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A CONSTRUÇÃO JURÍDICA - SOCIAL DA IMIGRAÇÃO ITALIANA NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL NO FINAL DO SÉCULO XIX: DA TRAVESSIA A CONSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA BRASILEIRA

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A CONSTRUÇÃO JURÍDICA - SOCIAL DA IMIGRAÇÃO ITALIANA NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL NO FINAL DO SÉCULO XIX: DA TRAVESSIA A CONSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA BRASILEIRA
Marcelo Cipolat[1: Aluno pesquisador do 6º semestre do curso de Direito da Faculdade de Belém – Fabel.]
RESUMO
O movimento imigratório teve fundamental importância para a formação cívica, jurídica e cultural do Brasil, além de contribuir para a construção do sentimento de nacionalidade e cidadania ao longo de séculos. Nesse universo, ressalta-se a significância da imigração italiana relatada por diversos estudiosos, tais como Hutter (1972), Lorenzzoni (1975), Zanini (2015) entre outros. Logo, a ideia de pertencimento dos imigrantes à nova pátria ocorreu aliada, principalmente, ao direito e pelo acatamento de severas legislações impostas aos colonos. Os imigrantes italianos, por exemplo, encontravam-se enquadrados em leis desde a saída do Porto de Gênova até Santos, tal quadro contribuiu para o amadurecimento jurídico de nosso país tanto na elaboração de uma política própria para recepção de imigrantes, como na consolidação do Estatuto do Estrangeiro ou na compilação de legislações que permitissem aos descendentes desses imigrantes buscarem o direito a dupla cidadania. Em razão disso, a globalização sugeriu a muitos brasileiros a possibilidade de tornarem-se cidadãos italianos, quer por oportunidade de trabalho e estudo, quer pela simples busca por melhor qualidade de vida. Nesse contexto, o conhecimento jurídico da formação histórica dessas leis é importante, uma vez que o número de pessoas que procuram profisionais do direito a fim de obter a dupla cidadania cresce em progressão contínua, conforme dados apresentados neste e em outros estudos. Portanto, optou-se nesse primeiro momento, por um estudo tipicamente bibliográfico, onde foram consultados autores de expressividade na temática como os citados acima, legislações, além de doutrinadores italianos e brasileiros. Por fim, a investigação buscou explicar fatos do processo histórico e jurídico que embasaram o fluxo migratório ocorrido no final do século XIX na porção central do Rio Grande do Sul, desde a saída da Itália até a recepção destes imigrantes no Brasil. 
Palavras Chave: BRASIL. ITÁLIA. CIDADANIA. IMIGRAÇÃO. LEGISLAÇÃO.
RESUMEN
La migración fue crucial a la formación cívica , jurídica y cultural de Brasil, además ha contribuído para la construcción del sentido de la nacionalidad y ciudadanía durante siglos. En este universo, se hace énfasis para la importancia del inmigración italiana reportado por varios autores como Hutter (1972 ), Lorenzzoni ( 1975) y Zanini (2015), entre otros. Por lo tanto, la idea de pertenencia de los inmigrantes al nuevo país se alió principalmente al derecho y las leyes severas impuestas sobre el cumplimiento de los colonos. Los inmigrantes italianos, por ejemplo, se encontraron de lleno en las leyes desde la salida del puerto de Génova hasta Santos, este marco ha contribuido a la maduración del derecho de nuestro país, tanto en la elaboración de su propia política para recepción de inmigrantes, como en el Estatuto del extranjero o en la compilación de las leyes que permitirían a los descendientes de estos inmigrantes ha buscar su derecho a doble nacionalidad. Como resultado, la globalización ha sugerido que muchos brasileños tengán la oportunidad de convertirse en ciudadanos italianos, sea por oportunidades de trabajo y estudio o la simple búsqueda de una mejor calidad de vida. En este contexto, el conocimiento legal de la formación histórica de estas leyes es importante, ya que el número de personas que buscán profissionales para obtener la doble nacionalidad crece en progresión continua como atestan los datos presentados en este artículo. Por lo tanto, se decidió en primera instancia, para un estudio bibliográfico típico, que consultó la expresividad de los autores sobre el tema, como se ha mencionado anteriormente, las leyes, incluyendo estudiosos italianos. Por último, la investigación trató de explicar los hechos históricos y los procesos legales que apoyaron la migración que ocurrió al final del siglo XIX en la parte central de Rio Grande do Sul, desde la salida de Italia a la recepción de estos inmigrantes en Brasil.
Palabras - Clave : BRASIL. ITALIA. CIUDADANÍA . INMIGRACIÓN. DERECHO .
1 INTRODUÇÃO
A imigração italiana no Brasil teve seu auge no período compreendido entre o final do século XIX e a primeira década do século XX, tendo a concentração de colonos ocorrido em especial no sudeste e sul do Brasil. Como resultado do fluxo migratório observa-se um vasto conglomerado populacional do país composto de italianos natos, conhecidos na Itália como all'estero e descendentes com ou sem a dupla cidadania, estes identificados como oriundi.
Conforme demonstra Gomes (2000), entre 1870 e 1920, os italianos somavam 42% das imigrações no Brasil, ou seja, de um total de 3,5 milhões de imigrantes, os italianos eram cerca de 1,6 milhões. Em 2013, a embaixada italiana no Brasil divulgou o número, naquele ano, de 33 milhões de pessoas com vínculos com a península, assim, num universo de descendentes (cidadãos ítalo-brasileiros e italianos natos) vivendo no Brasil, segundo aquele órgão internacional, os números correspondem, aproximadamente, a 20% da população brasileira, ou seja, os ítalo-brasileiros são considerados a maior população de oriundi fora da Itália. 
