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86 Unidade II Unidade II Nesta unidade, vamos discutir as patologias neurológicas comumente encontradas na prática clínica do paciente neurológico adulto e suas consequências funcionais. Serão subdivididas entre as que afetam o sistema nervoso central e periférico. O conhecimento prévio do fisioterapeuta sobre a fisiopatologia dessas doenças permite a compreensão sobre a gravidade do quadro clínico do paciente e assim torna possível a elaboração adequada das estratégias de tratamento, bem como dos recursos terapêuticos apropriados. Deixaremos para detalhar a intervenção fisioterapêutica na unidade III do livro-texto. É importante ressaltar que essas patologias variam com relação à natureza e à etiologia, e consequentemente à evolução e ao prognóstico. Destacaremos aquelas de natureza traumática, degenerativas e progressivas. Com a leitura desta unidade será possível você concluir como são complexas as fisiopatologias que englobam as lesões do sistema nervoso, e, assim, como são variados os quadros clínicos respectivos, tanto quando o acometimento for no sistema nervoso central como quando for periférico. Começaremos pelo traumatismo cranioencefálico (TCE), uma situação grave e cada vez mais comum nos grandes centros urbanos. 5 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL 5.1 Traumatismo cranioencefálico (TCE) 5.1.1 Definição O TCE pode ser definido como uma lesão causada por uma força física externa (trauma) aplicada sobre os elementos anatômicos que compõem crânio, couro cabeludo, meninges, encéfalo ou seus vasos, gerando um comprometimento funcional que pode ser temporário ou definitivo. O traumatismo cranioencefálico (TCE) é considerado a principal causa de morte entre a população jovem, sendo atualmente classificado um problema de saúde pública. Segundo dados divulgados pelo Datasus em 2013, corresponde à principal causa de morte entre 5 e 44 anos no mundo, sendo equivalente a 10% da população (NITRINI; BACHESCHI, 2015). 87 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL De maneira geral, os dados epidemiológicos não são diferentes no Brasil, sendo também crescentes a cada ano. Prevalência no sexo masculino, tendo como principal causa acidentes automobilísticos e situações relacionadas à violência urbana. Outras causas são associadas a essa situação clínica, como a prática de esportes radicais e quedas, abrangendo indivíduos de qualquer faixa etária, como crianças e idosos. Em idosos é comum a evolução para o óbito. Nitrini e Bacheschi (2015) relatam que no ano de 1993, no Estado de São Paulo, foram 57 mil óbitos devido ao TCE. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015), em um acompanhamento de 8 meses realizado no Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo, foram identificadas 6.125 vítimas de TCE, sendo que 1.054 necessitaram de hospitalização, 320 de procedimentos neurocirúrgicos e 89 evoluíram para o óbito. As consequências do TCE na vida do indivíduo são múltiplas e podem ocasionar um afastamento temporário ou definitivo de suas atividades funcionais, bem como a redução de sua qualidade de vida. Uma classificação em leve, moderado ou grave pode ser realizada baseada no grau e intensidade da força física, sendo uma das principais características clínicas o comprometimento cognitivo e comportamental que está presente em 75% dos casos (NITRINI; BACHESCHI, 2015). O quadro clínico frequentemente é diversificado devido à ação difusa da força física externa sobre o encéfalo. De maneira geral, são frequentes alterações musculoesqueléticas e distúrbios cardiovasculares, endócrinos, visuais, respiratórios e sensoriais. Com relação aos distúrbios de natureza cognitiva e comportamental, são destacados o comprometimento da memória, atenção, dificuldade de aprendizado, iniciativa, crítica e julgamento. Ainda podem ser observadas baixa motivação, irritabilidade, euforia e agressividade. 5.1.2 Fisiopatologia Uma vez instalada a lesão encefálica, há a evolução de uma série de eventos fisiopatológicos que podem durar dias ou semanas e que podem levar o paciente ao óbito. Para fins didáticos, a fisiopatologia do TCE é classificada em lesões primárias e secundárias. As lesões primárias são aquelas resultantes diretamente da força causadora do TCE, e serão dependentes do momento de sua ocorrência. Nelas estão inclusas as fraturas de crânio, as contusões e lacerações da substância cinzenta e a lesão axonal difusa. De maneira geral, as forças físicas causadoras da lesão traumática do encéfalo podem ser de impacto (figura 17, A e B), quando a força é aplicada diretamente sobre o crânio e seus componentes. Nesse tipo de força podemos citar um projétil de arma de fogo, a implantação de uma arma branca ou até mesmo um golpe aplicado ao crânio. 88 Unidade II A) B) C) Figura 17 – Representação da ação de uma força de impacto sobre o crânio (A e B) e inercial (C) Fonte: McQuillan e Thurman (2016). Mas também há a possibilidade de a força ser do tipo inercial (figura 17C), devido à diferença de densidade entre o encéfalo e o crânio; observada durante os movimentos de aceleração e desaceleração da cabeça, e sendo o encéfalo mais lento em relação à calota craniana, poderá gerar lesões graves do tecido cerebral, como ruptura de vasos cerebrais e choque do parênquima cerebral contra a própria calota craniana. Quando não há exposição externa do conteúdo encefálico após o trauma, o TCE é denominado fechado. Porém, quando após a implantação de um projétil de arma de fogo ou branca houver a abertura da calota craniana e consequente exposição do parênquima cerebral, o TCE é dito aberto. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), a região central do encéfalo, representada pelo tronco encefálico, é mais rígida quando comparada às regiões periféricas, como, por exemplo, o cerebelo e os lobos cerebrais frontal e occipital, sendo essas estruturas mais móveis. Essa diferença de mobilidade pode ser responsável pelo estiramento e até ruptura de axônios e de vasos cerebrais. As lesões secundárias do TCE correspondem à evolução clínica do trauma, incluindo, de maneira geral, os hematomas intracranianos, a hipertensão intracraniana (HIC) e a lesão cerebral isquêmica. Também resultam da interação de fatores intra e extracerebrais, cuja soma ocasionará em dificuldades na sobrevivência de neurônios não envolvidos diretamente no trauma inicial. Dependendo da severidade do TCE, poderá haver um intervalo entre a ocorrência das lesões primárias e secundárias. Porém, em um TCE grave, o paciente pode chegar ao pronto atendimento com sinais de evolução das lesões secundárias. A seguir, apontamos alguns dos distúrbios que podem estar presentes no momento inicial do trauma ou após um determinado intervalo, ou seja, as lesões secundárias do TCE são: 89 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL • hipotensão arterial; • hipoglicemia; • hipercarbia; • hipóxia respiratória; • hipóxia anêmica; • distúrbios hidroeletrolíticos; • hidrocefalia; • presença de substâncias neurotóxicas; • alterações hemodinâmicas no espaço intracraniano. A situação clínica do TCE é geralmente uma emergência médica, e compreender os seus mecanismos fisiopatológicos é de extrema importância para a adoção rápida de estratégias adequadas de tratamento. As lesões encefálicas ainda podem ser ditas difusas e focais. Para a maioria dos pacientes, ocorre a presença das duas formas de lesão, sendo possível o predomínio de evolução de uma delas. A lesão axonal difusa (LAD) é a causa de quase 1/3 das mortes pós-TCE. A concussão é uma forma mais leve, em que há alteração na excitabilidade do neurônio, sem ocorrer lesão estrutural da célula. A LAD equivale, então, a casos mais graves de lesão primária. Figura 18 – Representação de um mecanismo de concussão cerebral Disponível em: https://bit.ly/3yow1Gg. Acesso em: 30 ago. 2021. 90 Unidade II A causa da LAD (figura a seguir) está relacionada à tração rotacional (cisalhamento) dos axônios durante a instalação do TCE. Assim, é considerada uma lesão primária, sendoconsequência de movimentos de aceleração e desaceleração da cabeça. Figura 19 – Representação do mecanismo da LAD Fonte: Drummond Neto (2016). Em relação ao diagnóstico da LAD, sua confirmação depende de exame anatomopatológico, porém alguns achados macroscópicos (NITRINI; BACHESCHI, 2015, p. 151) observados na ressonância magnética podem sugerir sua presença: • Lesões focais do corpo caloso observados como focos hemorrágicos. • Lesões focais hemorrágicas no tronco encefálico próximas dos pedúnculos cerebelares superiores. • Lesões hemorrágicas assimétricas na substância branca na porção superior dos hemisférios cerebrais. Com o passar das semanas, os axônios lesados sofrerão degeneração walleriana, sendo substituídos por um tecido cicatricial na substância branca, que favorecerá o aumento dos sulcos cerebrais corticais e das cavidades ventriculares, sugerindo uma retração da substância branca. Com relação às lesões focais, são representadas principalmente por fraturas, hematomas intra ou extracerebrais e lesão cerebral isquêmica. Não será objetivo neste capítulo abordar todos os tipos de fraturas de crânio, porém, de maneira geral, elas podem ser lineares, uma vez que mesmo sem provocar acometimento do encéfalo podem ser acompanhadas de rupturas de vasos levando a complicações. Quando associadas ao afundamento de crânio com ruptura da dura-máter, haverá o risco de evolução para fístula liquórica e infecção dos tecidos. 