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D
Expansão da Cristandade 
Ocidental: 
As Cruzadas 3
1. OBJETIVOS
•	 Compreender	e	demonstrar	a	origem	das	cruzadas	e	seu	
caráter	de	"guerra	santa”.
•	 Conhecer	e	caracterizar	a	organização	militar	das	cruza-
das.	
•	 Identificar	a	influência	da	Igreja	papal	na	organização	das	
cruzadas.
2. CONTEÚDOS
•	 Abordagens	historiográficas	sobre	as	cruzadas.
•	 A Ideologia	da	guerra	santa	e	a	origem	das	cruzadas.
•	 A Primeira	Cruzada	e	suas	conquistas.	
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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	 iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	 importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
1)	 Para	aprofundar	seus	estudos	sobre	as	análises	do	histo-
riador	Carl	Erdmann,	veja:	
•	 ERDMANN,	Carl.	The Origin of the Idea of Crusade.	
Oxford:	Oxford	University	Press,	1977.
2)	 A	 reconquista	 foi	um	empreendimento	cristão	do	 final	
do	século	10	que	tinha	por	objetivo	retomar	os	territó-
rios	hispânicos	que	estavam	sob	o	controle	muçulmano	
desde	a	Alta	Idade	Média.	Para	conhecer	um	pouco	mais	
sobre	esse	movimento,	leia:	
•	 VALVERDE,	M.	C.	Terra	da	Fronteira:	a	Espanha	do	sé-
culo	XII	ao	XIII.	In:	MONGELLI,	L.	(Coord.).	Mudanças 
e rumos. O	Ocidente	medieval	 do	 século	 XI	 ao	 XIII.	
Cotia:	Editora	Íbis,	1997,	p.	149-183.
3)	 Para	aprofundar	seus	estudos	sobre	Delaruelle,	consul-
te	 a	 obra:	DELARUELLE,	 Étienne.	 L’idée de croisade au 
Moyên Âge.	Torino:	Bottega	d’Erasmo,	1980.	
4)	 Algumas	informações	preliminares	importantes:	
•	 No	 século	 11,	 Santiago	 de	 Compostela	 e	 Jerusalém	
foram	importantes	locais	de	peregrinação.	Essas	duas	
cidades	eram	celebradas	como	destino	para	peregri-
nos	e	desempenharam	papel	central	nas	lutas	de	"re-
conquista"	dos	territórios	ocupados	pelos	árabes.
•	 O	encontro	entre	Oriente	e	Ocidente	é	de	suma	im-
portância	para	o	entendimento	do	“nascimento”	da	
ciência,	 que	 aconteceria	 alguns	 séculos	 depois,	 na	
Europa.
5)	 Como	suplemento	a	nossos	estudos,	sugerimos	a	seguir	
três	produções	cinematográficas	cujas	 temáticas	se	re-
lacionam	aos	assuntos	analisados	nesta	unidade.	 Lem-
bre-se	de	que	assistir	a	filmes	pode	ser	uma	experiência	
muito	enriquecedora,	desde	que	se	mantenha	sempre	
93© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
o	olhar	 crítico.	A	postura	 crítica	deve	acompanhar	um	
pesquisador	durante	toda	a	sua	vida	acadêmica	e	pro-
fissional.	
•	 El Cid.	 Estados	 Unidos,	 1961.	 Direção:	 Anthony	
Mann.
•	 O senhor da guerra	(The War Lord).	Estados	Unidos,	
1965.	Direção:	Franklin	J.	Schaffner.
•	 Cruzada (Kingdom of Heaven).	Estados	Unidos,	2005.	
Direção:	Ridley	Scott.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O	tema	das	cruzadas	desperta	grande	interesse	nas	pessoas	
dentro	e	 fora	das	universidades.	Normalmente,	esse	 interesse	é	
suscitado	pela	“romantização”	da	atividade	guerreira	e	da	figura	
do	cavaleiro	medieval.
Nesta	unidade,	não	pretendemos	abordar	o	tema	da	guer-
ra	tomando-a	como	um	espetáculo	medieval,	ritualizado	e	cheio	
de	simbolismos.	Ao	contrário:	nossa	intenção	é	aproximar	você	de	
uma	problemática	pertinente	ao	período:	o papel da guerra no 
sistema feudal.	
Pretendemos	 analisar	 o	 processo	 de	 “externalização”	 da	
guerra,	 considerado	por	Alain	Guerreau	 como	um	momento	 ca-
pital	para	a	hegemonia	da	instituição	cristã	no	Ocidente.	Isso	por-
que,	ao	adentrar	o	universo	administrativo	dos	conflitos,	reconhe-
cendo-os	como	justos	e	necessários,	a	Igreja	passa	a	dividir	com	os	
poderes	laicos	a	influência	sobre	a	legitimação	da	guerra.
Dando	continuidade	ao	estudo	da	formação	da	cristandade	
Ocidental,	acompanharemos	seu	processo	de	expansão.	Tal	pro-
cesso	ocorreu	por	meio	da	interferência	eclesiástica	nos	assuntos	
bélicos,	bem	como	das	conquistas	territoriais	e	comerciais	advin-
das	dessa	empreitada	em	busca	dos	 lugares	considerados	sagra-
dos	para	o	cristianismo.	
Está	pronto	para	começar?	Vamos	lá!
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5. ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS SOBRE AS CRU-
ZADAS
Para	Jean Flori,	o	tema	das	cruzadas	é	muito	rico,	especial-
mente	devido	à	grande	diversidade	de	abordagens	que	acompa-
nha	suas	pesquisas.	
Há	perspectivas	que	encararam	as	cruzadas	como	um	pro-
cesso	 providencial	 de	 difusão	 do	 cristianismo	 europeu.	 Outras	
centraram-se	no	caráter	material	das	cruzadas,	vislumbrando	ne-
las	apenas	a	expansão	de	rotas	comerciais	para	o	Oriente.	Há	tam-
bém	pesquisas	que	buscam	situar	em	um	contexto	mais	amplo	os	
conflitos	que	ocorreram	no	século	11,	concebendo-os	como	movi-
mentos	“protocruzadísticos”	(trata-se	de	movimentos	que	antece-
deram	e	prepararam	as	cruzadas).	
Qual	dessas	abordagens	seria	a	mais	adequada?
