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Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 1 Disfonia/doenças benignas da laringe Embriologia e anatomia O desenvolvimento embriológico da laringofaringe primitiva inicia-se ao redor da 5ª semana de gestação, como extensão da 4ª bolsa faríngea. Os músculos, vasos, nervos e cartilagens são originários dos tecidos mesenquimatosos do 4º, 5º e 6º arcos branquiais. Uma membrana oblitera a glote até a 7º/8ª semana, quando ocorre recanalização. Falhas nesse processo geram as membranas laríngeas. A inervação é dada pelo nervo vago através de seus ramos laringeos superior e recorrente. Na criança, a laringe situa-se entre C2 e C3, assumindo posição mais inferior no adulto (entre C3 e C5 na mulher e C3 e C6 no homem). É composta por cartilagens, músculos extrínsecos e intrínsecos, ligamentos, vasos e nervos: Cartilagens: 1) cartilagem tireóide: em forma de livro aberto, cujas lâminas apresentam, posteriormente, cornos superiores e inferiores, sendo estes articulados com a cartilagem cricoide. A cartilagem tireóide é ligada ao osso hióide pela membrana tireo-hioidea. Origina-se do 4º e 6º arcos branquiais. 2) cartilagem cricoide: em formato de anel, possui porção posterior chamada de lâmina e anterior chamada de arco. 3) aritenoides: formato de pirâmide triagular, posicionam-se sobre a lâmina da cricoide, porteriormente. Possuem processos vocais e musculares, ântero- mediais e laterais, respectivamente. 4) cartilagens corniculadas e cuneiformes: pequenas cartilagens presas ao pólo superior das aritenoides. 5)epiglote: em forma de folha, situa-se superior e anterior ao adito da laringe, protegendo-o durante a deglutição. Músculos: a musculatura extrínseca possui uma inserção na laringe e outra fora dela, movimentando-a como um todo. Podem ser divididos em depressores (infra-hioideos) e elevadores (supra-hioideos). Os músculos intrínsecos são os que dão as características únicas desse aparato. O tireoreritenoideo (TA) possui duas porções. A porção vocal, também chamada de músculo vocal e a porção vestibular. Origina-se na face interna da cartilagem tireóide e insere-se no processo vocal da aritenoide. Sua contração encurta e aduz a prega vocal. O músculo cricoaritenoideo lateral (CAL) também é adutor, originando-se na borda superior da cricoide, correndo posteriormente para se inserir no processo muscular. O cricoaritenoideo posterior (CAP) é o único abdutor, originando-se na face posterior da lâmina cricoide em direção lateral e superior, inserindo-se no processo muscular. O músculo interaritenoideo (IA) possui porções transversa e oblíqua, de origem e inserção nas faces posteriores das cartilagens aritenoides, promovendo fechamento da glote, principalmente respiratória. A continuação do feixe obliquo do IA forma o músculo ariepiglotico, que traciona a epiglote, fechando o adito laríngeo. O cricotireoideo (CT) origina-se na porção anterior do arco da cricoide e dirige-se lateral e posterior para se inserir na borda inferior da lâmina da cartilagem tireóide. Sua contração aproxima as porções anteriores das duas cartilagens, estirando a prega vocal. É o único inervado pela divisão externa do laríngeo superior. Todos os demais são inervados pelo nervo laríngeo recorrente. Nervos: ramos superior e inferior (recorrente) no nervo vago (X par). A divisão interna do ramo superior atravessa a membrana critotireoidea para suprir sensitivamente a mucosa laríngea. Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 2 Artérias e veias: as artérias laríngeas superior e inferior são ramos das tireóideas superior e inferior, respectivamente. A drenagem venosa segue a mesma orientação. Linfáticos: a drenagem linfática é caracteristicamente conhecida como “em ampulheta”, visto que é rica nas regiões supra e infraglótica, sendo pobre na glote. Os linfáticos da supraglote emergem pela membrana tireoioidea alcançando os níveis II e III, e a subglote drena através da membrana cricotireoidea para os níveis III e IV. A laringe pode ser dividida anatomofuncionalmente em supraglote, glote e subglote. A glote compreende a região formada pelas pregas vocais. Histologia da prega vocal A estrutura histológica básica da prega vocal (PV) foi descrita inicialmente em 1974 por Minoru Hirano, dividindo-a em epitéio, camadas superficial, intermediária e profunda da lâmina própria (LP) e músculo vocal. Em 1981, Hirano descreveu as fibras colágenas e elásticas da LP, e em 1985, juntamente com Katita, propuseram a teoria