Assim, este estudo tem por objetivo resgatar os fatos históricos da imigração italiana no período em realce, observando e analisando aspectos jurídicos e psicossociais que promoveram a formação da italianidade e fomentaram o anseio pela dupla cidadania na região Central do Rio Grande do Sul. 
Figura - Mapa da Quarta Colônia de Imigração Italiana do RS
Fonte: Prefeitura Municipal de Santa Maria - RS, 2012.
22.
O espaço geográfico, alvo do presente estudo, concentra-se nos municípios gaúchos que circundam a cidade de Santa Maria, maior centro urbano da região, em especial Silveira Martins, Restinga Seca, São João do Polesine e Faxinal do Soturno, assim como todos os povoamentos vizinhos que juntos constituem a chamada Quarta Colônia. Localidades reconhecidas como berço da imigração italiana pelos historiadores da região. 
É importante ressaltar que este artigo é peça integrante de um trabalho de maior vulto no qual se procura analisar o processo de obtenção da cidadania pelos oriundi e o gozo destes direito de fato no seio da sociedade italiana. Desse modo, no estudo histórico-jurídico é imprescindível abordar aspectos relativos aos direitos fundamentais do indivíduo como construção de uma visão pós-positivista das ciências jurídicas o que nos leva a considerar o imigrante como centro da análise.
Desse modo, foram focos de nossa investigação o respeito a dignidade da pessoa humana, a legalidade dos contratos estabelecidos entre os colonos e proprietários, quer particulares (caso paulista), quer junto ao governo local (caso gaúcho) e ainda os demais institutos jurídicos que regulavam o processo imigratório. 
A fim de alcançar os objetivos propostos, o estudo centrou-se, nesse primeiro momento, em uma pesquisa bibliográfica e documental, tendo como suporte o processo de construção do Código do Estrangeiro de 1980, da Constituição Federal de 1988, no que se refere aos estrangeiros no Brasil e os tratados internacionais firmados entre Brasil e Itália nos diversos períodos da história; também utilizou de pesquisa em materiais impressos (jornais da época) e virtuais. Destarte, é oportuno neste momento recordar a diferença etimológica entre as palavras imigrar e emigrar, onde emigrar é o ato de deixar um país e se estabelecer em outro, já o termo imigrar compreende entrar num país estrangeiro e viver nele, ao conjunto de ambos denominamos migração.
Notoriamente, para melhor entendimento do direito que respaldou os imigrantes nos distintos períodos históricos, como os reflexos comportamentais dentro do grupo em que estavam inseridos é necessáriorelacionar a ciência jurídica às ciências humanas. Assim, tratou-se também de conceitos ideológicos, filosóficos e sociológicos fundamentais para elucidação da situação jurídica inserida no contexto do alvorecer da república. Porquanto, procurou-se compreender como a sociedade vivia naquele momento e as legislações que regulavam o trabalho do imigrante. No item seguinte, estruturou-se o trabalho de pesquisa segmentando-o e explicitando a motivação para tal.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
A relação entre descendentes e advogados, cujos clientes desejam adquirir a cidadania italiana, envolve-os em uma situação que ultrapassa os limites jurídicos e se estende a situação econômica, histórica e social, sendo parâmetro para a seleção do profissional que trabalhará na demanda o amplo conhecimento desses aspectos. 
Logo, o envolvimento pessoal, sabedoria histórica e jurídica e conhecimento das comunas italianas, onde o processo corre com maior agilidade são características inerentes ao operador de direito que deve labutar nesta área. No estudo em questão, procurou-se manter o foco no processo jurídico, todavia existe outros viés do saber que merecem ser explorados e que contribuem intensamente para a reivindicação da identidade por parte dos descendentes de imigrantes italianos.
Por isso, todo o processo imigratório desde a saída da Itália até a chegada ao Brasil, as dificuldades iniciais, o êxito na conquista do espaço regional, a perseguição no Estado Novo e o resgate da cultura italiana a partir de 1970 com o grande fluxo de processos de reivindicação da cidadania, todas estas etapas estão repletas de aspectos jurídicos relativos à imigração além de relatos interessantes que constituem o sentimento de pertencimento. 
Por fim, existem várias indagações quanto ao processo de obtenção da cidadania italiana, principalmente, quanto às leis que se aplicam ao processo. Em virtude de recentes movimentos políticos na Itália que procuram limitar o acesso de imigrantes, muito em função dos atentados terroristas que assolam o continente e ao crescente movimento nacionalista que alcança espaço na conjuntura mundial, como demonstra a saída do Reino Unido da União Europeia (BREXIT) e a ascendência de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.
Desta forma, observamos constantes mudanças de procedimentos jurídicos para obtenção da cidadania, como por exemplo, na linha de descendência materna e nos casos de leis especiais como dos imigrantes da região de Tirol (no Brasil chamados de trentinos) e dos novos procedimentos a serem implantados a partir de agosto de 2016, fruto da adoção de regramentos decididos durante a Convenção de Haia, publicada no Diário Oficial da União em 1º de fevereiro de 2016, fatores geradores de insegurança a quem ainda pretende iniciar o processo de cidadania. 
Como técnica fundamental da seleção de conteúdo foram feitas leituras mediante a observação de roteiros, que consistiram em destacar as principais contribuições de cada autor/obra consultado. Ainda, foram realizados fichamentos das fontes analisadas como modo de melhor sistematizar as constatações apresentadas.
