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INTRODUÇÃO E CONHECIMENTOS BÁSICOS PARTE I Representação do DNA iluminada pelo eixo de sua hélice. Voet_01.indd 1Voet_01.indd 1 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Voet_01.indd 2Voet_01.indd 2 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 CAPÍTULO 1 Vida 1 Procariotos A. Forma e função B. Classificação dos procariotos 2 Eucariotos A. Arquitetura celular B. Filogenia e diferenciação 3 Bioquímica: Prólogo A. Estruturas biológicas B. Processos metabólicos C. Expressão e transmissão da informação genética 4 Genética: Uma revisão A. Cromossomos B. A herança mendeliana C. Teoria cromossômica da herança D. Genética bacteriana E. Genética viral 5 A origem da vida A. As propriedades exclusivas do carbono B. Evolução química C. O surgimento dos sistemas vivos 6 A literatura bioquímica A. A realização de uma pesquisa bibliográfica B. A leitura de um artigo científico Em geral, é fácil determinar se alguma coisa é viva ou não. Isso porque os seres vivos apresentam muitos atributos em comum, como a capacidade de extrair energia dos nutrientes para realizar suas várias funções, o poder de responder ativa- mente a mudanças no seu ambiente e a capacidade de cres- cer, diferenciar-se e – talvez o mais característico de todos – reproduzir-se. É claro que um dado organismo pode não ter todas essas características. As mulas, por exemplo, que obviamente são seres vivos, raramente se reproduzem. Já, a matéria inanimada pode apresentar algumas propriedades vitais. Por exemplo, os cristais podem aumentar de tamanho quando imersos em uma solução supersaturada do material que os compõe. Por isso, a vida, assim como muitos outros fenômenos complexos, talvez não possa ser definida de uma forma precisa. Contudo, Norman Horowitz propôs um con- junto de critérios úteis para os sistemas vivos: a vida possui as propriedades de replicação, catálise e mutabilidade. A maior parte deste texto se refere à maneira pela qual os organismos vivos demonstram essas propriedades. A bioquímica é o estudo da vida no seu nível molecular. O significado desse estudo é bastante aprimorado se estiver relacionado com a biologia dos organismos correspondentes ou mesmo de comunidades de tais organismos. Por isso, este capítulo introdutório começa com uma sinopse do campo biológico. A sinopse é seguida por um resumo de bioquímica, uma revisão de genética, uma discussão da origem da vida e, finalmente, uma introdução à literatura bioquímica. 1 PROCARIOTOS Há muito tempo se reconhece que a vida baseia-se em uni- dades morfológicas conhecidas como células. A formulação deste conceito é atribuída a um artigo de 1838 de autoria de Matthias Schleiden e Theodor Schwann, mas sua origem pode estar em observações feitas, no século XVII, pelos pri- meiros microscopistas, como Robert Hooke. As células são classificadas em dois grupos principais: os eucariotos (do grego: eu, bom ou verdadeiro � karion, grão ou noz), que possuem um núcleo envolto por uma membrana contendo o DNA (ácido desoxirribonucleico), e os procariotos (do gre- go: pro, antes), que não possuem núcleo. Os procariotos, que compreendem os vários tipos de bactérias, possuem estrutu- ras relativamente simples e são invariavelmente unicelulares (embora possam formar filamentos ou colônias de células independentes). Estima-se que representem a metade da biomassa da Terra. Os eucariotos, que podem ser tanto uni- celulares como multicelulares, são muito mais complexos do que os procariotos (os vírus são entidades que, embora muito mais simples do que as células, não são classificadas como or- ganismos vivos, pois não possuem o aparato metabólico para se reproduzir fora de suas células hospedeiras. Os vírus são, essencialmente, grandes agregados moleculares). Esta seção apresenta os procariotos. Os eucariotos serão estudados na seção seguinte. A. Forma e função Os procariotos são os organismos mais numerosos e mais disseminados na Terra. A razão está no seu metabolismo variado e muitas vezes altamente adaptável, que os ajusta a uma enorme variedade de habitats. Além de habitar nos- so meio ambiente moderado e aeróbio, certos tipos de bac- térias proliferam, ou mesmo requerem, condições que são hostis para os eucariotos, como por exemplo meio químico incomum, altas temperaturas (até 130°C) e até mesmo falta Voet_01.indd 3Voet_01.indd 3 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 4 Donald Voet / Judith G. Voet de oxigênio. Além do mais, sua alta taxa reprodutiva (divi- são celular a cada 20 minutos para muitas espécies) permite que tirem proveito das condições temporariamente favorá- veis; já, a capacidade que muitas bactérias apresentam de formar esporos resistentes permite a sobrevivência em con- dições adversas. a. Os procariotos têm uma anatomia relativamente simples As células procarióticas, observadas pela primeira vez em 1683 pelo inventor do microscópio, Antonie van Leeuwenhoek, têm tamanhos que variam de 1 a 10 �m. Elas apresentam três formas básicas (Fig. 1.1): esferoidal (cocos), em forma de bastão (bacilos), ou helicoidal (espirilos), mas todas apresentam o mesmo esquema geral (Fig. 1.2). Como todas as células, elas são delimitadas por uma membrana celular de �70 Å de espessura (membrana plasmática), que consiste em uma bicamada lipídica contendo proteínas inse- ridas que controlam a passagem de moléculas para dentro e para fora da célula e catalisam uma grande variedade de reações. As células da maioria das espécies procarióticas são envoltas por uma parede celular polissacarídica rígida e com espessura de 30 a 250 Å que protege a célula contra dano me- cânico e impede sua ruptura em meio hipotônico. Algumas bactérias ainda são revestidas por uma cápsula polissacarí- dica gelatinosa que as protege das defesas dos organismos superiores. Apesar dos procariotos não possuírem as orga- nelas subcelulares características dos eucariotos (Seção 1.2), sua membrana plasmática pode ser dobrada em estruturas multicamadas conhecidas como mesossomos. Os mesosso- mos serviriam de local para a replicação do DNA e outras reações enzimáticas especializadas. O citoplasma procariótico (conteúdo celular) não é uma sopa homogênea. Seu cromossomo único (molécula de DNA que pode estar presente em várias cópias em uma célula em rápida proliferação) se condensa e forma uma estrutura co- nhecida como nucleoide. O citoplasma contém também nu- merosas espécies de RNA (ácido ribonucleico), uma grande variedade de enzimas solúveis (proteínas que catalisam rea- ções específicas) e muitos milhares de partículas com diâme- tro de 250 Å, conhecidas como ribossomos, que são os locais de síntese proteica. Muitas células bacterianas possuem apêndices semelhan- tes a chicotes, conhecidos como flagelos, que são usados para locomoção (Seção 35.31). Determinadas bactérias possuem também projeções filamentosas denominadas pili, sendo que algumas delas funcionam como canais para o DNA durante a conjugação (processo no qual o DNA é transferido de uma célula para outra; os procariotos em geral se