corpo- cobertura, onde o corpo, composto pelo músculo vocal (TA) e pelo ligamento vocal (camadas intermediária e profunda da LP), davam sustentação à cobertura (porção vibrátil composta pelo epitélio e camada superficial da LP, também chamada de espaço de Reinke). O epitélio da PV é estratificado pavimentoso. A LP é composta por principalmente por fibroblastos e matriz extra-celular (MEC), formada por proteínas fibrilares e intersticiais. As proteínas intersticiais são representadas pelos proteoglicans e glicoproteínas e regulam a quantidade de água e viscosidade da LP. As proteínas fibrilares são representadas pelas fibras colágenas (colágeno tipo I), fibras reticulares (colágeno tipo III) e fibras elásticas. O colágeno tipo III é o principal componente das proteínas fibrilares, distribuindo-se em todas as camadas da LP. O colágeno tipo I (mais denso) é encontrado principalmente logo abaixo da membrana basal e nas camadas intermediária e profunda da LP (ligamento vocal), o que confere maior resistência. Essa complexa composição e arranjo ultraestrutural resultam em incríveis propriedades viscoelásticas e biomecânicas das pregas vocais. A voz A produção da voz depende de 3 fatores essenciais: fechamento glótico, pressão subglótica e onda mucosa. O fechamento glótico é realizado pela adução das pregas vocais e depende da atuação da musculatura intrínseca da laringe, bem como da adequada conformação da cobertura da PV. A área glótica inicial (área entre as pregas vocais imediatamente antes do início da fonação, ou Ag0) não necessariamente deve ser zero, podendo ser compensado pelo efeito de Bernoulli, mas há um valor crítico, calculado experimentalmente em 0,05cm². A pressão subglótica é a que resultará em fluxo aerodinâmico transglótico e depende basicamente da ação costodiafragmática e da capacidade pulmonar. A onda mucosa é resultado das propriedades biomecânicas e viscoelásticas da LP. Quando a pressão subglótica e a Ag0 encontra-se adequadas, o fluxo aerodinâmico romperá a barreira da cobertura, e o efeito de Bernoulli associado com as características viscoelásticas e biomecânicas da LP resultarão em novo fechamento glótico, reiniciando o ciclo, que em homens é de cerca de 115Hz e na mulher em torno de 200Hz. Esse som, chamado de frequência fundamental, sofrerá alterações ao passar pelas áreas de ressonância e pelos mecanismos fonoarticulatórios do trato vocal, resultando na produção de formantes (F1, F2, F3) que darão as características psicoacústicas da voz. Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 3 Métodos diagnósticos A laringologia teve seu início marcado pela visualização das pregas vocais pelo professor de canto espanhol Manuel Patrício Rodrigues García, em 1854, em Paris. Türck, Czemark, Mackenzie e Killian aprimoraram e desenvolveram pinças e técnicas. O primeiro laringoestroboscópio surgiu em 1878, ainda com dificuldades de iluminação e sincronização. No século XX, o desenvolvimento das ópticas por Karl Storz com auxílio do físico Harold Hopkins trouxe grande melhora na qualidade das imagens, permitindo melhora no diagnóstico e nas intervenções cirúrgicas. O termo “fonocirurgia” foi cunhado por Hans von Leden, na década de 60, acumulando desde então grandes avanços. Atualmente, os métodos diagnósticos empregados são a laringoscopiadireta com ópticas rígidas e flexíveis, sendo a laringoestroboscopia uma ferramenta de grande valor no estudo das patologias laríngeas, especialmente as benignas. O efeito estroboscópico permite criar imagens com alta definição da onda mucosa. São critérios laringoestroboscópicos habitualmente analisados: 1) simetria; 2) periodicidade; 3) fechamento glótico; 4) amplitude; e 5) onda mucosa. A avaliação perceptiva-auditiva da voz também acrescenta importantes informações a respeito das patologias benignas, assim como pode ser utilizada na avaliação das terapias empregadas, fonoterápicas ou fonocirúrgicas. A escala GRBAS (Hirano, 1981) foi adaptada ao português brasileiro como “RASAT” (Pinho e Pontes), onde “R” é rouquidão, “A” é aspereza, “S” é soprosidade, “A” astenia e “T” tensão. São quatro níveis de intensidade, de ausência (0) até intenso (4). A análise acústica computadorizada da voz é outra ferramenta importante na abordagem das lesões laríngeas. Eletromiografia, exames radiológicos e laboratoriais podem também ser úteis na complementação diagnóstica. Disfonia Não existe critério absoluto que defina disfonia. Tem sido aceito o termo proposto pela por Mara Behlau de voz adaptada para aquela