91 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Os hematomas intra ou extracerebrais são os principais representantes da lesão secundária do TCE. O hematoma cerebral é uma coleção de sangue que receberá um nome específico de acordo com a sua localização. Assim, podem ser denominados hematomas epidural, subdural agudo e intraparenquimatoso. Quando a coleção de sangue está alojada no espaço entre a dura-máter e a calota craniana (espaço epidural), temos o hematoma epidural, figura a seguir, sendo resultado de ruptura de vasos localizados nesse espaço e é comum estar associado a fraturas cranianas. A) C) B) D) Figura 20 – Hematoma epidural Fonte: Lacerda et al. (2017, p. 260). No hematoma subdural agudo (HSDA), presente na figura a seguir, a principal causa é a ruptura de veias corticomeníngeas devido aos movimentos de aceleração-desaceleração da cabeça. Nem sempre há a associação com fraturas cranianas. O sangue no espaço subdural, além de efeito compressivo, poderá provocar a excitoxidade celular. 92 Unidade II Figura 21 – Hematoma subdural agudo Disponível em: https://bit.ly/3CSfAV8. Acesso em: 30 ago. 2021. Diante de tração e ruptura de vasos profundos que penetram o tecido cerebral, há o hematoma intraparenquimatoso, em que além da compressão tecidual haverá o efeito tóxico do sangue sobre os neurônios. Figura 22 – Hematoma intraparenquimatoso cerebral Fonte: Soares, Carvalho e Rodrigues (2004, p. 683). Na observação das figuras que evidenciam os diferentes tipos de hematomas intracranianos é possível visualizar o efeito compressivo sobre o tecido cerebral através do desvio das estruturas anatômicas internas, favorecendo o aumento da pressão intracraniana. 93 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL A hipertensão intracraniana (HIC) corresponde a uma das principais causas de óbito após o TCE. No TCE, a HIC é considerada uma forma de lesão secundária, resultado geralmente do desequilíbrio entre os componentes de sangue, liquor e parênquima cerebral. Além disso, com o TCE é ativada uma cascata de eventos celulares metabólicos e inflamatórios, os quais podem favorecer o edema cerebral, que por sua vez provoca mais elevação da HIC e que irá colaborar para o agravamento do quadro neurológico do paciente (NITRINI; BACHESCHI, 2015). As consequências da HIC incluem o efeito compressivo sobre o parênquima cerebral, ventrículos, que dificultará as circulações liquórica e sanguínea, favorecendo a isquemia cerebral de áreas cerebrais distantes à área de lesão traumática. Em exames de imagem radiológica, como TC e ressonância magnética de crânio, o fisioterapeuta poderá observar a HIC pelos sinais de desvio de estruturas anatômicas em relação à linha média, presença de redução dos ventrículos, sulcos e giros cerebrais corticais. Figura 23 – Representação de HIC Fonte: Aquino (2019, p. 15). As contusões e as lacerações cerebrais são outros exemplos de lesão primária observados no TCE. A contusão cerebral corresponde à presença de áreas hemorrágicas próximas a pequenos vasos e tecido cerebral necrótico localizadas, geralmente, nos giros corticais, região de maior atrito entre o parênquima cerebral e a calota craniana (NITRINI; BACHESCHI, 2015). As fraturas cranianas e os movimentos de aceleração-desaceleração da cabeça são causas de contusão cerebral. Quando houver a ruptura da pia-máter, a lesão passa a compor uma laceração, em que além das áreas hemorrágicas há destruição da integridade do tecido cerebral, causada, geralmente, pelos fragmentos ósseos da fratura craniana. Além do foco hemorrágico, haverá o desenvolvimento de edema, que somados exercerão efeito compressivo sobre o tecido cerebral. 94 Unidade II As regiões mais suscetíveis ao desenvolvimento da contusão cerebral após o TCE são a base do lobo frontal, temporal e a região da foice (NITRINI; BACHESCHI, 2015). 5.1.3 Avaliação neurológica inicial O paciente com TCE será submetido a uma avaliação neurológica inicial baseada nos danos neurológicos presentes. Com frequência precisará de procedimentos específicos para a estabilização clínica hemodinâmica e respiratória. Outra função neurológica a ser avaliada é o nível de consciência (MENDES et al., 2012). A avaliação do nível de consciência exige uma observação atenta dos seguintes itens: • nível de consciência; • diâmetro pupilar e reflexo pupilar; • movimentação extrínseca ocular; • padrão respiratório; • resposta motora esquelética. Nível de consciência É utilizada, na maioria dos grandes centros hospitalares, a escala de coma de Glasgow (ECGI), que desde 1974 oferece uma avaliação sucinta e confiável do nível de consciência. Ela foi desenvolvida por Teasdale e Jennett, na Universidade de Glasgow em 1974, e possui como objetivo padronizar as observações clínicas de pacientes adultos com TCE grave e com alterações da consciência (OLIVEIRA; PEREIRA; FREITAS, 2014). De modo geral, a ECGI utiliza estímulos verbais e dolorosos para a observação das respostas motoras, verbais e oculares nos pacientes com TCE (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Na aplicação da escala, a melhor resposta para cada item é pontuada. Os pontos dos três itens observados são somados, sendo a pontuação mínima 3 e a máxima 15. Quadro 16 – Escala de Glasgow Abertura ocular Espontânea: 4 Ao comando verbal: 3 À dor: 2 Ausente: 1 95 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Resposta motora Obedece a comando: 6 Localização da dor: 5 Flexão inespecífica (retirada): 4 Flexão hipertônica: 3 Extensão hipertônica: 2 Sem resposta: 1 Resposta verbal Orientado e conversando: 5 Desorientado e conversando: 4 Palavras inapropriadas: 3 Sons incompreensíveis: 2 Sem resposta: 1 Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 158). Em 2018, houve uma modificação na escala de coma de Glasgow, com a inclusão da observação do comportamento da pupila. A escala modificada varia de 1 a 15 pontos. Sendo a pontuação da resposta pupilar subtraída do total encontrado (quadro a seguir). Quadro 17 – Escala de Glasgow modificada Abertura ocular Espontânea: 4 Ao comando verbal: 3 À dor: 2 Ausente: 1 Resposta motora Obedece a comando: 6 Localização da dor: 5 Flexão inespecífica (retirada): 4 Flexão hipertônica: 3 Extensão hipertônica: 2 Sem resposta: 1 Resposta verbal Orientado e conversando: 5 Desorientado e conversando: 4 Palavras inapropriadas: 3 Sons incompreensíveis: 2 Sem resposta: 1 Resposta pupilar Nenhuma: 2 Apenas uma reage ao estímulo luminoso: 1 Reação bilateral ao estímulo luminoso: 0 Padrão pupilar Na observação das respostas associadasà pupila, será possível a obtenção de importantes informações sobre o estado neurológico do paciente. 96 Unidade II Os reflexos pupilares à luz são testados em cada pupila individual para observar o reflexo fotomotor, que geralmente está comprometido nas herniações e lesões do tronco cerebral, então sua alteração indica lesão estrutural nessa região (CLAUDINO-SUKYS, 2015). É importante ressaltar que para uma avaliação e interpretação adequadas, o médico deverá verificar a medicação do paciente, uma vez que vários tipos de drogas podem interferir no padrão de resposta pupilar. Quadro 18 – Padrão pupilar Pupilas Definição Midriáticas Pupilas dilatadas Mióticas Pupilas contraídas Isocóricas Pupilas simétricas e reagentes à luz Anisocóricas Pupilas assimétricas Puntiformes Sugerem lesão simpática no hipotálamo ou encefalopatia metabólica Médio-fixas Reflexo fotomotor ausente, sugestão de lesão estrutural no mesencéfalo Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 60). Motricidade ocular A motricidade extrínseca ocular é realizada por músculos inervados pelos nervos oculomotor (III par nervo craniano), troclear (IV par nervo craniano) e abducente (VI par nervo craniano), cujos núcleos estão localizados no tronco encefálico. Assim, sua avaliação auxilia na identificação de lesões no tronco encefálico, próximas ao mesencéfalo e à ponte. Essa avaliação não será possível diante de casos de coma, devido à redução de respostas aos estímulos do paciente (MENDES et al., 2012). O exame da movimentação extrínseca ocular consiste em três aspectos: • desvio do olhar; • presença de movimentos espontâneos; • movimentos reflexos. De acordo com Mendes et al. (2012), os desvios do olhar podem ser conjugados ou desconjugados. Os desvios conjugados do olhar lateral são geralmente resultados de lesões entre o córtex e a formação reticular parapontina. Já os desvios desconjugados laterais sugerem lesões do nervo oculomotor, abducente ou por causas intrínsecas do tronco cerebral. Alterações no olhar vertical são menos frequentes em pacientes em coma. O desvio dos olhos para baixo pode indicar lesões no mesencéfalo ou coma metabólico. 97 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL A avaliação dos movimentos oculares espontâneos permite observar a integridade das vias oculomotoras, enquanto que os movimentos reflexos são verificados através das respostas oculocefálicas e oculovestibular (MENDES et al., 2012). O reflexo oculocefálico, também conhecido como olhos de boneca, é avaliado através da observação dos olhos durante a rotação lateral passiva da cabeça do paciente. Com a integridade do tronco encefálico haverá o movimento conjugado dos olhos para o lado oposto ao do movimento da cabeça (MENDES et al., 2012). Para a pesquisa dos reflexos oculovestibulares, é aplicada a prova calórica, através de uma injeção de 50 mL a 200 mL de água gelada nos condutos auditivos externos do paciente. Para o teste, o paciente deve estar posicionado no leito com uma elevação do tronco em torno de 30°. No paciente consciente será observado nistagmo com batimento rápido para o lado oposto do ouvido estimulado, sugerindo uma causa psicogênica para o coma (MENDES et al., 2012). Padrão respiratório A formação reticular do bulbo é o local do centro de controle respiratório, porém há a ação integrada com outras áreas como o córtex cerebral, o sistema límbico (hipotálamo e septo) e o cerebelo, que também influenciam no padrão respiratório em resposta a estímulos visuais, emocionais, dolorosos ou a movimentos voluntários. No corpo carotídeo e bifurcação das artérias carótidas, há quimiorreceptores sensíveis aos níveis de oxigênio, dióxido de carbono e pH do sangue arterial, cujos impulsos são conduzidos ao centro respiratório pelos respectivos nervos cranianos glossofaríngeo e vago. Alterações no padrão respiratório são frequentes em pacientes em coma e estão associados a determinadas áreas de lesão. São as alterações mais frequentes: ritmo Cheyne-Stokes, hiperventilação neurogênica central, apnêustica e respiração atáxica (MENDES et al., 2012). Quadro 19 – Tipos de padrão respiratório em pacientes em coma Padrão respiratório Caracterização Topografia/lesão Ritmo Cheyne-Stokes Períodos alternados entre hiper e hipoventilação, intercalados por apneia Bilateral dos hemisférios cerebrais, diencéfalo ou ponte Hiperventilação neurogênica central Hiperventilação (FR de 40 irpm a 70 irpm) Tegmento pontino ou mesencéfalo Apnêustica Pausa inspiratória de 2 a 3 segundos ao final da inspiração Porção inferior da ponte Respiração atáxica (Biot) Ritmo, frequência e amplitude irregulares com respiração superficial, profunda e com pausa Bulbar ou segmentos superiores da medula espinal Adaptado de: Mendes et al. (2012, p. 578). 