Para	conhecermos	a	resposta,	retomamos	o	estudo	de	Flori	
(2001,	p.	21)	sobre	a	historiografia	das	cruzadas.	Flori	destaca	qua-
tro	autores	que	despontaram	ao	longo	do	século	20,	cujos	pontos	
de	vistas	sobre	a	origem,	as	causas	e	as	consequências	das	cruza-
das	ele	considera	relevantes.	Vamos	analisar	as	ideias	de	cada	um	
deles.
Carl Erdmann
Em	1935,	foi	 lançada	a	célebre	obra	do	historiador	alemão	
Carl	Erdmann,	Die Enstehung des Kreuzzugsgedanken	(a	edição	em	
inglês,	de	1977,	foi	intitulada	The Origin of the Idea of Crusade).	
Erdmann	teve	grande	influência	sobre	a	historiografia,	e	seu	
livro	permanece	ainda	hoje	como	uma	obra	fundamental	sobre	o	
tema	das	cruzadas.	Para	esse	autor,	as	cruzadas	(que	ele	também	
nomeava,	sem	fazer	distinção	entre	os	termos,	de	"guerra	santa")	
fariam	parte	de	um	movimento	muito	mais	vasto.	
95© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
Segundo	ele,	esse	movimento	englobava	outros	conflitos	im-
buídos	da	mesma	ideologia	de	“guerra	santa”,	como	as	expedições	
de	reconquista (final	do	século	10)	nos	territórios	hispânicos.	
De	acordo	com	Flori	(2001),	Erdmann	atribuía	ao	papado	re-
formador	da	segunda	metade	do	século	11	a	sacralização	da	guer-
ra	conduzida	pela	fé.	Do	mesmo	modo,	o	papado	seria	responsável	
pela	recorrência	desse	processo	sacralizador,	não	só	em	territórios	
hispânicos,	mas	 também	na	 Itália	e	na	Sicília,	entre	outros	 luga-
res.
Para	esse	autor,	o	grande	senão	da	obra	de	Erdmann	reside	
em	seu	descaso	com	o	papel	de	Jerusalém	entre	os	motivos	que	
levaram	às	cruzadas.	Erdmann	considerava	a	cruzada	como	uma	
expedição	guerreira	que	primava	pela	 segurança	dos	peregrinos	
que	se	dirigiram	ao	império	e	às	igrejas	do	Oriente.	Aos	seus	olhos,	
Jerusalém	era	apenas	o	destino	final	de	uma	peregrinação	e	sua	
retomada	não	representava	o	objetivo	final	das	expedições.	
Étienne Delaruelle
Contrariamente	a	Erdmann,	o	especialista	em	Direito	Canô-
nico	Étienne	Delaruelle	não	acreditava	que	houvesse	ocorrido	uma	
mudança	de	postura	da	Igreja	Reformadora	em	relação	ao	tema	da	
guerra	e	dos	guerreiros.	Para	esse	autor,	os	papas	dos	séculos	8	
e	9	 já	 tinham	posturas	positivas	em	relação	ao	uso	das	armas	e	
já	 teriam	sacralizado	os	guerreiros	que	combatiam	em	nome	da	
Igreja.
Assim,	o	século	11	teria	dado	continuidade	à	noção	de	guer-
ra	santa,	sendo	esta	bem	anterior	à	reforma	gregoriana.	
Para	Delaruelle,	a	 inovação	presente	no	evento	da	cruzada	
não	se	situaria	no	tipo	de	guerra	que	ela	professava,	mas	na	proe-
minência	da	figura	de	Urbano	II	e	no	que	ele	construiu	sob	a	mís-
tica	da	cruz.	
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Como	primeiro	crítico	de	Erdmann,	Delaruelle	fixou	o	estudo	
das	cruzadas	no	desenvolvimento	do	Direito	Canônico,	abordagem	
que	seu	par	não	privilegiou.
H. E. Cowdrey
Outra	forma	de	crítica,	que,	segundo	as	palavras	de	Flori,	era	
"sólida	e	equilibrada",	veio	dos	trabalhos	de	H. E. J. Cowdrey.	
Em	vários	artigos	publicados	entre	1966	e	1970,	Cowdrey,	
assim	 como	 Erdmann,	 sublinhou	 o	 papel	 importante	 dos	 papas	
gregorianos	na	sacralizaçãoda	guerra	conduzida	pela	Igreja	e	a	in-
fluência	da	Paz	de	Deus	na	preparação	para	o	conflito.	
No	entanto,	esses	autores	divergiam	no	que	diz	 respeito	à	
centralidade	do	papel	de	Jerusalém	na	motivação	do	conflito.	Para	
Cowdrey,	tanto	no	pensamento	do	papa	quanto	no	dos	cruzados,	
Jerusalém	destacava-se	entre	as	motivações	da	cruzada.	Segundo	
Flori	(2001,	p.	23):
Esta	demonstração	da	importância	primordial	de	Jerusalém	na	ori-
gem	da	Cruzada	não	impediu	Cowdrey	de	sublinhar	o	papel	impor-
tante	e	anunciador	da	sacralização	da	guerra.	Guerra	santa	vislum-
brada	em	certa	medida	já	por	Gregório	VII.	Foi	a	preponderância	
do	tema	de	Jerusalém	que	conduziu	vários	outros	historiadores	a	
deixar	a	tese	de	Erdmann.	
Riley-Smith
Já	Riley-Smith,	em	sua	obra	The First Crusade and the Idea of 
Crusading,	atenuou	a	dimensão	de	guerra	santa	da	Primeira	Cruza-
da,	destacando,	em	contrapartida,	as	suas	motivações materiais.
Para	Flori,	Smith	deu	muita	atenção	às	recompensas	ligadas	
à	guerra	e	aos	privilégios	materiais	e	espirituais	prometidos	aos	
cruzados.	
Na	abordagem	de	Riley-Smith,	o	tema	da	guerra	santa,	que	
até	então	associava	à	cruzada	os	movimentos	de	Paz	de	Deus	e	da	
Reconquista,	passava	a	ser	isolado	da	interpretação.	A	cruzada	era	
97© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
encarada	como	uma	peregrinação	armada	conduzida	pela	Igreja,	
mas	indiferente	às	 influências	dos	movimentos	de	cunho	religio-
so.
