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Fundação de Edifícios com Recurso a Microestacas Cravadas em ferro fundido dúctil – Igreja N. Sra. Navegantes, Lisboa AntónioCristóvão JETSJ – Geotecnia, Lda, Lisboa, Portugal, acristovao@jetsj.com Quintal, Dário Alves Ribeiro, S.A, Lisboa, Portugal, dario.quintal@alvesribeiro.pt Alexandre Pinto JETSJ – Geotecnia, Lda, Lisboa, Portugal, apinto@jetsj.com RESUMO: A fundação de edifícios com recurso a microestacas cravadas em ferro fundido dúctil, constitui uma solução com reconhecidas vantagens sob os pontos de vista técnico e económico. Elevados rendimentos de execução e a possibilidade de serem utilizados meios convencionais de movimentação de terras devidamente adaptados, conferem a esta solução uma elevada versatilidade. O presente artigo tem como objectivo descrever os critérios de dimensionamento adoptados na solução de fundação da Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, localizada no Parque das Nações, Lisboa – Portugal. Adicionalmente, são apresentados os resultados do ensaio de carga realizado no local dos trabalhos, os quais confirmam a adequabilidade desta solução ao cenário geológico e geotécnico da obra, caracterizado pela proximidade à bacia do rio Tejo e pela presença de aterros heterogéneos e camadas aluvionares de argilas moles. PALAVRAS-CHAVE: fundações indirectas, microestacas cravadas, ensaio de carga. 1 INTRODUÇÃO Localizada na margem direita do Rio Tejo, em Lisboa, a nova Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes encontra-se na zona urbana do Parque das Nações, confinando com uma escola e edifícios residenciais de construção recente com três e quatro pisos (Figura 1). Com uma arquitectura moderna, alusiva aos navios utilizados pelos navegadores Portugueses, o edifício é caracterizado por uma estrutura em betão armado, possuindo um piso enterrado e três pisos elevados. O complexo é constituído por três corpos principais: Edifício do Centro Paroquial (localizado a poente); Auditório (localizado a nascente) e Edifício do Corpo da Igreja (localizado na zona central). Uma torre sineira eleva-se do edifício, demarcando a presença desta estrutura na paisagem circundante. Figura 1. Localização da Obra (fonte: google maps). A bacia do Rio Tejo é conhecida pela existência de solos moles de origem aluvionar, que alcançam, em determinadas zonas, mais de 30 metros de espessura, constituindo um desafio importante à construção de novas estruturas devido ao cenário geológico e geotécnico desfavorável. Deste modo, os engenheiros geotécnicos desempenham um papel crucial na concepção de soluções de fundação tecnicamente válidas sob os pontos de vista técnico e económico. Idealmente, a realização prévia de ensaios de carga deverão ser contemplados em fase de obra, confirmando os pressupostos de cálculo e ajustando as soluções definidas em fase de projecto, sempre que necessário. 2 MICROESTACAS CRAVADAS EM FERRO FUNDIDO DÚCTIL. Face ao cenário geológico-geotécnico presente no local da obra, verificou-se a existência de aterros superficiais heterogéneos, muito descomprimidos e com fraca capacidade resistente face às acções verticais, havendo a necessidade de se adoptar uma solução de fundação indirecta que garantisse a estabilidade do edifício em fase de exploração. De modo a possibilitar a mobilização dos esforços da estrutura a estratos competentes, detectados a maiores profundidades, optou-se por uma solução de fundações indirectas com recurso a microestacas cravadas em ferro fundido dúctil, constituída por tubos metálicos de secção circular, do tipo “TRM”. Graças à sua alta resistência mecânica e química, o ferro fundido tem sido amplamente utilizado em engenharia civil e na indústria da construção. No entanto, por si só, o ferro fundido é frágil e tem uma força de baixo impacto pelo que o ferro fundido dúctil foi desenvolvido para melhorar esta situação. O resultado é um material moderno que resiste às energias de alto impacto geradas durante o processo de cravação de estacas. Ao ferro fundido dúctil foram adicionados grafite em forma nodular e