que não apresenta alterações de inteligibilidade, com padrões de frequência, intensidade, modulação e projeção aceitáveis. O oposto é qualquer alteração na voz, podendo apresentar-se de forma soprosa, áspera, rouca, astênica e/ou tensa. Estima-se que a voz seja instrumento de trabalho de cerca de 70% da população economicamente ativa, englobando, por exemplo, profissionais da saúde, teleoperadores (telemarketing), vendedores, cantores, professores, locutores e atores. O mercado do Telemarketing é um dos que mais emprega atualmente no Brasil, com mais de meio milhão de trabalhadores. Em relação aos professores, um estudo em escolas municipais do Rio de Janeiro estimou que os afastamentos por disfonia resultaram em um custo anual de cerca de R$ 100 milhões. Nos Estados Unidos, o cerca de 18 milhões de trabalhadores apresentam problemas vocais, com custo anual estimado em U$ 2,5 bilhões. Classificação: as disfonia podem ser classificadas em: 1) funcionais; 2) organofuncionais; e 3) orgânicas. Disfonias funcionais: podem ser classificadas em uso incorreto da voz (ajustes motores inadequados, comuns em uso profissional da voz como no caso de locutores e operadores de telemarketing), causas psicogênicas (transtornos psiquiátricos, Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 4 síndromes conversivas) e inadaptações vocais (alterações estruturais que comprometem a fonação, sem prejuízo das demais funções laríngeas). As alterações estruturais mínimas (Pontes e Behlau, 1992) podem classificadas em assimetrias laríngeas, desvios da proporção glótica e alterações estruturais mínimas de cobertura (sulcos, ponte mucosa, vasculodisgenesias, cisto epidermóide e microdiaframa laríngeo). Disfonias organofuncionais: são causadas por lesões vocais comumente associadas a fatores como abuso vocal, tabagismo, refluxo faringolaringeo, álcool e doenças respiratórias. Compõem o espectro desse grupo os nódulos vocais, pólipos, edema de Reinke, granulomas e leucoplasias. Disfonias orgânicas: são lesões cuja etiologia independe do uso vocal, mas trazer prejuízos à voz, como laringites, alterações de mobilidade das pregas vocais, malformações, papilomatose laríngea, traumas e presbifonia. DISFONIAS FUNCIONAIS - Alterações Estruturais Mínimas (AEM) Além das disfonias psicogênicas e do uso incorreto da voz, as inadaptações vocais representam a maior parte das disfonias funcionais. As alterações de proporção glótica e as assimetrias laríngeas ainda são assuntos que carecem de maiores estudos sobre seu impacto nas disfonias, mas as AEMs representam importante grupo de alterações. As AEMs são classificadas em: 1) sulcos vocais; 2) cisto epidermoide; 3) ponte mucosa; 4) vasculodisgenesias; 5) microdiafragma laríngeo. Sulcos vocais: trata-se de retração longitudinal na borda livre da prega vocal, sendo classificado por sua profundidade. Existem algumas classificações para os tipos de sulcos introduzidas por Ford, Bouchayer e Nakayama, mas no Brasil, habitualmente, utilizamos a classificação proposta pelo Dr. Paulo Pontes. Pode ser uni ou bilateral, e ocorrer em parte ou em toda a extensão da PV. A etiologia ainda é incerta, sendo que alguns autores admitem sua origem congênita, por defeito na formação da PV no período embrionário, visto que mais da metade das lesões pode sem encontrada na infância. O sulco estria-menor é caracterizado pela baixa profundidade no espaço de Reinke, resultando em pouca disfonia. É mais encontrado durante a palpação em fonomicrocirurgia (laringoscopia de suspensão). Em geral não requer tratamento cirúrgico, bastando fonoterapia. O suco estria- maior é mais profundo, chegando ao ligamento ou até músculo vocal. Resulta em graus variados de disfonia, podendo ser significativa, seja por incompetência glótica resultante da retração da borda livre, seja pelo comprometimento da OM. Seu tratamento ainda representa um desafio à laringologia, pela dificuldade de reconstruir e espaço de Reinke. Seu tratamento pode ser fonoterápico ou fonocirúrgico, dependendo do impacto na qualidade vocal e na demanda esperada pelo paciente. A utilização de gordura, fáscia muscular, pré-fáscia, ácido hialurônico, colágenos e MEC sintética são opções para reconstituição do espaço de Reike. O sulco-bolsa caracteriza-se pela presença de invaginação que forma uma bolsa no espaço de Reinke, com abertura em geral pequena, que pode ser na borda livre, faces vestibular ou subglótica. Em geral não é percebido, mesmo à laringoestroboscopia, que pode demonstrar diminuição da