reproduzem por fissão binária) ou auxiliam na adesão das bactérias às células do organismo hospedeiro. Spirillum Espiroqueta Anabaena (cianobactéria) Bacillus grande Escherichia coli Staphylococcus Richettsia Três espécies de Mycoplasma 10 �m FIGURA 1.1 Ilustrações em escala de algumas células proca- rióticas. Ribossomos Membrana celular Parede celular Mesossomo PiIi Flagelos Nucleoide FIGURA 1.2 Desenho esquemático de uma célula procariótica. Voet_01.indd 4Voet_01.indd 4 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 5 A bactéria Escherichia coli (abreviada como E. coli e denominada de acordo com o seu descobridor Theodor Escherich) é o organismo melhor caracterizado biologica- mente devido ao seu estudo genéticoe bioquímico intensivo ao longo dos últimos 70 anos. Na verdade, muitos dos assun- tos deste texto tratam da bioquímica da E. coli. As células deste habitante normal do colo de mamíferos superiores (Fig. 1.3) têm a forma de bastão com 2 �m de comprimento, 1 �m de diâmetro e peso de �2 � 10�12 g. Seu DNA, com uma massa molecular de 2,5 � 109 daltons (Da)*, codifica cerca de 4.300 proteínas (das quais foram identificadas somente cerca de 60 a 70%), embora estejam presentes na célula somente cerca de 2.600 em um dado momento. De modo geral, uma célula de E. coli contém de 3 a 6 mil tipos diferentes de molé- culas, incluindo proteínas, ácidos nucleicos, polissacarídeos, lipídeos e várias moléculas pequenas e íons (Tabela 1.1). b. Os procariotos utilizam uma ampla variedade de fontes de energia metabólica As necessidades nutricionais dos procariotos são muito varia- das. Os autotróficos (do grego: auto, próprio � trophikos, ali- mentar) sintetizam todos os seus constituintes celulares a partir de moléculas simples como H2O, CO2, NH3 e H2S. Obviamente, necessitam de uma fonte de energia para isso, assim como para realizar suas outras funções. Os quimiolitotróficos (do grego: lithos, pedra) obtêm sua energia pela oxidação de compostos inorgânicos como NH3, H2S, ou mesmo Fe 2�: * A massa molecular de uma partícula pode ser expressa em unidades de daltons, definidas como 1/12 da massa de um átomo de 12C (unidade de massa atômica [uma]). Esta quantidade também pode ser expressa em termos de peso molecular, definida como a relação da massa da par- tícula com 1/12 da massa do átomo de12C e simbolizada por Mr (massa molecular relativa). Neste texto, será feita referência à massa molecular de uma partícula e não ao seu peso molecular. De fato, estudos revelaram a existência de grandes colônias quimiolitotróficas de crescimento extremamente lento, que vivem a uma profundidade de 5 quilômetros abaixo da terra e cuja biomassa total parece rivalizar com a dos organismos habitantes da superfície. Os fotoautotróficos são os autotróficos que obtêm ener- gia por meio da fotossíntese (Capítulo 24), um processo no qual a energia luminosa impulsiona a transferência de elé- trons de doadores inorgânicos para o CO2, gerando carboi- dratos [(CH2O)n]. Na forma mais difundida de fotossíntese, a H2O é o doador de elétrons na sequência de reações impul- sionadas pela luz. Esse processo é realizado pelas cianobactérias (p. ex., os or- ganismos verdes viscosos que crescem nas paredes dos aquá- rios; estas bactérias eram antigamente conhecidas como al- gas azul-esverdeadas) e também pelas plantas. Acredita-se que essa forma de fotossíntese tenha gerado o O2 na atmos- fera terrestre. Algumas cianobactérias têm a capacidade de converter o N2 da atmosfera em compostos orgânicos nitro- genados. Essa capacidade de fixação de nitrogênio lhes su- (a) (b) Pili Flagelos FIGURA 1.3 Micrografias eletrônicas de células de E. coli. (a) Coloração mostrando a estrutura interna. (b) Coloração mostrando flagelos e pili. (Cortesia de Howard Berg, Harvard University, EUA.) TABELA 1.1 Composição molecular de E. coli Componente Porcentagem por peso H2O 70 Proteína 15 Ácidos nucleicos: DNA 1 RNA 6 Polissacarídeos e precursores 3 Lipídeos e precursores 2 Outras moléculas orgânicas pequenas 1 Íons inorgânicos 1 Fonte: Watson, J.D., Molecular Biology of the Gene (3rd ed.), p. 69, Benjamin (1976). Voet_01.indd 5Voet_01.indd 5 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 6 Donald Voet / Judith G. Voet pre as necessidades nutricionais mais simples entre todos os organismos: com exceção de sua necessidade de pequenas quantidades de minerais, elas podem viver literalmente do ar e da luz do sol. Em uma forma mais primitiva de fotossíntese, substân- cias como H2, H2S, tiossulfato ou compostos orgânicos são os doadores de elétrons nas reações impulsionadas pela luz As bactérias fotossintéticas púrpuras e verdes, que rea- lizam esses processos, ocupam habitats sem oxigênio, como lagoas rasas e barrentas, nos quais a putrefação da matéria orgânica gera H2S. Os heterotróficos (do grego: hetero, diferente) obtêm energia por meio da oxidação de compostos orgânicos, sen- do dependentes dos autotróficos para essas substâncias. Os aeróbios obrigatórios (que incluem os animais) utilizam o O2, enquanto os anaeróbios utilizam agentes oxidantes como sulfato (bactérias redutoras de sulfato) ou nitrato (bactérias desnitrificantes). Muitos organismos degradam parcialmente vários compostos orgânicos por meio de um processo intra- molecular de oxidação-redução conhecido como fermen- tação. Os anaeróbios facultativos, como a E. coli, podem proliferar tanto na presença como na ausência de O2. Já os anaeróbios obrigatórios são envenenados na presença do O2. Acredita-se que seu metabolismo seja semelhante ao das formas vivas mais primitivas (que surgiram há mais de 3,8 bilhões de anos, quando não havia O2 na atmosfera da Terra; Seção 1.5B). De qualquer forma, existem poucos compostos orgânicos que não possam ser metabolizados por organismos procarióticos. B. Classificação dos procariotos Os métodos tradicionais de taxonomia (a ciência da classi- ficação biológica) que se fundamentam primariamente nas comparações anatômicas entre organismos atuais e fósseis não são aplicáveis aos procariotos. Isso se deve às suas estru- turas celulares relativamente simples, inclusive as das bacté- rias ancestrais reveladas pelos vestígios microfósseis, que for- necem pouca indicação de seu relacionamento filogenético (filogenia: desenvolvimento evolutivo). Parte desse proble- ma está no fato de que os procariotos exibem uma correlação pequena entre forma e função metabólica. Além disso, a de- finição eucariótica de espécie como uma população que pode cruzar não tem sentido no caso dos procariotos, que se re- produzem assexuadamente. Consequentemente, os sistemas convencionais de classificação procariótica são arbitrários e carentes das conexões evolutivas do sistema de classificação eucariótico (Seção 1.2B). No sistema de classificação mais amplamente utilizado, os procariotos (também conhecidos como monera) dividem- -se em dois grupos: as cianobactérias e as bactérias. As bacté- rias são subdivididas em 19 subgrupos com base em suas ca- racterísticas distintas, particularmente a estrutura celular, o comportamento metabólico e