magnésio, aumentando a sua resistência interna. A produção de tubos através de equipamentos de fundição centrífuga, submetidos a um longo processo de recombinação a temperatura controlada, alteraram significativamente as propriedades mecânicas do material, aumentando a sua tensão de cedência. O resultado é um material com uma tensão de cedência (Fy) superior a 300MPa e uma tensão de rotura (Fu) superior a 420MPa. As microestacas do tipo “TRM” dispõem de uniões normalizadas, do tipo macho – fêmea, entre troços, e de uma sapata na base. As uniões macho-fêmea, por encaixe, são de fácil instalação dispensando a realização de trabalhos complementares de soldadura ou de união roscada. A espessura dos tubos duplica nas zonas de união, assegurando total transmissão de carga entre os troços da microestaca. No presente caso, utilizaram-se troços de tubo com 5,0m de comprimento (Figura 2). Figura 2. Microestacas em ferro fundido dúctil do tipo TRM (fonte: “Dywidag - Ductile TRM Ductile Pile brochure”). As microestacas do tipo “TRM” foram instaladas por cravação, através da acção de martelos hidráulicos, os quais podem ser facilmente adaptados a equipamentos de escavação convencionais ou a gruas torre. Não sendo necessário equipamento especial e mão- de-obra especializada para a sua instalação, considera-se que a solução apresentada é bastante versátil, sendo particularmente vocacionada para a realização de trabalhos em zonas onde existam significativas limitações de recursos deste tipo. No presente caso, foi utilizado o sistema por “via húmida”, o qual consiste na cravação e injecção simultânea de microbetão fluido, permitindo a instalação de elementos de elevada resistência e a obtenção de elevados rendimentos de trabalho (Figura 3). Figura 3. Processo de instalação de microestacas em ferro fundido dúctil do tipo TRM (fonte: “Dywidag - Ductile TRM Ductile Pile brochure”). 3 CONDICIONAMENTOS GEOTÉCNICOS O reconhecimento geológico e geotécnico consistiu na realização de sondagens com ensaios SPT. Foram recolhidas amostras permitindo a caracterização das unidades litológicas atravessadas e o posicionamento do nível freático foi definido tendo por base medições realizadas em dois piezómetros de circuito aberto instalados no local. Os piezómetros são caracterizados por um dispositivo compósito constituído por um tubo em PVC de 2", crepinado em parte do seu comprimento (a partir dos 4,5m no caso vertente), colocado no furo de sondagem limpo e envolto por material de elevada condutibilidade hidráulica (areia siliciosa grosseira, limpa e calibrada), preenchendo o espaço anelar entre o tubo PVC e a parede do furo. As leituras dos níveis de água foram efectuadas com sonda eléctrica específica para o efeito. O cenário geológico e geotécnico é caracterizado pela presença de aterros heterogéneos, de natureza silto-argilosa, arenosa e argilo-arenosa, muito descomprimidos e com elevada deformabilidade. Observaram-se fracas características geomecânicas nos aterros mais superficiais até cerca dos 5 a 7,5m de profundidade, com valores de NSPT de 0 a 12 pancadas. Subjacente a esta camada, intersectaram-se depósitos aluvionares constituídos por solos de natureza argilo-siltosa, por vezes arenosos, com espessuras variáveis de 1,50ma 4,50m, caracterizados por valores de NSPT de 1 a 10 pancadas. A formação do Miocénico (substrato) é constituída por materiais de constituição argilo- siltosa, por vezes com passagens greso- carbonatadas, muito resistentes. São característicos desta formação valores de NSPT de 20 a 30 pancadas, a profundidades compreendidas entre os 20 a 25m, e acima das 30 pancadas a profundidades superiores. Verificou-se um incremento do valor da resistência das formações atravessadas em profundidade, sendo predominante a existência de formações argilo-siltosas muito rijas, com valores de NSPT de 60 pancadas. De acordo com a informação disponibilizada, o nível freático encontra-se à profundidade de 2,20m, não tendo sido detectada qualquer interferência com a variação dos níveis de marés. Durante a fase de obra desenvolveu-se um programa de prospecção complementar, com