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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE DA FAMÍLIA UNIDADE 4 Projeto Terapêutico Singular Anderson Sales Dias José Adailton da Silva Clínica Ampliada e Apoio Matricial 2 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular Estamos chegando ao final do nosso módulo. Você pôde aprender nas unidades anteriores o conceito de clínica ampliada, equipes de referência e apoio matricial e algumas ferramen- tas para abordagem familiar. Durante todas as unidades, falou-se sempre em construção de Projetos Terapêuticos Singulares, seja pela equipe, seja em conjunto com o apoio matricial. Nesta última unidade, iremos apresentar algumas reflexões sobre o Projeto Terapêutico Singular – PTS. Contudo, gostaríamos que você entendesse que não existe receita para essa construção. Partindo do conceito de singular, próprio, único, cada projeto deve ser pensado para a realidade que irá intervir. 3 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular Aula 1: O que é Projeto Terapêutico Singular? A concepção da clínica tradicional nos condiciona a pensar em processos universalizantes, que possam ser replicados com o maior número possível de casos. É justamente desse pen- samento que devemos fugir. A noção de singularidade advém da especificidade irreprodutível da situação sobre a qual o PTS atua, relacionada ao problema de uma deter- minada pessoa, uma família, um grupo ou um coletivo (BRASIL, 2013). Em vez de instrumentos e roteiros predeterminados, pensemos em modificação de pro- cesso de trabalho, na perspectiva de trazer o usuário e sua família para a centralidade do processo, não como uma atitude “politicamente correta”, mas como uma mudança de para- digma de como construir saúde com a população e não para a população. Nesse sentido, os conceitos de clínica ampliada e Projeto Terapêutico Singular são um con- vite ao enfrentamento de situações vivenciadas pelas equipes e encaradas como de difícil resolução, pois esbarram nos limites da clínica tradicional. A superação desse desafio é uma provocação ao modelo de atenção e à gestão dos serviços de saúde a se reinventarem com instrumentos novos que auxiliem a superação dos limites impostos pela clínica tradicional (BRASIL, 2009). Vimos em nossa situação problema que a Equipe de Saúde da Família e o NASF se reuni- ram para discutir a situação complexa de uma família frente ao adoecimento e submetida a uma realidade de exploração. Naquele momento, a equipe chegou à conclusão de que as terapêuticas não fariam mais resultados e o quanto isso era frustrante. Pensou-se então na elaboração de uma proposta mais ampla de intervenção, envolvendo família, universidade, Equipe de Saúde e associação de moradores. Começava a construção de um Projeto Tera- pêutico Singular. 4 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular Você já refletiu o quanto a vida está medicalizada? No seu dia a dia, o quanto a medicalização está presente? Em que situações você geral- mente recorre à automedicação? Segundo a Política Nacional de Humanização, o Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um movimento de coprodução e de cogestão do processo terapêutico de indivíduos ou coletivo, em situação de vulnerabilidade. Entende-se por vulnerabilidade a situação em que os indiví- duos apresentam dificuldades ou impossibilidade para se prevenir ou sair de uma situação. No caso da família da nossa situação problema, o contexto da exploração do trabalho, alta jornada de trabalho e as condições inadequadas de vida eram fatores que os deixavam vul- neráveis ao adoecimento e que impediam a superação dessa situação. O PTS pode ser definido como uma estratégia de cuidado que articula um conjunto de ações resultantes da discussão e da construção coletiva de uma equipe multidisciplinar e leva em conta as necessidades, as expectativas, as crenças e o contexto social da pessoa ou do cole- tivo para o qual está dirigido (BRASIL, 2007). É o resultado da discussão de uma equipe interdisciplinar, equipe de referência de forma interna ou com a equipe de Apoio Matricial. O PTS foi bastante utilizado pela saúde mental para buscar outras alternativas ao trata- mento psiquiátrico, fechado no diagnóstico e na medicalização, para uma perspectiva de atuação integrada de equipe valorizando as opiniões de todos os profissionais e usuários na busca de propostas de ações (BRASIL, 2009). Para alguns é uma modificação de uma discussão de caso clínico, com uma forma própria de discutir e sistematizar as intervenções, os responsáveis para possíveis reavaliações. Contudo, não é aconselhável, e na maioria das vezes, nem viável ou necessário construí-lo para todos os casos acompanhados por uma Equipe de Saúde (BRASIL, 2013). desktop Realce 5 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular Aula 2: Como construir um PTS? Como construir um PTS? Geralmente, os casos tidos como mais complexos e/ou graves devem ser priorizados obser- vando algumas dicas: • Qual a extensão e/ou intensidade