pode soar muito estranho ao ouvido de um leitor – digamos assim – mais mainstream da psicanálise. O próprio 28 Die Frage der Laienanalyse. Vol. XX, p. 232. 29 Die endliche und die unendliche Analyse. Vol. XXIII, p. 228. 30 Die Traumdeutung. Vol. IV, p. 141. 31 Die Traumdeutung. Vol. V, p. 505. 32 Cf. Einige Bemerkungen über den Begriff des Unbewussten in der Psychoanalyse. Vol. XII, p. 276 et seq. O conteúdo latente do sonho define um conjunto de «restos diurnos» (Tagesreste), recordações de infância e impressões corporais que adquirem certo significado após a interpretação, ao passo que o conteúdo manifesto se refere ao sonho como é apresentado perante o sonhador antes da investigação analítica. 33 Cf. Die Traumdeutung. Vol. IV, p. 153 et seq. 34 Cf. Das Unbewusste. Vol. XIV, p. 183 et seq. 35 Cf. Einige Nachträge zum Ganzen der Traumdeutung. Vol. XIX, p. 137. Freud aponta nesse sentido quando afirma que o abandono da hipnose – tão utilizada nos primeiros tempos de psiquiatra – se deveu, em parte, ao seu misticismo36, ou quando apresenta a metapsicologia como retransformação e retradução científica das obscuras metafísicas dos filósofos, teólogos e mitómanos 37 , ou ainda quando ridiculariza como absolutamente ineficazes – de um ponto de vista não moral – os cultos e práticas religiosas, sejam tais antigos ou modernos 38 . Aliás, ele di-lo taxativamente: «não existem premonições de verdade, sonhos proféticos, experiências telepáticas, exteriorizações de forças suprasensíveis e coisas semelhantes» 39 ; «os ocultistas (…) são uns convencidos, não procuram senão corroborações; querem ter uma justificação para professar francamente a sua fé» 40 . Ambivalência freudiana perante o oculto Como devemos relacionar, então, estes conceitos psicanalíticos lapidares com a heterodoxia das cuidadas investigações sobre «telepatia» (Telepathie), espiritualidade e ocultismo, considerado na sua amplitude mais genérica, e que são alvo de reflexão e de transmutação conceptual – como trataremos de demonstrar –, das quais fazem parte textos como Psychoanalyse und Telepathie, Traum und Telepathie, Einige Nachträge zum Ganzen der Traumdeutung e ainda a XXX Conferência das Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse? O que suscitou essa «ambivalência» (Ambivalenz) – publicamente assumida, de resto41 – da parte do autor? De facto, e para que se possa compreender o real interesse de Freud nestas matérias, nada como lembrar a declaração feita a Hereward Carrigton, director do American Psychical Institute, em 1921, por ocasião de uma recusa para co-editoriar um periódico sobre ocultismo.Nessa altura, Freud terá afirmado o seguinte: «Se eu me encontrasse no início da minha carreira científica, e não no seu fim, talvez escolhesse outros campos de pesquisa» 42 . Estaria ele a incluir o campo da parapsicologia? Tal interrogação não é nada despropositada, sobretudo se consideradas as íntimas convivências mantidas – por intermédio de S. Ferenczi – com médiuns, astrólogos, videntes e profetizas de 36 Cf. Über Psychoanalyse. Vol. XI, p. 19. 37 Cf. Zur Psychopathologie des Alltagsleben. Vol. VI, p. 251. 38 Cf. Totem und Tabu. Vol. XIII, p. 91. 39 Zur Psychopathologie des Alltagsleben. Vol. VI, p. 253. 40 Psychoanalyse und Telepathie. Vol. XVIII, p. 170. 41 Cf. Psychoanalyse und Telepathie. Vol. XVIII, p. 173. 42 ROUDINESCO, E. & PLON, M. (1998). Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, p. 752. Budapeste 43 , a aproximação e querela com o gnosticismo junguiano ou ainda outros convites para que escrevesse sobre ocultismo 44 . Todo este interesse circundante demonstrava, segundo Freud, que os magnetizadores, místicos e ocultistas «querem tratar-nos como meio aliado e contar com o nosso apoio para resistir à pressão da autoridade exacta» 45 dado que o inconsciente psicanalítico é «entre o céu e a terra, uma daquelas coisas com que a sabedoria académica não se atreve a sonhar» 46 . Freud acredita na telepatia É realmente curioso que por entre as sombras do gigantesco edifício psicanalítico, de