realização de sondagens e ensaios SPT adicionais. Os resultados obtidos conduziram a um cenário geotécnico mais favorável do que havia sido considerado numa fase inicial, tendo sido detectada uma camada de elevada resistência entre os 12,0m e os 14,5m de profundidade. A referida camada (Miocénico), denominada por “Calcários de Marvila”, é caracterizada por materiais com fragmentos de fósseis, dispersos, nomeadamente, “lumachelas” de tonalidades acastanhadas e acinzentadas. A referida camada de “lumachelas”, apresenta geralmente uma espessura de 1,0m a 2,0m. A presença e as características resistentes desta formação foram devidamente exploradas de modo a avaliar-se a sua adequabilidade para receber as cargas transmitidas pelos elementos de fundação (microestacas “TRM”). 4 SOLUÇÃO ADOPTADA. Para a fundação do edifício adoptaram-se microestacas em ferro fundido dúctil Ø170,0 x 10,6mm e Ø118,0 x 9,0mm, dimensionadas para resistirem às acções verticais transmitidas ao nível das fundações do edifício. No dimensionamento das microestacas procedeu-se à verificação da segurança aos Estados Limites Últimos (E.L.U) e Estados Limites de Utilização (E.L.Ut), tendo sido considerados os valores dos coeficientes parciais de segurança relativos às acções e aos materiais de acordo com o Eurocódigo 7 – Projecto Geotécnico (NP EN 1997-1-201) e respectivo anexo nacional (NA), tendo sido verificada a capacidade resistente do solo de fundação para as acções impostas. A verificação interna dos tubos de microestacas aos Estados Limites Últimos (E.L.U) foi realizada tendo como referência o estipulado no Eurocódigo 3 – Projecto de Estruturas de aço (NP EN 1993-1-1-2010), compreendendo as seguintes verificações, consideradas como condicionantes: Estado limite último de resistência à compressão simples; Estado limite último de resistência ao esforço transverso; Estado Limite Último de Encurvadura por Varejamento. A planta com representação do posicionamento das microestacas apresenta-se na figura 4. Preconizou-se a execução de uma malha complementar de vigas de fundação em betão armado para resistir às acções horizontais e momentos flectores transmitidos à cabeça das microestacas, as quais se assinalam em planta a cor azul. No total, foram executadas cerca de 2.000 metros de microestacas Ø 170mm e aproximadamente 1.300 metros de microestacas Ø118mm, com comprimentos da ordem dos 12,5m. Tendo por base os resultados da campanha de prospecção complementar e os obtidos no ensaio de carga realizado no local da obra, as microestacas foram directamente fundadas no complexo denominado por “lumachelas”, o qual exibe elevada resistência e reduzida deformabilidade. O diâmetro do furo onde foram instalados os tubos de microestaca é conferido pelo diâmetro da placa colocada na sua base. No presente caso, foram utilizadas placas de 200mm nas microestacas Ø118mm e placas de 250mm em microestacas Ø 170mm. Assim, as microestacas em ferro fundido dúctil Ø 118mm foram instaladas em furos com 200mm de diâmetro, sendo que as microestacas cas Ø170mm foram instaladas em furos com diâmetro de 250mm. Figura 4 – Planta de fundações. Tendo sido utilizado o sistema de cravação e de injecção de microbetão fluido em simultâneo (via húmida), observaram-se elevados rendimentos de trabalho durante a fase de execução da obra. O recurso à tecnologia de cravação com via húmida teve por objectivo aumentar a componente resistente do atrito lateral mobilizado ao longo do fuste do elemento, diminuindo a dependência da resistência de ponta, face à possível reduzida espessura da camada de “lumachelas” onde as microestacas ficaram apoiadas. Atendendo a que o processo de instalação da microestacas não pressupõe a remoção de solo durante a cravação, considera- se que o atrito lateral mobilizado ao longo do fuste não deverá ser desprezado, principalmente nas camadas de solos incoerentes. O espaço anelar entre o tubo e furo, bem como a secção interior do tubo, foram preenchidos com microbetão fluido NP EN206- 1;C25/30;XA2(P);Dmax10;S4;Cl0.4, permitindo um aumento significativo da resistência interna destes