98 Unidade II Avaliação dos déficits motores A observação da postura do paciente em coma também colabora para a compreensão da topografia ou localização da lesão encefálica (BERTOLUCCI et al., 2016). Através do comando verbal, o médico solicita ao paciente consciente que realize movimentos ativos e resistidos bilateralmente. Diante de casos em que o paciente se encontrar inconsciente, a contração muscular poderá ser observada através de estimulação dolorosa. Os locais para essa estimulação geralmente incluem o supraorbitário (margem medial das órbitas) e leito ungueal nos membros. Pode-se também comprimir o osso esterno para estímulos mais vigorosos e deve-se evitar a compressão dos mamilos, uma vez que não oferece vantagem semiológica (BERTOLUCCI et al., 2016). Assimetrias entre os hemicorpos, como uma hemiparesia, podem sugerir uma lesão expansiva intracraniana contralateral ao comprometimento motor. A presença de posturas de descerebração e de decorticação indica comprometimento respectivo no tronco encefálico e no hemisfério cortical. Importante apontar que esses déficits motores podem ser temporários, e o paciente pode evoluir sem sequelas motoras. Na postura de decorticação, o paciente em coma após a estimulação dolorosa apresenta-se com flexão dos membros superiores, principalmente de cotovelos e punhos, associada à extensão dos membros inferiores. Geralmente é resultado de extensas lesões envolvendo o diencéfalo e os hemisférios corticais. A postura de descerebração é caracterizada pelo posicionamento de extensão dos membros inferiores combinado por adução e rotação interna dos ombros. Esse padrão postural está presente diante de lesões bilaterais do mesencéfalo e da ponte (MENDES et al., 2012). 5.1.4 Classificação do TCE pelo nível de consciência Um dos critérios para classificar a severidade do traumatismo cranioencefálico é a utilização da própria escala de coma de Glasgow no momento da admissão hospitalar. Quadro 20 – Classificação do TCE segundo a escala de coma de Glasgow (ECG) TCE Escala de coma de Glasgow Caracterização Leve Entre 13 e 15 Pode ocorrer perda da consciência ou amnésia (< 30 min.); ausência de fratura, contusão ou hematoma Moderado Entre 9 e 12 Perda da consciência e/ou amnésia (> 30 min., porém < 24 h), pode ocorrer fratura de crânio Grave Entre 3 e 8 Perda da consciência e/ou amnésia por > 24 h, inclui fratura, contusão e hematoma 99 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Essa classificação é necessária por possibilitar a adoção de medidas terapêuticas adequadas, além de permitir uma visão de prognóstico clínico do paciente pós-TCE. Observação O comprometimento da memória (amnésia) é um dos achados clínicos sugestivos de TCE. Embora haja diferentes critérios para a classificação da memória, no TCE é comum as associações com as formas de amnésia anterógrada, pós-traumática e retrógrada. A amnésia anterógrada é caracterizada pela dificuldade na formação de novas memórias após o trauma; a amnésia pós-traumática está relacionada ao momento de ocorrência do TCE, e sua duração pode auxiliar no prognóstico do paciente; e na amnésia retrógrada, acontece a perda de memória de conteúdos anterior ao TCE. 5.1.5 TratamentoPara Nitrini e Bacheschi (2015), o objetivo principal da abordagem médica para o TCE é a adoção de procedimentos específicos visando à proteção cerebral, que poderá incluir a oxigenação adequada, sedação e tratamento para a hipertensão intracraniana. Além disso, a prevenção de processos como hipóxia, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos está relacionada com o óbito do paciente. O tratamento da HIC envolve múltiplas medidas terapêuticas, nas quais o fisioterapeuta pode contribuir através do posicionamento do paciente com a monitorização para a hipertensão intracraniana, que consiste na manutenção do decúbito dorsal, associado a uma elevação de 30° do tronco superior, e a cabeça deverá estar em posição neutra, para evitar compressões vasculares ao nível do pescoço que possam dificultar o retorno venoso. Além do posicionamento, a aspiração das vias aéreas irá colaborar para o controle da HIC. (A abordagem fisioterapêutica junto ao paciente com história de TCE será discutida detalhadamente na unidade III deste livro-texto.) A intervenção cirúrgica nos pacientes com TCE se faz necessária diante da maioria das lesões focais como os hematomas cerebrais, bem como em contusões e lacerações corticais, devido à elevada probabilidade do desenvolvimento de efeito compressivo sobre as estruturas cerebrais. Diante das lesões difusas, a monitorização da pressão intracraniana (PIC) se faz necessária nos casos graves de TCE, além das medidas terapêuticas específicas de uma unidade de terapia intensiva como a sedação, eventualmente uso de barbitúricos e em casos de hipotermia (NITRINI; BACHESCHI, 2015). 100 Unidade II Para a monitorização da PIC, é utilizado o cateter ventricular, que além de possibilitar a drenagem de liquor, oferece uma análise sobre a necessidade de derivações ventrículo-peritoniais e da pressão de perfusão cerebral (PPC). Outros locais podem ser utilizados para o posicionamento do cateter, como no espaço subdural ou diretamente no tecido cerebral (figura a seguir), porém é orientado que o paciente permaneça com o cateter, no máximo, durante 5 dias, devido ao risco de infecção. Pele Osso Dura Subdural Aracnoide Ventrículo lateral Subdural IntraparenquimatosoVentriculostomia Figura 24 – Locais para colocação do cateter de monitorização da PIC Fonte: Giugno (2003, p. 291). De maneira geral, diante da LAD, os pacientes deverão ser submetidos à terapia de suporte em unidade de terapia intensiva e monitorização da PIC. 5.1.6 Coma e morte encefálica O estado de coma pode ser compreendido como uma alteração na excitabilidade de neurônios corticais associada ao comprometimento do alerta comportamental. Os termos estupor e coma são estados clínicos caracterizados pelo comprometimento do nível de consciência e redução de respostas diante de estímulos externos. O diagnóstico de morte encefálica retrata uma situação irreversível baseada na aplicação de protocolo específico, composto de exames complementares que deverão evidenciar: • ausência de atividade elétrica cerebral; • ausência de atividade metabólica cerebral; • ausência de perfusão sanguínea cerebral. 101 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Os parâmetros utilizados pelos médicos estão fundamentados pela resolução do Conselho Federal de Medicina de 1997. Uma vez constatada e documentada a morte encefálica, caberá ao responsável pelo centro hospitalar a comunicação aos responsáveis pelo paciente e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) (CLAUDINO-SUKYS, 2015). 5.2 Lesão medular Durante muitos anos a situação clínica vinculada à lesão na medula espinal esteve associada diretamente ao conceito de morte. Foi a partir da utilização de antibióticos e técnicas cirúrgicas mais desenvolvidas que aconteceu uma mudança nessa visão, porém ao mesmo tempo um novo desafio surgiu com relação à necessidade de programas de reabilitação para as pessoas com histórico de lesão medular; sobretudo no período após a Segunda Guerra Mundial, em que milhares de soldados jovens retornaram para casa com sequelas de traumatismo raquimedular (NEVES; JESUS, 2007). A medula espinal é um dos componentes do sistema nervoso central (SNC) e suas funções são complexas, envolvendo aspectos sensoriais, motores e autonômicos. Embora possa ser comparada a uma porta de entrada de informações sensoriais, através das vias aferentes, da periferia (ossos, pele, músculos e vísceras) para o SNC, sua organização interna possibilita a geração de comportamentos motores reflexos. O conhecimento sobre anatomia e fisiologia da medula espinal permite a compreensão das variáveis que irão determinar o quadro clínico do indivíduo com lesão medular. Então vamos recordar, de forma geral, os principais aspectos anatômicos da medula espinal. 5.2.1 Anatomia da medula espinal A medula espinal está localizada no interior do canal vertebral estendendo-se até a vértebra lombar L2, onde dá origem à cauda equina e suas raízes nervosas. De acordo com a relação com as regiões da coluna vertebral, é dividida nos segmentos cervical, torácico, lombar e sacral. Dos forames intervertebrais são originados os 31 pares de nervos espinais (figura a seguir), sendo estes mistos, isto é, compostos de fibras nervosas sensitivas, motoras e autonômicas. 