OM em sua topografia. Também é mais observado nas fonocirurgias. Alguns autores acreditam que o sulco- bolsa seria um cisto epidermoide que sofreu ruptura. Seu tratamento pode ser Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 5 cirúrgico, assim como no sulco estria-maior, com técnicas semelhantes. Pontes ainda descreve o sulco oculto, que trata de adensamento de fibras colágenas no espaço de Reinke, que acaba interferindo na OM, visualizável à laringoestroboscopia. Cisto epidermoide: lesão cística cujas paredes são de epitélio malpighiano, com conteúdo nacarado composto pelos debris epidérmicos. É identificado tipicamente como nodulação intracordal de coloração branco-amarelada e lisa, determinano comprometimento da OM à estroboscopia. Pode ocorrer em qualquer ponto e de qualquer extensão. Não é infreqüente sua ocorrência com outras AEMs, sendo comum encontrar vasculodisgenesia em sua topografia. Resulta em comprometimento da OM e graus variados de disfonia. Para lesões pequenas, a fonoterapia é opção. Em lesões maiores, com comprometimento mais importante da OM e mesmo quando há interferência da Ag0 por protusão na borda livre, a fonocirurgia está indicada, para sua enucleação. Ponte mucosa: trata-se de cordão de tecido longitudinal à PV. Acredita-se que possa resultar de ruptura de sulco-bolsa ou ruptura bilateral de cisto epidermoide. Raramente é identificado à laringoestroboscopia. Também é comumente encontrada associada à outras lesões (que geralmente são o motivo da indicação cirúrgica). O impacto na qualidade vocal é variável, dependendo de sua espessura e extensão. O tratamento pode ser a ressecção por secção das suas extremidades, mas isso pode resultar em perda de cobertura. Ressecção de suas faces internas, apesar de tecnicamente difícil, ajuda preservar a cobertura. Vasculodisgenesia: (ectasias capilares) são pequenas dilatações nos vasos que cortam a prega vocal, em geral assumindo trajetos sinuosos ou transversais. Geralmente são associados à outras lesões, sendo que sua presençaassociada à diminuição da OM localizada sugere lesão intracordal oculta. Costumam ter pouco impacto na qualidade vocal, porém, em cantores, podem resultar em graus sutis de disfonia e fatigabilidade, que comprometem o rendimento e a qualidade vocal. O tratamento pode ser feito com cauterização elétrica ou com pulsos de laser. Um exemplo dessa situação foi o cantor Steve Tyler, que foi submetido à terapia com laser pelo Dr. Steven Zeitels, tendo inclusive sido produzido documentário pelo NatGeo sobre o tema. Microdiafragma laríngeo: também conhecido por microweb, localiza-se geralmente na porção subglótica e também na glótica da comissura anterior. A associação com nódulos vocais levou a hipótese que estaria implicado em sua gênese, por alterar de alguma forma a biomecânica e a aerodinâmica da produção vocal. Também tem sido implicado nos casos de resultados limitados da fonoterapia no tratamento desses nódulos. De modo geral, sua presença isolada não costuma causar impactos maiores na qualidade vocal. O tratamento depende do contexto clínico e a associação com outras lesões, visto que sua simples secção comumente resulta em recidiva. DISFONIAS ORGANOFUNCIONAIS Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 6 Nódulos vocais: são espessamentos na borda livre, bilaterais, quase sempre simétricos em localização e tamanho. São encontrados geralmente na união dos terços médio e anterior das pregas vocais. Podem se apresentar de tamanhos diferentes em decorrência de assimetrias anatômicas e/ou vibratórias entre as pregas vocais. Podem ser volumosos e de aspecto edematoso (mais comuns em crianças). Quanto mais antigos os nódulos, mais fibrosos são e, portanto, com coloração esbranquiçada. Comumente associam-se à fenda fusiforme anterior e triangular médio-posterior. O principal fator envolvido é o abuso vocal e uso incorreto da voz, associado provavelmente à menor proporção glótica (relação entre porção fonatória e porção respiratória da glote) encontrada em mulheres e crianças (1,0 e 0,8, respectivamente). Podem ainda ser precipitados por episódios de IVAS e laringites agudas. O traumatismo crônico promove alterações inflamatórias no espaço de Reinke, resultando em acúmulo de fibroblastos, responsáveis pela produção aumentada de fibronectina (proteína envolvida no processo cicatricial). Histologicamente são encontradas queratose e edema e espessamento da membrana basal (que não são patognomônicos de nenhuma lesão benigna em específico). O tratamento