dos problemas apresentados? • Quais dimensões estão sendo afetadas? Biológica, psicológica ou social? • O caso exige uma articulação da equipe? • Será preciso envolver outras instâncias como os recursos comunitários, outros serviços de saúde e/ou instituições intersetoriais? Para se elaborar um PTS, é necessário seguir algumas etapas. A depender do autor, o projeto pode ser dividido em três ou quatro momentos. Neste módulo, optamos por utilizar quatro momentos: Figura 1 - Fases de construção de um Projeto Terapêutico Singular Arte: Lyo Lima DEFINIÇÃO DE HIPÓTESES, DIAGNÓSTICO, CONDICIONANTES E ENVOLVIDOS DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS E METAS AVALIAÇÃO / REAVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO DIVISÃO DE TAREFAS E REFERÊNCIAS Definição e pactuação da situação de um sujeito,família ou comunidade PACTUAÇÃO ENTRE EQUIPE E USUÁRIOS 6 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular O PTS poderá ser construído e acompanhado pela equipe de referência, com o auxílio da equipe matricial (NASF, CAPS etc.), de acordo com a necessidade do caso. Vamos, agora, estudar suas etapas. Diagnóstico situacional Essa etapa também é conhecida como definição de hipóteses e diagnósticos. O fundamental dela é o processo de aproximação da equipe da situação vivenciada por um sujeito, família ou comunidade, de forma mais extensiva possível. Em se tratando de uma situação nova para a equipe, se orienta o cuidado com o acolhimento empático e a escuta cuidadosa e sensível para favorecer o vínculo, possibilitando disponibilidade de receber e ofertar, em qualquer momento ao longo do processo de cuidado, uma escuta cuidadosa e sensível; ofertar a voz à pessoa, à família, ao grupo ou ao coletivo para que falem sobre seus problemas, suas expectativas, suas explicações e suas tentativas de intervenção (BRASIL, 2013). Se o caso já é acompanhado, é recomendado que o profissional que possui maior vínculo com o caso deve apresentar todos os elementos já coletados a respeito deste. Quem são os envolvidos, qual o problema enfrentado, o que a equipe já fez sobre o caso e quais os resul- tados anteriores, que situações novas surgiram. É importante criar um ambiente de respeito às falas de todos para favorecer a contribuição do grupo. Nesse momento, cada profissio- nal escutará a história de vida, como realizando uma anamnese ampliada, com dimensões sociais e psicológicas do caso. Toda visão é importante para compreendê-lo bem (BRASIL, 2009). O profissional com maior proximidade com o caso pode ir tirando dúvidas. Com essa etapa pretende-se: • identificar necessidades, demandas, vulnerabilidades e potencialidades; • cartografar o contexto social e histórico em que se inserem a pessoa, a família, o grupo ou o coleti- vo ao qual está dirigido; • identificarintervenções já realizadas e seus resultados. Caso haja necessidade de coleta de mais informações, é possível utilizar-se alguns dispositi- vos para ampliar o conhecimento sobre a situação do usuário, da família ou da comunidade: • visitas in loco para diagnóstico situacional; • construção de genogramas e ecomapas; • discussão com aparelhos sociais e serviços envolvidos nos casos (igreja, trabalho, CRAS); • exposição de cada membro da equipe que teve contato com a situação (agente comunitário, médi- co, enfermeiro, nutricionista etc.). desktop Realce 7 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular A definição de objetivos e metas Nesta fase, é fundamental a escuta sensível para a pactuação das metas e dos objetivos. Um membro da equipe estará como referência e terá o papel de mediar essa construção, hora com a equipe, hora com o usuário, família ou grupo. Durante essa elaboração, diferen- ças, conflitos e contradições precisarão ser explicitados e trabalhados, de maneira a pactuar os consensos possíveis entre os diversos agentes envolvidos. As expectativas devem ser tra- balhadas e esclarecidas e deve-se analisar a viabilidade das propostas relacionando-as com o grau de envolvimento e pactuação entre os membros da equipe e os sujeitos, famílias ou grupos. Podemos utilizar algumas questões para auxiliar esse momento: • Como gostaríamos que determinada pessoa a ser cuidada estivesse daqui a algum tempo? • Como ela gostaria de estar? • E como seus familiares gostariam que ela estivesse? A pactuação do que é possível fazer deve incluir todos os envolvidos – equipe e pessoa, famí- lia, grupo ou coletivo para o qual está dirigido o PTS, pois isso estimula o compartilhamento e a cogestão do processo de cuidado. Divisão de tarefas e responsabilidades (quem faz o que e quando?) Nessa etapa, já há a clareza do que deve ser feito. A divisão das tarefas tem que ser clara para não comprometer o projeto. Primeiramente é definido um técnico de referência que coordenará o projeto terapêutico e que, de preferência, é o trabalhador com maior vínculo com os sujeitos, famílias ou grupos em questão. Assim, nessa fase, ele deverá esclarecer o que vai ser feito, por quem e em que prazos (BRASIL, 2013). O técnico de referência tem a responsabilidade de coordenar o PTS, suas tarefas, metas e prazos por meio do acompanhamento, articu- lação, negociação pactuada e reavaliação do processo com a pessoa, seus familiares, a Equipe de Saúde e outras instâncias que sejam necessárias (BRASIL, 2013). A reavaliação do PTS A condução da reavaliação é de responsabilidade do técnico responsável. Ele pode realizá-la em diversos momentos, tais como: • reuniões com a pessoa cuidada, sua família; 8 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular • reunião de equipe; • reuniões ampliadas com outros serviços (CAPS, ambulatórios, CRAS etc.) e instituições implicadas (escola, associação de moradores, ONGs). O objetivo desse momento é: a revisão de prazos, expectativas, tarefas, objetivos, metas e resultados esperados e obtidos, que podem ajudar a manter o PTS ou introduzir e redirecio- nar as intervenções conforme as necessidades (MÂNGIA; BARROS, 2009 apud BRASIL, 2013). ALGUNS DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE PTS Algumas situações podem surgir como desafios para que as equipes realizem a construção de PTS em seus territórios: 1 – Equipe com processo de trabalho fragmentado, pouco envolvi- mento de seus membros (cada um cuidando do “seu quadrado”) É importante o envolvimento de todos. Para superar essa dificuldade, é aconselhável o apoio da gestão e de um ator externo. O apoio matri- cial é uma ótima alternativa, e deve-se ter o cuidado em distribuir os casos entre todos para não haver sobrecarga. Se lembrarmos de unidades anteriores, o papel técnico-pedagógico preconiza a troca de experiências entre membros do Apoio Matricial e equipe de refe- rência sobre casos acompanhados e sobre o processo de trabalho; as equipes NASF ou a do CAPS, a depender do caso, são uma opção. 2 – A proteção da agenda para construção de PTS Para a construção dessa agenda, é preciso repensar o modelo de reunião tradicional, burocrática e pouco produtiva — um fala e outros escutam. Criar um ambiente agradável e que respeite a contribuição de todos favorece a manutenção do espaço; uma estratégia para adesão é trabalhar os casos que mais mobilizam as equipes. Um outro problema para a manutenção dessa reunião é a pactuação da agenda com a comunidade, que encara como “menos atendimento”. Para isso, a apresentação da proposta, de forma articulada com a gestão, é um bom caminho para a sua proteção. 3 – Projetos Terapêuticos por si só não mudam modelos de aten- ção e não são receitas de bolo Cada equipe deve estar disposta a construir, mas também precisará de espaço protegido para discutir dúvidas e fragilidades. Lidar com o sofrimento do outro é algo que não é abordado na maioria das 9 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular formações da área da saúde, nas quais há o incentivo da neutrali- dade e do não envolvimento. É preciso criar ambientes para cuidar da equipe, de seus medos e que incentivem a subjetividade. 4 – Necessidade de plano de educação permanente A educação permanente tem sido uma grande aliada no processo de mudança de práticas de gestão e atenção em saúde. Repensar as reuniões de equipes e enxergar o processo de trabalho enquanto matéria-prima para o aprendizado podem auxiliar no aperfeiçoa- mento da construção dos PTS, de forma horizontal e valorizando o conhecimento de todos os membros das equipes e da comunidade. 5 – Práticas integrativas e complementares Essas práticas têm sido grandes aliadas em ofertas das equipes para as comunidades nas pactuações de projetos terapêuticos e na cons- trução da clínica ampliada. O conhecimento técnico das profissões é fundamental para o cuidado, só que há a necessidade de ampliá-lo e passar a encará-lo como mais uma oferta de um cardápio que pode ser pactuado com os usuários. Ao longo desta unidade buscamos envolvê-lo na produção do cuidado ampliado às neces- sidades de saúde da população. Mais do que promover um módulo, acreditamos que os trabalhadores de saúde convivem com a realidade da população e acabam buscando pro- teções individuais para continuar sua atividade. Aprender a lidar com as necessidades das pessoas e possibilitar ofertas para auxiliar o enfrentamento e a construção da autonomia dos usuários traz sentido ao trabalho em saúde; com isso, um maior prazer e satisfação para aqueles que escolheram cuidar do outro e, por consequência, acabam cuidando de si. 10 Clínica ampliada e apoio matricial Projeto terapêutico singular Você pode aprofundar o seu estudo sobre clínica ampliada por meio do Caderno de Atenção Básica, n. 34, do Ministério da Saúde, de 2013, que trata da saúde mental, no link <http://189.28.128.100/dab/docs/por- taldab/publicacoes/caderno_34.pdf>, acesso em: 21 fev. 2017. Também aces- sando o Cadernos HumanizaSUS, v. 2, do Ministério da Saúde, de 2010, sobre a Atenção Básica: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cader- nos_humanizasus_atencao_basica.pdf>, acesso em: 21 fev. 2017.
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