Ao	contrário	dessa	perspectiva,	Flori	(2001)	sublinha	as	liga-
ções	estreitas	que	uniam	a	cruzada	ao	ideal	de	guerra	santa,	reto-
mando	em	vários	pontos	as	conclusões	de	Cowdrey.	
Segundo	Flori	(2001,	p.	26),	é	importante	insistir	sobre	o	sen-
tido	 fundamental,	 embora	 limitado,	 da	 sacralização	da	 cavalaria	
conduzida	pela	Igreja	no	decurso	dos	séculos	11	e	12.	Além	disso,	
ele	considera	que	é	preciso	dimensionar	a	imagem	do	Islã	popula-
rizada	pela	mentalidade	cavaleiresca	e,	consequentemente,	a	in-
fluência	dessa	imagem	sobre	a	ideia	de	guerra	santa	e	de	cruzada.	
Vejamos	o	que	diz	esse	autor:
Todos	os	historiadores	concordam	que	a	Igreja,	durante	a	reforma	
gregoriana,	não	era	nem	pacifista	nem	indiferente	à	sacralização	da	
guerra.	Mas	na	falta	de	uma	ruptura,	a	reforma	gregoriana	ao	me-
nos	provocou	uma	aceleração,	uma	intensificação	e	uma	mudança	
na	natureza	da	atitude	da	Igreja	com	a	guerra.	
6. A IDEOLOGIA DA GUERRA SANTA E A ORIGEM DAS 
CRUZADAS 
Embora	o	termo	cruzada	tenha	sido	incorporado	pela	histo-
riografia	como	conceito	referente	aos	eventos	que	ocorreram	no	
final	do	século	11	e	durante	os	séculos	12	e	13,	a	palavra	só	apa-
receu	de	fato	após	1250,	designando	as	expedições	dos	“soldados	
de	Cristo”	a	Jerusalém.	
Como	afirma	Balard	(2002),	durante	os	séculos	11	e	12,	tais	
eventos	eram	designados	como	“viagem”,	“peregrinação”	ou	“ex-
pedição"	 a	 Jerusalém.	 Não	 havia	 um	 termo	 que	 contemplasse,	
com	precisão,	a	especificidade	daquelas	jornadas.	
Segundo	Paul	Rousset	(1990),	a	origem	e	a	causa	das	cruza-
das	dialogaram	com	vários	elementos.	Entre	eles	estavam	espe-
cialmente	a	ideia	de	guerra	justa	e	pia,	a	noção	de	peregrinação,	a	
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luta	contra	a	expansão	do	Islã	e,	finalmente,	a	influência	crescente	
do	papado	na	configuração	da	ideia	de	cristandade.
Dentre	esses	elementos,	algumas	noções	não	podem	esca-
par	à	nossa	percepção.	Particularmente	a	transformação	da	noção	
de	guerra	justa	e	pia	em	guerra	santa,	durante	o	século	11.
De	 acordo	 com	 Rousset,	 a	 concepção	 de	 “guerra	 justa”	
(Bellum Iustam)	nasceu	na	Antiguidade	romana	(à	época	de	Cons-
tantino)	e	tinha	como	premissa	a	ideia	da	vitória	como	manifesta-
ção	da	eleição	dos	deuses.	
A	guerra	justa	realizava-se	dentro	da	lei	romana	e	o	seu	re-
sultado	seria	o	puro	reflexo	da	vontade	divina.	Naquela	sociedade,	
a	guerra	era	tida	como	uma	maneira	 indispensável	de	garantir	o	
ordenamento	e	o	reordenamento	social.
Ao	longo	do	século	11,	com	os	movimentos	de	paz	e	a	refor-
ma	eclesiástica,	a	Igreja	passou	a	reivindicar	a	definição	do	campo	
da	guerra.	
A	 guerra	 tornou-se	 um	elemento	 de	 coesão	 entre	 os	 cris-
tãos.	Ela	se	apresentava	de	acordo	com	a	lei	de	Deus,	para	defen-
der	a	 vontade	Dele.	Nesse	processo	de	 reivindicação	do	 caráter	
sacramental	da	guerra,	a	Igreja	tinha	um	papel	fundamental:	Deus	
delegara	 a	 ela	 a	possibilidade	de	 reconhecer	 a	 legitimidade	dos	
conflitos	e	de	assegurar	a	Pax Dei (Paz	de	Deus).	
Assim,	a	guerra,	para	 ser	 legítima,	 	deveria	 ser	 sacralizada	
–	reconhecida,	assim,	como	a	defesa	clara	da	providência	divina	
anunciada	pela	Igreja.	
A	guerra	santa,	em	sua	condição	de	defensora	da	verdade	
cristã	revelada,	deixava	para	trás	a	incerteza	que	pairava	sobre	a	
vitória.	Já	que	não	existia	mais	a	ideia	da	disputa	entre	as	vontades	
dos	vários	deuses,	como	ocorrera	na	Antiguidade	greco-romana,	
o	conhecimento	da	vontade	divina	era	certo	e	justo:	todo	cristão	
que	defendesse	o	cristianismo	em	meio	aos	conflitos	seria	sempre	
vitorioso.	
99© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
Foi	nessa	perspectiva	que	a	Reconquista	e	os	concílios	de	paz	
do	final	do	século	10	cristalizaram	a	ideia	de	uma	guerra	em	nome	
de	Deus.	A	noção	de	peregrinação	em	armas	passava	a	fundamen-
tar	os	referenciais	 ideológicos	da	organização	e	da	multiplicação	
dos	conflitos	contra	os	não	cristãos.	
O	conceito	de	peregrinação	estava	amplamente	ancorado	na	
ideia	de	sofrimento	físico	durante	a	viagem,	em	busca	de	um	esta-
do	de	graça	em	território	sagrado.
A	peregrinação	aos	lugares	santos	do	cristianismo	era	uma	
prática	recorrente	na	Idade	Média	e	foi	bastante	valorizada	ao	lon-
go	do	século	11,	principalmente	por	ser	encarada	como	uma	for-
ma	de	penitência	e	exercício	individual	de	purificação.
O	objetivo	principal	das	peregrinações	do	século	11	era	al-
cançar	 Jerusalém,	 lugar	 eminentemente	 santo.	 A	 rota	 difícil	 e	
cheia	de	perigos	até	Jerusalém	representava	uma	forma	de	se	unir	
a	Cristo	no	sofrimento.	