	Para direcionar o trabalho de articulação das considerações alcançadas foi necessário e relevante optar pelo processo científico dedutivo (LAKATOS; MARCONI, 2005), uma vez que se pautou pela contribuição dos autores discutidos, cujo uso e produção científica em relação à temática em discussão é contínuo e representativo.
Dessa forma, este trabalho trata-se de uma seção preliminar, uma vez que é parte de um estudo maior a ser consolidado. Para melhor entendimento, organizou-se este artigo em três seções, sendo a primeira destinada ao estudo dos motivos que levaram a grande imigração no século XIX, ressaltando os fatores psicossociais e jurídicos que envolveram o contexto mundial, especificamente entre Itália e Brasil. Procurou, ainda nesta seção, analisar os aspectos econômicos, sociais e jurídicos que culminaram com o intenso fluxo imigratório italiano para o Brasil, destacando as leis que regularam este processo tanto na Itália como no Brasil. 
No segundo momento, abordou-se a travessia oceânica e a chegada ao Brasil, apresentando aspectos como a conquista do espaço geográfico na região da Quarta Colônia. Em sequência são apresentadas nas notas finais e já projetando-se o próximo foco da pesquisa, a influência da Igreja e do sistema de Pater Familia na organização jurídica da sociedade colonial e o período de desconstrução/substituição da cidadania italiana dos imigrantes em função da produção legislativa autoritária que permitiu ações do Estado Novo em revide ao conflito da Segunda Guerra Mundial.
Abaixo, é apresentado o contexto em que ocorre a dupla cidadania mediante os eventos históricos e jurídicos. 
2 O CONTEXTO HISTÓRICO E JURÍDICO ÍTALO - BRASILEIRO DA IMIGRAÇÃO NO FINAL DO SÉCULO XIX
	Os antecedentes do grande movimento imigratório italiano para o Brasil encontram uma gama de interesses tanto do governo italiano, como principalmente, por parte do brasileiro em promover o fluxo. Neste contexto histórico, algumas soluções jurídicas trataram do assunto tais como o Decreto 3.784, de 1867, Decreto 5.663, de 1873 e o Decreto 528 de 1890, ambos brasileiros, o Decreto Crispi, de 1887 e o Decreto Prinetti de 1902 na Itália, além das Leis de Incentivo a Imigração e da Lei da Terra (brasileiras). 
Os italianos começaram a imigrar em número significativo para o Brasil a partir da década de 1870, pouco após a unificação da Itália ocorrida em 1861, por esta razão a identidade nacional desses imigrantes se forjou no Brasil. Tal situação potencializou a necessidade de identificação cultural, não obstante sua origem regional na península itálica ser diversificada. Dessa forma, desembarcaram no Rio Grande do Sul diferentes povos com culturas distintas, porém dividindo áreas contíguas; italianos de diversas origens e com dialetos diferentes tais como os friulanos, mantovanos, vênetos, lombardos e tiroleses dentre outras raças que acabaram por consolidar a nacionalidade italiana não pela unificação, mas muito mais pela solidariedade em função das vicissitudes e agruras, as quais os colonos tiveram que em conjunto vencer. Destarte, nas subseções consequentes pretende-se apresentar o ambiente socioeconômico vivenciado pelos imigrantes no período das grandes migrações. 
ANTECEDENTES
Conforme Alvim (2000), o aumento da densidade demográfica na Itália aliada ao acelerado processo de industrialização afetaram diretamente as oportunidades de emprego naquele continente culminando na busca de novo espaço para produção e sobrevivência, surgindo o movimento emigratório. Tal fluxo não ocorreu apenas com a população italiana, mas também com a de outros países que enfrentavam a transição de um modelo de produção feudal para um sistema capitalista, situação que afetou diretamente as condições sociais no continente europeu. 
De acordo com Zanfrini (2012), as terras concentravam-se nas mãos de poucos proprietários, haviam altas taxas de impostos sobre a propriedade, fazendo com que o pequeno agricultor se endividasse com empréstimos. No caso italiano é oportuno lembrar que o país acabara de sair de um conflito pela unificação do território, fator que potencializou a crise. A seguir, expõem-se aspectos referentes à imigração e a legislação correspondente.
2.2 FATORES IMIGRATÓRIOS E LEGISLAÇÕES REGULADORAS.
Como resultado da situação abordada anteriormente, observando o trabalho investigativo da professora Maria Catarina Chitolina Zanini (2006), onde verificamos que milhões de camponeses italianos, que antes eram pequenos proprietários rurais, subjugaram-se à condição de trabalhadores braçais (braccianti) nas grandes propriedades rurais italianas. 
Logo, mesmo aqueles que continuaram na condição de pequenos proprietários não conseguiam mais tirar seu sustento da terra, porque estas eram normalmente adquiridas por herança em alguns casos apenas o filho mais velho recebia a propriedade após a morte do pai, enquanto os outrosfilhos eram excluídos, em outros, mesmo ocorrendo a divisão entre os filhos, (fato raro naquela sociedade), tal fracionamento submetia ao recebimento de um pedaço de terra muito pequeno, devido ao grande número de descendentes na família, tornando impossível dali extrair o sustento. 