as propriedades de coloração. Uma classificação mais simples, com base nas proprie- dades da parede celular, distingue três tipos principais de procariotos: os micoplasmas, as bactérias gram-positivas e as bactérias gram-negativas. Os micoplasmas não possuem parede celular rígida, encontrada nos demais procariotos. Eles são os menores seres vivos (com 0,12 �m de diâmetro, Fig. 1.1) e possuem �20% do total de DNA de uma E. coli. Presumivelmente, essa quantidade de informação genética está próxima da quantidade mínima necessária para espe- cificar a maquinaria metabólica essencial requerida para a vida celular. As bactérias gram-positivas são distinguidas das gram-negativas de acordo com a capacidade de cap- tar a coloração de Gram (procedimento desenvolvido por Christian Gram em 1884, no qual as células fixadas pelo calor são tratadas sucessivamente com corante roxo cristal e iodo e descoradas com etanol ou acetona). As bactérias gram-negativas possuem uma membrana externa comple- xa que envolve sua parede celular e exclui a coloração de Gram, enquanto as gram-positivas não possuem essa mem- brana (Seção 11.3B). O desenvolvimento, nas últimas décadas, de técnicas para a determinação das sequências de aminoácidos das proteínas (Seção 7.1) e das sequências de bases dos áci- dos nucleicos (Seção 7.2A) tem proporcionado indicações abundantes das relações genealógicas entre os organismos. Na verdade,essas técnicas tornam possível colocar essas re- lações em termos quantitativos e, assim, construir um siste- ma de classificação com embasamento filogenético para os procariotos. Por meio da análise das sequências do RNA ribossômi- co, Carl Woese mostrou que um grupo de procariotos que ele denominou Archaea (também conhecido como células arqueais) tem uma relação tão distante com os outros pro- cariotos, as Bacteria (também chamadas de eubactérias), quanto os dois grupos de procariotos estão em relação aos Eukarya (os eucariotos). O grupo Archaea pareceu, a princí- pio, constituir três tipos de organismos incomuns: os metano- gênicos, anaeróbios obrigatórios que produzem metano (gás do pântano) pela redução do CO2 com H2; as halobactérias, que vivem somente em soluções salinas concentradas (� 2 M NaCl); e determinadas termoacidófilas, organismos que ha- bitam fontes termais ácidas (�90°C e pH � 2). No entanto, evidências recentes indicam que �40% dos microrganismos marinhos são Archaea, sendo assim a forma de vida mais co- mum na Terra. Com base no número de características bioquímicas fun- damentais diferenciais entre os grupos Archaea, Bacteria e Eukarya, mas que são comuns dentro de cada grupo, Woese propôs que esses grupos de organismos constituíssem os três super-reinos ou domínios primários de descendência evolu- tiva (em vez da divisão tradicional em procariotos e euca- riotos). Contudo, determinações de sequências revelaram que os Eukarya compartilham com os Archaea similaridades de sequência que não compartilham com o grupo Bacteria. Evidentemente, Archaea e Bacteria divergiram a partir de alguma forma de vida primordial e Eukarya divergiu de Archaea, como indica a árvore filogenética da Fig. 1.4. 2 EUCARIOTOS As células eucarióticas em geral têm um diâmetro de 10 a 100 �m, tendo por isso um volume até um milhão de vezes maior do que o das procarióticas. Contudo, o que melhor Voet_01.indd 6Voet_01.indd 6 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 7 caracteriza as células eucarióticas não é o tamanho, mas sim uma profusão de organelas delimitadas por membranas, e cada uma delas com uma função especializada (Fig. 1.5). Na verdade, a estrutura e as funções eucarióticas são mais com- plexas do que as procarióticas em todos os níveis de organi- zação, começando pelo nível molecular. Os eucariotos e os procariotos se desenvolveram de acordo com estratégias evolutivas fundamentalmente dife- rentes. Os procariotos exploraram as vantagens da simpli- cidade e da miniaturização: sua rápida velocidade de cres- cimento lhes permite ocupar nichos ecológicos onde podem acontecer flutuações drásticas nos nutrientes disponíveis. A complexidade dos eucariotos, por lhes conferir um tamanho maior e um crescimento mais lento do que os procariotos, proporciona uma vantagem competitiva em ambientes está- veis com recursos limitados (Fig. 1.6). Por isso, é errado con- Bacteria Gram-positivas Halófilas Animais Fungos gelatinosos Fungos Plantas Ciliados Flagelados MicrosporídeosMethanococcus Thermoproteus Bactérias púrpuras Cianobactérias Flavobactérias Archaea Eukarya FIGURA 1.4 Árvore filogenética. Esta “ár- vore genealógica” indica as relações evolutivas entre os três domínios de seres vivos. A raiz representa o último ancestral comum a todas as formas de vida da Terra. (Segundo Wheelis, M.L., Kandler, O., and Woese, C.R., Proc. Natl. Acad. Sci. 89, 2931 [1992].) Membrana nuclear Núcleo Nucléolo Cromatina Ribossomos livres Retículo endoplasmático Retículo endoplasmático rugoso Retículo endoplasmático liso Centríolos Aparelho de Golgi Vacúolo Mitocôndria Lisossomo Membrana celular FIGURA 1.5 Desenho esquemático de uma célula animal, juntamente com micrografias eletrônicas de suas organelas. (Núcleo: Tektoff-RM, CNRI/Photo Researchers; retículo endoplasmático rugoso: Pietro M. Mota & Tomonori Naguro/Photo Researchers e aparelho de Golgi: Secchi-Lecaque/Roussel-UCLAF/CNRI/Photo Researchers; retículo endoplasmático liso: David M. Phillips/ Visuals Unlimited; mitocôndria: CNRI/Photo Researchers; lisossomo: Biophoto Associates/Photo Researchers.) Voet_01.indd 7Voet_01.indd 7 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 8 Donald Voet / Judith G. Voet siderar os procariotos evolutivamente primitivos em relação aos eucariotos. Ambos são bem adaptados aos seus respecti- vos estilos de vida. Os mais antigos microfósseis de eucariotos conhecidos datam de 1,4 bilhão de anos, ou seja, 2,4 bilhões de anos após o surgimento da vida. Essa observação apoia a noção clássi- ca de que os eucariotos são descendentes de um procarioto altamente desenvolvido, possivelmente um micoplasma. No entanto, as diferenças entre os eucariotos e os procariotos modernos são tão profundas que tornam essa hipótese im- provável. Talvez os eucariotos primitivos que, de acordo com as evidências de Woese, teriam evoluído de uma forma de vida primordial tenham sido relativamente mal sucedidos e por isso são raros. Somente após terem desenvolvido algu- mas das complexas organelas descritas na seção seguinte eles se tornariam suficientemente abundantes para gerar rema- nescentes fósseis significativos. A. Arquitetura celular As células eucarióticas, assim como as procarióticas, estão envoltas por uma membrana plasmática. O grande tamanho das células eucarióticas faz com que as relações superfície- -volume sejam muito menores do que as dos procariotos (a área da superfície de um objeto aumenta com o quadrado de seu raio, enquanto o volume aumenta com o cubo). Essa res- trição geométrica, acoplada ao fato de que muitas enzimas essenciais estão associadas à membrana, racionaliza parcial- mente a