rigor mecanizado e positivista, possamos encontrar um Freud interessado em fenómenos de mesas giratórias e em transmissões directas do pensamento 47 , ao ponto de declarar peremptoriamente que «já não parece possível recusar o estudo dos feitos chamados ocultos, daquelas coisas que supostamente acreditam na existência de poderes psíquicos diferentes dos que conhecemos na alma do homem e do animal, ou que revelam nesta alma capacidades que até ao momento não se acreditava que tivesse» 48 . Em termos definicionais, a telepatia surge-lhe como um «presumível facto de que um acontecimento ocorrido em determinado local chega de maneira quase simultânea à consciência de uma pessoa distanciada no espaço, e sem que intervenham os meios de comunicação familiares» 49 . Utilizando-se uma terminologia espírita, percebemos que tal fenómeno estaria na base, por exemplo, da escrita automática ou psicografia (popularizada por Jean-Paul Richter e Ludwig Börne), constituindo «um correlato psíquico da telegrafia sem fios» 50 . Entre as várias dezenas de casos de pacientes analisados por Freud e de cartas enviadas por pessoas não consultadas mas que procuravam a sua interpretação, podemos, muito sucintamente, destacar três exemplos: o primeiro diz respeito a um homem que havia recebido uma carta a comunicar a morte do seu irmão e, antes que a abrisse, pressentira 51 instintivamente a sua morte; um outro conta-nos a história de uma mulher, de trinta e sete anos, que teria clarividência desde muito nova e que contara ter recebido 43 Idem. 44 Cf. Psychoanalyse und Telepathie. Vol. XVIII, p. 169. 45 Psychoanalyse und Telepathie. Vol. XVIII, p. 170. 46 Idem. 47 ROUDINESCO, E. & PLON, M., Dicionário de Psicanálise, p. 753. 48 Psychoanalyse und Telepathie. Vol. XVIII, p. 169. 49 Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Vol. XXII, p. 34. 50 Idem. 51 Cf. Traum und Telepathie. Vol. XVIII, p. 195. mentalmente a notícia da morte do irmão (combatente na I Guerra Mundial) antes da chegada, dois dias depois, do comunicado oficial, sendo que neste caso também a sua mãe tivera uma experiência semelhante, praticamente sincrónica, embora as duas não estivessem, nesse mesmo dia, juntas em casa 52 ; finalmente, num terceiro exemplo, podemos assinalar o sonho de um homem, de «evidente inteligência» 53 segundo Freud, cuja filha – que lhe era muito querida mas vivia em lugar distante – esperava o seu primeiro parto para meados de Dezembro; esse homem, na noite de 16 de Novembro, sonha que a sua esposa havia dado à luz gémeos, sendo que pela manhã do dia 18 recebe um telegrama a informá-lo de que a filha já teria tido o parto, e que teriam nascido gémeos, tendo tal ocorrido precisamente na noite de 16 para 17 e sensivelmente pela mesma hora do seu sonho 54 . O sentimentalismo dos fenómenos telepáticos Poderíamos mencionar aqui muitos outros exemplos; porém, importa sobretudo salientar que são acontecimentos deste género que levam Freud a concluir que uma das premissas para existência de fenómenos telepáticos (sejam tais comunicações quase simultâneas diurnas ou através de sonhos) reside no ponto-chave de que «esse acontecimento afecte uma pessoa em quem a outra, o receptor da mensagem, tenha um forte interesse emocional. Por exemplo, a pessoa A sofre um acidente ou morre, e a pessoa B, muito chegada a ela – sua mãe, filha ou amada –, se apercebe mais ou menos no mesmo momento através de uma percepção visual ou auditiva; em último caso, é como se tivessem comunicado por telefone, embora não seja assim de facto» 55 . Parece ser necessário que exista um intenso vínculo sentimental para a ocorrência de fenómenos telepáticos e de transmissões directas de pensamento. Mas, voltando um pouco atrás, à questão da ambivalência intelectual de Freud perante ocorrências telepáticas – que são pertença do ocultismo e precipitam uma espiritualidade parapsicológica, isto é, que extravasa os domínios da mundividência consciencialista e da obscuridade primária do próprio Subjekt metapsicológico, permitindo assim uma reformulação e reconstrução espírita para os fenómenos mentais –, convém compreendermos em que medida elas podem, ou não, ser incorporadas – mesmo que por caminhos mais ou menos enviesados – na doutrina psicanalítica estabelecida. 