A	ameaça	a	essa	prática	colaborou	para	o	início	do	conflito	
com	os	muçulmanos.	 Em	especial,	 o	 ataque	aos	peregrinos	que	
eram	conduzidos	pelo	abade	Géraud	Saint-Florent	de	Saumur,	en-
tre	1064	e	1065,	fez	com	que	surgissem	reivindicações,	tanto	de	
laicos	quanto	do	próprio	papado.	Esses	protestos	consubstancia-
ram	a	ideia	de	uma	guerra	a	favor	do	direito	cristão	de	conhecer	e	
visitar	seus	lugares	santos.
Embora	seja	o	papa	Urbano	II	o	responsável	pela	convocação	
da	primeira	cruzada,	no	Concílio	de	Clermont,	de	1095,	a	ideia	de	
estabelecer	conflitos	a	favor	dos	cristãos	já	aparecera	no	papado	
de	Alexandre	II	e	de	Gregório	VII.	E	quais	teriam	sido	as	intenções	
de	Urbano	II	com	a	convocação	da	cruzada?
O	principal	objetivo	de	Urbano	II	era	promover	uma	peregri-
nação	em	armas	que	libertasse	os	cristãos	oprimidos	do	Oriente.	
Diante	de	um	contexto	em	que	os	turcos	se	expandiam	em	
territórios	orientais,	o	auxílio	aos	cristãos	do	Oriente	apresentava-
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
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se	como	uma	forma	de	efetivar	o	discurso	reformador	cristão	da	
libertas ecclesia.	
Além	disso,	as	cruzadas	garantiam	aos	peregrinos	rotas	se-
guras	para	o	exercício	de	sua	penitência	e	também	evitavam	a	pro-
liferação	dos	conflitos	internos	ao	Ocidente,	com	a	criação	de	um	
inimigo	externo	à	cristandade.
Temos	na	Figura	1	a	ilustração	do	papa	Urbano	II	chegando	à	
França,	para	pregar	a	cruzada.	
Figura	1	Papa Urbano II chegando à França.	Miniatura	do	Roman de Godofredo de Bouillon,	
século	14,	Bibliothèque	Nationale	de	Paris.	
Leia	a	seguir	as	palavras	do	papa	Urbano	II	(apud	Chartres,	
2000,	p.	83),	conclamando	o	povo	à	cruzada:
Considerando	as	exigências	do	tempo	presente,	eu,	Urbano,	tendo,	
pela	misericórdia	de	Deus	a	tiara	pontifical,	pontífice	de	toda	a	ter-
ra,venho	até	vós,	servidores	de	Deus,	como	mensageiro	para	des-
vendar-vos	o	mandato	divino	[...]	é	urgente	levar	com	diligência	aos	
nossos	 irmãos	do	Oriente	a	ajuda	prometida	e	tão	necessária	no	
momento	presente.	Os	turcos	e	os	árabes	atacaram	e	avançaram	
pelo	território	da	România	até	a	parte	do	Mediterrâneo	chamada	
o	Braço	de	São	Jorge,	e	penetram	mais	a	cada	dia	nos	países	dos	
cristãos;	eles	os	venceram	sete	vezes	em	batalha,	matando	e	fazen-
do	grande	número	de	cativos,	destruindo	as	igrejas	e	devastando	
101© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
o	reino.	Se	vós	deixardes	isto	sem	resistência,	estenderão	os	seus	
exércitos	ainda	mais	sobre	os	fiéis	servidores	de	Deus.	Por	isso	eu	
vos	apregôo	e	exorto,	tanto	aos	pobres	como	aos	ricos	–	e	não	eu,	
mas	o	Senhor	vos	apregoa	e	exorta	–	que	como	arautos	de	Cristo	
vos	apresseis	a	expulsar	esta	vil	ralé	das	regiões	habitadas	por	nos-
sos	irmãos,	levando	uma	ajuda	oportuna	aos	adoradores	de	Cristo.	
Eu	falo	aos	que	estão	aqui	presentes	e	o	proclamo	aos	ausentes,	
mas	é	Cristo	quem	convoca.	
7. A PRIMEIRA CRUZADA E SUAS CONQUISTAS 
Inicialmente,	estejamos	atentos	para	um	fato	que	será	de-
terminante	para	a	boa	compreensão	deste	tópico:	a	denominação	
"Primeira	Cruzada"	não	se	limita	a	um	evento	isolado.	Na	verdade,	
compreende	diversos	eventos	que,	juntos,	marcaram	essa	primei-
ra	empreitada	militar	apoiada	pelo	papado.	
Dado	isso,	prossigamos.	O	apelo	feito	por	Urbano	II	em	Cler-
mont,	na	França,	teve	repercussão	considerável.	Tanto	que,	apesar	
da	convocação	se	dirigir	aos	homens	de	guerra,	um	grupo	de	não	
combatentes	e	peregrinos	integrou	o	projeto.	
Cruzada Popular
Urbano	II	fez	de	tudo	para	impedir	que	homens	que	não	eram	
guerreiros	se	interessassem	por	seu	chamado.	Assim,	sua	carta	en-
dereçada	ao	povo	da	Bolonha	desconsiderava	a	possibilidade	de	
participação	na	peregrinação	armada	de	pessoas	idosas,	pessoas	
inaptas	para	o	combate,	mulheres,	clérigos	que	não	tivessem	per-
missão	de	seus	superiores	e	laicos		sem	a	benção	clerical.
Apesar	disso,	em	1096,	sob	o	comando	de	Pedro	Eremita	(Fi-
gura	2),	um	número	considerável	de	homens	e	mulheres	(aproxi-
madamente	150.000)	o	seguiu	pelos	caminhos	da	Europa	central,	
na	cruzada	que	ficou	conhecida	como	Cruzada Popular.	
Sem	armas	adequadas	e	sem	o	hábito	da	guerra,	o	grupo	foi	
massacrado	pelo	exército	 turco	no	 final	de	setembro	do	mesmo	
ano.	
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
102
Figura	2	Pedro Eremita orando no Santo Sepulcro.	Miniatura	da	Histoire	d’Outremer	de	
Guillaume	de	Tyr, século	13,	Bibliothèque	Nationale	de	Paris.	
Com	base	no	que	estudamos	até	aqui,	podemos	nos	pergun-
tar:	quais	eram	as	características	que	definiam	uma	guerra	ou	pe-
regrinação	como	uma	“cruzada”?