grande quantidade de membranas intracelulares en- contradas nos eucariotos (a membrana plasmática constitui � 10% do total de membranas em uma célula eucariótica). Uma vez que todas as substâncias que entram ou saem da cé- lula devem de alguma forma atravessar a membrana plasmá- tica, a superfície de muitas células eucarióticas é aumentada por numerosas projeções e/ou invaginações (Fig. 1.7). Além disso, porções da membrana plasmática frequentemente in- vaginam, em um processo conhecido como endocitose, de forma que a célula engloba porções do meio externo. Assim, as células eucarióticas podem englobar e digerir partículas de alimento, como bactérias, enquanto os procariotos são limi- tados à absorção de moléculas individuais de nutrientes. O inverso da endocitose, conhecido como exocitose, é um me- canismo secretor eucariótico comum. a. O núcleo contém o DNA celular O núcleo, a organela mais visível da célula eucariótica, é o repositório da informação genética. Essa informação está co- dificada na sequência de bases das moléculas de DNA que formam o número de cromossomos característico de cada espécie. Os cromossomos consistem em cromatina, um com- plexo de DNA e proteínas. A quantidade de informação ge- nética contida nos eucariotos é enorme; uma célula humana, por exemplo, possui 700 vezes mais DNA do que E. coli (em termos comumente associados com a memória dos computa- dores, o genoma [complemento genético] de cada célula hu- mana corresponde a 800 megabytes de informação – cerca de FIGURA 1.6 (Desenho de T.A. Bramley, in Carlile, M., Trends Biochem. Sci 7, 128 [1982]. Figura impressa com a permissão de Elsevier Biomedical Press.) Voet_01.indd 8Voet_01.indd 8 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 9 200 vezes o conteúdo de informação deste texto). Dentro do núcleo, a informação genética codificada pelo DNA é trans- crita em moléculas de RNA (Capítulo 31), as quais, após ex- tenso processamento, são transportadas para o citoplasma (nos eucariotos, é o conteúdo celular fora do núcleo), onde direcionam a síntese ribossômicade proteínas (Capítulo 32). O envelope nuclear é constituído de uma membrana dupla perfurada por numerosos poros com �90 Å de largura que regulam o fluxo de proteínas e de RNA entre o núcleo e o citoplasma. O núcleo da maioria das células eucarióticas contém pelo menos um corpo escuro, conhecido como nucléolo, que consiste no local de montagem dos ribossomos. Ele contém segmentos cromossômicos que carregam múltiplas cópias de genes que codificam o RNA ribossômico. Esses genes são transcritos no nucléolo, e o RNA resultante se combina com as proteínas ribossômicas que foram importadas de seus lo- cais de síntese no citosol (porção do citoplasma sem as orga- nelas delimitadas por membranas). Os ribossomos imaturos são então exportados para o citosol, onde é completada sua montagem. Assim, a síntese proteica ocorre quase totalmen- te no citosol. b. O retículo endoplasmático e o aparelho de Golgi atuam na modificação das proteínas de secreção e das ligadas as membranas A membrana celular mais extensa, descoberta por Keith Porter em 1945, forma um compartimento labiríntico deno- minado retículo endoplasmático. Uma grande porção dessa organela, chamada de retículo endoplasmático rugoso, pos- sui ribossomos associados que estão engajados na síntese de proteínas destinadas à secreção ou aquelas ligadas a mem- branas. O retículo endoplasmático liso, sem ribossomos, é o local de síntese de lipídeos. Muitos dos produtos sintetizados no retículo endoplasmático são, no final, transportados para o aparelho de Golgi (assim denominado devido a Camillo Golgi, que o descreveu pela primeira vez em 1898), consistin- do em uma pilha de sacos membranosos achatados, nos quais esses produtos são processados (Seção 23.3B). c. As mitocôndrias são os locais do metabolismo oxidativo As mitocôndrias (do grego: mitos, fio � chondros, grânulo) são os locais onde ocorre a respiração celular (metabolismo aeróbio) em quase todos os eucariotos. Essas organelas ci- toplasmáticas, que são suficientemente grandes para terem sido visualizadas pelos citologistas do século XIX, variam em tamanho e forma, mas com frequência são elipsoidais com dimensões em torno de 1,0 � 2,0 �m – muito seme- lhante a uma bactéria. Uma célula eucariótica contém cerca de 2.000 mitocôndrias, que ocupam cerca de um quinto do volume celular total. A mitocôndria possui duas membranas, de acordo com os primeiros estudos de microscopia eletrônica realizados por George Palade e Fritjof Sjöstrand: uma membrana ex- terna lisa e uma membrana interna extremamente dobra- da, cujas invaginações são denominadas cristas (do latim: cristae). Assim a mitocôndria possui dois compartimentos, o espaço intermembranas e o espaço interno ou matriz. As enzimas que catalisam as reações da respiração são compo- nentes tanto da matriz, semelhante a gel, como da membrana mitocondrial interna. Essas enzimas acoplam a oxidação de nutrientes geradora de energia à síntese de trifosfato de ade- nosina (adenosine triphosphate [ATP], comumente chamado adenosina trifosfato, Seção 1.3B e Capítulo 22), que requer energia. O ATP exportado para o resto da célula provê a energia para os diversos processos celulares que consomem energia. As mitocôndrias são semelhantes às bactérias não so- mente no tamanho e na forma. Sua matriz contém DNA, RNA e ribossomos específicos que participam na síntese de vários componentes mitocondriais. Além disso, elas se repro- duzem por fissão binária, e os processos respiratórios media- dos por elas guardam uma semelhança notável com aqueles das bactérias aeróbias modernas. Essas observações con- duziram à hipótese defendida por Lynn Margulis e ampla- mente aceita atualmente de que as mitocôndrias evoluíram a partir de bactérias aeróbias gram-negativas de vida livre, as quais formaram uma relação simbiótica com um eucarioto anaeróbio primitivo. Os nutrientes supridos pelo eucarioto e consumidos pelas bactérias foram várias vezes recompensa- dos pelo metabolismo oxidativo altamente eficiente que as bactérias forneceram ao eucarioto. Essa hipótese é corrobo- rada pela observação que a ameba Pelomyxa palustris, um dos poucos eucariotos que não possui mitocôndrias, alberga bactérias aeróbias em uma relação simbiótica. d. Os lisossomos e os peroxissomos são receptáculos de enzimas degradativas Os lisossomos, descobertos em 1949 por Christian de Duve, são organelas delimitadas por uma única membrana que apresentam tamanhos e morfologia variáveis embora a maio- ria tenha diâmetros entre 0,1 e 0,8 �m. Os lisossomos, que consistem essencialmente em sacos membranosos contendo várias enzimas hidrolíticas, atuam na digestão de materiais ingeridos por endocitose e na reciclagem de componentes ce- lulares (Seção 32.6). Investigações citológicas revelaram que FIGURA 1.7 Micrografia eletrônica de varredura de um fibroblasto. (Cortesia de Guenther Albrecht-Buehler, Northwestern University, EUA.) Voet_01.indd 9Voet_01.indd 9 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 10 Donald Voet / Judith