52 Cf. Traum und Telepathie. Vol. XVIII, p. 202. 53 Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Vol. XXII, p. 35. 54 Cf. Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Vol. XXII, p. 35. 55 Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Vol. XXII, p. 34. Transferência e contra-transferência de pensamento Com efeito, essa transmutação conceptual parece não ser tão reduzida quanto se poderia imaginar pelo início do artigo, a começar desde logo pela natureza da transferência e da contra-transferência, momentos inalienáveis da prática analítica. A transferência designa um processo psicológico mediante o qual os desejos inconscientes dos pacientes relativos a determinados objectos externos (modelos da sexualidade infantil) são repercutidos e substituídos pela figura do analista. Ela começa por ser uma «resistência» (Widerstand) e um obstáculo à terapia, de modo que cabe à interpretação a tarefa de – através da palavra – conseguir proporcionar um reajustamento do investimento ao nível das representações psíquicas: «Em todo o tratamento analítico (…) estabelece-se um intenso vínculo de sentimento do paciente com a pessoa do analista, vínculo que não possui nenhuma explicação pelas circunstâncias reais. É de natureza positiva ou negativa, varia desde o enamoramento apaixonado, plenamente sensual, até à expressão infrene de rebeldia, desafio e ódio. Esta “transferência” (…) logo substitui no paciente o desejo de ser curado e passa a ser, enquanto terna e moderada, o suporte da influência do médico e o genuíno mote impulsor do trabalho analítico em comum» 56 . Por outro lado, a contra-transferência instala-se no médicopor «influxo do que o paciente exerce sobre o seu sentir inconsciente» 57 e, particularmente, da transferência evidenciada. Em termos directos, o que está em causa é a transmissão de pensamentos e de emoções por via da palavra – naturalmente composta pelo duplo vector «associação livre» (freie Assoziation) e «atenção flutuante» (Gleichschwebende Aufmerksamkeit) – que ocorre entre os inconscientes do paciente e do analista. Não se trata de uma transmissão telepática nos termos que mencionamos antes; porém não deixa de ser muito curioso – e relevante – que estes processos ocorram ou tenham por finalidade atingir o que de mais íntimo existe em cada indivíduo (o seu inconsciente) e, simultaneamente, necessitem, para ocorrerem – como afirma Freud – de um «intenso vínculo de sentimento», independentemente da forma assumida (positiva ou negativamente) – sendo que aqui existe realmente diferença para os fenómenos telepáticos, cuja carga predominante é efectivamente positiva. Deste modo, falar de inconsciente para inconsciente, é, no fim de contas, um movimento muito estranho onde se encontram, quase que emaranhadas, as energias 56 Selbstdarstellung. Vol. XX, p. 40. 57 Die zukünftigen Chancen der psychoanalytischen Therapie. Vol. XI, p. 136. pulsionais mais profundas e desconhecidas – para o ego consciente, claro está – dos id do paciente e do analista. Apesar de Freud tender – uma vez mais, ambivalentemente – a considerar a maior parte dos casos reportados nos seus estudos sobre telepatia – sobretudo os derivantes de consultas com médiuns e adivinhos 58 – como simples «desejo de uma pessoa, extraordinariamente poderoso, que mantém com a sua consciência um vínculo particular, e que se pôde criar, com o auxílio de uma segunda pessoa, uma expressão consciente levemente velada» 59 , e cuja interpretação pertence, por isso, ao domínio psicanalítico, não é menos verdade que o seu elogio e concordância pública com a existência daqueles fenómenos telepáticos – já o deixamos bem claro – deixa entreaberta a porta para uma reinterpretação conceptual dos processos transferenciais no campo da parapsicologia. Mas essas possibilidades não se esgotam aqui. De