Prévia do material em texto
Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências Carlos Augusto Araújo Valadão Professor Adjunto - Anestesiologia Veterinária Depto de Clinica e Cirurgia Veterinária FCAV/UNESP- Jaboticabal valadão@fcav.unesp.br A endotoxemia é a maior causa de mortalidade em eqüinos. As endotoxinas consistem de complexos de lipopolissacarídeos (LPS) e proteínas, oriundos da membrana externa de bactérias Gram-negativas, composta por uma cadeia lateral de polissacarídeos que são relativamente constantes entre enterobacteriáceas, um oligossacarídeo central que confere antigenicidade específica e pelo lipídio A, conhecido como o componente tóxico da molécula de endotoxina (Figura 1). A endotoxina permanece intimamente associada à membrana externa na bactéria viva e é liberada quando ocorre replicação bacteriana rápida, lise ou morte do microrganismo sendo o componente principal do choque séptico/endotóxico. Ocorre a ativação da cascata inflamatória que dependendo da intensidade e duração poderá levar à síndrome de resposta inflamatória sistêmica generalizada que envolve o colapso cardiovascular e falência renal aguda, entre outros sinais. Existem diferenças entre espécies quanto a sensibilidade às endotoxinas e a infusão de doses baixas de endotoxina (0,03-0,10 µg/kg) em cavalos é suficiente para induzir hipertensão pulmonar moderada e a diminuir o fluxo sangüíneo para o tecido intestinal sem induzir hipotensão arterial sistêmica e choque. Figura 1. A proteína ligante (BP) forma um complexo com o LPS (LPS-LBP) na circula- ção e o transporta para o receptor CD14 das células mononucleares. Este receptor trans- mite um sinal da superfície para o interior da célula, mediado através do receptor Toll-like 4 (TLR4). Este sinal ativa o fator nuclear kappa B (NF-κB), que estimula os genes de transcrição das citocinas. Uma pro- teína secretada, a MD-2, encontra-se fisica- mente ligada ao TLR4 e modula a resposta do TLR4 aoLPS aumentando a síntese de As afecções intestinais facilitam a passagem de endotoxinas para a corrente circulatória, exercendo efeitos sistêmicos induzidos pela síntese de mediadores inflamatórios pelas células do hospedeiro, que medeiam eventos fisiopatológicos na Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p.39-45. 39 Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p.39-45. 40 endotoxemia. A endotoxina passa do lúmen intestinal para o líquido peritoneal e, finalmente, são drenados para a circulação sistêmica através do duto torácico. A produção de citocinas por monócitos/macrófagos tem papel importante nas respostas biológicas às endotoxinas. O fator de necrose tumoral (TNF) tem sido implicado como a citocina primária envolvida na seqüência de eventos celulares e microvasculares da resposta inflamatória. Ele medeia efeitos inflamatórios e metabólicos desde a ativação, a aderência ao endotélio e a degranulação de neutrófilos. Induz aumento da expressão de antígenos de superfície das células endoteliais e aumenta a atividade pró-coagulante resultando em microtrombose, extravasamento capilar e necrose hemorrágica em órgãos vitais. As concentrações de TNF-α aumentam a partir de 15 minutos da endotoxemia experimental, alcançando um pico ao redor de uma a duas horas. O TNF-α ativa os macrófagos, células endoteliais e sangüíneas, as quais liberam IL-1 que pode, também, iniciar a liberação autócrina de IL-1 adicional, TNF-α e outras citocinas, resultando em uma amplificação e potenciação evidentes do sinal biológico da inflamação. Os picos de IL-1 geralmente ocorrem aproximadamente 90 minutos após o pico do TNF-α (aproximadamente 3h do início do processo). A IL-1 tem um espectro de atividade amplo e está implicada com as injúrias teciduais durante a sepse. Na endotoxemia ocorre ativação do metabolismo do ácido aracdônico, pela enzima ciclooxigenase, que produz prostaglandinas I2 e F2α, tromboxano A2, e lipooxigenase