elementos, nomeadamente, quando submetidos às acções exteriores. No caso que se apresenta, as microestacas cravadas em ferro fundido dúctil foram instaladas com recurso a uma escavadora convencional provida de um martelo hidráulico automotor (Figura 5). Figura 5 – Instalação de microestacas cravadas com recurso com recurso a uma escavadora convencional provida de um martelo hidráulico automotor. As características do martelo hidráulico utilizado para cravação das microestacas apresentam-se na Tabela 1 Tabela1 – Características do martelo hidráulico utilizado no processo de cravação das microestacas. Diâmetro da microestaca (m) Martelo Hidráulico Energia (J) Pancadas (min-1) Peso (kgf) Comp. (m) Ø118mm; Ø170mm AtlasCopco HB220 4950 280-550 2.200 2,3 Refira-se que a presente solução, realizada em meio urbano e na proximidade de uma escola, não foi condicionada por fenómenos associados a ruído e vibrações produzidos durante a execução dos trabalhos. Valores de carga vertical máxima de dimensionamento de 850kN e 500kN foram impostos a microestacas Ø170,0 x 10,6 mm e Ø118,0 x 9,0mm, respectivamente. A resistência interna do elemento (tubos em ferro fundido dúctil e preenchimento de selagem com microbetão fluido) estima-se em cerca de 1.268 kN, para as microestacas Ø170,0 x 10,6mm e em cerca de 711 kN, no caso dos elementos Ø118,0 x 9,0mm. Tendo em consideração as funções e condições de uso do edifício, considerou-se a classe de importância de categoria 5, estabelecida de acordo com a norma “NP EN1990-2009 - Eurocódigo 0 – Bases para o Projecto de Estruturas”, ao qual corresponde um período de vida útil de 100 anos. Atendendo ao período de vida útil da estrutura, especial atenção foi conferida aos aspectos relacionados com a durabilidade dos elementos de fundação projectados. Embora os fenómenos associados à corrosão possam ser praticamente desprezados neste caso, dado que a selagem da envolvente e interior do elemento metálico diminuirá a sua exposição face a elementos ambientais agressivos, evitando fenómenos de corrosão significativos, para efeitos de dimensionamento foi considerada a redução da secção efectiva do tubo devido a eventuais fenómenos de corrosão que possam vir a ocorrer, mediante uma espessurade sacrifício de 1,2mm. A espessura de sacrifício foi estabelecida para ambiente classificado como moderadamente agressivo (5,5<PH<10), conforme disposto na norma EN1993-5:2007. Sendo que as microestacas cravadas foram dimensionadas para resistirem somente às cargas verticais, vigas de fundação complementares em betão armado constituíram uma solução adequada para minorar a magnitude das acções horizontais e momentos flectores actuantes transmitidos pela estrutura. As microestacas cravadas foram criteriosamente colocadas nas zonas de maior carregamento sob os pilares da estrutura, ficando embutidas nas vigas de fundação em betão armado. De modo a garantir uma ligação eficaz na interface microestaca – viga de fundação, procedeu-se à colocação de varão helicoidal nervurado, em aço S235NL, 8mm com passo 0,10m, soldado ao tubo na zona de amarração (Figura 6). Complementarmente, foram soldadas no topo do tubo, chapas em aço S275 JR com dimensões 350 mm x 350 mm x 10 mm, as quais ficaram embutidas nas vigas de fundação em betão armado Figura 6 – Pormenor construtivo na zona de ligação das microestacas às vigas de fundação. 5 ENSAIO DE CARGA. Antes do início dos trabalhos, procedeu-se à realização prévia de um ensaio de carga com o objectivo de confirmar os pressupostos adoptados em projecto e aferir a resistência e deformabilidade do sistema de interacção solo – microestaca. O ensaio consistiu na aplicação ao coroamento do tubo de microestaca Ø118 x 9,0mm, de uma carga axial de compressão com um valor máximo estimado em cerca de 1.100 kN. Este valor corresponde a cerca de duas vezes o respectivo valor de projecto (500 kN). A carga será fundamentalmente transferida por atrito lateral entre o fuste da microestaca e o solo envolvente, e por ponta, por intermédio da área de contacto no pé da microestaca e o solo. Como sistema de reacção, utilizou-se