facto, e ignorando propositadamente as óbvias ramificações psicanalíticas ultra- simbólicas promovidas, por exemplo, por C. G. Jung – que encontra, na impalpabilidade do inconsciente freudiano um solo fértil para a propagação da sua psicologia analítica baseada no «arquétipo» (Archetyp) e em sistemas universais e interligados de pensamentos e de crenças 60 –, facilmente encontramos em Freud outros vectores passíveis de uma apropriação ou indução parapsicológica, tais como os de metapsicologia, projecção, «compulsão à repetição» (Wiederholungszwang), «obsessão» (Zwang), «estado hipnóide» (hypnoider Zustand), «dissociação da consciência» (Bewusstseinsspaltung), «clivagem do ego» (Ichspaltung) ou «recalcamento originário» (Urverdrängung). O chamamento da feiticeira Em Die endliche und die unendliche Analyse, Freud refere a metapsicologia como um inevitável modo de especulação: «Podemos apenas dizer: “Então é preciso que intervenha a feiticeira”. A feiticeira metapsicologia, isto é. Sem um especular e teorizar metapsicológicos – quase disse ‘fantasiar’ – não daremos um passo adiante. Infelizmente, as revelações da feiticeira não são aqui nem muito claras nem muito detalhadas» 61 . Através da evocação de Fausto, coloca-se a entrada em cena da metapsicologia como uma espécie de último recurso ao qual o analista se dirige em 58 Cf. Einige Nachträge zum Ganzen der Traumdeutung. Vol. XIX, p. 139. 59 Cf. Psychoanalyse und Telepathie. Vol. XVIII, p. 176. 60 Cf. JUNG, C. G. (1988). Man and His Symbols, New York: Anchor Press, passim. 61 Die endliche und die unendliche Analyse. Vol. XXIII, p. 228. desespero de causa. Tal como a personagem da feiticeira, também a metapsicologia parece constituir uma outra dimensão de pensamento que extravasa as fronteiras daquilo que é alcançado pelos meios tradicionalmente naturais (clínicos/científicos), justificando uma teoria que pretende ir além das representações empíricas e que nos permite pensar uma Weltanschauung parapsicológica. Sintomatologia espiritual No que respeita à projecção, à compulsão à repetição e à obsessão, muito facilmente as poderíamos reciclar como sintomas de alteração ou anomalia espiritual; neste caso, entroncaríamos a ideia de projecção – uma operação por meio da qual o indivíduo expulsa e exterioriza qualidades, sentimentos ou desejos recalcados em si mesmo 62 – com as referências sobre telepatia descritas por Freud, nas quais os pensamentos e as notícias tendem como que a projectar-se entre as mentes dos indivíduos emocionalmente conectados; por outro lado, a compulsão à repetição – da qual a transferência se encontra ao serviço – reproduz certas sequências de actos, ideias ou sonhos cuja origem gera enorme sofrimento 63 e congrega naturalmente com o conceito de obsessão – a insistência em realizar actos indesejáveis e uma luta permanente contra a ruminação mental 64 –, sendo que ambas pautariam, dentro de uma teoria parapsicológica onde se incluísse a reincarnação, uma herança cármica. Vectores de incorporação? Quanto ao estado hipnóide, à dissociação da consciência e à clivagem do ego, embora digam respeito, em termos metapsicológicos, a coisas distintas 65 , poderiam, mediante alguma ginástica conceptual, ser igualmente incluídos dentro de uma historiografia parapsicológica – sobretudo espírita – onde seriam entendidos como partes mentais automáticas (ao género das incorporações mediúnicas, nas quais a força comunicacional do espírito comunicante geralmente se sobrepõe à natureza psicossomática ou espiritual dos indivíduos que incorporam, como que a dividindo, dissociando ou clivando), levando, igualmente, à entrada em estados de transe, onde apareceriam como produtos as glossolalias e as divinações. 62 Cf. Manuscrito H. Vol. I, pp. 249-251. 63 Cf. Jenseits des Lustprinzips. Vol. XVIII, p. 36. 64 Cf. Die Abwehr-Neuropsychosen. Vol. III, passim. 