Rousset,	Flori	e	Balard	defendem	que	só	pode	ser	considera-
da	como	“cruzada”	a	guerra	ou	expedição	militar	que	tenha	aten-
dido	aos	seguintes	requisitos:	
1)	 ter	sido	convocada	ou	legitimada	pelo	papado;
2)	 haver	tido	claramente	como	objetivo	a	liberação	dos	lu-
gares	considerados	santos	pelo	cristianismo	em	Jerusa-
lém;
3)	 ter	oferecido	a	indulgência	como	contrapartida	à	partici-
pação	de	seus	convocados;	
4)	 haver	ostentado	a	cruz	como	seu	símbolo	maior.	
Primeira cruzada em armas sacramentada pelo papa
No	mesmo	momento	em	que	o	grupo	liderado	por	Pedro	Ere-
mita	reunia	mais	forças	populares	em	Constantinopla,	as	primeiras	
tropas	de	cruzados	colocaram-se	a	caminho	da	capital	Bizantina.	
103© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
Nesse	caso,	profissionais	combatentes	convocados	e	liderados	por	
seus	senhores	receberam	o	estandarte	de	São	Pedro,	em	Roma,	e	
dirigiram-se	à	libertação	de	Jerusalém.
Essa	cruzada	foi	considerada	a	primeira	expedição	em	armas	
convocada	e	sacramentada	pelo	papado.	
Conhecida	como	Cruzada dos Barões,	ela	teve	início	em	ou-
tubro	de	1096.	Hugo,	conde	de	Vermandois,	 irmão	caçula	do	rei	
Filipe	I	da	França,	dirigiu-se	à	Itália	para	se	juntar	aos	barões	Gui-
lherme	le	Charpentier	e	Drogon	de	Nesle.	
Além	deles,	Godofredo	de	Bouillon,	senhor	de	Bouillon	e	du-
que	da	Baixa	Lorena,	deixou	sua	região	com	uma	armada	de	aproxi-
madamente	10.000	homens	em	direção	a	Jerusalém.	Raimundo	de	
Saint-Guilles,	conde	de	Toulouse,	Roberto,	duque	da	Normandia,	e	
Estevão,	conde	de	Blois,	juntaram-se	às	outras	armadas	em	Cons-
tantinopla	 (1097).	 Conquistaram	Niceia	 (junho	 1097),	 Antióquia	
(1098)	e	finalmente	dominaram	Jerusalém,	em	julho	de	1099.
Observe	as	Figuras	3	e	4,	que	retratam	essa	cruzada.	
Figura	3	Godofredo de Bouillon conduzindo seus homens à cruzada. 
© História Medieval II
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104
Figura	 4	 Assalto dos cruzados a Jerusalém. Miniatura	 de	 Sebastien	 Mamerot,	 1490,	
Bibliothèque	Nationale	de	Paris.	
Apesar	das	dificuldades	e	entraves	em	mais	de	três	anos	de	
peregrinação	armada,	os	cruzados	alcançaram	êxito	em	sua	em-
preitada,	assegurando	a	posse	da	Palestina	aos	 cristãos.	A	Terra	
Santa	tornara-se	cristã.	O	novo	problema	que	se	apresentava	era	o	
modo	de	conservá-la	e	governá-la.
Resultados e consequências das cruzadas
Com	a	conquista	de	Jerusalém,	o	primeiro	passo	dos	coman-
dantes	cruzados	foi	criar	os	estados	francos	do	Oriente.	
Como	resultado	dessa	Primeira	Cruzada,	surgiram	quatro	es-
tados:	
1)	 Principado	de	Antióquia,	que	permaneceu	sob	controle	
cristão	até	1268.	
2)	 Condado	de	Edessa,	que	 ficou	sob	domínio	cristão	até	
1144.
105© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
3)	 Condado	de	Toulouse,	que	sobreviveu	até	1289.
4)	 Reino	de	Jerusalém,	que	esteve	integralmente	sob	o	go-
verno	cristão	até	1244,	e	manteve-se	até	1291	sob	a	for-
ma	de	um	pequeno	reino	chamado	São	João	D’Acre.	
Com	a	ocorrência	de	mais	oito	cruzadas,	os	cristãos	passa-
ram	a	dominar	economicamente	o	Mediterrâneo,	impulsionando	
as	trocas	entre	o	Oriente	e	o	Ocidente.	Esse	desenvolvimento	será	
analisado	na	próxima	unidade	de	estudo.	
Além	disso,	a	expansão	marítima	garantiu	às	cidades	italia-
nas	de	Veneza e Gênova	o	controle	sobre	rotas	comerciais	e	sobre	
os	transportes.	
Culturalmente,	o	contato	entre	Ocidente	e	Oriente	permitiu	
à	Igreja	latina	se	estabelecer	em	terreno	oriental,	especialmente	a	
partir	da	ação	evangelizadora	das	ordens	militares	(no	século	12)	e	
dos	mendicantes	(no	século	13).	
Frutos	 preciosos	 nasceram	 desse	 contato	 entre	 Oriente	 e	
Ocidente:	por	exemplo,	o	movimento	de	traduções	dos	textos	ára-
bes	de	Medicina,	de	Filosofia,	bem	como	das	obras	de	Aristóteles.	
Isso	permitiu,	já	no	século	12,	o	contato	mais	integral	do	Ocidente	
com	a	herança	escrita	oriunda	da	Grécia	antiga.
	Outra	conquista	das	cruzadas	foi	a	valorização	dos	servido-
res	das	armas.	Se	antes	eles	eram	os	representantes	de	um	mal,	
encarados	como	homicidas	e	saqueadores,	a	partir	das	cruzadas	
os	cavaleiros	passaram	a	servir	também	em	nome	de	Cristo.	
Flori	(2005,	p.	136)	mostra	que	Urbano	II	propôs	aos	cavalei-
ros	abandonarem	a	milícia	secular,	para	entrar	na	milícia	de	Cris-
to:
A	cruzada	marca	assim	o	fim	de	uma	revolução	doutrinária	reali-
zada	em	um	milênio:	o	uso	das	armas,	de	início	rejeitado,	depois	
admitido	como	na	pior	das	hipóteses	maculado	pela	culpa	e	neces-
sitando	de	purificação	e	penitência,	torna-se,	por	sua	vez,	penitên-
cia.	 [...]	A	exemplo	dos	antigos	hebreus,	conquistadores	da	 terra	
prometida	depois	do	êxodo	do	Egito,	os	cruzados,	abandonando	
um	mundo	de	pecado,	tornam-se	o	povo	eleito	de	Deus,	o	exército	
de	Cristo,	milites Christi.	