é geralmente fonoterápico, com reeducação e terapia vocal. A cirurgia é infreqüente, sendo indicada nos casos refratários, onde a fibrose não reduz apesar da terapia, ou quando existem lesões associadas. Pólipos: são lesões exofíticas, em geral unilaterais e na borda livre dos 2 terços anteriores das PPVV, de grande variabilidade de tamanho e forma. Causam graus variados de disfonia pelo efeito de massa sobre a qualidade da OM e/ou pelo prejuízo no fechamento glótico completo. São classificados em angiomatosos e mucosos, sendo esses divididos em gelatinosos e fibrosos. Os pólipos angiomatosos apresentam coloração avermelhada de aspecto hemorrágico. Os pólipos mucosos do tipo gelatinoso são de coloração translúcida e amolecidos. Os pólipos mucosos do tipo fibroso são mais firmes, de coloração rosada ou parda. Podem ser sésseis ou pediculados, os quais podem apresentar movimentação pela respiração. Sabe-se que cerca de 15% dos pólipos estão associados a outras lesões. Surgem do trauma vascular com acúmulo de sangue ou líquidos serosos. Comumente há história de ataque vocal (grito). A pobre drenagem linfática dificulta a reabsorção e o traumatismo contínuo favoreceria seu desenvolvimento. À histopatologia, a membrana basal não é tão espessada como no nódulo vocal. Há acúmulo de fibrina e fibras colágenas, aumento da vascularização e congestão vascular. O tratamento é eminentemente cirúrgico, seguindo os cuidados da fonocirurgia como preservação da borda livre e utilização de microrretalhos. Repouso vocal absoluto por 7 dias, medidas dietéticas e inibidores de bomba tendem a favorecer a cicatrização. Fonoterapia pós-operatória é aconselhável. Edema de Reinke: caracteriza-se pelo acúmulo de líquido extra-celular no espaço de Reinke, que não é absorvido pela pobre drenagem linfática, resultando em edema habitualmente translúcido das pregas vocais. Geralmente bilateral, resulta em graus variados de disfonia, com característica marcante da redução do pitch vocal (percepção psicoacústica da voz). Classificado em 3 graus, conforme contato entre as bordas livres das PPVV, indo do grau 1 (leve e sem contato entre as PPVV em adução) até grau 3 (mesmo em adução, suas bordas livres se tocam, gerando dificuldade respiratória). Existe forte associação com tabagismo e abuso vocal, ocorrendo em igual Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 7 proporção entre homens e mulheres, apesar das mulheres procurarem mais frequentemente tratamento pela redução do pitch vocal. Pode haver degenerações que deformam a prega vocal, semelhantes a grandes pólipos, bem como leucoplasias associadas. Histologicamente há desarranjo da histoarquitetura da LP. O tratamento consiste na interrupção dos fatores desencadeantes (tabagismo e abuso vocal), sendo a cirurgia indicada para melhora da qualidade vocal e por vezes indicada para alívio da dispnéia, nos casos mais severos. A cirurgia também deve seguir os princípios da fonocirurgia, e o uso da cola de fibrina é particularmente interessante para fixação dos retalhos, muitas vezes grandes. Algumas vezes o conteúdo do edema torna-se fibroso, dificultando a ressecção. A decorticação pode resultar em fibrose e reultado vocal insatisfatório. Granulomas: são lesões fonotraumáticas em geral localizadas nos processos vocais ou faces mediais das cartilagens aritenoides. Podem ocorrer após períodos prolongados de intubação traqueal, ou mais comumente por abuso vocal associado a refluxo faringolaringeo. Resulta de pericondrite localizada que evolui para formação do granuloma, que macoscopicamente assemelha-se a pólipo fibroso, porém de localização posterior. Pode levar a disfonia, porém muita vezes há apenas sintomas como pigarro, fonalgia, globus, ardência na garganta, ou mesmo sendo assintomáticos. O tratamento deve contemplar a terapia antirefluxo faringolaríngeo, podendo ser necessária a cirurgia. Há chance significativa de recidiva da lesão, o que levou a introdução da toxina botulínica no tratamento cirúrgico, no intuito de promover paralisia temporária da prega vocal acometida, no sentido de eliminar o traumatismo local naquele período. Um caso recente foi o do cantor norte-americano John Mayer, que sofreu com um granuloma de processo vocal. Leucoplasias: são lesões de coloração esbranquiçada, superfície plana ou elevada cujas bordas podem ou não ser bem definidas. Tem relação próxima com tabagismo, etilismo e refluxo faringolaríngeo. Estima-se que as leucoplasias representam uma chance de evolução neoplásica de cerca