uma estrutura composta por perfis metálicos HEB240 e maciços em betão armado, usualmente utilizados para estabilização de gruas torre. Os contrapesos da grua, assentes sobre os perfis metálicos, foram suportados por manilhas de betão pré-fabricadas preenchidas com betão simples. Trata-se de uma solução pouco complexa, de montagem rápida e bastante económica, dado que todos os materiais utilizados podem ser facilmente encontrados em estaleiro (Figura 7). A carga de ensaio foi aplicada ao coroamento da microestaca, através de um maciço de encabeçamento em betão armado. Entre o coroamento do maciço de betão armado e a estrutura de reacção foi posicionado um macaco hidráulico de 2 MN, devidamente calibrado (com uma célula de carga igualmente calibrada), que permitiu a mobilização e o controlo da carga instalada durante o ensaio. Figura 7 – Ensaio de carga realizado em obra. As deformações foram aferidas no topo do maciço de encabeçamento em betão, através de leituras de quatro extensómetros suportados por uma estrutura metálica independente, permitindo o controlo rigoroso das deformações verticais (assentamentos) e de eventuais movimentos de rotação do maciço, originados por fenómenos não previstos derivados da excentricidade de aplicação da carga. Como referido, o ensaio consistiu na aplicação de diversos patamares de carga axial, com três ciclos de carga-descarga. Os resultados obtidos no ensaio de carga realizado apresentam-se na Figura 8. Figura 8 – Resultados carga-assentamento obtidos no ensaio de carga realizado em obra. 6 RETROANÁLISE. Perante os resultados obtidos no ensaio de carga, foi efectuada uma retroanálise com recurso ao programa de elementos finitos Plaxis 2D. Trata-se de um programa baseado no método dos elementos finitos, particularmente vocacionado para a resolução de problemas geotécnicos, envolvendo processos construtivos mais ou menos complexos, possibilitando a consideração das fases de construção. Na abordagem de cálculo realizada, foi adoptado um modelo de estado plano de deformação (bidimensional), segundo uma malha geométrica de elementos finitos de 15 nós. As propriedades do solo foram definidas de acordo com o modelo “Hardening Soil Model”. Os tubos das microestacas foram assimilados a um elemento com características iguais à rigidez axial e de flexão do material que as constitui (tubo em ferro fundido dúctil selado com microbetão fluído). O atrito desenvolvido entre o microbetão que envolve o tubo e o solo foi modelado através da criação de uma interface, à qual se atribuiu um factor de redução de resistência (Rinter), o qual estabelece a relação entre a rugosidade do microbetão (atrito e adesão) e a resistência do solo envolvente (ângulo de atrito interno e coesão). No presente caso, foi atribuído ao factor de redução de resistência (Rinter) o valor de 0,9 nas interfaces em contacto com solos de natureza silto-arenosa e o valor de 0,7 nas interfaces em contacto com solos silto-argilosos e argilo-siltosos. A calibração entre os resultados de cálculo e os resultados obtidos no ensaio de carga foi efectuado por ajuste dos parâmetros de resistência e deformabilidade da camada de “lumachelas”, a qual se posiciona a uma cota coincidente com a ponta dos tubos de microestaca. Da análise realizada, considera-se que a referida camada de “lumachelas” desempenha um papel relevante no comportamento da solução de fundação, dada a sua elevada resistência por comparação com demais os materiais presentes ao longo do fuste. A malha de elementos finitos e os assentamentos obtidos para uma carga actuante de 500 kN são apresentados na Figura 9. Os resultados obtidos conduziram a um assentamento de 5,3mm, sob a acção de uma carga vertical de 500 kN. Figura 9 – Resultados dos assentamentos obtidos para uma carga axial de 500 kN – Plaxis 2D. Para a referida carga, apresentam-se na figura 10 os resultados comparativos dos assentamentos, correspondendo a linha azul aos resultados carga-assentamento observados no ensaio de carga e a linha vermelha aos resultados carga-assentamento determinados através do programa de elementos finitos Plaxis 2D. Figura 10 – Curvas comparativas dos resultados carga- assentamento observados no ensaio de carga (a azul) e os determinados através do programa Plaxis 2D (a vermelho). Considera-se que os resultados da retroanálise, realizada por intermédio do programa de elementos finitos Plaxis 2D, conduzem a uma boa aproximação por comparação com os resultados observados no ensaio de carga realizado. 