que induz leucotrienos B4, C4, D4 e E4, além do PAF (fator ativador de plaquetas) e de proteases. As células endoteliais ativam a expressão de integrinas (glicoproteínas) na superfície de neutrófilos, que levam à aderência de neutrófilos no endotélio vascular. Uma vez ligados, os neutrófilos marginados são ativados pela exposição a mediadores inflamatórios (TNF-α e LB4). Os neutrófilos marginados ativados lesionam os vasos tornando-os permeáveis pela descarga de seus grânulos e espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio tóxicas para o endotélio adjacente e membranas basais. Sob a influência de fatores estimuladores de colônicas (CSF) e outros mediadores (neutropoietina) há liberação e produção de neutrófilos a partir da medula óssea. Assim, na endotoxemia, inicialmente ocorre leucopenia conseqüente a uma neutropenia seguida por leucocitose neutrofílica com desvio à esquerda do tipo regenerativo. Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p.39-45. 41 Tabela 1 - Mediadores envolvidos na sepse e/ou endotoxemia. Mediador Fonte Vasodilatação (+) Extravasamento vascular Vasoconstrição(-) Quimiotaxia Aderência Leucócitos Outros efeitos Complemento C3a Ptn Plasmática (fígado) + - - Opsonização Complemento C5a Macrófagos + + + Bradicinina Plasma (+) + - - Dor Histamina Mastócitos, plaquetas. (+) + - - Dor Serotonina Mastócitos, plaquetas. (+) (-) + - - Prostaglandinas (PGE2 & PGI2) Leucócitos, endo e epitelio, fibroblastos. (+) (-) + - - Dor, febre Tromboxano Plaquetas (-) Agregação plaquetas Leucotrieno B4 Leucócitos - + + Leucotrieno C4, D4, E4 Leucócitos (+) + - - Broncoconstrição Metabólitos do Oxigênio Leucócitos (+) + + + Lesão tecidual e endotelial Fator Ativador de Plaquetas Leucócitos (+) + + + Broncoconstrição Interleucina-1 Macrófagos - + + Reação de fase aguda TNF-α Macrófagos (+) - + + Reação de fase aguda Chemocinas Leucócitos - + + Endotelina-1 Endotélio (-) Broncoconstrição Motilidade intestinal Óxido Nítrico Macrófagos, Endotélio. (-) + + + Citotoxicidade 1 - Sinais Clínicos e Meios de Diagnóstico da Endotoxemia. 1.1 - Exame Físico A - Fase hiperdinâmica (inicial) • Anorexia • Bocejo • Depressão • Sudorese • Cólica moderada • Fasciculação muscular • Decúbito • Taquicardia • Taquipnéia • Febre • Hiperemia de membranas mucosa • Diminuição de borborigmos intestinal • Tempo de preenchimento capilar diminuído B - Fase hipodinâmica (tardia) • Taquicardia • Taquipnéia • Membranas mucosas acinzentadas ou cor vermelho tijolo • Halo tóxico gengival • Tempo de preenchimento capilar aumentado • Pulso arterial fraco • Hipotermia • Preenchimento venoso diminuído • Esclera avermelhada 1.2 - Resposta hematológica o Leucopenia inicial o Neutropenia o Desvio à esquerda Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais,2005. p.39-45. 42 o Leucocitose tardia o Neutrofilia 1.3 - Avaliação hemogasométrica o Hipoxemia arterial inicial o Taquipnea com hipocapnia o Acidose metabólica tardia 1.4 - Endotoxina ou mediador inflamatório presente no Soro o Lipopolisacarídeo (endotoxina) o Tumor necrosis factor-α o Interleucina-1 o Interleucina-6 As freqüências cardíaca e respiratória aumentam rapidamente nas primeiras 4 a 6 horas após a injeção de LPS e podem apresentar um pico ao redor de 50% acima dos valores normais antes de começarem a declinar. Até a primeira hora, as membranas mucosas visíveis estão pálidas e o pulso periférico é forte (fase de vasoconstrição periférica). Na fase hipotensiva da endotoxemia (inicia-se 1 hora após a injeção subletal de LPS), as membranas mucosas tornam-se progressivamente mais congestas, o tempo de preenchimento capilar está prolongado e uma linha escura pode tornar-se aparente ao redor das margens gengivais dos dentes. Evidências clínicas de desidratação e sinais de insuficiência circulatória como também os sinais de depressão e mal-estar persistem por várias horas após a injeção de LPS, enquanto