de 10%. Podem gerar disfonia se atingirem a borda livre. Deve-se tratar agressivamente essas lesões, com medidas dietéticas, anti- refluxo, podendo ser utilizados corticóide inalatório e vitamina A (necessária para o crescimento e desenvolvimento dos tecidos epiteliais). A ausência de resposta em 3 a 4 semanas indica biopsia, habitualmente excisional. DISFONIAS ORGÂNICAS Laringites Especificas As laringites específicas podem ser de origem bacteriana, fúngica e parasitária. As bacterianas são compostas pela tuberculose, hanseníase, sífilis e actinomicose. As fúngicas são representadas pela paracoccidiomomicose (blastomicose sulamericana), histoplasmose, candidíase e aspergilose. E as de origem parasitária são comspostas principalmente pela leishmaniosee esquistossomose. O padrão anatomopatológico dessas lesões a o granuloma, que auxilia na determinação do quadro. Laringites bacterianas Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 8 Laringite tuberculosa: causada principalmente pelo bacilo Mycobacterium tuberculosis, a TB laríngea geralmente deriva de infecção proveniente dos pulmões. Resulta em lesões de aspecto vegetante, ulcerativo e/ou infiltrativo. O diagnóstico passa pela avaliação pulmonar com Rx, PPD e exame de escarro, além da biópsia da lesa, importante para diagnóstico diferencial com neoplasias. O tratamento segue o esquema da TB pulmonar. Hanseníase: causada pelo Mycobacteruim leprae, caracteristicamente tem lesões de pele hipopigmentadas e hipoestésicas. As lesões laríngeas ocorrem por disseminação oriunda das cavidades nasais, e apresentam-se de forma variada. O diagnóstico baseia- se na clínica das lesões dermatológicas e na baciloscopia, além de exames laboratoriais e o teste de Mitsuda. O tratamento segue a recomendação da OMS de poliquimioterapia. Laringite luética: causada pelo Treponema pallidum, pode ser de origem congênita (transplacentária) ou por contato direto, resultando nas fases primária e secundária da infecção. A lesão primária é representada pelo cancro (lesão ulcerada de bordas elevadas e não dolorosa), que surge de 1 a 3 meses após o contato, desaparecendo após 2 a 6 semanas. Após algumas semanas surgem exantema, febrícula e linfadenopatia, que também desaparecem em poucas semanas. Alguns pacientes desenvolverão a fase terciária, mesmo após muitos anos, com lesões em vários órgãos. As lesões laríngeas podem surgir nas fases secundária e terciária, de aspecto variado, desde úlceras até lesões hiperplásicas, mais comuns em epiglote e pregas vocais. O diagnóstico definitivo se dá pela reações VDRL e FTA-Abs, além da visualização dos treponemas em exame anatomopatológico. O tratamento é com penicilina. Laringites fúngicas Paracoccidioidomicose: causada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis, é a micose sistêmica mais freqüente na América Latina e no Brasil. A contaminação é geralmente por inalação dos esporos, com disseminação para linfonodo regional, formando complexo primário semelhante à tuberculose. A contaminação laríngea ocorre por disseminação linfoematogênica. As lesões possuem aspecto moriforme, também descritas como “picada de pulga” pelo pontilhado hemorrágico. O diagnóstico é dado pelo exame anatomopatológico, com a clássica descrição do fungo em formato de roda de leme. O tratamento é com antifúngicos imidazólicos, sulfonamidas ou anfotericina B. Histoplasmose: causada pelo fungo Histoplasma capsulatum, podem apresentar-se na forma pulmonas aguda, crônica ou disseminada. A infecção dá-se por inalação do fungo, que habita solo de cavernas ou ambiente abandonados, com fezes de pássaros e morcegos. O acometimento laríngeo é incomum e o diagnóstico basea-se nos achados clínicos e no exame de fixação do complemento. O tratamento também é com imidazólicos. Laringites parasitárias Leishmaniose: causada por protozoário do gênero Leishmanias, a transmissão e dada por mosquitos flebotomíneos, é considerada uma zoonose, acometendo cães e o homem. Apresenta-se nas formas cutânea (mais comum), visceral (mais grave, sendo a segunda causa de morte por parasitas, atrás apenas da malária) e a forma mucocutânea, que acomete fossas nasais, cavidade oral, faringe e laringe. O Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 9 diagnóstico e dado principalmente pela demonstração do parasita, mas técnicas de PCR e imunoenzimáticas (ELISA) são mais sensíveis e específicas. O tratamento é com pentoxifilina e antimônio pentavalente. Laringites inespecíficas Compõem esse grupo as infecções virais