G. Voet os lisossomos se formam por brotamento a partir do apare- lho de Golgi. Os peroxissomos (também conhecidos como microcor- pos) são organelas com 0,5 �m de diâmetro, envoltas por membrana e que contêm enzimas oxidativas. Eles têm esse nome porque algumas reações peroxissômicas geram peró- xido de hidrogênio (H2O2), uma substância reativa que pode ser tanto utilizada na oxidação enzimática de outras substân- cias como pode ser degradada por meio da reação catalisada pela enzima catalase: Acredita-se que os peroxissomos atuem na proteção de componentes celulares sensíveis ao ataque oxidativo pelo H2O2. Determinadas plantas contêm um tipo especial de pe- roxissomo, o glioxissomo, assim chamado porque é o local de uma série de reações que constituem a rota do glioxilato (Seção 23.2). e. O citoesqueleto organiza o citosol O citosol, longe de ser uma solução homogênea, é um gel altamente organizado cuja composição pode variar de forma significativa ao longo da célula. Muito de sua variabilidade interna resulta da ação do citoesqueleto, um arranjo extenso de filamentos que provê a forma da célula e sua capacidade de se locomover, sendo também responsável pela organiza- ção e pelos movimentos de suas organelas (Fig. 1.8). Os microtúbulos, os componentes mais evidentes do ci- toesqueleto, são tubos com cerca de 250 Å de diâmetro com- postos pela proteína chamada tubulina (Seção 35.3G). Eles formam a estrutura de sustentação que guia os movimentos das organelas dentro da célula. Por exemplo, o fuso mitótico é um arranjo de microtúbulos e proteínas associadas que par- ticipam da separação dos cromossomos duplicados durante a divisão celular. Os microtúbulos são também os principais constituintes dos cílios, apêndices semelhantes a cabelos que se projetam de muitas células, cujos movimentos de chico- te movem o fluido circundante ou propulsionam as células através da solução. Cílios muito longos, como a cauda dos es- permatozoides, são denominados flagelos (os flagelos proca- rióticos, compostos pela proteína flagelina, são totalmente di- ferentes e não têm nenhuma relação com os dos eucariotos). Os microfilamentos são fibras com diâmetro de �90 Å formadas pela proteína actina. Tal como os microtúbulos, eles possuem uma função de suporte mecânico. Além dis- so, os microfilamentos, por meio de suas interações com a proteína miosina, formam arranjos contráteis responsáveis por muitos tipos de movimentos intracelulares, como o fluxo citoplasmático e a formação de protuberâncias ou de inva- ginações celulares. Notável, no entanto, é que a actina e a miosina são os principais componentes proteicos das células musculares (Seção 35.3A). Os filamentos intermediários, que constituem o tercei- ro componente importante do citoesqueleto, são fibraspro- teicas com diâmetro de 100 a 150 Å. Sua proeminência em regiões da célula sujeitas a estresse mecânico sugere que te- nham função de suporte de carga. Por exemplo, a pele dos animais superiores contém uma rede extensa de filamen- tos intermediários formada pela proteína queratina (Seção 8.2A), responsável pela resistência desta cobertura externa (a) (b) )d()c( FIGURA 1.8 Componentes do citoesqueleto mostrados por imunofluorescência. As células foram tratadas com anticorpos produzi- dos contra (a) tubulina, (b) actina, (c) queratina e (d) vimentina (uma proteína componente de um tipo de filamento intermediário) e a seguir coradas com anticorpos fluorescentes que reconhecem os anticorpos precedentes. (a e d: K.G. Murti/Visuals Unlimited; b: M. Schliwa/ Visuals Unlimited; c: cortesia de Mary Osborn, Max-Planck Institute for Biophysical Chemistry Göttingen, Alemanha.) Voet_01.indd 10Voet_01.indd 10 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 11 protetora. Ao contrário do que ocorre com os microtúbulos e microfilamentos, as proteínas que formam os filamentos in- termediários variam muito em tamanho e composição entre as diferentes células de um mesmo organismo e entre os mes- mos tipos celulares em organismos diferentes. f. As células vegetais são envolvidas por paredes celulares rígidas As células vegetais (Fig. 1.9) possuem todas as organelas pre- viamente descritas. Elas apresentam também várias carac- terísticas adicionais, sendo a mais evidente a parede celular rígida no lado externo da membrana plasmática. Essa parede celular, cujo principal componente é a celulose, um polissa- carídeo fibroso (Seção 11.2C), é responsável pela resistência estrutural das plantas. O vacúolo é um espaço rodeado por membrana e cheio de fluido. Embora os vacúolos ocorram em células animais, eles são mais proeminentes nas células vegetais, onde ocu- pam 90% do volume de uma célula adulta. Os vacúolos funcionam como locais de estoque de nutrientes, dejetos e produtos especializados, como pigmentos. A concentração relativamente alta de solutos dentro dos vacúolos das cé- lulas vegetais faz com que absorvam água osmoticamente, aumentando, assim, sua pressão interna. Esse efeito, combi- nado com a resistência da parede celular ao rompimento, é responsável em grande parte pela rigidez túrgida das plantas não lenhosas. g. Os cloroplastos são os locais de fotossíntese nos vegetais Uma das características das plantas é sua capacidade de rea- lizar fotossíntese. Isso acontece em uma organela conhecida como cloroplasto, que, embora em geral seja muito maior do que uma mitocôndria, assemelha-se a ela, pois também possui duas membranas, uma interna e outra externa. Além disso, o espaço delimitado pela membrana interna do cloroplasto, o estroma, é semelhante à matriz mitocondrial, porque con- tém muitas enzimas solúveis. Contudo, a membrana interna Plasmodesmo Aparelho de Golgi Mitocôndria Vacúolo Retículo endoplasmático Amiloplasto Parede celular Membrana plasmática Cloroplasto Núcleo Nucléolo FIGURA 1.9 Desenho de uma célula vegetal, juntamente com micrografias eletrônicas de suas organelas. (Plasmodesmo: Corte- sia de Hilton Mollenhauer, USDA, EUA; núcleo: Cortesia de Myron Ledbetter, Brookhaven National Laboratory, EUA; aparelho de Golgi: Cortesia de W. Gordon Whaley, University of Texas, EUA; cloroplasto: Cortesia de Lewis Shumway, College of Eastern Utah, EUA; amiloplasto: Biophoto Associates; retículo endoplasmático: Biophoto Associates/Photo Researchers.) Voet_01.indd 11Voet_01.indd 11 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 12 Donald Voet / Judith G. Voet do cloroplasto não apresenta cristas. O estroma possui um terceiro sistema de membranas que forma pilhas de sacos no formato de discos interconectados, chamados tilacoides, que contêm o pigmento fotossintético clorofila. O tilacoide usa a energia luminosa capturada pela clorofila para gerar ATP, que é utilizado, no estroma, para as reações biossintéticas ge- radoras de carboidratos e outros produtos (Capítulo 24). Assim como as mitocôndrias, os cloroplastos possuem o seu próprio DNA, RNA e ribossomos e reproduzem-se por fissão. Aparentemente, os cloroplastos, tal como as mi- tocôndrias, evoluíram de uma cianobactéria ancestral que estabeleceu uma relação simbiótica