65 Os estados hipnóide são independentes dos fenómenos traumáticos propriamente ditos e dão origem a um desdobramento alternante da consciência ou da personalidade do indivíduo (a dissociação), ao passo que a Spaltung resulta de um conflito entre o ego e o mundo externo. Recalcamento originário…sem origem Importa notar que o recalcamento compõe um processo dinâmico assente em dois tempos: o primeiro, chamado de recalcamento originário, recai sobre as «representações» (Vorstellungen) que não chegam à «consciência» (Bewusstsein) e nas quais ocorre uma «fixação» (Fixierung) da «pulsão» (Trieb), criando-se um primeiro núcleo inconsciente que funciona como pólo de atracção para os conteúdos a recalcar; o segundo, o «recalcamento propriamente dito» (eigentliche Verdrängung), constitui um processo duplo: por um lado, une a esta atracção uma «repulsão» (Abstossung) por parte do sistema «pré-consciente» (Vorbewusst) e, pelo outro, um retorno do «reprimido primordial» 66 sob a forma de sonhos, sintomas ou actos falhos. O ponto importante destas considerações reside no facto de Freud não definir explicitamente o que é e de onde vem este recalcamento originário, esboçando apenas uma tentativa de resposta ao afirmar que «é inteiramente verosímil que factores quantitativos como a intensidade hipertrófica da excitação e a ruptura da protecção contraos estímulos constituam as ocasiões imediatas dos recalcamentos primordiais» 67 , ou seja, que tal decorre de uma força de excitação particularmente intensa. Esta tímida hipótese poder-nos-ia levar a pensar, por exemplo – dentro de uma perspectiva psicanalítica –, no momento do desmame (dado que tal constitui efectivamente uma alteração energética drástica no quotidiano da criança, possivelmente a primeira de muitas); porém, e de um ponto de vista parapsicológico – relembrando que Freud praticamente nada diz sobre o assunto – não seria despropositado suspeitar de uma fenomenologia espírita oculta, através da qual esse recalcamento originário representaria, por exemplo, a encarnação do espírito no feto com a respectiva perda de recordações e sentimentos de vidas anteriores. Um proto-esoterismo maquilhado A maior crítica que se pode tecer a estas interpretações parapsicológicas da obra de Freud e que tentam – embora com as devidas ressalvas – introduzi-lo numa linhagem de pensamento proto-esotérico que, simultaneamente, interioriza e extravasa os domínios da sua psicanálise, reside no facto do autor se apresentar extremamente ambivalente para com estes assuntos, apoiando-os em certos textos específicos mas renegando-os completamente na maior parte do tempo. Porém, é precisamente por isto que se fala 66 Die Verdrängung. Vol. XIV, p. 143. 67 Hemmung, Symptom und Angst. Vol. XX, p. 90. num “proto-esoterismo” e não num “esoterismo” em sentido lato. Lembremo-nos de que Freud muito batalhou em prol da cientificação da sua disciplina, fazendo questão de a separar dos sistemas filosóficos sempre que tal suspeitasse descrédito – embora o próprio, em outras ocasiões, e de novo ambivalentemente, tenha manifestado a sua intenção de ser filósofo e da sua metapsicologia constituir uma filosofia 68 – e até mesmo das teorias psíquicas dezanovecentistas instauradas pela psiquiatria e psicologia, sendo que não seria certamente por factores obscurantistas como os de telepatia ou de espiritualidade (e eventual espiritismo) que o próprio deixaria ruir o seu corpus epistémico. Não obstante, a Tiefenpsychologie, a feiticeira metapsicologia, leva-nos sempre, em última instância, para uma dimensão de pensamento inconsciente, subterrânea e misteriosa, onde se revelam os mais fantásticos e inimagináveis segredos do ser humano. De facto, e depois das ridicularizações e atestados de pseudo-ciência de que foram alvo F. A. Mesmer, Armand de Puységur, Frederick Myers, entre outros, nada nos garante que Freud não encarasse com bons olhos uma transfiguração conceptual das suas próprias convicções ocultistas sob o modelo psicanalítico. Tal parece, aliás, muito plausível, não fosse ele um adepto – crítico, sem dúvida, mas – entusiasta das práticas da sua época, uma época de mesas giratórias, de comunicação com os mortos, de experiências telepáticas e, enfim, de um elevadíssimo interesse por tudo aquilo que escapava às explicações da ciência positiva. 