7 INSTRUMENTAÇÃO E MONITORIZAÇÃO. Dispositivos de monitorização foram colocados em diversos pontos da estrutura, permitindo controlar e registar os assentamentos ocorridos durante a construção do edifício. As leituras dos deslocamentos foram aferidas através de alvos topográficos, colocados ao nível térreo do edifício. As medições trigonométricas absolutas foram realizadas através de uma estação total, provida de “hardware” e “software” indicados para o efeito. A campanha de monitorização consistiu na leitura de ângulos e distâncias dos alvos topográficos, por forma a compensar a distância em relação aos pontos de referência. Os pontos de referência para determinação dos deslocamentos da estrutura posicionaram-se fora da área de influência da obra. As precisões finais do sistema de observação foram estimadas em aproximadamente 1mm, quer planimetricamente, quer em altimetria. Os resultados das leituras realizadas durante a campanha de instrumentação e monitorização apresentam-se na Figura 11. Figura 11 – Assentamentos observados durante o período de construção do edifício. De acordo com os resultados apresentados, obtiveram-se valores de assentamento compreendidos entre os 1,2mm e os 5,9mm. 8 ANÁLISE COMPARATIVA DE RESULTADOS. A análise comparativa dos resultados obtidos no ensaio de carga, as deformações estimadas na retro análise desenvolvida com recurso ao programa de elementos finitos Plaxis 2D e os valores das deformações registadas durante a campanha de monitorização, são apresentados na Figura 12. Figura 12 – Análise comparativa dos assentamentos. 9 CONTROLO DE QUALIDADE. Para além da realização do ensaio de carga já descrito anteriormente, acções complementares desenvolvidas no decorrer da obra foram adoptadas de modo a garantir a qualidade final do trabalho, conforme recomendações dispostas na norma “ONR 22567. Piles of ductile iron cast Dimensions, Installation and Quality Assurance”. Procedeu-se à confirmação da verticalidade das microestacas, antes do início do processo de cravação, garantindo que o posicionamento das mesmas era o correcto. Este procedimento foi repetido sempre que um novo troço de 5,0m de tubo era acrescentado ao elemento de fundação final (microestaca). A velocidade e taxa de cravação foi individualmente controlada e registada para cada microestaca, observando-se o cumprimento do critério de paragem (“nega”) definido em projecto, correspondente a uma taxa de cravação de 3 s/m. Refira-se que a taxa de cravação foi estabelecida de acordo com a documentação técnica publicada pelo fabricante (”Ductile TRM Ductile Pile – brochure 04179- 1/08.09-web st”). O exemplo de um boletim de cravação típico da obra é apresentado na Figura 13. Figura 13 - Boletim de cravação representativo da obra. A recepção dos tubos em ferro fundido dúctil em obra, foi efectuada mediante apresentação de certificados de qualidade de produto, assegurando que os mesmos se encontravam devidamente homologados e de acordo com os requisitos de qualidade exigidos. Os tubos foram cuidadosamente armazenados em obra e dispostos de modo a serem evitados impactos nocivos à sua integridade. Ensaios de compressão uniaxial simples foram realizados aos provetes de microbetão previamente recolhidos durante a execução dos trabalhos, confirmando que o referido material, utilizado na selagem das microestacas, apresentava os valores de resistência exigidos na fase de projecto. Obtiveram-se valores médios de resistência à compressão simples de 31 MPa, aos 28 dias. Salienta-se que, dos diversos provetes ensaios, nenhum apresentou valores de resistência à compressão simples inferior a 30 MPa. 10 PRINCIPAIS CONCLUSÕES O presente caso de estudo permite destacar as