102 Unidade II Tronco cerebral Medula espinal Coluna vertebral Raiz motora Nervos espinais Disco vertebral Vértebra Medula espinal Nervo espinal Raiz sensorial Gânglio da raiz dorsal Cauda equina 7 vértebras cervicais 12 torácicas 12 lombares 5 sacrais 4 coccígeas Figura 25 – Representação dos nervos espinais Fonte: Bradbury e McMahon (2006, p. 646). Sua forma é discretamente cilíndrica e achatada no sentido anteroposterior. Apresenta duas dilatações, as intumescências cervical e lombar, regiões em que há maior concentração de neurônios devido à formação respectiva dos plexos braquial e lombossacral (MACHADO; HAERTEL, 2000). Ao longo de toda superfície possui os sulcos longitudinais: sulco mediano posterior, fissura mediana anterior, sulcos laterais anterior e posterior. Na região da cervical ainda é possível observar o sulco intermediário posterior. A presença desses sulcos é utilizada como referência para classificar a substância branca em funículos anterior, lateral e posterior. Ao longo dos funículos, há a passagem de vias ou tratos ascendentes e descendentes que conectam os neurônios medulares aos encefálicos (MACHADO; HAERTEL, 2000). Alguns tratos ascendentes e descendentes são demonstrados no quadro a seguir: 103 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Quadro 21 – Principais tratos ascendentes e descendentes da medula espinal Trato Origem Término Função Espinotalâmico ventral (anterior) Coluna posterior no lado oposto da medula Tálamo Informações sensoriais tato protopático (grosso) Espinotalâmico lateral Coluna posterior no lado oposto da medula Tálamo Informações sensoriais de dor Espinocerebelar ventral e dorsal Funículos ventral e dorsal Cerebelo Propriocepção inconsciente Fascículos grácil e cuneiforme Funículo posterior Propriocepção consciente Corticoespinal lateral e ventral Áreas motoras do córtex cerebral Funículos lateral e ventral Motricidade voluntária Fonte: Defino (1999, p. 399). Pequenos filamentos radiculares originados dos sulcos laterais anterior e posterior se unem para a formação das raízes ventral ou anterior (motoras) e dorsal ou posterior (sensitivas) (MACHADO; HAERTEL, 2000). Os nervos espinais resultam da junção das raízes nervosas ventral e dorsal. A conexão com os nervos espinais caracteriza a segmentação da medula espinal. São 31 pares de nervos espinais, sendo oito cervicais, doze torácicos, cinco lombares, cinco sacrais e um coccígeo. Vale lembrar que o primeiro par cervical (C1) emerge acima da primeira vértebra cervical, e o oitavo par (C8) emerge abaixo da sétima vértebra. O mesmo ocorre com os nervos espinais localizados abaixo de C8, que se originam, de cada lado, sempre abaixoda vértebra correspondente (MACHADO; HAERTEL, 2000). Lembrete Conhecer a localização das principais vias ascendentes e descendentes da medula e o tipo de informações conduzidas auxilia o fisioterapeuta durante o processo de avaliação do paciente lesado medular. As raízes nervosas que conduzem informações sensoriais chegam pela coluna dorsal da medula espinal. A denominação das raízes é baseada no forame através do qual entram ou saem da coluna vertebral. A raiz que recebe informações sensitivas das áreas da pele é chamada de dermátomo. O mesmo ocorre diante da raiz que inerva um grupo de músculos, o miótomo. Enquanto um dermátomo representa uma discreta área da pele, a maioria dos músculos é inervada por mais de uma raiz (MACHADO; HAERTEL, 2000). Com relação à substância cinzenta medular, está localizada na parte interna e se apresenta na forma de “H”. Também é dividida em coluna anterior, lateral e posterior. Importante recordar que na substância branca estão localizados os axônios mielinizados, e na substância cinzenta, os corpos dos neurônios distribuídos em núcleos. 104 Unidade II O cone medular é a porção final da medula espinal e está localizado no nível da vértebra lombar L2, onde também ocorre a formação da cauda equina, conjunto de raízes nervosas responsáveis pela inervação da cintura pélvica e dos membros inferiores. A necessidade da existência da cauda equina se dá pela diferença no ritmo de crescimento da medula e da coluna vertebral durante a embriogênese: a partir do quarto mês de vida intrauterina, é observado um maior crescimento da coluna quando comparado ao da medula espinal (MACHADO; HAERTEL, 2000). 5.2.2 Trauma raquimedular Para a compreensão do comprometimento clínico gerado pela lesão medular, é necessário o conhecimento sobre os circuitos neurais medulares e suas funções. De maneira geral, é observada perda da regulação de funções importantes como respiração, circulação e atividade sexual, além das repercussões psicológicas (NEVES; JESUS, 2007). Embora as causas da lesão medular sejam variadas, são aquelas associadas aos traumas da coluna vertebral as mais frequentes. Para Bertolucci et al. (2011), os traumas raquimedulares são resultados da ação de forças traumáticas agudas que promovem carga excessiva sobre as estruturas ósseas, ligamentares e podem causar lesão neurológica medular ou radicular. Qualquer região da coluna vertebral pode ser sede de lesão, porém são a coluna cervical e em seguida a toracolombar (T11, T12, L1 e L2) as mais suscetíveis, uma vez que do ponto de vista biomecânico possuem maior grau de mobilidade (BERTOLUCCI et al., 2011). Epidemiologia O trauma raquimedular (TRM) ocorre mais na população jovem, compreendendo a faixa etária entre 15 e 30 anos, sendo mais comum no sexo masculino, e as causas mais relevantes incluem os acidentes automobilísticos, quedas de altura, violência urbana e mergulho. Nos Estados Unidos, a incidência anual foi estimada entre 4 e 5,3 a cada 100 mil habitantes. Além disso, há relevância para o impacto econômico gerado após um TRM, sendo a hospitalização de um paciente tetraplégico aproximada em 100 mil dólares e a reabilitação em 75 mil dólares (BERTOLUCCI et al., 2011). No Brasil, a incidência dessa lesão na medula espinal não é totalmente conhecida, mas é estimada a ocorrência anual de mais de 10 mil novos casos (CAMPOS et al., 2008). No estudo sobre epidemiologia do TRM, Campos et al. (2008) relatam como principal causa queda geral (40%), seguida por acidentes automobilísticos (25%), quedas da laje (23%), ferimentos por arma de fogo (7%), mergulhos em água rasa (3%) e agressões (2%). Os indivíduos mais propensos ao TRM 105 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL também foram homens (86%). Porém aponta tendência crescente de aumento da lesão em mulheres, sendo estas mais propensas à lesão cervical. Fisiopatologia Uma vez lesado, o sistema nervoso central (SNC) tenta recuperar suas funções, sendo estas dependentes da reorganização dos circuitos neurais intactos. Mecanismos plásticos envolvidos com a formação de novas conexões e ativação de células preexistentes são descritos. No SNC, em especial na medula espinal, tais mecanismos são menos conhecidos e eficientes (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009). Imediatamente à lesão traumática, período denominado choque medular, as inervações vasomotoras e viscerais ficam inativas, o que pode resultar em arritmia cardíaca, episódios de hipotensão e hipertensão (disreflexia autonômica). Além disso, há atonia de ductos eferentes urinários, estômago e intestino, disfunções endócrinas (hiperglicemia) no metabolismo eletrolítico e no controle da temperatura corpórea. De maneira geral, esse período agudo tem duração de 4 a 6 semanas, com o seu término há o desenvolvimento da espasticidade e de reflexos patológicos devido à perda do controle supraespinal (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009). O período de choque medular é explicado pela presença de respostas inflamatórias instaladas no local da lesão e segmentos medulares localizados acima e abaixo dele, em especial pelo efeito compressivo exercido pelo edema. De maneira didática, o TRM pode ser subdividido em lesão primária e secundária. A lesão primária combina os fatores de impacto e compressão causados pela ruptura de disco intervertebral, fragmentos ósseos e fraturas com deslocamento, ou impacto associado à compressão transitória (hiperextensão, distensões ocasionadas por forças relacionadas à flexão, extensão, rotação), que compromete o fluxo sanguíneo e pode gerar laceração ou até mesmo transecção (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009). A lesão secundária engloba processos dinâmicos e complexos compostos de uma sequência de alterações moleculares e celulares que aumentam a gravidade da lesão. Entre essas alterações devem ser citadas mudanças no fluxo sanguíneo e isquemia, edema, acúmulo de cálcio intracelular e de potássio no espaço extracelular, formação de radicais livres, liberação de glutamato e aspartato, migração de células inflamatórias, ativação da micróglia e presença de fatores inibitórios (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009). Ainda é possível que neurônios distantes do local da lesão traumática possam sofrer axotomia, absorvendo assim os efeitos da lesão secundária e evoluindo para atrofia e morte. 106 Unidade II O prognóstico da lesão medular dependerá, portanto, dos efeitos da lesão secundária, bem como do tipo e intensidade do acometimento medular. Um dos fatores limitantes para o processo de regeneração no SNC é a cavitação, também denominada siringomielia, que surge após os eventos da lesão secundária na medula espinal. Figura 26 – Siringomielia na lesão medular Disponível em: https://bit.ly/2WGm61K. Acesso em: 30 ago. 2021. A lesão primária ativa eventos locais como inflamação vascular, além da excitocidade, que agravam a lesão primária mecânica. Além da necrose secundária, pode ocorrer apoptose causada tanto pela isquemia como pelo trauma (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009). Ainda não há terapia ou fármacos que consigam curar a lesão medular, sendo necessária a adoção de métodos eficientes que garantam possibilidades de regeneração dos neurônios e axônios medulares lesados, principalmente drogas que reduzam os efeitos da lesão secundária. Uma utilizada é a glicocorticoide metilprednisolona, que pelo seu efeito anti-inflamatório, se for aplicada imediatamente após a lesão, auxilia na melhora no déficit sensório-motor dos pacientes (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009). Avaliação clínica Um dos principais aspectos determinantes na evolução do paciente após a lesão medular é o atendimento inicial médico no local do acidente. Em muitos pacientes, a lesão definitiva ocorre no momento de transferência do local do acidente. Por esse motivo, hoje é protocolo das equipes de resgate 107 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL a imobilização do paciente em prancha de madeira e colocação do colar cervical diante de suspeita de lesão da coluna vertebral. A imobilizaçãopoderá