68 Cf. MIJOLLA, A. & MIJOLLA-MELLOR, S. (2002). Psicanálise, Lisboa: Climepsi Editores, p. 78. HOLISMO E SAÚDE: O DESPERTAR MÁGICO DA CIÊNCIA HOLISM AND HEALTH: THE MAGIC SCIENCE AWAKENING? Magnólia Gibson Cabral da Silva 69 (UFCG) Resumo Contra a fragmentação crescente em todos os domínios da ciência e da experiência cotidiana, a nova ordem é unidade, globalidade, holismo. O Uno é divino, espiritual, consciente: é 'energia-vida', o material ontológico e psíquico do Universo. Desse ponto de vista, não existe dicotomia entre ciência e espiritualidade, entre material e espiritual e, nem entre divino e humano. Essa visão de universo apresenta uma abordagem de doença e de cura radicalmente diversa daquela utilizada na moderna medicina ocidental. Esta comunicação destaca o novo influxo cultural que, de certa forma, reverte à antiga visão da ciência médica ocidental a respeito da tradição. Palavras Chave: holismo, ciência, religião, saúde Abstract Against the increasing fragmentation in all fields of science and everyday experience, the new order is unity, totality, and holism. The Whole is divine, spiritual, conscious: it is “life-energy”, which is the universe ontological and psychic material. Energy is the essence of which is made the cosmos; through it we can find our own consistency. From this perspective, there is no dichotomy between science and spirituality, nor between material and spiritual nor between divine and human. In this vision of the universe the disease and healing approach, is radically different from that used in modern Western medicine. This paper deals with the new cultural flow that somehow reverts the western medical science to its antique vision regarding the tradition. Keywords: holism science, religion, health 69 Magnólia Gibson Cabral da Silva (magnoliagib@gmailcom) é Bacharel em Ciências Sociais/ Doutora em Sociologia é Professor /pesquisador no Programa de Pós-Graduação - Mestrado e Doutorado - em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).. Coordenadora do Grupo de Estudos em Sociologia e Antropologia da Religião. Religião, Saúde e Cultura Como interpretação da realidade, a religião é um dos sistemas mais importantes de produção, manutenção e transformação da cultura. A civilização ocidental, por exemplo, tem como base a tradição judaico-cristã, que permanece até hoje, apesar da secularização e da hegemonia do pensamento científico no campo do conhecimento. Em todas as civilizações a religião aparece como código de conduta individual e social, bem como de ética e de cura, para a manutenção da saúde física, moral e social, formando grandes sistemas interligados, sem solução de continuidade. Nas sociedades ancestrais, o sacerdote era, também, o médico (curandeiro, pajé, xamã etc.). Consoante Ohsawa (1977) as religiões escritas seriam verdadeiros "tratados" onde as pessoas encontram orientação para conseguir saúde e longevidade, que constituiriam a base da felicidade humana (OHSAWA, 1977: p. 9). A medicina na Índia, teve origem na tradição Vede (aprendizado, conhecimento). O livro Ayurvede (Vede da longa vida), era especificamente dedicado à medicina. Eram textos sagrados, revelados por entidades divinas, onde as referências históricas entrelaçavam-se com lendas. A tradição foi seguida do período bramânico, IX a.C., que marca o apogeu da medicina indiana (MARGOTTA, 1998: p. 16). Segundo os interpretes da Ilíada, na época de Homero na Grécia, a medicina não se baseava na magia nem na religião; era uma disciplina independente, praticada por profissionais pagos. Com o tempo, porém, as influências orientais foram deixando sua marca sobre a cultura grega, e a medicina foi se tornando mais sacerdotal. As práticas médicas sacerdotais, alastraram-se por toda a Grécia durante o século V a. C., permanecendo em uso até os séculos IV ou V d. C., período no qual, o culto a Esculápio (deus da cura) funde-se ao dos santos da Era Cristã (Op. cit., p. 22-23). Após