Desse modo, milhões de camponeses europeus, que não conheciam nada além do seu vilarejo de origem, tornaram-se emigrantes. Primeiramente, buscaram trabalho nas cidades maiores; em seguida, nos países vizinhos, numa migração sazonal que ocorria motivada pela demanda por mão de obra em época de colheitas. Quando essas alternativas esgotaram-se, buscaram a emigração continental, sobretudo para os países das Américas. A respeito da imigração italiana para o Brasil, Gomes (2000) aponta:
Os italianos, como todos os demais imigrantes, deixaram seu país basicamente por motivos econômicos e socioculturais. A emigração, que era muito praticada na Europa, aliviava os países de pressões socioeconômicas, além de alimentá-los com um fluxo de renda vindo do exterior, em nada desprezível, pois era comum que imigrantes enviassem economias para os parentes que haviam ficado. No caso específico da Itália, depois de um longo período de mais de 20 anos de lutas para a unificação do país, sua população, particularmente a rural e mais pobre, tinha dificuldade de sobreviver quer nas pequenas propriedades que possuía ou onde simplesmente trabalhava, quer nas cidades, para onde se deslocava em busca de trabalho. Nessas condições, portanto, a emigração era não só estimulada pelo governo, como era, também, uma solução de sobrevivência para as famílias. 
Segundo Zanfrini (2012), o Brasil utilizou a migração subvencionada por meio da Lei da Imigração promulgada em 1871, que tratava de conceder auxílio em dinheiro para a compra de passagens de imigrantes e facilitar sua instalação inicial no país. Aprovada logo após a Lei do Ventre Livre tinha como objetivo auxiliar os fazendeiros no impulso cafeeiro, contudo, a participação destes foi sendo transferida aos poucos para os governos, provincial e imperial, até 1889 que com a implantação da República, passou a ser executada pelos poderes estadual e federal. 
Assim, o próprio governo ou um grande produtor pagava a passagem dos imigrantes para que trabalhassem em terras da união ou propriedade particular, então, iniciando um primeiro contrato entre o imigrante e o governo ou proprietário. Como a imigração subvencionada estimulava a vinda de famílias, e não de indivíduos isolados, o Brasil recebeu nesse período famílias numerosas, células com dúzias de pessoas integradas por homens, mulheres e crianças de mais de uma geração. 
Os grandes latifundiários ou o governo patrocinavam a viagem, e depois os mesmo serviriam para trabalhar nas lavouras cafeeiras ou arrendavam terras ao sul do país. Oportuno ressaltar que o engodo a respeito desta proposta de contrato eivada de vícios iniciava pela contratação de agentes do governo brasileiro que informavam aos imigrantes uma série de situações vantajosas que na realidade nunca vieram a ocorrer. Em contrapartida, o governo italiano emitiu em 1888 uma lei que regulamentava a atuação destes agentes brasileiros, como evidencia Grosseli, (1987, p.113 apud ZANINI, 2006, p. 44 - 45):
O governo brasileiro fazia propaganda na Itália sobre suas vantagens para a imigração, apresentando-se como uma terra promissora. Era comum, devido à concorrência pela mão de obra, que os países sul-americanos procurassem lançar descrédito sobre as condições de vida em que se encontravam os emigrantes nos países tidos como “concorrentes”. Uma das publicações distribuídas era o teor do Decreto n. 3.784, de 1867 que mostrava o regulamento das colônias criadas e mantidas pelo Governo Geral.
Ao analisar o conteúdo do Decreto 3.784 de 1867, pode-se apurar que o preço da terra, a forma de colonização e as regras de assentamento eram aceitáveis e de condições viáveis de serem alcançadas pelo trabalho dos colonos, contudo, na prática as regras não foram efetivadas. No artigo 6º, por exemplo, estipulava-se que aos imigrantes era ofertada total liberdade de escolha do lote preferido, pagando a vista ou a prazo em cinco prestações iguais, começando no segundo ano após sua chegada. 
Eram dispostas as formas de recepção, administração e alojamento dentre outras orientações. Os artigos 30 e 31 tratavam dos valores a serem recebidos pelos colonos como auxílio financeiro, as sementes para as plantações, além de ferramentas agrícolas. Todavia, ao chegarem ao Brasil algumas dessas promessas não foram cumpridas e os imigrantes acabaram por ficar a própria sorte.
De acordo com ZANINI (2006), os agentes recebiam certo valor em cima de cada imigrante embarcado, assim faziam qualquer artimanha para convencer os colonos a imigrarem, missão não tão difícil frente à conjuntura política, econômica e social na Itália. Conforme orienta Hutter (1972, p. 36-37):
(..) valiam-se da ignorância dos camponeses, fazendo pomposas descrições de um futuro esplêndido, induzindo a emigrar quem antes nem pensavam sobre isso. Na Itália, em 1892, havia 5.172 Subagentes e, em 1896, já estavam no montante de 7.169. Essas informações mostram o quanto o comércio de emigrados era um bom negócio. Foi expedida na Itália, em 1888, uma lei que disciplinava a profissão de agente, procurando diminuir os abusos desses e as más situações que, por vezes, aguardavam os imigrantes.
A viagem ocorria em vapores insalubres e em condições precárias, como atesta em suas memórias, o jovem de quatorze anos de idade no momento da imigração, Lorenzzoni (1975, p.31):
“houve muito barulho, uns choravam, outros gritavam, alguns blasfemavam e grande parte rezava, pedindo a Deus sua proteção (...) não se tomava banho e nem trocavam de roupa o que favorecia o ataque de parasitas”.
Nos relatos de entrevistados por Zanini (2006), as más condições higiênicas da viagem transoceânica representavam um grande risco à proliferação de doenças entre seus tripulantes. De acordo com Dalmolin (2004), a temperatura dentro do navio era muito elevada prejudicando a respiração; o gás carbônico e o cheiro de suor dos corpos causavam náuseas, as necessidades fisiológicas durante a noite eram feitas nos cantos dos dormitórios, tornando o local ainda mais propício a epidemias. 