ser retirada com segurança somente após a confirmação de exames de imagem radiológicas e complementares. No hospital, os pacientes são inicialmente abordados como politraumatizados, sendo enfatizados os cuidados para estabilização hemodinâmica, além do trauma da coluna vertebral. No exame físico, quando há fratura de vértebra, porém sem acometimento medular, o paciente refere dor local, com possibilidade de irradiação para os membros, incapacidade funcional e espasmo muscular adjacente. Nos casos de acometimento medular, pode ser observada respiração diafragmática, ausência de resposta ao estímulo doloroso e movimento voluntário, alteração no controle de esfíncter. Ainda pode ocorrer queda da pressão arterial associada à bradicardia (choque neurogênico) (DEFINO, 1999). No exame neurológico, serão observados a sensibilidade, a função motora e os reflexos. A sensibilidade é examinada no sentido craniocaudal, desde a região cervical, através de variação da temperatura, dor e tato (integridade dos funículos anterolateral da medula). Com um diapasão, testa-se a vibração para observação da integridade do funículo posterior da medula espinal (DEFINO, 1999). Ainda na avaliação da sensibilidade, observa-se a distribuição dos dermátomos, podendo ser utilizada a relação com algumas regiões como a dos mamilos (T4), processo xifoide (T7), umbigo (T10), região inguinal (T12-L1) e região perineal (S2-S3-S4). Com relação à função motora, são recrutados os miótomos (quadro a seguir) para observação da integridade do trato corticoespinal, sendo aplicado o teste de força muscular, segundo Kendall, Kendall e Wadsworth (1979), cuja força pode variar de zero a cinco (quadro 23). Quadro 22 – Miótomos Raiz nervosa Movimento C1-C2 Flexão do pescoço C3 Flexão lateral do pescoço C4 Elevação do ombro C5 Abdução do braço C6 Flexão cotovelo e extensão punho C7 Extensão do cotovelo e flexão punho C8 Extensão e desvio ulnar do polegar T1 Abdução do quinto dedo 108 Unidade II Quadro 23 – Graduação da força muscular Grau da força muscular Função 0 Ausência de contração muscular 1 Contração muscular palpável ou visível 2 Contração muscular que não vence a gravidade 3 Contração muscular que vence a gravidade 4 Contração muscular que vence a resistência submáxima 5 Contração muscular que vence a resistência máxima Adaptado de: Kendall, Kendall e Wadsworth (1979, p. 1-9). Os reflexos tendíneos são dependentes da integridade da coluna anterior da medula espinal, e em condições normais, o córtex cerebral exerce uma ação inibitória sobre os neurônios medulares. A ausência da resposta reflexa pode indicar lesão do neurônio motor inferior ou choque medular. Os mais pesquisados (DEFINO, 1999) são: • bicipital (C5); • braquiorradial (C6); • tricipital (C7); • patelar (L4); • aquileo (S1). Para os reflexos superficiais, os que são observados envolvem os abdominais e os cremastéricos, cuja resposta positiva indica integridade do neurônio motor superior. A ausência dessas respostas sugere lesão do neurônio motor superior e a perda assimétrica está relacionada à lesão do neurônio motor inferior (DEFINO, 1999). A observação do reflexo bulbocavernoso é importante em pacientes com lesão medular, principalmente durante a fase de choque medular. O retorno de sua resposta, obtido através da estimulação do pênis ou clitóris com resposta de contração anal, indica o término dessa fase aguda, e auxiliará o médico na determinação de que a lesão na medula foi completa ou incompleta (DEFINO, 1999). A determinação do nível neurológico da lesão é um dos objetivos da avaliação inicial do paciente. O nível neurológico corresponde ao segmento mais distal da medula espinal, que possui preservação sensitiva e motora em ambos os lados. Com essa definição, surge também o nível sensitivo (nível mais distal com sensibilidade preservada) e o nível motor. O nível esquelético da lesão é determinado através de exames de imagens radiológicas e corresponde à vértebra lesada (DEFINO, 1999). 109 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 5.2.3 Classificação da lesão medular Para a classificação da lesão medular, podem ser utilizados diferentes critérios, sendo essa classificação necessária para a compreensão dos diferentes quadros clínicos possíveis dos pacientes com lesão medular. O quadro clínico do paciente com lesão medular dependerá das variáveis: nível, tempo e tipo (grau) de lesão. Dependendo da localização da lesão medular em relação às porções da coluna vertebral, pode ser dita cervical, torácica, lombar e sacral. O tempo da lesão caracterizado como agudo é denominado choque medular, que tem instalação imediata após a lesão traumática e pode durar entre 4 e 6 semanas. Durante esse período o paciente apresenta uma ausência das respostas motoras, sensitivas e autonômicas, inclusive as de natureza reflexa. Essa ausência de respostas pode ser explicada pelo processo inflamatório e principalmente pelo edema, efeito da lesão secundária. À medida que o edema é absorvido, a atividade neural passa a retornar e então o quadro clínico é modificado, sendo possível a partir desse momento a classificação da lesão medular em completa ou incompleta. Com relação ao tipo ou grau, a lesão medular pode ser dita completa (total) ou incompleta (parcial). Na lesão medular completa há perda total da sensibilidade e motricidade abaixo do nível da lesão, sendo possível a presença de alguns reflexos medulares, como o reflexo de retirada, extensão cruzada e reflexos tendíneos. Na lesão incompleta, após o período de choque medular, dependendo do local da lesão na medula espinal poderá ocorrer retorno da sensibilidade e/ou motricidade, o que dará origem às síndromes medulares. Síndromes medulares As síndromes medulares, demonstradas na figura a seguir, são lesões medulares incompletas definidas a partir da localização da lesão no interior da medula espinal. 110 Unidade II Lesões incompletas da medula Síndrome medular central Síndrome medular anterior Síndrome de Brown-Séquard Trato corticoespinal Trato espinotalâmico anterior Figura 27 – Representação de síndromes medulares Disponível em: https://bit.ly/3yrCU9H. Acesso em: 30 ago. 2021. A síndrome medular central é uma condição clínica específica da região central da medula cervical, resultado de processos degenerativos ósseos dessa região. Nessa lesão, há comprometimento motor de membros superiores e preservação dos reflexos miccionais. Na síndrome medular anterior, devido a causas vasculares ou traumáticas, a porção anterior da medula é acometida bilateralmente, resultando em perda motora e sensitiva tátil (protopática) e parte da dolorosa (funículo lateral), porém com preservação da propriocepção. 111 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Na síndrome de Brown-Séquard, também conhecida como hemissecção medular, lesões como ferimento por arma de fogo ocasionarão perda homolateral à lesão da função motora e proprioceptiva e dolorosa contralateral, devido ao comportamento das fibras do trato espinotalâmico lateral que cruzam a linha média da medula e ascendem ao tálamo pelo funículo lateral. Outra forma de síndrome medular é a posterior, caracterizada pela lesão do funículo posterior, causando perda da propriocepção e preservação da função motora, sensitiva dolorosa e tátil. Porém, devido à ausência da propriocepção, haverá prejuízo da coordenação e do equilíbrio, sobretudo durante a marcha (ataxia sensitiva). A lesão da medula espinal no nível sacral, geralmente no nível ósseo de T12-L1, é denominada síndrome do cone medular e resulta em incontinência fecal, vesical e alteração da função sexual. A sensibilidade está alterada nos 3 a 4 segmentos sacrais distais e segmentos coccígeos (anestesia em cela), e o reflexo cavernoso encontra-se ausente (DEFINO, 1999). O acometimento das raízes nervosas da cauda equina é denominado síndrome da cauda equina, que com frequência está associada a fraturas distais de L1-L2. O quadro clínico será dependenteda raiz nervosa acometida, sendo observada paresia do membro inferior, arreflexia, distúrbio da sensibilidade e incontinência fecal e vesical (DEFINO, 1999). Do ponto de vista funcional, a lesão medular poderá gerar uma tetraplegia ou paraplegia. A tetraplegia é caracterizada clinicamente pela perda da motricidade e/ou sensibilidade dos quatro membros e tronco devido à lesão nos segmentos cervicais e início da torácica (T1). A paraplegia é resultado de lesão a partir de T2, e o paciente perde a motricidade e/ou a sensibilidade dos segmentos torácicos em direção aos membros inferiores. Tanto a tetra como a paraplegia associadas à lesão medular, excluem-se situações clínicas envolvendo lesões dos plexos braquial e lombossacral e dos nervos periféricos (DEFINO, 1999). 5.2.4 ASIA (American Spine Injury Association) Em 1992, a Associação Americana do Trauma Raquimedular (ASIA – American Spine Injury Association) desenvolveu padrões para avaliação e classificação neurológica do TRM, sendo aceitos mundialmente como protocolo de avaliação (DEFINO, 1999). 