a elevação do pensamento científico ocidental moderno ao mais alto patamar na escala do conhecimento, mais uma vez, foram separadas essas instâncias da vida que, nas tradições antigas, eram constitutivas do sagrado. Mas a moderna ciência não conseguiu responder satisfatoriamente antigas questões que insistem atormentando os seres humanos. Uma destas questões mal resolvidas ou não satisfatoriamente explicadas pela ciência é a própria religiãoe, nesta, o milagre da cura. Esta comunicação destaca o novo influxo cultural que, de certa forma, reverte à antiga visão da ciência médica ocidental a respeito da tradição representada pelo Movimento Holístico. Holismo e Saúde O Movimento Holístico é o desdobramento mais significativo do chamado Movimento Nova Era. O holismo é o grande princípio axial do movimento. Contra a fragmentação crescente em todos os domínios da ciência e da experiência cotidiana, a nova ordem é unidade, globalidade, holismo (BERGERON, op. cit., p. 67-68). No nível ontológico (o do ser) o holismo designa a unidade última das coisas. Fundamenta-se num monismo metafísico, segundo o qual tudo é uno, sendo o múltiplo apenas ilusão da condição humana. O Uno é divino, espiritual, consciente: é 'energia- vida', que é o material ontológico e psíquico do Universo. A energia é a essência de que é constituído o universo; é através dela que podemos encontrar nossa própria consistência (Ibid.). O holismo ontológico manifesta-se, também, numa espécie de cosmologia orgânica, onde tudo está interligado. Uma vez que a Energia divina é a substância básica e alma do universo, conclui-se que seja o vínculo entre todos os seres e coisas. Nessa perspectiva, o mundo não pode ser visto como máquina, ou sistema mecânico, composto de parcelas de matéria elementar, mas, como organismo vivo. Nesse mundo hierarquizado e interligado, as mesmas leis determinam o funcionamento de todos os seres e de todos os sistemas, qualquer que seja seu plano de existência: social, físico, psíquico, astral ou espiritual (divino) (Ibid.). Desse ponto de vista, não existe dicotomia entre a ciência e a espiritualidade, entre o material e o espiritual e, nem entre o divino e o humano. O terceiro lugar, onde o holismo ontológico manifesta-se é na antropologia de tipo gnóstico, na qual o ser humano é visto como parcela divina, núcleo concentrado de Energia Universal, alienado por sua incapacidade de perceber sua verdadeira essência divina. Segundo essa visão, o humano não está no centro do cosmo; é parte integrante do cosmo. É microcosmo. As leis e energias nele contidas, são as mesmas para todo o universo. O ser humano não está diante do cosmo; está essencialmente no cosmo. É tomando consciência de que é um núcleo de energia divina, que o ser humano descobre, ao mesmo tempo, sua unidade com o universo e a unidade de todo o universo (Op. cit., p. 68-69). Assim, o ser humano, não apenas está em unidade orgânica com o Universo, como também, forma em si mesmo um todo unificado. Não é, de um lado, um corpo composto de múltiplos órgãos, e de outro, uma alma, um espírito. Essa visão de universo apresenta uma abordagem da doença e da cura, radicalmente diversa daquela utilizada na moderna medicina ocidental. Enquanto a medicina ocidental divide o ser humano em órgãos e em células, interessando-se, apenas, pelas reações bioquímicas, a perspectiva holística, vê o corpo humano como um conjunto de canais de energias (os meridianos - taoísmo) e de centros de energia ("chakras" - induísmo). Nessa perspectiva, a cura passa pelo reequilíbrio das energias e, o corpo torna-se o receptor da onda de energia-vida que percorre o universo (Op. cit., p. 69). Do mesmo modo, o holismo apresenta uma abordagem analítica diversa daquela utilizada pela ciência ocidental. No nível metodológico, o holismo apresenta-se como conhecimento de tipo esotérico que, no encontro da racionalidade analítica e científica, procura transcender a dicotomia "sujeito-objeto" no ato de conhecer, através do exercício dos poderes superiores da inteligência: intuição, iluminação, clarividência, experiência de consciência, transe, percepção extra-sensorial, ou iniciação. Pretende ultrapassar, igualmente, o princípio de contradição ou do terceiro-excluído. De fato, não pode haver contradição, tese ou antítese, exatamente porque, o real é uno e, por isso, tudo está organicamente interligado. Assim, só pode existir analogia, correspondência e similaridade entre todos os seres e entre todos os sistemas. Daí a idéia de procurar as convergências e o vínculo orgânico entre as tradições espirituais e religiosas e as ciências como o fizeram por exemplo: Fritjof Capra, na física, R. Sheldrake, na biologia, Prigogine, na química, E. Schurmacher, na economia, R. Mullerna, na política, S. Grof, na psicologia, entre outros (Op. cit., p. 69-70). Tal como o paradigma científico, a visão holística de realidade vai, aos poucos, sendo adotada como parâmetro para orientar as ações e as decisões em todos os setores da vida. Com efeito, o holismo constitui-se, atualmente, num dos pilares, sobre os quais, assentam-se inúmeras formas de religiosidade, de sociabilidade e de reflexividade (SILVA, 2000). Segundo Bergeron, o que se modificou foi, sobretudo, a natureza da religião (Op. cit., p. 55). A religião que no Ocidente moderno havia se recolhido aos estreitos limites das cerimônias nas igrejas, começa a retomar seu lugar como centro de orientação das ações, das escolhas e das decisões na conduta diária, tanto nas situações ordinárias, no trabalho cotidiano, na disposição dos móveis (feng-shui), como nas imprevistas, no tratamento dos males morais e físicos que afligem os indivíduos. A pluralização dos fenômenos religiosos na América Latina é fato incontestável. Todos os grupos sociais parecem ter canalizado maior cota de energias à prática de religiões, cuja gama vai desde as novas correntes católicas, à expansão de religiosidades indígena e afro presentes na religião, às expressões mais renovadas e populares da tradição protestante, bem como o conjunto de práticas místicas, esotéricas e terapêuticas que em termos gerais e provisórios, podem ser catalogadas como pertencentes ao Movimento Nova Era (SEMÁN, em ORO, 1997: p. 130). Podem-se identificar, ainda, ramificações da Nova Era na cultura, nos produtos e nas técnicas. A cultura contemporânea incorporou o vocabulário e muitas idéias difundidas pelos movimentos místico-esotéricos. Elas estão espalhadas por todos os lugares e ambientes a nossa volta. Nas artes plásticas em geral, nas novelas, na literatura, no cinema, nas músicas, etc. As músicas estão repletas de conceitos que poderíamos qualificar como sendo da Nova Era. Conceitos como carma, reencarnação e alto astral estão plenamente incorporados à linguagem corrente. A reencarnação como ideal social; os cristais, os duendes e, sobretudo, as técnicas; as terapias de cura e de relaxamento; a meditação, a acupuntura, o Tai-chi, o I Ching, o Tarô etc., têm apresentado alto índice de aceitação popular. Visão Sistêmica e Saúde Na visão sistêmica, o mais importante a ser considerado são as relações entre eventos e não, os eventos isoladamente, como se faz nas ciências exatas, como a mecânica e a engenharia (FERREIRA, 1985: p.10). A medicina oriental parte do princípio da unidade “homem-cosmo”, segundo o qual, a natureza age sobre o ser humano, da mesma forma que este age sobre a natureza, modificando-a e sendo modificado por ela. Na perspectiva sistêmica, nada é importante fora de seu contexto de relações: se há tantos fatores em jogo, e se esse jogo se interpenetra de múltiplas maneiras, existe, porém, um denominador comum, o chi (ou “Qi”) cujo significado pode ser traduzido por “energia”. O chi é o aspecto imaterial dessas relações, formando e mantendo o Universo. “O corpo humano é a materialização dessa “energia” que flui através de linhas imaginárias denominadas “meriadianos” ou “canais”, que são, por analogia, similares às órbitas dos planetas, existindo, mas de forma abstrata”. Baseados na idéia
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