Segundo Zanfrini (2012), fruto das pressões realizadas pelos imigrantes no Brasil e por seus familiares junto às autoridades italianas, o governo italiano cobrou providências do governo brasileiro que em resposta promulgou, em 1895, o Regulamento de Sanidade Marítima com o claro objetivo de mitigar o desconforto diplomático entre os dois países. Apesar dessa providência, os problemas persistiram e, somando-se ao descumprimento dos artigos previstos no Decreto 3.784, de 1867 acabou-se por embasar os termos do Decreto Prinetti e Decreto Crispi. 
O Regulamento de Sanidade Marítima é o primeiro texto em matéria sanitária que contempla normas para tutela do imigrante e define, ao menos em termos gerais, uma série de funções aos portos e aos médicos de bordo, determinava formação de comissão composta de um médico do porto, um oficial do porto e um delegado de segurança pública que deveriam verificar: a quantidade e a qualidade de gêneros alimentícios, da água e dos meios higiênicos distribuídos aos ocupantes da embarcação.
Também deveriam providenciar remédios e desinfetantes; zelar pela boa condição dos equipamentos e das embarcações; cuidar da perfeita limpeza das roupas, das cobertas e de outros objetos de uso doméstico, do corredor, dos equipamentos e de todos os locais de alojamento; ficar atento para que a ventilação fosse eficiente e suficiente para os transportados além de zelar pelas boas condições de limpeza e lavagem das latrinas. Verifica-se, neste momento, a transformação do conceito jurídico no Brasil, pautado pela tutela dos direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana.
A falta de fiscalização e a cultura escravagista reinante no Brasil explicam o desrespeitoàs normas e o tratamento desumano direcionado aos colonos. Ao ceder a pressão estrangeira, em 1901, o Brasil estabeleceu a primeira Lei Orgânica sobre os aspectos sanitários, em que, além de manter as diretrizes das normas anteriores, determinou que os imigrantes deveriam ser alojados em dormitórios, além de definir altas multas para as embarcações que não cumprissem as exigências, aumentando a fiscalização. A partir deste documento histórico, o Brasil passou a melhorar os padrões de transportes marítimos em especial relativos às imigrações.
Outro documento importante a ser seguido pela política imigratória foi o Decreto 528 de 1890 que trata da tentativa de europeização do Brasil e aplicação do chamado “branqueamento” da população brasileira. Segundo Carvalho (2014), no final do século XIX, houve a influência no Brasil de uma tese desenvolvida na França que defendia superioridade da raça branca sobre as demais. O pensamento científico brasileiro da época, que era fortemente marcado pelo positivismo, adotou esta tese para defender o branqueamento da população como fator necessário para o desenvolvimento do Brasil. 
A imigração não era considerada somente um meio de suprir a mão-de-obra necessária na lavoura, ou de colonizar o território nacional coberto por florestas intocáveis, mas também com meio de "melhorar" a população brasileira pelo aumento da quantidade de europeus, conforme aponta Carvalho (2014, p.10):
A doutrina do “branqueamento” teve o seu formulador no francês Arthur de Gobineau, que esteve no Brasil em missão oficial da França e foi amigo do Imperador D. Pedro II. O livro de Gobineau sobre a desigualdade das raças humanas, publicado em 1853, diz ser a raça branca a superior. Não se importa com as condicionantes culturais e de meio ambiente que explicariam as diferenças de desempenho; além de a dominação escravocrata incluir, como preceito, a imposição do analfabetismo aos negros. Para o francês, o Brasil não teria futuro se não se “branqueasse”, se não se livrasse dos negros. Tais afirmações serviam, maravilhosamente, para justificar a vinda de europeus para o trabalho braçal, normalmente atribuição de escravos. Assim, suas concepções serviram de base “científica” para a política de “branqueamento”. 
 Nesse contexto, Iotti (2001, p.452 apud ZANINI, 2006 p. 47) narra que a política imigratória baseou-se no Decreto 528 para exprimir a preferência pela introdução de imigrantes brancos:
Art.1, era posto que a entrada de homens livres aptos para o trabalho era inteiramente livre nos portos brasileiros, com exceção feita aos sujeitos à ação criminal, indígenas da Ásia ou da África, que só poderiam ingressar no país com autorização para tal. Não poderiam desembarcar mendigos e indigentes.
 
No item seguinte, será abordado o processo de identificação dos imigrantes com a realidade brasileira.
3 A TRANSFORMAÇÂO DOS CIDADÃOS ITALIANOS EM COLONOS BRASILEIROS: A INFLUÊNCIA DA TRAVESSIA
Nesta seção, procurou-se diferenciar o modelo de trabalho executado pelos colonos italianos que rumaram para as fazendas de café paulista e o modo de fixação na terra dos imigrantes italianos, assim como seu reflexo para o desenvolvimento local.
3.1 OS MODELOS PAULISTA E GAÚCHO DE OCUPAÇÃO DA TERRA
No que se refere ao destino dos imigrantes após o desembarque no Brasil podemos classificar em duas grandes colunas, a maior e mais expressiva rumou para São Paulo e a segunda teve como destino a Região Sul, especialmente o Rio Grande do Sul. O Brasil possuia a reputação na península Itálica de ser o Paese de la cacagna (País da fartura), isto é, no imaginário dos imigrantes era uma terra de riquezas pela fertilidade do solo e por possibilitar o arrendamento de lotes de terra, ou mesmo, trabalhar como operário nos latifúndios cafeicultores. 