112 Unidade II Figura 28 – Representação da ASIA (classificação neurológica padrão das lesões medulares) Fonte: Santos, Tomaz e Soares (2019, p. 4093). Defino (1999) explica que a avaliação do TRM pela ASIA é baseada na observação da sensibilidade e da função motora, e posteriormente é determinado o nível neurológico da lesão, nível motor e sensitivo, obtidos através de números que fornecem um escore. A avaliação da sensibilidade profunda, propriocepção e dor profunda comportam em avaliação opcional, mas que podem oferecer informações clínicas importantes. A avaliação da sensibilidade tátil e dolorosa é feita pela inspeção dos 28 dermátomos bilateralmente, atribuindo-se valores numéricos: 0-ausente, 1-alterada, 2-normal e NT (não testada), diante da impossibilidade de avaliação do dermátomo. Com relação ao esfíncter anal externo, pode ser testado através da introdução do dedo do examinador no orifício anal, para determinação de lesão completa ou incompleta (DEFINO, 1999). Para avaliação da função motora, são testados o grau de força muscular para os denominados músculos-chave, segundo padronização da ASIA. O músculo-chave é aquele agonista principal para uma atividade funcional. O quadro aponta os músculos-chave determinados pela ASIA e que devem 113 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL ser pesquisados bilateralmente. Para a integridade do nível medular do respectivo músculo-chave, sua força deve ser no mínimo igual a 3. Quadro 24 – Músculos-chave (ASIA) Músculos Miótomos Flexores do cotovelo C5 Flexores de punho C6 Extensores de cotovelo C7 Flexores dos dedos C8 Abdutores (dedo mínimo) T1 Flexores do quadril L2 Flexores de joelho L3 Dorsiflexores do tornozelo L4 Extensor longo dos dedos L5 Flexores plantares do tornozelo S1 Após as avaliações, é dada a somatória dos diferentes valores referentes à força muscular, sensibilidade tátil e dolorosa, cujo valor máximo é 100 para avaliação motora e 112 para a sensitiva (DEFINO, 1999). Com relação à observação da deficiência, a ASIA modificou a escala de Frankel et al. (1969), que consiste em 5 graus de incapacidade, conforme é possível verificar no quadro. Quadro 25 – Escala de Frankel modificada pela ASIA Nível Tipo de lesão Característica funcional A Lesão completa Ausência de função motora e sensitiva, inclusive nos segmentos sacrais S4-S5 B Lesão incompleta Preservação da sensibilidade e ausência de função motora, inclusive S4-S5 C Lesão incompleta Preservação da função motora abaixo do nível neurológico, e a maioria dos músculos com força < ou = 3 D Lesão incompleta Preservação da função motora abaixo do nível neurológico, e a maioria dos músculos com força > 3 E Normal Sensibilidade e motricidade normais 114 Unidade II É importante ressaltar que a classificação neurológica da lesão medular pode ser alterada durante a fase de recuperação, em especial com o término da fase de choque medular (fase aguda da lesão). Então torna-se necessário o acompanhamento contínuo do quadro clínico do paciente durante essa evolução, sendo possível a evolução de uma lesão completa, na fase aguda, para um quadro de lesão incompleta (NEVES; JESUS, 2007). Observação A utilização diária do protocolo de avaliação da lesão medular desenvolvida pela ASIA contribui para a compreensão do fisioterapeuta sobre o quadro clínico do paciente lesado medular, além de ser referência para todos os profissionais atuantes no programa de reabilitação desse paciente. 5.2.5 Avaliação diagnóstica Além da avaliação clínica, os exames radiológicos auxiliarão no diagnóstico do trauma raquimedular. As radiografias simples (figura a seguir) evidenciam fraturas e luxações, porém não possibilitam observação da medula espinal e ligamentos. Figura 29 – RX de coluna cervical evidenciando fratura cervical Fonte: Wilberger e Mao (2019). 115 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Em especial, as vértebras cervicais devem ser observadas de maneira detalhada, assim também como a transição toracolombar, regiões mais suscetíveis de TRM. A tomografia computadorizada favorece o diagnóstico de fraturas ocultas da região cervical, além de permitir uma observação detalhada da fratura, da estabilidade do segmento lesado e da compressão do canal vertebral pelos fragmentos ósseos da vértebra fraturada. A ressonância magnética, de preferência, além da observação de estruturas de tecidos moles, possibilita a verificação dos efeitos da lesão secundária como edema, focos hemorrágicos, hérnias discais e contusões (DEFINO, 1999). 5.2.6 Tratamento O ideal da abordagem terapêutica ao paciente com TRM é que seja iniciada, se possível, no local do acidente, onde deverá ser enfatizada a imobilização e o transporte adequado do indivíduo de maneira a evitar lesões adicionais ou aumentar as já instaladas. Não é raro a instalação da lesão na medula ocorrer de forma definitiva durante o socorro do paciente por pessoas não informadas sobre a adequação desses procedimentos. Conforme descrito anteriormente, a coluna cervical deve ser prioridade, principalmente para os pacientes politraumatizados, cuja imobilização poderá somente ser retirada no hospital, após confirmação da ausência de lesão (DEFINO, 1999). A abordagem hospitalar imediata é caracterizada pela manutenção e pelo restabelecimento das funções vitais do paciente, sendo que o tratamento específico da lesão ocorrerá após estabilização hemodinâmica (DEFINO, 1999). Segundo Defino (1999), a utilização de metilprednisolona no período de até 8 horas após a lesão possibilita melhora neurológica significativa, devido a sua ação para reduzir o edema (DEFINO, 1999). A intervenção sobre a lesão objetivará, de forma geral, preservação da medula espinal, restauração do alinhamento da coluna vertebral, estabilização do segmento vertebral lesado, prevenção de complicações gerais e locais, desde que o paciente esteja estável, caso contrário, será realizada a tração da coluna vertebral (DEFINO, 1999). Infelizmente as técnicas cirúrgicas atuais não possibilitam a recuperação funcional da medula espinal, porém permitem uma possibilidade da mobilização precoce do paciente e consequentemente do programa de reabilitação, que é complexo, multidisciplinar e que será discutido posteriormente neste livro-texto. 116 Unidade II Saiba mais Christopher Reeve, estadunidense, foi um dos atores mais representativos do personagem Superman. Atuou também no famoso filme “Em algum lugar do passado” (1980), além de ter sido diretor, produtor e ativista. Em 1995, sofreu uma queda de cavalo, em que lesou as primeiras vértebras cervicais, que o deixou tetraplégico. Após várias terapias conseguiu respirar com menos auxílio de aparelhos e se tornou ativista pelos direitos dos deficientes, criando a Fundação Christopher Reeve para Paralisia (1999). Arrecadou fundos para pesquisas sobre células-tronco na regeneração da medula espinal. Sua biografia, intituladaAinda sou eu, é uma verdadeira aula sobre lesão medular e suas repercussões clínicas, físicas e psicológicas, além de ser uma lição de vida. Christopher Reeve morreu em 2004, devido a uma parada cardíaca, aos 52 anos. Conheça melhor essa história em: REEVE, C. Ainda sou eu. Memórias. São Paulo: DBA, 2001. Figura 30 – Ator Christopher Reeve antes do acidente Disponível em: https://bit.ly/2V30HiJ. Acesso em: 30 ago. 2021. 117 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 5.3 Afecções dos gânglios da base (núcleos da base) A definição anatômica dos núcleos ou gânglios da base engloba um conjunto de núcleos localizados entre o diencéfalo e o tronco cerebral, e que devido a sua relação com a função motora, durante muito tempo, esteve associado à terminologia sistema extrapiramidal. Esse termo foi introduzido por Samuel Alexander Kinnier Wilson, e o critério para sua utilização era diferenciar estruturas anatômicas com função motora que não incluísse o sistema piramidal. Vale lembrar que este é composto, principalmente, de trato corticoespinal, que na região do bulbo (pirâmides) ocorre a decussação de suas fibras em relação à linha média. Esse comportamento justifica o princípio da neuroanatomia sobre a motricidade voluntária que é cruzada, isto é, os movimentos voluntários planejados no hemisfério cerebral direito sendo realizados por músculos localizados no hemicorpo esquerdo. Porém, com a evolução do conhecimento da neurociência, essa terminologia entre esses dois sistemas não é mais utilizada, uma vez que os estudos atuais mostram a existência de integração funcional entre as estruturas anatômicas que compõem os sistemas. Com relação aos distúrbios de movimento gerados pela lesão dos gânglios da base, há um grupo diversificado e que pode ser observado na classificação a seguir (NITRINI; BACHESCHI, 2015, p. 232): • parkinsonismo; • coreia; • balismo; • distonia; • atetose; • tique; • tremor; • estereotipia; • ataxia; • mioclonia; • síndrome das pernas inquietas. 118 Unidade II Distúrbios de movimento são caracterizados como pobreza ou lentidão dos movimentos voluntários na ausência de paresia ou plegia, ou por atividade involuntária representada pelas hipercinesias. Para entendermos esses distúrbios, vamos relembrar os principais aspectos da anatomia e fisiologia dos gânglios da base. 5.3.1 Anatomia e fisiologia dos gânglios da base A anatomia e fisiologia dos gânglios da base é muito complexa. Essa complexidade contribui para a dificuldade na compreensão de processos fisiopatológicos de doenças extrapiramidais, como a doença de Parkinson e coreia de Huntington. Do ponto de vista anatômico, os gânglios da base compõem: núcleo lentiforme (putâmen e globo pálido), núcleo caudado, substância negra (pars compacta e pars reticulata) e núcleo subtalâmico de Luys. O conjunto funcional composto dos núcleos caudado e putâmen recebe o nome de estriado ou neoestriado. O globo pálido é composto de dois segmentos: interno (medial) e externo (lateral). Esses núcleos formam um complexo funcional de redes neurais entre si e com as áreas motoras corticais (NITRINI; BACHESCHI, 2015). A principal via de entrada das informações (originadas no córtex motor e em áreas associativas) destinadas aos gânglios da base é através do estriado. Essas aferências possuem ação excitatória sobre o estriado, e o neurotransmissor presente é o glutamato. No estriado, parte dessas aferências se dirige para o núcleo caudado, enquanto aquelas originadas no córtex sensório motor se dirigem para o putâmen. Essa diferenciação sugere a participação do núcleo caudado em funções cognitivas, enquanto o putâmen parece estar associado ao controle da motricidade. Além do córtex cerebral, a substância negra (pars compacta) envia informações aferentes ao estriado, sendo a dopamina o neurotransmissor liberado. As aferências da substância negra atuam sobre os receptores dopaminérgicos de tipo D, inibem neurônios estriatais, que se projetam para o globo pálido externo (primeira estação de via indireta), e assim excitam neurônios estriatais, que, por uma via direta, se destinam ao complexo pálido interno/substância