e bacterianas agudas e as inflamações inespecíficas, como por refluxo faringolaringeo ou agentes irritantes (ácidos, cáusticos, fumaça, gases). Laringite aguda catarral: é uma das formas mais comuns de laringites agudas. Geralmente segue um resfriado comum ou uma nasfaringite viral, evoluindo para infecção bacteriana (em geral Moraxella catarrhalis e Haemophilus influenzae). Dor de garganta com disfonia, tosse inicialmente seca que evoluiu para produtiva com expectoração purulenta, febre baixa ou ausente caracterizam clinicamente o quadro. O quadro é benigno e podem ser administrados antibióticos e corticóides para acelerar a melhora. Laringotraqueíte (crupe viral): infecção viral que acomete principalmente a faixa etária pediátrica, é causada pelo Parainfluenza 1 (metade dos casos) ou Parainfluenza 2, vírus sincicial respiratório, adenovírus, rinovírus e também Mycoplasma pneumoniae. O quadro característico é de IVAS com a “tosse de cachorro”, com disfonia e por vezes estridor inspiratório. O achado característico é a laringite subglótica. O quadro costuma ter evolução benigna, mas pode evoluir para angústia respiratória grave. Nebulizações com corticóde e adrenalina podem ser empregados, assim como antibiótico e corticóide intravenoso. Epiglotite: infecção das estruturas supraglóticas causada principalmente pelo Haemophilus influenzae tipo B (HiB). Em crianças, o quadro é súbito de febre alta, desconforto respiratório, disfagia e odinofaria que levam a salivação. A criança fica sentada, com pescoço estendido e boca aberta para facilitar a respiração. Os exames complementares revelam leucocitose com desvio à esquerda. O Rx pode mostrar o clássico sinal do polegar, pelo aumento da epiglote, porém, não tem sensilibidade elevada. A laringoscopia revela aumento marcado da epiglote, com hiperemia difusa. O tratamento é hospitalar com antibiótioterapia e corticoterapia, bem como medidas de suporte e hidratação. Houve marcada redução nos casos após a vacinação regular da população pediátrica contra HiB. Laringite estridulosa (falso crupe ou crupe espasmódico): são episódios de tosse intensa que ocorrem na madrugada, sem sinais prévios de IVAS, e que cessam espontaneamente. A etiologia ainda é indefinida, podendo o refluxo faringolaríngeo, quadros alérgicos e fenômenos psicológicos estarem relacionado. O tratamento passa por umidificação do ar, tranquilização dos pais e eventualmente corticoterapia. Laringite por refluxo gastroesofágico: é manifestação comum na prática otorrinolaringológica, caracterizada por episódios de disfonia, tosse seca, globus, pigarro, sensação de corpo estranho na garganta e odinofaria. A laringoscopia apresenta edema retrocricoide com espessamento interaritenoideo (paquidermia)m hiperemia na face medial das aritenoides e edema subglótico. Testes de pHmetria e manometria, além de endoscopia digestiva alta podem ser úteis, mas o teste terapêutico com IBP também pode ser empregado inicialmente. Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 10 Trauma laríngeo O trauma que atinge a laringe pode ser contuso (mais comum) ou penetrante. Os traumas contusos respondem por 80-85% dos casos e são geralmente relacionados aos acidentes automobilísticos, resultando em até 40% de mortalidade. Os traumas penetrantes são geralmente derivados de ferimentos por arma de fogo e arma branca, resultando em morte em até 20% dos casos. O quadro clínico das lesões contusas é composto dos disfonia, dispnéia, disfagia e sialorréia acompanhados de equimoses, hematomas e por vezes enfisema subcutâneo, decorrente de violação da mucosa aereodigestiva ou laringotraqueal. Podem ocorrer fraturas da cartilagem tireóide. O edema e hematomas são os principais ameaçadores, resultando em angustia respiratória. Recentemente um atleta brasileiro do basquete sofreu trauma laríngeo quando a tabela de basquete desabou sobre seu pescoço, resultando em sua morte. As lesões penetrantes devem ser exploradas cirúrgicamente quando atravessam o platisma,pelo risco de lesão vascular, esogágica ou traqueal associadas. Cisto mucoso O cisto mucoso é caracterizado por ser lesão cística de conteúdo mucoso que se desenvolve em qualquer ponto da laringe, mas principalmente nas pregas vocais, resultando em graus variados de disfonia. É resultado de obstrução de glândula mucosa, de etiologia não definida, mas acredita-se que seja por traumatismo local em abuso vocal associado à fatores irritantes como refluxo faringolaringeo. Seu tratamento é eminentemente cirúrgico, consistindo