Esse cenário foi explorado por Zanini (2006, p.47) que explica as diferenças nos desafios dos imigrantes italianos paulistas e gaúchos:
(...) duas diferentes formas nas quais o processo migratório da Itália para cá se desdobrou: colônias (pequenas propriedades) no sul do país e operariado agrícola e industrial em São Paulo. O mesmo fenômeno gerou diferentes experiências sociais, de acordo com interesses locais específicos inseridos em contextos históricos específicos.
Os imigrantes que rumavam para a sul compreendiam que trabalhariam para si, que não existiriam patrões e que o sonho de tornarem signori (proprietários) poderia se realizar. Assim, vieram famílias inteiras, o que tornou o sentimento de apego a terra e a tradição cada vez mais pulsantes, fato que serviu como fundamento para que povoados e cidades fossem erguidas sob a força de trabalho dos colonos.
 Em contrapartida, em São Paulo a grande maioria dos imigrantes não conseguiu alcançar o posto de proprietários rurais, em alguns casos devido a força dos “Barões do Café” que procuravam manter a hegemonia local, mas principalmente pela relação que os proprietários mantinham com os imigrantes, uma vez que estes eram tratados como simples mão-de-obra substituta do sistema escravocrata. Aliás, a atenção dispensada aos imigrantes nas lavouras de café era similar ao sistema escravagista anterior ao seu uso. 
A relação entre proprietário cafeicultor e operário (italianos) nas fazendas de café em São Paulo chegou ao conhecimento de autoridades na Itália em 1887, por meio de cartas dos imigrantes ao jornal La Favilla que passou a desconstruir a imagem de terra da fartura que o Brasil gozava na Itália. Tais cartas foram publicadas em periódicos e muitas delas chegaram ao conhecimento do Primeiro Ministro da Itália, Francesco Crispi que resolveu publicar o Decreto Crispi, em 1887 suspendendo a prática de imigração subsidiada para o Brasil; a medida concretizou um conjunto de melhorias alcançadas pelos imigrantes. 
Conforme Zanini (2006, p. 48), Moneta, o diretor do jornal citado acima, foi artífice da decisão ministerial:
Moneta teria publicado essa carta em seu jornal e enviado ao Ministro Crispi, que, em 10 de setembro de 1887, publicou o Decreto Crispi, suspendendo a liberação de passaporte aos camponeses que queriam viajar gratuitamente ao Brasil, com temor de que, abolida a escravidão negra, o Brasil quisesse, agora, implantar a escravidão branca. 
Importante evidenciar que no ano seguinte, após manifestação do governo brasileiro no sentido de aumentar a fiscalização nas fazendas de café e combater qualquer indício de trabalho escravo, o Decreto Crispi foi secundarizado e o fluxo migratório continuou sem maiores restrições. 
Ambas as modalidades de imigração apresentadas, tanto a paulista como a gaúcha, sofreram dificuldades, contudo a sulina visava à fixação na terra, enquanto a paulista objetivava o trabalho imigrante em favor dos proprietários das grandes lavouras de café. O clima era de extrema tensão, uma vez que pela Lei das Terras de 1850, era permitida aquisição de terras somente pela compra em espécie, portanto, tanto o colono sulista como o operário paulista tinha que trabalhar para juntar a quantia visando à compra da terra. Zanini explora que (2006, p.51):
para o proletário rural de São Paulo a dificuldade era o jugo dos patrões, para o colono do sul, estava na inexistência de infra-estruturas e de canais para comercializar seus excedentes, o que dificultava a possibilidade de pagamento dos lotes num curto prazo de tempo, gerando entre os colonos um clima de tensão.
No que tange o caso dos colonos no Rio Grande do Sul, Campos (2005) afirma que as primeiras colônias italianas do Sul do Brasil nasceram na Serra Gaúcha, entre os vales dos rios Caí e das Antas, limitando-se ao norte com os campos de cima da Serra, e ao sul com as colônias alemãs fixadas as margens dos rios das Antas e Caí. Os colonos alemães, assim que chegavam ao Rio Grande do Sul, rumavam para as colônias já estabelecidas, se negando e adentrar nas matas fechadas das serras. Os italianos foram atraídos para o Sul do Brasil com objetivo de substituir a colonização alemã, pois, na Alemanha, criaram-semecanismos severos para impedir a imigração para o Brasil.
A exemplo da Itália, muitas denúncias contra essa imigração eram feitas na Alemanha, fruto das privações dos imigrantes germânicos, contudo as autoridades alemãs foram mais austeras e contumazes ao impedir o movimento imigratório para o Brasil. Assim, para ocupar as matas fechadas da região serrana, uma vez que os alemães não mais viriam colonizar a região, optou-se pela vinda de imigrantes italianos.
Como aponta Tedesco e Zanini (2009), no ano de 1875, foram criadas as colônias Conde D'Eu e Dona Isabel, atual Bento Gonçalves e Garibaldi. No mesmo ano, criou-se a colônia de Nova Milano (atualmente Caxias do Sul) e em 1877 a localidade de Silveira Martins. A partir dessas quatro colônias, os italianos passaram a se expandir pela região serrana. Caxias do Sul, por exemplo, tornou-se a colônia mais próspera da região, servindo de base para o surgimento de diversas outras, como Mariana Pimentel (1888), Barão do Triunfo (1888), Vila Nova de Santo Antonio (1888), Jaguari (1889), Ernesto Alves (1890) e Marquês do Erval (1891). Nessa região, plantavam produtos de subsistência, como o milho e o trigo, contudo, o cultivo que marcou sua presença no Rio Grande do Sul foi o de videiras.