com um eucarioto ances- tral não fotossintetizante. Na verdade, vários eucariotos não fotossintetizantes modernos têm tal relação simbiótica com cianobactérias autênticas. Consequentemente, os eucariotos modernos em sua maioria são “híbridos” genéticos, uma vez que possuem simultaneamente linhagens de origem nuclear, mitocondrial, e – no caso de plantas – cloroplástica. B. Filogenia e diferenciação Uma das características mais marcantes dos eucariotos é sua enorme diversidade morfológica, tanto no nível celular quan- to no do organismo como um todo. Pode-se comparar, por exemplo, a arquitetura das diversas células humanas desenha- das na Fig. 1.10. Recordem-se, também, as grandes diferenças anatômicas entre uma ameba, um carvalho e um ser humano. O sistema taxonômico com base na morfologia geral e nas sequências de proteínas e de ácidos nucleicos (Seções 7.1 e 7.2) indica que os eucariotos podem ser classificados em três reinos: Fungi, Plantae (vegetais) e Animalia (animais). Contudo, a simplicidade estrutural relativa de muitos euca- riotos unicelulares torna sua classificação muito arbitrária sob esse esquema. Em consequência, esses organismos ge- ralmente são classificados em um quarto reino eucariótico, o Protista. (Notar que os sistemas de classificação biológica são uma conveniência para os biólogos; a natureza raramen- te é ordenada de forma tão clara.) A Fig. 1.11 apresenta uma árvore filogenética para os eucariotos. As comparações anatômicas entre os organismos vivos e os fósseis indicam que os diferentes reinos de organismos multicelulares evoluíram a partir dos protistas de forma inde- pendente (Fig. 1.11). Os programas de crescimento, diferen- ciação e desenvolvimento seguidos pelos animais multicelu- lares (os metazoa) na sua transformação de ovos fertilizados a organismos adultos proporcionam uma notável indicação de sua história evolutiva. Por exemplo, todos os vertebrados possuem bolsas branquiais nos estágios embrionários ini- ciais, as quais provavelmente refletem sua origem comum a partir de peixes (Fig. 1.12). Na verdade, esses embriões são similares em tamanho e anatomia, mesmo que as respectivas formas adultas exibam vastas diferenças nessas característi- cas. Tais observações levaram Ernst Haeckel a formular sua famosa (embora exagerada) máxima: a ontogenia resume a (a) Osteócito (b) Espermatozoide (c) Célula acinária pancreática (d) Neurônio FIGURA 1.10 Desenhos de algumas células humanas. (a) Um osteócito (célula óssea), (b) um espermatozoide, (c) uma célula acinária pancreática (secretora de enzimas digestivas) e (d) um neurônio (célula nervosa). Voet_01.indd 12Voet_01.indd 12 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 13 Plantas Gimnospermas Angiospermas Ascobolus Vertebrados Neurospora Artrópodos Urocordados Equinodermas Moluscos Nematódeos Líquens, briófitas (hepáticas) Algas marrons Samambaias Algas azuis-esverdeadas Diatomáceas Cianobactérias Cloroplastos Bactérias púrpuras Mixobactérias Mitocôndria Gram-positivas Bacteria Procarioto ancestral Archaea Leveduras Algas vermelhas Esponjas Celenterados Fungos gelatinosos Pr ot oz oá rio s Heliozoansus Ciliados Dinoflagelados Amebas Fungos Animais Eu ca ri ot os m ul ti ce lu la re s Eu ca ri ot os u ni ce lu la re s (P ro ti st a) P ro ca ri ot osFIGURA 1.11 Árvore evolutiva que indica as linhas de origem da vida celular na Terra. Voet_01.indd 13Voet_01.indd 13 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 14 Donald Voet / Judith G. Voet filogenia (ontogenia � desenvolvimento biológico). A elu- cidação do mecanismo da diferenciação celular nos eucario- tos é uma das principais metas de longo prazo da bioquímica moderna. 3 BIOQUÍMICA: PRÓLOGO A bioquímica, como o nome indica, é a química da vida. Por conseguinte, ela liga a química, o estudo das estruturas e in- terações de átomos e moléculas, com a biologia, o estudo das estruturas e interações de células e organismos. Uma vez que os seres vivos são compostos de moléculas inanimadas, a vida, no seu nível mais básico, é um fenômeno bioquímico. Embora os organismos vivos mostrem uma enorme di- versidade nas suas propriedades macroscópicas, existe uma notável similaridade na sua bioquímica, o que provê um tema unificador para estudá-los. Por exemplo, a informação genética é codificada e expressa de uma maneira quase idên- tica em todas as formas de vida. Além disso, a série de rea- ções bioquímicas, conhecidas como rotas metabólicas, assim como as estruturas das enzimas que as catalisam, são, para muitos processos básicos, quase idênticas entre um organis- mo e outro. Isso sugere fortemente que todas as formas co- nhecidas de vida descendam de um único ancestral primitivo, no qual essas características bioquímicas se desenvolveram pela primeira vez. Embora a bioquímica seja um campo altamente diver- sificado, trata basicamente de um número limitado de ques- tões inter-relacionadas, enumeradas a seguir: 1. Qual é a estrutura química e tridimensional das molé- culas biológicas, como elas formam estas estruturas e como suas propriedades variam com elas? 2. Como as proteínas funcionam; ou seja, quais são os me- canismos moleculares da catálise enzimática, como os recep- tores reconhecem e se ligam a moléculas específicas e quais são os mecanismos intra e intermoleculares pelos quais os re- ceptores transmitem informações de acordo com o seu sítio de ligações? 3. Como a informação genética é expressa e como é trans- mitida para as futuras gerações celulares? 4. Como são sintetizadas as moléculas biológicas e as orga- nelas? 5. Quais são os mecanismos de controle que coordenam a grande variedade de reações bioquímicas que acontecem nas células e nos organismos? 6. Como as células e os organismos crescem, se diferenciam e se reproduzem? Estas questões serão abordadas preliminarmente nesta seção e esclarecidas nos capítulos subsequentes. Contudo, o conhecimento em todos os casos, apesar de extenso, é muito pequeno se comparado à ignorância, como se tornará obvio à medida que a leitura avançar. A. Estruturas biológicas Os seres vivos são bastante complexos. Conforme está indi- cado na Seção 1.1A, mesmo as células relativamente simples de E. coli contêm de 3 a 6 mil compostos diferentes, a maioria dos quais é exclusiva deste organismo (Fig. 1.13). Os organis- mos superiores apresentam uma complexidade ainda maior. O Homo sapiens (ser humano), por exemplo, pode possuir 100.000 tipos diferentes de moléculas, embora tenha sido caracterizada somente uma pequena fração delas. Por isso, poderia-se supor que seria uma tarefa muito difícil obter-se uma compreensão bioquímica coerente de um determinado organismo. Esse, entretanto, não é o caso. Os seres vivos têm uma regularidade básica que deriva do fato de serem construí- dos de uma maneira hierárquica. Estudos anatômicos e cito- lógicos têm mostrado que os organismos multicelulares são organizações de órgãos, os quais são constituídos de tecidos, que consistem em células compostas de organelas subcelu- lares (p. ex., Fig. 1.14). Neste ponto da origem hierárquica, entra-se