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
106
Até	o	 final	 do	 século	 12,	 o	 objetivo	das	 cruzadas	 era	 con-
quistar	 Jerusalém	ou	mantê-la	 sob	o	domínio	 cristão.	No	 século	
13,	maculadas	por	uma	série	de	ganhos	econômicos,	as	cruzadas	
transformam-se	em	um	negócio	político,	que	agregavacada	vez	
mais	poder	e	mais	ganhos	a	algumas	famílias	aristocráticas	e	aos	
eclesiásticos	mais	próximos.	
Observe	a	seguir	um	resumo	cronológico	das	cruzadas:
Cronologia das cruzadas ––––––––––––––––––––––––––––––
1096-1099 – Primeira Cruzada. “Cruzada dos Barões”: conquista da Terra San-
ta.
1147 – Segunda Cruzada: derrotada pelos muçulmanos.
1187 – Saladino conquista Jerusalém.
1189-1191 – Terceira Cruzada. “Cruzada dos Reis”: rendição de Jerusalém pelos 
cristãos. 
1202-1204 – Quarta Cruzada. “Cruzada de Constantinopla”, ou “Cruzada Comer-
cial”: saque de Constantinopla empreendido pelos cristãos. 
1212 – “Cruzada das Crianças”.
1217-1221 – Quinta Cruzada: fracasso na conquista do Egito.
1228-1229 – Sexta Cruzada: acordo de paz e controle das cidades de Jerusalém, 
Belém e Nazaré. 
1244 – Expulsão dos cristãos de Jerusalém.
1248-1254 – Sétima Cruzada: fracasso do rei Luiz IX da França na reconquista 
de Jerusalém. 
1270 – Oitava Cruzada: segunda expedição do rei Luiz IX para conquistar Jeru-
salém, também fracassada. 
1271-1272 – Nona Cruzada: Perda de São João D’Acre para os muçulmanos. 
(Fonte: Acervo pessoal dos autores) 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
8. LEITURA COMPLEMENTAR
A	leitura	complementar	desta	unidade	segue	com	a	série	de	
análises	sobre	gêneros	documentais	e	temas	presentes	no	estudo	
e	na	produção	da	História	Medieval.	
107© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
Agora,	você	terá	a	oportunidade	de	ler	o	texto	do	historiador	
Lucas	Bittencourt a	respeito	da	Chanson de Roland, uma	das	can-
ções	de	gesta	do	século	12.	
Vamos	lá?
A Chanson de Roland como documento histórico ––––––––– 
Lucas Bittencourt 
Mestrando em História na USP
Em agosto de 778, Carlos recebeu a notícia de uma rebelião na Saxônia e que 
seu líder, o saxão Widuking, aproximava-se do Reno. Os saxões, cuja submissão 
ao rei era recente, ofereciam um perigo real, devido a sua proximidade da capital 
franca. Carlos, que ainda não era Magno, decidiu retornar a Aix-la-Chapelle e 
lidar com a ameaça saxã. Estava então em campanha no nordeste da Península 
Ibérica, no território que posteriormente formaria a Marcha da Espanha.
Os Annales Mettenses priores, que registram os fatos ocorridos desde a ascen-
são de Pepino de Herstal (c. 675) até o ano de 805, nos informam sobre a sub-
missão dos povos do que futuramente seria Navarra, de alguns muçulmanos 
recebidos como reféns e da destruição de Pamplona pelos francos e do vitorioso 
retorno do rei. Outros Reichsannalen repetem as mesmas informações. Apenas 
os Anais Régios até 829 trazem detalhes sobre a campanha na Espanha. Primei-
ro apresentam os adversários wascones, em seguida falam do assalto e conse-
qüente tomada de Pamplona, assim como da sua posterior destruição, além da 
entrega dos reféns muçulmanos. A principal informação, completamente ausente 
nos outros Anais, é a destruição da retaguarda do exército de Carlos, na passa-
gem pelos Pirineus, no desfiladeiro de Roncevaux. Informam também da morte 
de membros da corte que compunham a retaguarda, mas não nos fornecem 
nenhum nome. A Vita Hludovici, cuja redação é atribuída a 829, confirma a morte 
de membros da corte, e afirma que não os menciona por serem publicamente 
conhecidos. 
A batalha de Roncevaux também é citada por Eginhard, em sua Vita Karoli, pro-
vavelmente escrita entre 829 e 836. Em todos seus manuscritos, Eginhard no-
meia dois dos altos personagens mortos no combate: Anselme, conde-paladino, 
posto mais alto na hierarquia dos funcionários do Império, cujo nome consta em 
três diplomas imperiais; sobre Eggihard, resta um epitáfio, através do qual pode-
mos saber a data da batalha: 15 de agosto. Sabemos também que sua morte fora 
chorada por todo o Império, o que indica que possuía uma alta posição dentro 
da organização imperial. Há ainda um terceiro nome, presente em vários manus-
critos. Diferentemente de Anselme e de Eggihard, sua posição é informada pelo 
texto: Hruoldlandus Britannici limitis praefectus. 
Sobre este Hruoldlandus nada sabemos além do que afirma o texto Britannici 
limitis praefectus, e mesmo sua existência histórica foi posta em dúvida. Com 
certeza não era alguém notório como Anselme ou Eggihard, já que dos três é 
o único cuja posição é explicitada, geograficamente periférica, eminentemente 
militar. O fato de o seu nome estar ausente de alguns manuscritos da Vita Karoli 
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
108
não é negligenciável, pode indicar uma inserção posterior, inexistente no original. 
A despeito de todas as dúvidas sobre Hruoldlandus, inclusive a de sua real exis-
tência, seu nome foi difundido por quase toda a cristandade latina, graças a uma 
obra épica, escrita (ou transcrita) por volta do ano 1100.
Presente num manuscrito sem título, cuja datação aponta, aproximadamente, 
para o final do primeiro quartel do século XII, a obra foi nomeada por um bibliote-
cário responsável por sua conservação, e o título dado nunca foi contestado pe-
los numerosos estudiosos que por ela se interessaram: La Chanson de Roland. 
