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Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 1 Doenças neurodegenerativas – Distúrbios de movimento Flávio Túlio Braga1 1 – Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury, São Paulo, SP. 1 – Introdução A avaliação por ressonância magnética (RM) das síndromes parkinsonianas requer, antes de tudo, conhecimento clínico por parte do neurorradiologista para que os exames sejam feitos com protocolos apropriados, aumentando a acurácia do método. O protocolo de estudo deve incluir seqüências convencionais de RM bem como seqüências spin-eco (SE) ponderadas em T2, sensíveis na detecção de material ferromagnético. Seqüências volumétricas são úteis permitindo reformatações multiplanares e avaliação volumétrica. 2 – Classificação As síndromes parkinsonianas podem ser divididas em quatro subgrupos: parkinsonismo primário, secundário (ou sintomático), síndromes heredodegenerativas e síndromes parkinsonianas atípicas. 3 – Parkinsonismo primário 3.1 – Doença de Parkinson A doença de Parkinson (DP) é uma afecção neurológica comum, cujas principais manifestações clínicas incluem rigidez, bradicinesia, instabilidade postural e tremor de repouso. O seu diagnóstico é clínico e a ressonância magnética (RM) deve ser usada naqueles casos não responsivos à medicação convencional, para que seja feito o diagnóstico diferencial com outras síndromes parkinsonianas. Em boa parte dos casos o estudo por RM é normal. Naqueles casos com alteração na imagem, os principais achados estão relacionados a redução da espessura da substância negra, principalmente na sua pars compacta, com deposição de material ferromagnético e focos puntiformes de gliose (figura 1). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 2 Figura 1. Corte axial na altura do mesencéfalo demonstrando afilamento da pars compacta com deposição de material ferromagnético (setas). 3.2 – Parkinsonismo secundário (ou sintomático) O parkinsonismo secundário ou sintomático apresenta causas variadas que incluem trauma, causas vasculares, pós-infecciosas, hidrocefalia crônica do adulto, distúrbios endócrinos, metabólicos e uso de determinadas drogas. Destacaremos a degeneração hepatocerebral adquirida, a hidrocefalia crônica do adulto e o parkinsonismo vascular. A primeira caracteriza-se clinicamente por sintomas parkinsonianos, distonia, mioclonias, ataxia e letargia, determinados pela insuficiência hepática. O acúmulo de amônia promove morte e/ou disfunção neuronal com comprometimento de núcleos da base, tálamos e mesencéfalo. Elevados níveis de manganês promovem hipersinal em T1 dos globos pálidos, substância negra, mesencéfalo e adeno-hipófise. Os putamens, núcleos caudados, tálamos e núcleos rubros são poupados. A espectroscopia de prótons evidencia redução dos picos de colina e mioinositol e aumento dos picos de glutamina/glutamato (figura 2). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 3 Figura 2. Degeneração hepatocerebral adquirida. A - Imagem ponderada em T1 demonstrando hipersinal palidal com extensão à substância negra. B - Espectroscopia de prótons evidenciando redução do pico de mioinositol (seta tracejada) e elevação do pico de glutamina/glutamato (seta contínua). A hidrocefalia crônica do adulto (hidrocefalia de pressão normal – HPN) caracteriza-se clinicamente pela tríade demência, incontinência urinária e ataxia. A RM evidencia dilatação global do sistema ventricular, apagamento dos sulcos corticais na convexidade dos hemisférios cerebrais e hiperfluxo liquórico através do aqueduto cerebral (figura 3). Figura 3. Hidrocefalia crônica do adulto. Observar a dilatação do sistema ventricular com apagamento dos sulcos corticais da convexidade dos hemisférios (setas). O parkinsonismo vascular caracteriza-se por distúrbio da marcha, demência, disartria e incontinência urinária. A RM demonstra múltiplos infartos lacunares com comprometimento dos núcleos da base (figura 4). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 4 Figura 4. Múltiplos infartos lacunares talâmicos e nos núcleos da base em paciente com parkinsonismo. 3.3 – Síndromes heredodegenerativas As síndromes heredodegenerativas associadas ao parkinsonismo incluem a doença de Wilson, a neurodegeneração relacionada à deficiência de pantotenatoquinase (Hallervorden-Spatz), doença de Huntington, neuroacantocitose e a doença de Fahr, entre outras. Doença de Wilson A doença de Wilson é autossômica recessiva e caracteriza-se pela deposição anômala de cobre em alguns órgãos, sendo as manifestações clínicas relacionadas principalmente ao fígado e sistema nervoso. Os achados clínicos incluem distonia, disfunção cerebelar e tremor. Os estudos de RM incluem hipersinal em T2 e FLAIR no corpo estriado, porção lateral do tálamo, mesencéfalo, ponte e núcleo denteado do cerebelo. O comprometimento do mesencéfalo dá à imagem axial ponderada em T2 um aspecto típico descrito com “face de panda gigante” (figura 5). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 5 Figura 5. Doença de Wilson. Múltiplos áreas hiperintensas em T2 comprometendo os tálamos, núcleos da base e mesencéfalo, este último assumindo aspecto de “face de panda gigante” (círculo). Neurodegeneração relacionada à deficiência da pantotenatoquinase (síndrome de Hallervorden-Spatz) É autossômica recessiva e caracteriza-se por disartria, sintomas extrapiramidais e regressão psicomotora. Os sintomas típicos incluem dificuldade para a marcha e instabilidade postural. Nos estudos de RM as porções centrais dos globos pálidos exibem hipersinal em T2 (secundário à vacuolização), determinando o sinal do “olho de tigre” (figura 6). Figura 6 – Neurodegeneração relacionada à deficiência de pantotenatoquinase (Hallervorden – Spatz). Hipersinal em T2 nas porções centrais dos globos pálidos (“sinal do olho de tigre”). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 6 Doença de Huntington É uma doença autossômica dominante clinicamente caracterizada por distúrbios do movimento e declínio cognitivo. Os estudos de imagem, especialmente a RM, demonstram a marcada atrofia do corpo estriado, especialmente da cabeça do núcleo caudado, determinando um aspecto quadrangular dos cornos frontais ventriculares. As ponderações T2 demonstram hipersinal estriatal bilateral, secundária a gliose (figura 7) Figura 7. Huntington – Observar a marcada atrofia dos hemisférios cerebrais, especialmente nas regiões frontais e ínsulas. Os núcleos caudados e putamens também mostram importante atrofia, estes últimos com alteração do seu sinal. Neuroacantocitose Caracteriza-se clinicamente por distúrbios de movimento e alteração cognitiva. Os achados de imagem são idênticos aos observados na doença de Huntington de forma que o diagnóstico diferencial deve ser feito pela pesquisa de acantocitose no sangue periférico. Doença de Fahr A doença de Fahr (ferrocalcinose cerebral familiar) caracteriza-se por regressão motora, rigidez, coréia, atetose e alterações cognitiva e do humor. Caracteriza-se por perda neuronal associada a depósito anômalo de cálcio nos núcleos da base, centros semiovais e núcleos denteados do cerebelo (figura 8). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 7 Figura 8. Fahr – Observar as calcificações nos núcleos denteados, tálamos, núcleos da base, vermis cerebelar e na superfície cortical occipital, de forma bilateral e simétrica. 4 – Síndromes parkinsonianas atípicas (Parkinson-plus) Estas síndromes caracterizam-se geralmente por uma progressão mais rápida dos sintomas e pouca resposta a L-Dopa.4.1 – Atrofia de múltiplos sistemas A atrofia de múltiplos sistemas (AMS) caracteriza-se pelo comprometimento dos diversos sistemas: extrapiramidal, autonômico, cerebelar e piramidal. Nos casos em que há predomínio dos sintomas cerebelares (AMS-C) a RM evidencia uma atrofia dos hemisférios cerebelares, dos núcleos olivares inferiores e da ponte e hipersinal da rafe mediana e das fibras transversas pontinas (figura 9). Esta forma era antigamente denominada degeneração olivo-ponto-cerebelar. Figura 9. AMS - C – Observar a atrofia cerebelar e da ponte (setas em A) e o hipersinal da rafe mediana e das fibras transversas pontinas (setas em B). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 8 Nos casos em que há predomínio de sintomas extra-piramidais (AMS – P) observamos uma atrofia putaminal, especialmente do segmento posterior, com deposição de material ferromagnético e presença de halo de hipersinal (figura 10). Esta forma era antigamente denominada degeneração estriato-nigral. Figura 10. AMS –P. Observar a atrofia do segmento putaminal posterior, com marcado hipossinal decorrente da presença de material ferromagnético (círculo) e halo hiperintenso de hipersinal (seta). 4.2 – Paralisia supranuclear progressiva Também chamada síndrome de Steele-Richardson-Olszewski. Caracteriza-se por paralisia supranuclear do olhar, rigidez e instabilidade postural. O mesencéfalo é o principal local acometido. Seu comprometimento pode ser demonstrado nas imagens de RM, com redução do diâmetro ântero-posterior, especialmente na sua porção superior, alargamento do ângulo interpeduncular e hipersinal periaquedutal (figura 11). Figura 11. Paralisia supra-nuclear progressiva – Observar em A a concavidade da superfície superior do mesencéfalo (linha vermelha). Em B notamos uma redução do diâmetro ântero- posterior mesencefálico com alargamento do ângulo interpeduncular e gliose periaquedutal. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 10 9 4.3 – Degeneração córtico-basal Caracteriza-se clinicamente por rigidez assimétrica progressiva, apraxia ideomotora, “alien limb” e alteração sensorial. Os estudos de imagem demonstram uma atrofia peri-rolândica com gliose subcortical contralateralmente ao lado das manifestações clínicas (figura 12). Figura 12. Degeneração córtico-basal – Observar a atrofia cortical peri-rolândica à esquerda com gliose subcortical (hipersinal em B). 5 – Considerações finais A RM é uma ferramenta importante no contexto das doenças neurodegenerativas, desde que seja realizada de forma detalhada. Os achados de imagem são por vezes sutis, devendo ser valorizados em conjunto com o quadro clínicos dos pacientes. 6 – Leitura recomendada Grossman RI, Yousem DM. Neuroradiology: The requisites. Mosby; 2nd edition, 2003. Osborn A, Blaser S, Salzman K. Diagnostic imaging: Brain. AMIRSYS, 2004. Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition, 2002. Soliveri P et al. Cognitive and magnetic resonance imaging aspects of corticobasal degeneration and progressive supranuclear palsy. Neurology 1999;53:502-507. Schrag A et al. Differentiation of atypical parkinsonian syndromes with routine MRI. Neurology 2000;54:697– 702. Wenning GK et al. Multiple system atrophy. Seminars in Neurology. 2001;21(1).
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