seguintes vantagens da utilização da tecnologia de microestacas em ferro fundido dúctil como elementos de fundação de edifícios: Não sendo necessária a utilização de equipamentos especiais e de mão-de-obra especializada, considera-se que esta solução é bastante versátil e simples de implementar, especialmente em meios onde a escassez de recursos constitui uma condicionante de relevo; A obtenção de elevados rendimentos de produção traduz um benefício importante ao nível dos custos globais do projecto; A presente solução, realizada em meio urbano e na proximidade de uma escola, não foi condicionada por fenómenos associados a ruído e vibrações produzidos durante a execução dos trabalhos. A realização prévia de ensaios de carga, desempenha um papel fundamental na optimização das soluções de fundação. No presente caso, o ensaio de carga permitiu confirmar a adequabilidade de serem utilizadas microestacas de menor comprimento, dada a possibilidade de as mesmas serem fundadas numa camada menos profunda, apenas detectada durante a campanha de prospecção complementar. Este aspecto, possibilitou uma importante redução de custos e conduziu a uma diminuição significativa do prazo de execução dos trabalhos. Da implementação do programa de monitorização durante a fase de execução da obra constata-se que os assentamentos observados na estrutura foram similares aos obtidos no ensaio de carga. Os resultados dos cálculos desenvolvidos com o programa de elementos finitos Plaxis 2D aparentam ajustar-se francamente bem aos observados durante a fase de obra. Este aspecto permite afirmar que, no presente caso, a tecnologia de fundação com microestacas cravadas em ferro fundido dúctil constitui uma solução com comportamento semelhante ao modelo de cálculo adoptado. Considera-se que o presente caso de estudo constitui um bom exemplo do desempenho e versatilidade da solução de estacas cravadas em ferro fundido dúctil, podendo as mesmas serem utilizadas em cenários geológicos e geotécnicos diversos, apresentando importantes vantagens técnicas e económicas. Destaca-se ainda a importância da implementação de um adequado programa de controlo de qualidade, antes e após a construção final da estrutura. Apresenta-se na figura 14 a fotografia do edifício na fase final da obra: Figura 14 – Vista geral do edifício na fase final da obra. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Padre Paulo Franco, representante do Dono de Obra (Paróquia Parque das Nações) e à Alves Ribeiro, empreiteiro geral da obra, a sua autorização para a elaboração e divulgação do presente artigo. A colaboração da OA4, Projectista de Estabilidade, e da CENOR, responsável pela fiscalização da obra. O contributo da Tecnasol, como empresa executante dos trabalhos de geotecnia e realização e controlo do ensaio de carga. Aos colegas Rui Tomásio e Xavier Pita, pelo apoio prestado na fase de projecto. REFERÊNCIAS Brinkgreve, R.B.J, Vermeer, P.A. (1998). “Finite Element Code for Soil and rock Analysis- Reference Manual” D.A. Bruce; A.W. Cadden; P.J. Sabatini. “Practical Advice for Foundation Design – Micropiles for Structural Support”. GSP 131 Contemporary Issues in Foundation Engineering. Dywidag- Systems International. (2013). ”Ductile TRM Ductile Pile – brochure 04179-1/08.09-web st”. NP EN 1990 Eurocódigo 0: Bases para o projecto de estruturas; NP EN 1991-4 Eurocódigo 1: Acções em estruturas; NP EN 1997 Eurocódigo 7: Projecto geotécnico. Fernandes, Manuel de Matos. (2011). “Mecânica dos Solos. Introdução à Engenharia Geotécnica.” Vol 2, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. P. Schütz, R. Hirhager, G. Pommer. (2009). “Prefabricated Driven Piles made of Ductile Cast Iron - Investigations into load capacity and long-term behavior”. MA 39 - 1999K124. Vienna Municipal Test and Research Institute – MA 39 Rocha, Manuel (1971). “Mecânica das Rochas”. Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Technical Committee 090 Cast-iron pipes. (2001). “ONR 22567. Piles of ductile iron cast Dimensions, Installation and Quality Assurance”.
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