Fato de simples compreensão, uma vez a canção lida: apesar da sua prematura 
morte, no laisse, pouco após a primeira metade da história, dificilmente alguém 
não considerará Roland como protagonista. Ele é freqüentemente citado, mesmo 
após sua morte. Mas, afinal, o que narra a Chanson de Roland? Por que seu 
protagonista é associado ao Hruoldlandus da Vita Karoli? 
Uma só resposta satisfaz as duas perguntas. A Chanson de Roland narra a des-
truição da retaguarda do exército de Carlos Magno, numa emboscada preparada 
entre o padrasto de Roland, Ganelon, e o rei de Zaragoza, Marsile, no desfiladei-
ro de Roncevaux, em seguida o retorno do exército de Carlos Magno, que vence 
o exército sarraceno e toma Zaragoza, que segundo a canção era a única cidade 
que ainda estava em posse dos sarracenos. Ora, a associação se faz óbvia. 
A canção narra à batalha de Roncevaux, anteriormente registrada pelos anais 
reais carolíngios. A morte do conde Hruoldlandus é associada à morte do conde 
Roland, protagonista da narrativa, e nesta associação a similitude entre o nome 
do primeiro, em latim, e do segundo, em langue d’oil, tem um papel essencial. 
Partindo desta associação, outra questão se faz quase inevitável ao historiador: 
qual a relação entre a narrativa e a história? Responder a essa questão é apenas 
uma das diversas oportunidades de trabalho que a obra nos oferece. Mas antes 
de prosseguirmos é importante melhor apresentar o gênero em destaque. 
Os diversos autores que se dedicam à literatura medieval são convergentes 
quanto à definição da chanson de geste. Baumgartner a define sinteticamente 
assim: “Chama-se chanson de geste os longos poemas que celebram de for-
ma épica as façanhas guerreiras de heróis – cavaleiros franceses na maioria 
– tornados muito cedo personagens lendários”. A definição dada por Zink não 
é muito diferente: “As chansons de geste são poemas épicos. [...] São poemas 
narrativos cantados – como o seu nome indica – que tratam de altos feitos do 
passado – como o seu nome indica igualmente”. O próprio nome deste gênero 
literário medieval o define: chanson, canção; geste, nominativo feminino singular 
de gestus, que significa “grandes feitos, feitos ilustres”. Por mais válida que seja 
esta definição, ela é incompleta. Outros elementos podem ser identificados como 
definidores da chanson de geste, sobretudo do ponto de vista literário, mas não 
exclusivamente. Uma definição mais completa poderia ser a seguinte: a chanson 
de geste é um gênero literário medieval desenvolvido na França do fim do sé-
culo XI, até o século XV. A Chanson de Roland é a primeira dentre elas. O auge 
deste gênero pode ser localizado nos séculos XII e XIII, nos quais a maior parte 
da quase centena de obras conhecidas, completas ou através de fragmentos,foi escrita. Como visto anteriormente, são longos poemas épicos cantados e/ou 
recitados, divididos em vários laisses, a métrica é de decassílabos (geralmente 
de cesura menor, com poucos casos em cesura maior) ou versos alexandrinos 
(aparecendo pela primeira vez com Le Roman d’Alexandre, no século xii, do qual 
recebeu o nome) assonados, respondendo à necessidade da recitação. As histó-
rias narradas são variadas, mas com um grande número ambientado no período 
carolíngio e, em menor número nas cruzadas. Tratam dos feitos de cavaleiros 
109© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
franceses, são compostas de motivos bem definidos, como as cortes, as bata-
lhas, as embaixadas, as armas, a morte ou feitos de heróis, a traição, etc. 
Tentar responder à nossa pergunta, “qual a relação entre a narrativa e a histó-
ria?”, é buscar compreender se as gestas contam fatos que realmente acontece-
ram. Este é um trabalho que se pauta numa vasta comparação entre o conteúdo 
da gesta e fontes de outras naturezas que de alguma forma tratam sobre os mes-
mos eventos. Mas no caso da quase inexistência de outras fontes que permitam 
este trabalho, que como vimos é o caso da Chanson de Roland, significa que 
estas obras não encontrariam uso na mão do historiador, apenas nas do literato? 
Não. Tal visão está fortemente ancorada no conceito de literatura que o século 
XIX nos deixou, que encara a literatura como ficcional, gratuita e que projeta para 
os textos do passado tais disposições, de forma arbitrária e anacrônica. A forma 
como o século XIX concebia a literatura não corresponde a como a sociedade do 
século XI ou do XII compreendia estas obras. 
As canções de gesta são obras narrativas que podem ser utilizadas como fonte 
histórica, afinal o trabalho do historiador começa com a escolha das suas fontes. 
Escolha constituidora de dados, que dá aos objetos o valor de documento. Uma 
crônica por si só não é uma fonte mais confiável ou legítima do que a arquitetura 
de uma catedral, os desenhos dos seus vitrais, textos literários ou as iluminuras 
que por vezes os acompanham. Todos estes são vestígios de uma realidade his-
tórica, como peças de um grande quebra-cabeça, no qual os espaços em branco 
são maiores do que as peças que nos restam. Diante desta imagem, descartar 
parte dos fragmentos que nos restam não parece sensato, nem condizente com 
o desejo de compreender e/ou analisar qualquer sociedade. 
Podemos buscar nessas o verídico, o real. Mesmo porque ele “não é (ou não é 
apenas) a realidade visada pelo texto, mas a própria maneira como ele a cria, na 
historicidade da sua produção e na intencionalidade da sua escrita” (CHARTIER, 
2002, p. 63). Este real está presente nas canções de gesta a partir das repre-
sentações por elas difundidas. Representações que são também definidoras da 
realidade na qual estão inseridas. O conceito de representação tem em Chartier 
uma definição tripla:
“primeiro, as representações coletivas que incorporam nos indivíduos as divi-
sões do mundo social e estruturam os esquemas de percepção e de apreciação 
a partir dos quais estes classificam, julgam e agem; em seguida, as formas de 
exibição do ser social ou do poder político tais como as revelam signos e “per-
formances” simbólicas através da imagem, do rito ou daquilo que Weber chama-
va de “estilização da vida”; finalmente, a “presentificação” em um representante 
(individual ou coletivo, concreto ou abstrato) de uma identidade ou de um poder, 
dotado assim de continuidade e estabilidade” (CHARTIER, 1994, p. 104).