negra pars reticulata (corresponde à via de saída dos gânglios da base) (NITRINI; BACHESCHI, 2015). O estriado recebe também outras aferências, como as projeções serotoninérgicas de núcleos da rafe, aferências glutamatérgicas vindas dos núcleos centromediano e parafascicular do tálamo e outras originadas no núcleo pedúnculo-pontino, do globo pálido e do núcleo subtalâmico de Luys. 119 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Entre as conexões dos gânglios da base, há diferentes neurotransmissores. Além da dopamina, as aferências estriatais são compostas de neurônios inibitórios, cujo neurotransmissor é o GABA (gama-amino-butírico). Essas aferências dirigem-se para o globo pálido (segmentos interno e externo) e para a pars reticulata da substância negra (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Se o estriado é o ponto de entrada de informações que chegam aos gânglios da base, o segmento interno do globo pálido e a pars reticulata da substância negra constituem a via de saída do sistema. Entre as vias de entrada e saída dos gânglios da base há duas internas: a via direta e a via indireta. A primeira recebe esse nome porque praticamente une a via de entrada a de saída. Já a via indireta possui estações intermediárias com o pálido externo e o núcleo subtalâmico de Luys antes de chegar à via de saída (NITRINI; BACHESCHI, 2015). As eferências do segmento externo do globo pálido são inibitórias, mediadas pelo GABA, e se dirigem ao núcleo subtalâmico de Luys, que, por sua vez, envia neurônios excitatórios glutamatérgicos para o segmento interno do globo pálido e a substância negra (pars reticulata). As principais eferências dos gânglios da base se encaminham para as áreas motoras do córtex cerebral, principalmente para as áreas pré-motora, motora suplementar e motora primária. Porém, antes de chegarem ao córtex, elas projetam-se sobre o tálamo (núcleos talâmicos ventral lateral e ventral anterior). As vias que saem do pálido interno/substância negra (pars reticulata) que se dirigem para o tálamo são inibitórias (mediadas pelo GABA), e as que formam a via tálamo-cortical são excitatórias (neurotransmissor glutamato) (NITRINI; BACHESCHI, 2015). A descrição geral das conexões externas e internas dos gânglios da base confirma sua complexidade neural e funcional. As funções dos gânglios da base ainda não são totalmente conhecidas, mas além da associação com o controle motor, suas demais conexões sugerem que estejam envolvidos na função cognitiva e no comportamento emocional. Embora não estejam envolvidos diretamente na execução do movimento voluntário, estudos mostram que possuem um controle inibitório sobre as áreas corticais responsáveis pelo planejamento e pela execução de padrões motores seletivos (NITRINI; BACHESCHI, 2015). 5.3.2 Aspectos fisiopatológicos dos gânglios da base As lesões dos gânglios da base (GB) ocasionam dois tipos de síndromes extrapiramidais: as hipocinéticas (representadas principalmente pelo parkinsonismo) e as hipercinéticas (caracterizadas por movimentos involuntários como balismo e coreia). Essas síndromes são resultado do desequilíbrio no funcionamento interno dos GB, envolvendo as vias direta e indireta. 120 Unidade II No caso do parkinsonismo, acredita-se que haja uma disfunção da via dopaminérgica nigroestriatal, o qual irá gerar uma redução da atividade inibitória sobre a via indireta e da atividade excitatória sobre a via direta. Além disso, com a progressão da doença, os neurônios degeneram e há o desenvolvimento de corpos citoplasmáticos presentes na substância negra, denominados corpos de Lewy (SOUZA et al., 2011). Com isso, ocorrerá o aumento da atividade excitatória do núcleo subtalâmico sobre a via de saída (pálido interno/substância negra pars reticulata). Por outro lado, haverá redução da atividade inibitória da via direta sobre os núcleosde saída. O resultado global será o predomínio de atividade inibitória desses núcleos sobre o tálamo, e dessa forma, diminuição da estimulação cortical das vias tálamocorticais, resultando em redução da iniciativa motora, denominada bradicinesia, um dos principais sintomas dos pacientes com doença de Parkinson (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Na unidade III, veremos que a bradicinesia é uma das principais causas das limitações funcionais desses pacientes. Assim, mesmo com a complexidade do funcionamento dessas vias, é importante para o fisioterapeuta seu conhecimento geral, para dessa forma conseguir elaborar estratégias adequadas de tratamento. Nas síndromes hipercinéticas, como balismo e coreia, devido às alterações estriatais dos neurônios que liberam GABA + encefalina, há uma redução da inibição do estriado sobre o pálido externo (via indireta). Assim, haverá o predomínio da atividade inibitória do pálido externo sobre o núcleo subtalâmico de Luys, e, assim, redução da atividade excitatória exercida por essa estrutura na via de saída dos GB. Consequentemente, ocorrerá redução da inibição do tálamo e da hiperatividade da alça talamocortical, resultando movimentos anormais. Acredita-se que a origem do balismo seja, então, devido a lesões do núcleo subtalâmico de Luys (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Embora as lesões dos GB sejam responsáveis por diferentes tipos de distúrbios de movimento, vamos abordar as formas mais frequentes na prática clínica do fisioterapeuta neurofuncional. 5.3.3 Síndrome parkinsoniana Esse termo é equivalente a parkinsonismo, e corresponde a várias situações clínicas com diferentes etiologias, sendo a forma mais comum a doença de Parkinson (DP). A DP é um distúrbio neurológico progressivo, causada principalmente pela degeneração dos neurônios dopaminérgicos da pars compacta da substância negra. Seu início é lento e muitas vezes são os familiares que percebem seus distúrbios motores, que são sutis e consequentes da redução de dopamina no estriado (GONÇALVES; ALVAREZ; ARRUDA, 2007). Souza et al. (2011) relatam que a DP engloba seis estágios, de acordo com o envolvimento de estruturas anatômicas: 121 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL • Estágio 1: comprometimento do núcleo motor dorsal dos nervos glossofaríngeo e vago, além da zona reticular intermediária e do núcleo olfatório anterior, sendo assim um processo neurodegenerativo localizado nas fibras dopaminérgicas que inervam o putâmen dorsolateral. • Estágio 2: presença de comprometimento adicional dos núcleos da rafe, núcleo reticular gigantocelular e do complexo do lócus cerúleo. • Estágio 3: comprometimento da pars compacta da substância negra. • Estágios 4 e 5: comprometimento das regiões prosencefálicas, do mesocórtex temporal e de áreas de associação de neocórtex e neocórtex pré-frontal. • Estágio 6: envolvimento de áreas de associação do neocórtex, áreas pré-motoras e área motora primária. A DP é uma das formas mais frequentes de acometimento da função motora no sistema nervoso central. Sua prevalência varia entre 50 e 150 casos por 100 mil pessoas; entretanto, quando é considerada a população acima de 60 anos, é acompanhada pelo aumento em cerca de dez vezes, equivalendo a 1% dos indivíduos (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Souza et al. (2011) relatam que a prevalência em pessoas com idade entre 60 e 69 anos é de 700/100.000. No entanto, 10% dos pacientes possuem menos de 50 anos e 5% têm menos de 40 anos. Além disso, 36 mil novos casos surgem a cada ano no país. Assim, é uma doença universal, com elevada prevalência, sendo no mundo inteiro mais de dez milhões de portadores. Através da observação dos portais de dados epidemiológicos do governo brasileiro, principalmente do Censo de 2000, foi evidenciado um aumento da expectativa de vida em 21% da população acima de 65 anos, estimando uma população de cerca de 200 mil indivíduos com DP (SOUZA et al., 2011). Quadro clínico Classicamente o quadro clínico da DP é caracterizado pela tétrade composta de acinesia, tremor de repouso, hipertonia plástica (rigidez) e instabilidade postural. Barbosa e Sallem (2005) afirmam que além da manifestação motora, a DP pode apresentar distúrbios do sistema nervoso autônomo, alterações do sono, de memória e depressão. Do ponto de vista social, as pessoas associam a DP ao sintoma do tremor, porém estudos mostram que é a somação da acinesia com a rigidez que responde pelas limitações funcionais que a doença acarretará à vida do portador. 122 Unidade II A acinesia pode ser definida como uma pobreza de movimentos e lentidão para iniciar e executar atos motores voluntários e automáticos. Esse distúrbio é observado principalmente na dificuldade progressiva de realização das trocas posturais, das atividades de vida diária e durante a marcha. O sintoma da acinesia pode ser observado durante a incapacidade de sustentar movimentos repetitivos, dificuldade de realizar atos motores simultâneos, além de facilitar o desenvolvimento de uma fatigabilidade anormal (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Para Nitrini e Bacheschi (2015), o termo bradicinesia ou oligocinesia refere-se mais especificamente à lentidão na execução de movimentos. A hipocinesia está associada à pobreza de movimentos observada pela diminuição da expressão facial (hipomimia), da expressão gestual corporal, incluindo a mobilidade de tronco e dissociação de membros durante a marcha, da deglutição automática da saliva, o que ocasionará o seu acúmulo, e a perda pela comissura labial (sialorreia). Outra alteração relacionada à acinesia e muito observada durante a realização da marcha é a aceleração involuntária na execução de movimentos automáticos, também conhecida como festinação. A acinesia também pode ser súbita, sendo denominada congelamento ou freezing, ou seja, uma perda abrupta da capacidade de iniciar ou sustentar uma atividade motora específica, mantendo-se as demais inalteradas. É comum durante a realização da marcha, em que o paciente pode apresentar hesitação para iniciar ou determinar uma frenação súbita dos membros inferiores, o que