De acordo com os ensinamentos de Alvim (2000), a maior parte desses imigrantes eram camponeses vindos do Norte da Itália, e se tornavam pequenos agricultores no Brasil. Estima-se que do total de imigrantes que veio para o estado, 54% era de vênetos, 33% de lombardos, 7% de trentinos, 4,5% de friulanos e as outras regiões forneceram os demais 1,5%, aspecto corroborado, pois, calcula-se que, entre 1875 e 1914, entraram no estado entre 80 e 100 mil italianos.
Ao chegarem ao Brasil foi proposto a eles o sistema de contrato de parceria entre os latifundiários e os imigrantes (modelo seguido pela indústria cafeeira de São Paulo) e o arrendamento de terras da União com opção de compra (modelo ao qual se submetiam os imigrantes que assentaram no Rio Grande do Sul). 
Assim, nos dois modelos haveria uma ilusão de que os colonos tinham partes das propriedades, tinham direito a moradia e ao cultivo livre, sendo que metade de toda sua produção deveria ser dos fazendeiros, no caso paulista ou deveriam ser artigo de comércio para pagamento do lote junto aos poderes municipais, como ocorreu no caso gaúcho. Dessa forma, Campos e Miranda (2005, p. 367) definem os sistemas de parceria e a forma que os fazendeiros induziam o imigrante ao erro: “o trabalhador já iniciava sua jornada no Brasil endividado. Durante quatro anos- tempo médio para primeira colheita- o imigrante aumentava seu débito, sobre o qual, eram cobrados juros, podendo contar apenas com sua plantação de gêneros alimentícios”.
Constatamos o surgimento de um instituto jurídico, o contrato, que era realizado de forma obscura aproveitando-se da inocência dos imigrantes, sendo que eram todos trabalhadores rurais. O contrato dessa época seguia o pactum sunt servanda, isto é, os pactos deveriam ser cumpridos a qualquer preço, desta forma os imigrantes que receberam para realizar a viagem, ganharam porções de terra para que cultivassem, agora seriam tratados como escravos, conforme narra Campos e Miranda (2005):
Os colonos que emigram, recebendo dinheiro adiantado, tornam-se, pois, desde o começo, uma simples propriedade de Vergueiro & Cia. E em virtude do espírito de ganância que animava numerosos senhores de escravos, e também a ausência de direitos em que costumavam viver esses colonos na província de São Paulo, só lhes resta conformarem-se com a ideia de que são tratados como simples mercadorias ou como escravos.
Nota-se que os imigrantes eram alienados por falsas promessas e que por fim tornavam-se escravos, devedores dos fazendeiros ou dos poderes estatais, e que com base no direito positivo, o contrato observava alguns pontos de legalidade, todavia existia o paradoxo de, ao mesmo tempo, submetê-los a condição de escravos. Os seus salários eram consignados para pagar a dívida e o valor do arrendamento, que deveria ser liquidado o mais rápido possível, pois havia incidência de juros altíssimos. 
Os imigrantes sempre foram tratados como sujeitos de direitos, entretanto vítimas de má-fé jurídica, pois uma parte induziu a outra a assinar um contrato aproveitando-se da ingenuidade dos camponeses italianos, fato que a luz da legislação atual certamente seria motivo de nulidade do negócio jurídico. 
Na seção posterior, realizou-se uma análise de três dos principais momentos que descrevem o imaginário dos descendentes em função das narrativas de seus antepassados avaliando-se os aspectos jurídicos aplicados aos eventos que correspondem à preparação e execução da viagem transoceânica (que os oriundi chamam de Travessia).
3.2 A TRAVESSIA MÍSTICA DE PIGRI A COLONIZZATORI: UMA EPOPÉIA DOS IMIGRANTES NA COLONIZAÇÃO DA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL
As narrativas em torno da travessia entre Itália e Brasil transcende a ideia de uma viagem normal, esta ganhou uma roupagem lendária, fantástica que modifica a imagem do imigrante, tido na Itália como preguiçoso (pigro) em um verdadeiro herói colonizador (colonizattore). Conforme relata Zanini (2006, p. 97): 
Ao longo da pesquisa, observei que alguns momentos históricos haviam se tornado marcos rituais na construção grupal dos descendentes de imigrantes. Eram eles: a travessia, o processo colonizador, as repressões ocorridas durante o Estado Novo e o momento mais recente, no qual voltavam a se sentir valorizados enquanto descendentes de italianos. A travessia, em especial, tornara-se uma passagem mitológica na construção do grupo enquanto coletividade possuidora de uma história comum e partilhada, ou seja, de uma origem comum.