As canções de gesta podem ser analisadas a partir desta definição plural de 
representação, quebrando com uma divisão na qual se opõem os textos docu-
mentais aos textos literários, creditando aos primeiros o valor de instrumentos 
legítimos da investigação histórica, e aos últimos o status de ficção; entretanto, 
os textos literários, quando utilizados com cuidado crítico (essencial para qual-
quer texto) “perdem sua natureza literária para serem reconduzidos ao estatuto 
de documento, válidos porque mostrando, de um outro modo, o que a análise 
social estabeleceu pelos seus próprios processos” (CHARTIER, 2002, p. 62). 
(adaptado de BITTENCOURT, 2010). 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© História Medieval II
 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
110
9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira,	a	seguir,	as	questões	propostas	para	verificar	o	seu	
desempenho	no	estudo	desta	unidade:
1)	 Quais	são	as	principais	teses	historiográficas	sobre	o	surgimento	das	cruza-
das?
2)	 Por	que	se	associa	o	conceito	de	“cruzada”	ao	conceito	de	“guerra	santa”?	
3)	 Quais	são	as	principais	características	da	Primeira	Cruzada?
4)	 Pesquise	sobre	as	demais	cruzadas	e	responda:	quais	são	os	pontos	em	co-
mum	e	os	pontos	divergentes	entre	as	cruzadas?
5)	 Quais	foram	as	principais	consequências	do	movimento	cruzadístico?
6)	 Quais	 seriam	 as	 prováveis	 consequências	 para	 o	 nascimento	 da	 Ciência	
no	Ocidente	se	não	houvesse	ocorrido	o	contato	com	o	conhecimento	do	
Oriente?	Para	 responder	a	essa	pergunta,	procure	pesquisar	 sobre	os	 co-
nhecimentos	que	a	civilização	ocidental	buscou	no	Oriente	no	período	que	
está	sendo	estudado.	
10. CONSIDERAÇÕES 
Nesta	unidade,	você	viu	como	as	cruzadas	colaboraram	para	
o	 fortalecimento	 da	 cristandade	 e	 para	 sua	 expansão	 rumo	 ao	
Oriente.	De	maneira	geral,	 elas	expandiram	uma	experiência	de	
mundo	cristã	e	possibilitaram	ao	Ocidente	o	contato	com	a	cultura	
oriental	e	o	controle	de	zonas	comerciais	muito	importantes.
Ao	longo	dos	séculos	12	e	13,	essa	expansão	convocada	pelo	
papado	se	transformou	em	uma	empreitada	secular	que	buscava	
muito	mais	do	que	o	domínio	sobre	os	lugares	considerados	san-
tos	pelo	cristianismo.
Na	próxima	unidade,	você	terá	a	oportunidade	de	acompa-
nhar	um	pouco	mais	os	resultados	positivos	desse	contato	econô-
mico	com	o	Oriente,	além	de	estudar	o	próprio	desenvolvimento	
comercial	interno	do	Ocidente	cristão.	
111© Expansão da Cristandade Ocidental: As Cruzadas
11. E-REFERÊNCIAS 
Lista de figuras
Figura	 1	 –	O papa Urbano II chegando à França.	Miniatura	 do	Roman de Godofredo 
de Bouillon,	 século	14,	Bibliothèque	Nationale	de	Paris.	Disponível	em:	<http://pages.
usherbrooke.ca/croisades/croisade1.htm#populaire>.	Acesso	em:	15	mar.	2011.
Figura	2	–	Pedro Eremita orando no Santo Sepulcro.	Miniatura	da	Histoire d’Outremer	
de	Guillaume	de	Tyr, século	13,	Bibliothèque	Nationale	de	Paris.	Disponível	em:	<http://
pages.usherbrooke.ca/croisades/croisade1.htm#populaire>.	Acesso	em:	15	mar.	2011.
Figura	 3	 -	Godofredo de Bouillon conduzindo seus homens à cruzada.	 Disponível	 em:	
<http://pages.usherbrooke.ca/croisades/croisade1.htm#populaire>.	Acesso	em:	15	mar.	
2011.
Figura	 4	 -	Assalto dos cruzados à Jerusalém.	Miniatura	 de	 Sebastien	Mamerot,	 1490,	
Bibliothèque	Nationale	de	Paris.	Disponível	em:	<http://pages.usherbrooke.ca/croisades/
croisade1.htm#populaire>.	Acesso	em:	15	mar.	2011.	
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALARD,	M.;	GENET,	J.;	ROUCHE,	M.	Le Moyen Âge en Occident. Paris:	Hachette,	2002. 
BASCHET,	J.	A civilização feudal:	do	ano	mil	à	colonização	da	América.	São	Paulo:	Globo,	
2006.	
BITTENCOURT,	Par penitence les cumandet a ferir:	a	legitimação	do	combate	contra	os	
pagãos	na	Chanson de Roland	e	na	Chanson de Guillaume.	2010.	Dissertação	(Mestrado	
em	História	 Social)	 –	Universidade	de	São	Paulo,	 Fundação	de	Amparo	à	Pesquisa	do	
Estado	de	São	Paulo,	São	Paulo.	2010.	
CHARTRES,	F.	In:	PEDRERO-SÁNCHEZ,	Maria	Guadalupe.	História da idade média. Textos	
e	testemunhas.	São	Paulo:	Editora	Unesp,	2000.
DUBY,	G.	A sociedade cavaleiresca.	São	Paulo:	Martins	Fontes,	1992.
FLORI,	J.	A cavalaria:	a	origem	dos	nobres	guerreiros	da	idade	média.	São	Paulo:	Madras,	
2005.
______.	La Guerre Sainte. La	formation	de	l'idée	de	croisade	dans	l'Occident	chrétien.Paris:	Aubier,	2001.
MORNET,	E.	L'Expansion	de	L'Occident	Du	X	au	XIII	siècle.	In:	KAPLAN,	M.	(Dir.).	Le Moyen 
Âge XI-XV siècle. Paris:	Bréal,	1994.
RILEY-SMITH,	 J.	 The First Crusade and the Idea of Crusading.	 Londres:	 The	 Anthlone	
Press,	1986.	
ROUSSET,	P.	A história das cruzadas.	Rio	de	Janeiro:	Zahar,	1990.
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