no campo da bioquímica, uma vez que as organelas consistem em arranjos supramoleculares como as membra- Peixe Bolsas branquiais HumanoGalinhaSalamandra FIGURA 1.12 Desenvolvimento embrionário de um peixe, um anfíbio (salamandra), uma ave (galinha) e um mamífero (hu- mano). Nos estágios iniciais, eles são semelhantes tanto em ta- manho como em anatomia (os desenhos no topo da figura estão aproximadamente na mesma escala), embora agora se saiba que suas similaridades não são tão grandes como indicam esses de- senhos clássicos. Posteriormente eles divergem em ambas as ca- racterísticas. (De acordo com Haeckel, E., Anthropogenie oder Entwickelungsgeschichte des Menschen, Engelmann [1874].) Voet_01.indd 14Voet_01.indd 14 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 15 nas ou fibras, que estão organizadas em grupos de macro- moléculas (moléculas poliméricas com massas moleculares acima de mil daltons). A Tabela 1.1 indica que E. coli e os seres vivos em ge- ral possuem apenas alguns tipos diferentes de macromolé- culas: proteínas (do grego: proteios, de fundamental impor- tância; um termo cunhado por Jacob Berzelius em 1838), ácidos nucleicos e polissacarídeos (do grego: sakcharon, açúcar). Todas essas substâncias são construídas de forma modular; elas consistem em unidades monoméricas unidas que ocupam o nível mais baixo da hierarquia estrutural. Assim, como indica a Fig. 1.15, as proteínas são polímeros de aminoácidos (Seção 4.1B), os ácidos nucleicos são polí- meros de nucleotídeos (Seção 5.1) e os polissacarídeos são polímeros de açúcares (Seção 11.2). Os lipídeos (do gre- go: lipos, gordura), a quarta classe principal de moléculas biológicas, são pequenos demais para serem classificados como macromoléculas, mas também apresentam uma cons- trução modular (Seção 12.1). A tarefa do bioquímico foi bastante simplificada pela descoberta da existência de relativamente poucas espécies de unidades monoméricas que ocorrem em cada uma das classes de macromoléculas biológicas. Todas as proteínas são sinteti- zadas a partir dos mesmos 20 tipos de aminoácidos, os ácidos nucleicos são formados a partir de 8 tipos de nucleotídeos (4 no DNA e 4 no RNA), e cerca de 8 tipos de açúcares for- mam os polissacarídeos. A grande variação observada nas propriedades de cada tipo de macromolécula tem origem basicamente no enorme número de maneiras pelas quais as unidades monoméricas podem ser combinadas e, em muitos casos, modificadas. Uma das questões centrais na bioquímica é como são formadas as estruturas biológicas. Conforme será explicado nos capítulos subsequentes, as unidades monoméricas das E. coli Ribossomo LipopolissacarídeosProteínas FosfolipídeomRNA tRNA DNA Lipoproteína Peptideoglicano Flagelo FIGURA 1.13 Corte transversal simulado de uma célula de E. coli ampliada cerca de um milhão de vezes. O lado direito do de- senho mostra a membrana celular e a parede celular camadas com sua superfície externa adornada por lipopolissacarídeos (Seção 11.3Bc). Um flagelo (abaixo, à direita) é movido por um motor ancorado na membrana interna (Seção 35.3I). O citoplasma, que ocupa a região central do desenho, é ocupado, predominantemente, pelos ribossomos envolvidos na síntese proteica (Seção 32.3). O lado esquerdo do desenho contém um emaranhado de DNA complexado com proteínas específicas. Somente as macromoléculas maiores e os grupos de moléculas estão sendo mostrados. O espaço remanescente do citoplasma em uma célula viva está cheio de moléculas menores e de água (uma molécula de água tem o tamanho do ponto no final desta frase). (Segundo desenho feito por David Goodsell, UCLA, EUA.) Voet_01.indd 15Voet_01.indd 15 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 16 Donald Voet / Judith G. Voet (b) Órgão: pele (c) Tecido: epiderme (d) Célula: célula basal (e) Organela: mitocôndria (g) Macromolécula: citocromo c (f) Organização supramolecular: membrana mitocondrial interna Cadeia polipeptídica (a) Organismo: ser humano1 m Lipídeo Heme Proteína 100 �m 5 �m 1 �m 10 Å 100 Å 1 mm FIGURA 1.14 Exemplo da organização hierárquica das estruturas biológicas. Voet_01.indd 16Voet_01.indd 16 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 17 macromoléculas são obtidas diretamente pela célula como nutrientes ou sintetizadas enzimaticamente a partir de subs- tâncias mais simples. As macromoléculas são sintetizadas a partir de seus precursores monoméricos por processos com- plexos mediados enzimaticamente. As proteínas recém-sintetizadas adotam espontanea- mente sua conformação nativa (Seção 9.1A), isto é, elas passam por uma automontagem. Aparentemente, suas se- quências de aminoácidos especificam as suas estruturas tridimensionais. Da mesma forma, as estruturas dos outros tipos de macromoléculas são especificadas pela sequência de suas unidades monoméricas. O princípio da automonta- gem estende-se até o nível da organização supramolecular. Contudo, é muito pouco conhecida a maneira pela qual são gerados os níveis mais altos das estruturas biológicas. A elu- cidação dos mecanismos do crescimento e da diferenciação das células e dos organismos é uma das principais áreas da pesquisa biológica. B. Processos metabólicos Existe um conjunto gigantesco de reações químicas que ocor- rem simultaneamente em qualquer célula viva. Porém, essas reações seguem um padrão que as organiza em um processo coerente denominado vida. Por exemplo, a maioria das rea- ções biológicas faz parte de rotas metabólicas, isto é, elas fa- zem parte de uma sequência de reações que gera um ou mais produtos específicos. Além disso, uma das características da vida é que as velocidades de suas reações são controladas de forma tão rígida que raramente a necessidade por um rea- gente em uma rota metabólica não é satisfeita, ou que algum produto desnecessário seja gerado. O metabolismo é tradicionalmente dividido (embora não necessariamente de forma lógica) em duas grandes ca- tegorias: 1. Catabolismo ou degradação, no qual os nutrientes e os constituintes celulares são degradados para recuperar seus componentes e/ou para gerar energia. 