na ressecção da lesão, principalmente de sua cápsula, no intuito de evitar possíveis recidivas. Papilomas laríngeos Também conhecida por papilomatose respiratória recorrente, é causada pelo papiloma vírus humano (HPV), pode ocorrer de forma isolada ou difusa, acometendo crianças e adultos. É a segunda causa mais comum de disfonia em crianças (mais comum são os nódulos). Existe ainda discussão sobre as formas juvenil e adulta de apresentação, tendo em vista que não há diferenças histopatológicas definidas entre as duas formas. A transmissão pode ser vertical (canal do parto) ou contato pós-natal. Dentre os mais de 100 subtipos, o HPV-6 e HPV-11 são os mais comuns, sendo que há potencial de malignização, especialmente nos subtipos 16 e 18. Podem acometer qualquer porção da mucosa, mas sçao mais comuns na laringe, especialmente nas pregas vocais, causando graus variados de disfonia. À laringoscopia, apresentam-se como tumoração exofítica rósea, podendo ser vistos os vasos enovelados. Podem atingir tamanhos grandes, levando a desconforto respiratório. Nas crianças são comuns as recidivas, requerendo múltiplos procedimentos cirúrgicos seriados. Uma das alternativas recentemente estudadas é o emprego do cidofovir (Vistide®), um análogo da citosina utilizado no tratamento de retinite por citomegalovírus em pacientes portadores do HIV. Estudos têm mostrado diminuição das recidivas e maior intervalo entre as cirurgias. Paralisias laríngeas Podem ser centrais, mistas e periféricas. As paralisias centrais ocorrem nas lesões supranucleares como na paralisia pseudobulbar, resultando em espasticidade e hiperreflexia. Tem como etiologias principalmente os acidentes vasculares cerebrais Prof. Dr. Fabrício Scapini Doenças benignas da laringe 11 (AVC), encefalites, traumatismos e neoplasias. As lesões nucleares resultam em paralisia flácida. Podem ocorrer nos casos de AVC da artéria cerebelar posterior inferior, resultando em síndrome de Wallenberg (disfonia, disfagia, síndrome de Horner e termoanalgesia no hemicorpo contralateral e facial ipsilateral). As causas mistas são decorrentes de esclerose lateral amiotrófica, paralisia cerebral e esclerose múltipla, com sinais de espasticidade e flacidez. As paralisias periféricas acometem o nervo vago ou suas divisões laríngeas superior e inferior (recorrente). As causas mais comuns são as iatrogênicas (cirurgias cervicais como de coluna e tireoidectomias e torácicas, como transplantes), mas podem ocorrer por traumas penetrantes, tumores no trajeto do nervo laríngeo recorrente, aneurismas no mediastino superior, além das causas idiopáticas, possivelmente decorrentes de neurites. Embora rara em crianças, é a segunda afecção congênita mais comum (primeira é a laringomalácia). O diagnóstico é dado pela laringoscopia, além de exames de imagem do crânio até o mediastino superior. Endoscopia digestiva alta também pode ser utilizada na investigação. A paralisia do nervo laríngeo superior é mais rara e resulta em alterações discretas na voz, principalmente para pitch agudo (função do CT), o que pode inviabilizar o canto. Paralisias do nervo laríngeo recorrente produzem disfonia de graus variados, dependendo da posição final da prega vocal paralisada. Nas posições mediana e paramediana, o comprometimento vocal é menor. Posições mais laterais resultam e grande soprosidade e diminuição significativa do tempo máximo de fonação. Lesões bilaterais podem ocorrer após cirurgias cervicais, principalmente em grandes bócios ou tumores malignos da tireóide, resultando em dispnéia grave, podendo levar à traqueostomia de urgência. A cordotomia posterior com aritenoidectomia parcial unilaterais pode melhorar a dispnéia nos casos já estabilizados. Nos casos unilaterais com disfonia, a tireoplastia de Isshiki tipo 1, com ou sem rotação de aritenoide, pode melhorar significativamente a qualidade vocal, associadas a fonoterapia em todos os casos. Referências Bibliográficas 1. Campos CAH, Costa HOO. Tratado de ORL. São Paulo - Roca, 2002 2. Costa SS. Otorrinolaringologia: princípios e práticas. 2ª ed. Porto Alegre - Artmed, 2006 3. Seminários FORL, em www.forl.org.br 4. Cielo CA, et al. Lesões organofuncionais tipo nódulos, pólipos e edema de Reinke. Revista CEFAC, 2010. 5. Neves BMJ, Neto JG, Pontes PA. Diferenciação histopatológica e imunoistoquímica das alterações epiteliais no nódulo vocal em relação aos pólipos e ao edema de laringe. Rev Bras Otorrinolaringol, 2004. 70(4): 439-48
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