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Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 4 1 Hemorragias intracranianas Flávio Túlio Braga1 1 – Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury, São Paulo, SP. 1 – Hemorragia subaracnóidea (HSA) Os traumatismos crânio-encefálicos são a principal causa de HSA e, dentre as causas não-traumáticas, cerca de 85% dos casos estão relacionados a ruptura de aneurismas. Os aneurismas saculares representam uma dilatação focal da parede vascular, projetando-se para fora da luz, sem as camadas musculares e a lâmina elástica interna. Em cerca de 20% dos casos são múltiplos. Seu desenvolvimento depende de uma combinação entre uma susceptibilidade congênita e estresse na parede vascular, mecanicamente adquirido. Embora a maioria dos aneurismas ocorra esporadicamente, certas condições como doença renal policística, síndrome de Marfan, displasia fibromuscular, Moyamoya, síndrome de Ehlers-Danlos e neurofibromatose estão relacionadas com uma incidência aumentada. São mais comuns em mulheres com um pico de incidência entre 40 e 60 anos. A cefaléia é a manifestação clínica mais comum, sendo referida como “a pior dor de cabeça da minha vida”. Dependendo da localização do aneurisma pode haver paralisia de nervos cranianos (aneurismas de comunicante posterior, por exemplo, podem cursar com paralisia do III nervo). A tomografia computadorizada (TC) é a primeira ferramenta a ser utilizada diante de uma suspeita clínica de HSA. Os achados caracterizam-se pela presença de sangue nos sulcos, fissuras e cisternas encefálicas. O local de maior concentração sangüínea pode sugerir a localização do aneurisma roto. Desta forma, aneurismas da artéria cerebral média cursam com hemorragia mais acentuada na fissura sylviana, enquanto hemorragias na fissura inter-hemisférica e no septo pelúcido, em geral, estão associadas a ruptura de aneurismas de artéria comunicante anterior (figura 1). Vale ressaltar que a TC apresenta grande sensibilidade na caracterização de sangramento agudo, porém, nos sangramentos com algumas semanas de evolução, sua sensibilidade aproxima-se de zero. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 4 2 Figura 1. A – Paciente de 62 anos com cefaléia súbita. Embora todos os sulcos e fissuras corticais estejam preenchidos por material hemático, a maior concentração de sangue localiza-se na fissura sylviana esquerda (seta) o que sugere um aneurisma localizado na artéria cerebral média deste lado. B e C – Paciente com cefaléia súbita e desorientação. Em B observamos hemorragia predominando na fissura inter-hemisférica (seta). Em C, além da HSA é possível caracterizar um aneurisma na artéria comunicante anterior (seta). A angiotomografia computadorizada realizada com equipamentos multislice é um excelente exame no contexto clínico dos aneurismas intracranianos por ser rápida, não-invasiva (o contraste é administrado por veia periférica) e apresentar sensibilidade em torno de 95% na detecção de aneurismas maiores do que 2,0 mm (figura 2). Figura 2. Angiotomografia demonstrando aneurisma na artéria comunicante anterior (setas). A seqüência FLAIR de ressonância magnética (RM) apresenta sensibilidade maior do que a tomografia na detecção da HSA, tendo grande valor especialmente naqueles casos em que o exame é feito em uma fase subaguda da hemorragia. Além de identificar sangramentos não caracterizáveis pela TC, permite uma avaliação mais precisa da extensão hemorrágica (figura 3). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 4 3 Figura 3. Paciente de 41 anos, sexo feminino, com cefaléia de forte intensidade há 11 dias. Em A temos um estudo tomográfico que não demonstra HSA. No entanto é importante ressaltar que a sensibilidade da tomografia é bastante reduzida com esse tempo de evolução. Em B (seqüência FLAIR de RM) do mesmo pacientes onde observamos HSA comprometendo a cisterna supra-selar e a fissura sylviana esquerda (seta). A sensibilidade da angio-RM na detecção de aneurismas é estimada em cerca de 85% a 95%. A angiografia digital ainda é o “gold standard” na avaliação dos aneurismas intracranianos. A detecção precoce da hemorragia é fundamental para que as medidas terapêuticas sejam adotadas, de forma a se tentar evitar o re-sangramento e o vasoespasmo que pioram vertiginosamente o prognóstico destes pacientes. Hemorragias subaracnóideas crônicas podem estar relacionadas à deposição de hemossiderina na superfície encefálica e em nervos cranianos caracterizando a “siderose superficial” (figura 4). Pode ser melhor identificada pelas seqüências T2 gradiente echo, nas quais se observa uma linha de marcado hipossinal contornando a superfície das regiões acometidas. A surdez neurossensorial bilateral é a manifestação clínica mais comum. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 4 4 Figura 4. Paciente de 42 anos, sexo masculino, com volumoso macroadenoma hipofisário (asterisco) com componente hemorrágico. Evolui com ataxia e surdez neurossensorial bilateral. Observar os sinais de siderose superficial comprometendo o cerebelo, tronco cerebral e VIII nervos cranianos (seta) e a atrofia cerebelar. 2 – Outras hemorragias Outras anomalias vasculares ou situações clínicas podem estar associadas a sangramentos intra- parenquimatosos ou no espaço subaracnóide: 2.1 Mal-formações artério-venosas (MAVs) Representam um shunt artério-venoso sem rede capilar interposta. Apresentam artérias nutridoras, nidus e veias de drenagem (figura 5). A presença de drenagem central, aneurisma intra-nidal e a localização periventricular são fatores que aumentam o risco para hemorragia. Figura 5. A e B – MAV periventricular com drenagem central. Observar o nidus (N) e a veia de drenagem profunda (V) e as artérias nutridoras (aa). C – Exame de angioRM ilustrando outra volumosa MAV. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 4 5 2.2 – Angiomas cavernosos (cavernomas) Representam estruturas vasculares imaturas agrupadas com produtos de degradação da hemoglobina em diferentes fases, conferindo um aspecto “em pipoca”. Não existe tecido neural no interior dessas lesões. Não são demonstráveis pela angiografia. Melhor detectáveis pela seqüência T2 gradient echo (figura 6). Figura 6. A – Angioma cavernoso. Observar o aspecto “em pipoca” desta lesão mesencefálica (seta) determinado pela presença de produtos de degradação da hemoglobina em diferentes fases. B – Anomalia do desenvolvimento venoso. Observar o aspecto em “cabeça de medusa com pequenas estruturas vasculares que drenam para um vaso mais calibroso (seta). 2.3 – Anomalia do desenvolvimento venoso (antigamente denominado angioma venoso) Mal-formação vascular congênita composta por elementos venosos angiogenicamente maduros. Raramente sangram. Podem estar associadas a angiomas cavernosos. Apresentam um aspecto em “cabeça de medusa” 2.4 – Hemorragia hipertensiva A hipertensão arterial é a causa mais comum de hemorragia intraparenquimatosa não traumática (cerca de 70% a 90%). Os locais mais comuns deste tipo de hemorragia são os núcleos da base e tálamos (principalmente o putamen). 2.5 – Angiopatia amilóide Também denominada angiopatia congofílica, resulta da deposição de proteína β–amilóide na parede de vasos de pequeno e médio calibre localizados no córtex cerebral e vasos meníngeos, poupando os núcleos da base. Há uma conseqüente perda da elasticidade vascular determinando hemorragias usualmente lobares. Sangramentos subdural e subaracnóide também podem ser observados. O declínio cognitivo faz parte do quadro clínico dos pacientes. Curso Medicina Atual em Neuroimagem– aula 4 6 Figura 7. A – Hemorragia hipertensiva. Paciente de 67 anos, sexo feminino com cefaléia e confusão mental. PA: 210 x 130 mmHg. Observar a hemorragia putaminal esquerda (círculo), que é localização mais comum, e a presença de sangue no interior do sistema ventricular (seta). B – Angiopatia amilóide. Paciente declínio cognitivo progressivo com quadro de cefaléia de instalação aguda. Observar as hemorragias lobares de localização periférica (setas). 3 – Leitura recomendada Grossman RI, Yousem DM Neuroradiology: the requisites. Mosby; 2nd edition; 2003. English. Osborn A, Blaser S, Salzman K. Diagnostic imaging: brain. AMIRSYS; 2004. English. Rocha et al. Comparison of magnetic resonance imaging sequences with computed tomography to detect low-grade subarachnoid hemorrhage: Role of fluid-attenuated inversion recovery sequence. J Comput Assist Tomogr 2006;30:295-303. Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition; 2002. English. van Gijn et al. Subarachnoid haemorrhage. Lancet. 2007;369:306-18.
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