Os fatores que estimulam e sustentam a edificação de uma origem europeia sedimentada na ancestralidade italiana tendo na travessia um marco de ligação atemporal. Lorenzoni (1975, p.45), narra com a propriedade de ter presenciado em sua juventude todo o processo de imigração de sua família:
(...), desde o alvorescer do dia, embora naquele final de outono a temperatura estivesse bastante fria, a pequena praça, defronte à igreja, achava-se repleta de pessoas de todas as idades. Haviam-se despedido na véspera, mas não satisfeitas e já saudosas, faziam questão de dar o último adeus aos parentes e amigos que lhe eram tão caros. Estes bastante atrapalhados com sua bagagem procuravam reunir malas, pacotes e sacolas e carrega-los para não haver extravio. Era uma cena interessante o que estava acontecendo naquela última hora, na modesta pracinha, completamente tomada por centenas de pessoas, carros, jardineiras, caixotes, sacos cheios de peças de roupas, pacotes, pacotinhos, cestas, etc., etc. Os sinos de, repente, começaram a bimbalhar e, com seu som alegre e conhecido, chamavam seus fiéis a assistirem a última missa. Lá, no pequeno tempo, onde desde muitos anos aqueles camponeses costumavam fazer suas orações, onde tinham sido batizados, feito a primeira Comunhão e muitos deles haviam-se unido pelo sacramento do matrimônio, agora comovidos, ouviam seu bom pároco dar-lhes seu último adeus, desejar-lhes uma ótima viagem, saúde e inúmeras felicidades e fazer-lhes mil recomendações de ter cuidado, entregando-se a Deus, que haveria de acompanha-los tanto durante a viagem, como após a chegada ao novo mundo. Aquelas últimas e santas palavras, pronunciadas por seu querido vigário, numa ênfase suprema, estavam emocionando demais todos os viajantes, e a maioria encontrava-se como os olhos cheios de lágrimas comovidos por tanto carinho... lentamente, quase que a contragosto, movimentava-se o navio e um sentimento de imensa tristeza apoderava-se do coração de todos, ao distanciar-se do estupendo panorama de Gênova. Irreprimíveis lágrimas escorriam pelas suas faces e seus olhos embaçados mal podiam fixar-se pela última vez naquele conjunto de palácios, torres, igrejas e lindas moradias, que formavam a terra natal, (...). 
Porquanto, o enfoque místico quea travessia carrega no imaginário dos descendentes dos colonos italianos, fruto das informações e histórias transmitidas entre as gerações acerca das condições precárias dos alojamentos e demais dependências dos “vapores”, onde os imigrantes eram acondicionados para a viagem nos remete ao entendimento da evolução do Brasil no que tange a consolidação do direito fundamental da dignidade da pessoa humana nos anos posteriores a abolição da escravatura. 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com fundamento em pesquisas científicas de diversos autores constatamos que a importância do desenvolvimento do estudo da temática em discussão a fim de desvelar e melhor compreender a trajetória do fluxo imigratório italiano para região meridional do Brasil ocorrida na segunda metade do século XIX, ressaltando aspectos históricos e jurídicos que servem de embasamento para os operadores de direito que labutam nos processos de obtenção de cidadania italiana. 
No desenrolar da atividade investigativa evidenciamos a necessidade do amplo conhecimento a cerca do amadurecimento das legislações no que dizem respeito ao tratamento direcionado aos estrangeiros, neste caso, aos imigrantes italianos. Ainda, é notório o anseio dos descendentes que buscam a dupla cidadania em conhecer a história dos seus antepassados, em especial o resgate dos direitos de cidadão italiano que se perderam na travessia. Como observado existe um elevado número de oriundi dirigindo-se aos escritórios de advocacia visando obter o passaporto, com intuito de assim alargar os horizontes de trabalho, estudo, lazer ou mesmo em busca de melhor qualidade de vida. 
Conferimos que o processo imigratório desempenhou papel imprescindível na consolidação do direito fundamental consagrado na visão constitucional, isto é, o da dignidade da pessoa humana. Pois, a substituição da mão de obra escrava pelo colono italiano serviu de base para que o Brasil, mesmo que pressionado pelo governo italiano, repensasse a legislação a respeito de sua política migratória e atendesse princípios básicos internacionais. 
Destarte, neste início de século XXI, o Brasil desponta-se como país em constante construção no que se refere à política imigratória, porém calcado em um processo de amadurecimento. Neste ínterim, conclui-se que tal evolução é devida, entre outras situações, a uma construção jurídica na qual o imigrante italiano foi peça fundamental. A consolidação do Estatuto do Estrangeiro, assim como as previsões constitucionais que consideram o imigrante de hoje como sujeito de direito, deveu-se, sobremaneira, a história dos colonos italianos.
Na esteira desse pensamento, observa-se que o resgate da cidadania perdida e os movimentos pela globalização do trabalho e do estudo conduzem muitos descendentes a requerer, via escritórios de advocacia competentes na área, a dupla cidadania e que neste cenário o operador do direito deve dominar tanto os aspectos jurídicos processuais como também o histórico jurídico como habilidade complementar.
Por fim, verificamos que a pesquisa deverá ser contínua a fim de cercar o operador do direito de aspectos cada vez mais importantes na formação do sentimento de italianidade em especial na região sul do país. Por isso, como dito inicialmente, este trabalho terá sequência ao abordar a influência da igreja na organização jurídica do sistema de Pater família na sociedade colonial, o processo de desconstrução da cidadania italiana dos colonos para imposição da brasileira e a perseguição ditatorial, a qual os imigrantes foram expostos no período do Estado Novo. 
REFERÊNCIAS
 
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PATARRA, Neide Lopes. Migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo: volumes, fluxos, significados e políticas. Revista São Paulo em Perspectiva, 2005.
PATARRA, Neide Lopes. Migrações internacionais: teorias, políticas e movimentos sociais. Revista São Paulo em Perspectiva, 2006.
 
TEDESCO, João Carlos; ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Migrantes ao sul do Brasil. Santa Maria, RS. Ed. UFSM, 2009.
 ZANFRINI, Laura. Convivere con il “differente”: il modello italiano alla prova dell’immigrazione. Rev. Inter. Mob. Hum. Brasília, Ano XX, Nº 38, p. 101-123, jan./jun. 2012.
	
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional: a construção da identidade étnica na região de Santa Maria - RS. Santa Maria: Ed. UFSM, 2006.
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Um olhar antropológico sobre fatos e memórias da imigração italiana. Santa Maria: Ed. UFSM, 2009.

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