favorecerá a ocorrência de quedas. O congelamento pode estar presente diante da apresentação de um obstáculo de elevação do solo, como um degrau ou um sinal no chão. Outro aspecto observado no quadro clínico de pacientes portadores da DP é a influência do estado emocional sobre a piora dos sinais clínicos, principalmente de acinesia e tremor. O paciente deve ser orientado que determinados estímulos sensoriais ou motores podem auxiliar na melhora da acinesia súbita, sendo um fator importante a ser utilizado, por exemplo, durante a marcha, como forma de prevenção das quedas. Lembrete Todas as características clínicas da doença de Parkinson são importantes para o fisioterapeuta, uma vez que irão interferir diretamente durante as sessões de fisioterapia, bem como no dia a dia do paciente, sendo fundamental a orientação de cuidador e familiares. É durante a realização da marcha que se torna possível a observação do grau de evolução da doença. O padrão da marcha na DP é chamado festinada, sendo caracterizada por passos curtos e pequenos, em 123 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL que há o arrastar dos pés, hesitação para iniciar, parar ou mudar de direção. A dissociação entre tronco superior e inferior está reduzida e ainda pode ser acompanhada por aceleração involuntária. A manifestação da doença não se faz presente apenas durante a marcha, a escrita também sofre modificações, uma vez que as letras se tornam cada vez menores (micrografia). Os pacientes evoluem com alteração da fala por comprometimento da fonação e da articulação das palavras, caracterizando uma disartria hipocinética, com diminuição do volume, tornando-se um sussurro, monótona e com episódios de hesitações (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Com a progressão da doença, o paciente passa a apresentar a disfagia, fator que pode colaborar para a broncoaspiração da própria saliva e predispor o paciente a complicações respiratórias.A hipertonia plástica ou rigidez é a alteração de tônus muscular presente na DP. Nessa hipertonia, a resistência à movimentação passiva é uniforme ao longo de todo arco de movimento, independentemente da velocidade do movimento passivo. Devido ao comportamento uniforme ou intermitente da resistência encontrada na mobilização passiva dos segmentos, o sinal clínico é denominado sinal da roda denteada, pela semelhança do movimento de uma roda de engrenagem. Outra característica da rigidez parkinsoniana é que há o predomínio da musculatura flexora, o que explica as alterações posturais encontradas nos portadores da DP: anteriorização de tronco, protração de cabeça, associada à semiflexão dos membros superiores e inferiores (postura simiesca). Figura 31 – Caracterização da postura do paciente parkinsoniano Disponível em: https://bit.ly/38sJIcO. Acesso em: 30 ago. 2021. 124 Unidade II O aumento do tônus muscular é associado ao aumento da resposta dos reflexos tendíneos. O tremor é de repouso, porém diante de atividades como marcha, esforço mental ou estresse emocional pode aumentar. Além disso, pode ser uni ou bilateral e predomina nos segmentos distais dos membros, sendo comparado nos membros superiores ao movimento de contar nota de dinheiro ou enrolar pílulas, devido à alternância entre os movimentos de pronação e supinação de antebraço e dos dedos. Com a evolução do processo de degeneração da DP, poderá ocorrer uma tendência de não desaparecimento do tremor durante os movimentos voluntários, podendo ser observado também nas regiões da cabeça, pescoço e até mandíbula. A instabilidade postural é um dos últimos sinais clínicos a se apresentar no paciente com DP. É resultado da perda de reflexos que permitem a readaptação postural. Somado às alterações observadas na postura e na marcha também corresponde um fator preditivo de maior risco de quedas. Devido à complexidade da fisiopatologia da doença e sua evolução, além da tétrade clássica, há o desenvolvimento de distúrbios associados, como distúrbios mentais, demência e depressão; disfunção autonômica como obstipação intestinal; seborreia; e tendência à hipotensão postural (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Diagnóstico De acordo com o quadro clínico clássico na síndrome parkinsoniana, para a maioria dos pacientes, a confirmação do diagnóstico não é um processo complexo, porém pode haver certa dificuldade sobretudo nas fases iniciais da doença. A classificação das formas possíveis de parkinsonismo inclui a forma primária (doença de Parkinson idiopática e as formas hereditárias), a secundária e o parkinsonismo plus (ou atípico) (BARBOSA; SALLEM, 2005). Para o parkinsonismo secundário, a anamnese é muito importante para a identificação dos fatores prováveis envolvidos no seu surgimento. Entre estes podemos citar as drogas que bloqueiam os receptores dopaminérgicos, como os neurolépticos e os antivertiginosos (bloqueadores de canais de cálcio) como a flunarizina e a cinarizina. No caso do parkinsonismo induzido por drogas pode haver a persistência do quadro durante semanas ou meses após a retirada do fator causador (BARBOSA; SALLEM, 2005). O parkinsonismo plus ou atípico é aquele caracterizado por quadros neurológicos em que uma síndrome parkinsoniana, expressa por acinesia e rigidez (sem tremor), está associada a distúrbios autonômicos, cerebelares, piramidais, de neurônios motor inferior ou, ainda, de motricidade ocular extrínseca (BARBOSA; SALLEM, 2005). 125 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Nessa forma de parkinsonismo, diferente da doença de Parkinson, os sintomas instalam-se de forma simétrica e não há resposta positiva aos medicamentos antiparkinsonianos, inclusive à levodopa (BARBOSA; SALLEM, 2005). O diagnóstico da DP é estabelecido quando na avaliação clínica é possível observar a presença de no mínimo dois sintomas da tétrade clássica, dando prioridade aos sinais da bradicinesia e tremor de repouso (GONÇALVES; ALVAREZ; ARRUDA, 2007). Dependendo do predomínio dos sintomas clínicos, é possível conceituar as formas clínicas: rígido-acinético e hipercinético. Na forma rígido-acinética, os sintomas clínicos que predominam no quadro do paciente são a rigidez e a acinesia, enquanto na hipercinética, há predomínio do tremor. Do ponto de vista de limitação funcional, serão os pacientes rígido-acinéticos que tendem a apresentar maior grau de limitação, sendo também mais frequentes nesse grupo a ocorrência da depressão. Para o diagnóstico das síndromes parkinsonianas, além dos sinais clínicos verificados no exame neurológico, a anamnese e os exames de imagem como tomografia de crânio e ressonância magnética, análise do liquor e avaliação metabólica auxiliam na confirmação do diagnóstico. Na DP, ou parkinsonismo primário, exames de imagem podem ser solicitados, porém com o objetivo de excluir outras doenças do SNC. A seguir, apontamos algumas causas de parkinsonismo secundário, em que, geralmente, é possível identificar a causa do processo de degeneração da substância negra (NITRINI; BACHESCHI, 2015, p. 228): • drogas: neurolépticos (fenotiazínicos, reserpina, tetrabenazina), bloqueadores de canais de cálcio, lítio; • intoxicações exógenas: manganês, monóxido de carbono, dissulfeto de carbono, metanol, herbicidas; • infecções: encefalites virais, neurocisticercose e síndrome da imunodeficiência adquirida; • doença vascular cerebral; • traumatismo cranioencefálico; • processos expansivos do SNC; • distúrbios metabólicos: hipoparatireiodismo. 126 Unidade II Ainda segundo Nitrini e Bacheschi (2015, p. 229), as causas de parkinsonismo plus são: • atrofia de múltiplos sistemas (forma parkinsoniana e forma cerebelar); • paralisia supranuclear progressiva; • degeneração corticobasal. Nitrini e Bacheschi (2015) apontam que a tomografia por emissão de pósitrons permite a observação da atividade dopaminérgica e sua insuficiência no estriado, mesmo em indivíduos assintomáticos. Porém trata-se de um exame de difícil acessibilidade aos pacientes, sendo muitas vezes utilizado como método de investigação científica. Tratamento A abordagem terapêutica para as síndromes parkinsonianas é complexa e voltada para o controle dos sinais clínicos, mas infelizmente não possibilita a respectiva cura. Para o parkinsonismo secundário, resultado de drogas, intoxicações exógenas e processos expansivos do SNC, o controle é obtido durante a retirada da causa básica (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Em parkinsonismo encefalítico, vascular e metabólico, o tratamento medicamentoso segue as diretrizes adotadas para a DP. O tratamento medicamentoso para a DP apresenta-se como uma tentativa de reposição da atividade dopaminérgica no sistema dos gânglios da base. Embora ainda não haja uma compreensão total sobre as causas da degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra, acredita-se que a origem inicial dos sinais clínicos seja decorrente do desequilíbrio entre a dopamina e a acetilcolina no estriado. Assim, a base dos fármacos utilizados foca na necessidade de reposição da dopamina. Para o fisioterapeuta, o conhecimento geral sobre os fundamentos do tratamento medicamentoso na DP se faz necessário, pois as consequências e os efeitos colaterais das drogas utilizadas irão repercutir diretamente na fisioterapia dos pacientes com a doença. Esse tratamento engloba duas categorias: o sintomático e o neuroprotetor. A terapia sintomática objetiva o controle das manifestações clínicas da doença, através de fármacos no desequilíbrio de neurotransmissores no estriado ou através de técnicas de cirurgia estereotáxica, que promova alterações nas conexões entre os GB (NITRINI; BACHESCHI, 2015). 127 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Com relação à terapia neuroprotetora, espera-se a preservação, através de medicamentos, dos neurônios nigrais remanescentes, ou a restauração daqueles envolvidos no processo degenerativo da DP através de implantes neurais e fatores de crescimento. Os principais medicamentos
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