a temperatura retal pode permanecer elevada por mais de 18 horas. Os sinais de falha circulatória e transtornos hemostáticos dominam o quadro clínico em animais ambulatoriais ou experimentais com endotoxemia severa. Geralmente estes animais apresentam-se letárgicos e totalmente anoréxicos. À medida que o fluxo sangüíneo torna-se mais comprometido, a temperatura corpórea decresce de valores normais a subnormais. Além das membranas mucosas congestas, escuras. Outros sinais incluem pulsos periféricos fracos e rápidos, extremidades frias, sudorese e ocasionalmente fasciculações musculares e decúbito. Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p.39-45. 43 Um sinal de prognóstico ruim é o desenvolvimento de hipercoagulabilidade, durante a qual a venopunção ou a colocação rotineira de cateter pode resultar em trombose ao longo das veias jugulares ou outras veias superficiais. Se os animais, moderada a gravemente, afetados sobrevivem por mais de 24 horas, geralmente observa-se edema visível do abdome ventral e dos membros pélvicos. Os sinais de laminite tornam-se evidentes nesta fase e podem progredir em gravidade mesmo quando os sinais sistêmicos da endotoxemia arrefeceram. Os modelos experimentais para endotoxemia através da infusão intraperitoneal de LPS parecem estar relacionados mais intimamente com a endotoxemia clínica, nos quadros de cólica. Dentre as respostas, a liberação de mediadores inflamatórios como o TNF-α, aliado a outros, a partir da sede da lesão tecidual participa diretamente no desenvolvimento do choque endotoxêmico passando inicialmente pela cavidade peritoneal. Assim, o objetivo primário para o tratamento deve ser a manutenção da homeoestase, definindo precocemente estratégias para a descompressão gastrintestinal; restauração da volemia, baseado no grau de desidratação; combate à dor; tratamento emergencial com antiinflamatórios e antibióticos adequados ao casso e eliminação por meios clínico-cirúrgicos do agente causal. A prevenção da passagem transmural de endotoxinas, a sua neutralização antes que esta interaja com as células inflamatórias, a prevenção da ativação celular, evitando a síntese, a liberação e a ação de mediadores inflamatórios sempre será oportuna, pois evitará danos teciduais maiores facilitando, sobremaneira, a recuperação do paciente. Portanto, torna-se necessário o reconhecimento rápido de animais clinicamente endotoxêmicos ou em alto risco de desenvolver um quadro de endotoxemia para se obter sucesso no tratamento e reduzir a taxa de mortalidade. 2 - Orientações para o tratamento da Sepsis e/ou Endotoxemia. 2.1 - Controle da causa primária ? Administrar laxativos ou emolientes ? Óleo mineral ? Carvão ativado ? Bio-esponja (adsorvente de endotoxina) ? Ressecção cirúrgica do intestino comprometido Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p.39-45. 44 ? Ressecção ou drenagem (umbigo, pleura, peritônio) ? Antibioticoterapia 2.2 - Terapia médica de suporte ? Fluidoterapia intravenosa ? Cristalóides ? Colóides ? Restaurar o equilíbrio ácido-base e eletrolítico ? Antibióticos de amplo espectro ? Reposição de plasma 2.3 - Neutralização das endotoxinas circulantes ? Soro ou plasma hiperimune ? Polimixina B ? Emulsão de fosfolípios 2.4 - Inibição da síntese de mediadores inflamatórios ? AINEs ? Pentoxifilina ? DMSO ? Corticosteróides? 2.5 - Modular a ativação celular ? Lipopolissacarídeos ou lípidios A atóxicos Endotoxemia no abdome agudo eqüino: causas e conseqüências – Carlos Augusto Araújo Valadão Anais do II Simpósio Internacional do Cavalo Atleta - IV Semana do Cavalo Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p.39-45. 45 Quimiotaxia 1.1 - Exame Físico 1.2 - Resposta hematológica 1.3 - Avaliação hemogasométrica 1.4 - Endotoxina ou mediador inflamatório presente no Soro 2.1 - Controle da causa primária 2.4 - Inibição da síntese de mediadores inflamatórios 2.5 - Modular a ativação celular