2. Anabolismo ou biossíntese, no qual as biomoléculas são sintetizadas a partir de componentes mais simples. A energia necessária para os processos anabólicos é forne- cida pelos processos catabólicos basicamente na forma de trifosfato de adenosina (ATP). Por exemplo, os processos geradores de energia, como a fotossíntese e a oxidação bio- lógica dos nutrientes, produzem ATP a partir de difosfato de adenosina (ADP – adenosine diphosphate) e um íon fosfato. Difosfato de adenosina (ADP) Trifosfato de adenosina (ATP) Reciprocamente, os processos que consomem energia, como a biossíntese, o transporte de moléculas contra um gradiente de concentração e a contração muscular, ocorrem pela rever- são dessa reação, ou seja, pela hidrólise do ATP: Assim, os processos catabólicos e anabólicos estão acopla- dos por intermédio do ATP, a “moeda” energética biológica universal. ProlinaSerinaLeucina Resíduos de aminoácidos TirosinaAlaninaProteína CitosinaAdeninaTimina Nucleotídeos GuaninaÁcido nucleico Adenina Resíduos de açúcar Polissacarídeo Glicose Galactose Manose Frutose Glicose FIGURA 1.15 Organização polimérica de proteínas, ácidos nucleicos e polissacarídeos. Voet_01.indd 17Voet_01.indd 17 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 18 Donald Voet / Judith G. Voet C. Expressão e transmissão da informação genética O ácido desoxirribonucleico (DNA) é o principal depósito da informação genética. Esta macromolécula, cujo esquema está na Fig. 1.16, consiste em duas cadeias de nucleotídeos, sendo cada um deles composto por um resíduo do açú- car desoxirribose, um grupo fosforil e uma das quatro bases: adenina (A), timina (T), guanina (G) ou citosina (C). A in- formação genética está codificada na sequência dessas bases. Cada base do DNA está ligada, por ligações de hidrogênio, a uma base na cadeia oposta, formando uma entidade conhe- cida como um par de bases. No entanto, A só pode formar li- gação de hidrogênio com T, enquanto G só pode formar com C, de modo que as duas cadeias são complementares, isto é, a sequência de uma cadeia implica na sequência da outra. A divisão de uma célula deve ser acompanhada da re- plicação do seu DNA. Nesse processo mediado enzimatica- mente, cada cadeia de DNA atua como um molde na for- mação de sua cadeia complementar (Fig. 1.17; Seção 5.4C). Consequentemente, cada célula da progênie contém uma molécula completa de DNA (ou um grupo de moléculas de DNA) consistindo, cada uma delas, em uma cadeia paren- tal e uma cadeia-filha. As mutações surgem quando uma ou mais bases erradas são incorporadas à cadeia-filha por meio de erros raros de leitura ou por dano na cadeia parental. A maioria das mutações é inócua ou prejudicial. Contudo, oca- sionalmente uma delas pode resultar em uma nova caracte- rística que confere algum tipo de vantagem seletiva ao orga- nismo. De acordo com os princípios da teoria Darwiniana, os indivíduos com tais mutações têm uma probabilidade au- O O CH2 O O O O O O �O �O O O O O O O O O O O O� O� CH2 CH2 CH2 CH2 CH3 CH2 O O O O O N N N N N N N N N N N N N N H H H H N H H H H CH CH CH CH CH CH HC H2C H2C HC HC HC HC HC P P P P P P P P P P P P T Esqueleto de açúcar-fosfato Desoxirribose Fosfato Esqueleto de açúcar-fosfato Pareamento de bases complementares A C C G G T T C G A A FIGURA 1.16 DNA fita dupla. As duas cadeias polinucleo- tídicas associam-se por meio do pareamento de bases comple- mentares. A base A pareia com T e a base G pareia com C por meio de ligações de hidrogênio específicas. Velha Velha Nova Nova Velha Nova Nova Velha G G GG G GG G TT A. . . A T. . . T A. . . T A. . . A TA T. . . T A. . . T A. . . T A. . . T A. . . A T. . . T A. . . TT A. . . A TA T. . . T A. . . A T. . . T A. . . A T. . . GG CC. . . G C. . . T A. . . C G. . . A TT. . . G C. . . C G. . . A T. . . T A. . . C G. . . G T TT TT GG C C G. . . C A G C G. . . C G. . . FIGURA 1.17 Desenho esquemático da replicação do DNA. Cada fita de DNA parental (em vermelho) serve como molde para a síntese de uma fita-filha complementar (em verde). Con- sequentemente, as moléculas resultantes com fita dupla são idênticas. Voet_01.indd 18Voet_01.indd 18 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 19 mentada de reprodução. Por meio da sucessão dessas muta- ções, surgem novas espécies. A expressão da informação genética é um processo com dois estágios. No primeiro estágio, chamado transcrição, uma das fitas do DNA serve de molde para a síntese de uma fita complementar de ácido ribonucleico (RNA; Seção 31.2). Esse ácido nucleico, que em geral possui uma única fita, di- fere quimicamente do DNA (Fig. 1.16) por ter a ribose como o resíduo de açúcar no lugar da desoxirribose do DNA, e a base uracila (U) substituindo a timina. HO O H H H H OH Ribose Uracila OH CH2 OH O H N H N O H H No segundo estágio da expressão gênica, conhecido como tradução, os ribossomos catalisam a ligação dos ami- noácidos para formar as proteínas (Seção 32.3). A ordem de ligação dos aminoácidos é determinada pela sequência de bases do RNA. Consequentemente, uma vez que as proteí- nas são automontadas, a informação genética codificada pelo DNA especifica a estrutura e a função das proteínas, por intermédio do RNA. Sistemas regulatórios complexos,cuja atuação é ainda pouco esclarecida, controlam exatamente a expressão dos genes em uma dada célula sob determinadas circunstâncias. 4 GENÉTICA: UMA REVISÃO É suficiente observar as semelhanças entre pais e filhos para se perceber que as características físicas são herda- das. No entanto, o mecanismo da herança era desconheci- do até a metade do século XX. A teoria da pangenia, que teve origem na Grécia antiga, sustenta que o sêmen, que claramente está relacionado com a procriação, consiste em partículas representativas de todas as partes do corpo (pan- gênese). Essa ideia foi ampliada no final do século XVIII por Jean Baptiste de Lamarck, cuja teoria, conhecida como lamarquismo, propunha que características individuais ad- quiridas, como, por exemplo, músculos mais desenvolvidos resultantes de exercício, seriam transmitidas para a progê- nie. A pangênese e alguns aspectos do lamarquismo foram aceitos pela maioria dos biólogos do século XIX, inclusive por Charles Darwin. A compreensão, em meados do século XIX, de que todos os organismos são derivados de uma única célula definiu o início do desenvolvimento da biologia moderna. Na sua teoria do plasma germinal, August Weismann ob- servou que as células germinativas, o espermatozoide e o óvulo (cujas células primordiais são reservadas já no início do desenvolvimento embrionário), descendem diretamente das células germinativas da geração anterior, enquanto as outras células do corpo, as células somáticas, embora sejam derivadas das germinativas, não dão origem a elas. Ele refu- tou as ideias da pangênese e do lamarquismo pela demons- tração que a progênie de muitas gerações sucessivas de ca- mundongos que tiveram suas caudas cortadas tinha cauda de comprimento normal. A. Cromossomos Em 1860, observou-se que o núcleo das células eucarióticas continha corpos lineares, que foram denominados cromos- somos (do grego: chromos, cor � soma, corpo) porque eram fortemente corados por determinados corantes básicos (Fig. 1.18). Existem, normalmente, duas cópias de cada cromosso- mo (pares homólogos) em cada célula somática. O número (N) de cromossomos dessa célula é conhecido como o nú- mero haploide, e o total (2N) é o número diploide. Espécies diferentes diferem no seu número haploide de cromossomos (Tabela 1.2). FIGURA 1.18 Cromossomos. Fotomicrografia de uma célula vegetal (Scadoxus katherinae Bak.) durante a anáfase da mitose, que mostra os cromossomos sendo puxados pelo fuso mitótico para os polos opostos da célula. Os microtúbulos formadores do fuso estão corados em vermelho e os cromossomos estão em azul. (Cortesia de Andrew S. Bajer, University of Oregon, EUA.) TABELA 1.2 Número de cromossomos (2N) em alguns eucariotos Organismo Cromossomos Homem 46 Cão 78 Rato 42 Peru 82 Sapo 26 Mosca-das-frutas 8 Caranguejo eremita �254 Ervilha 14 Batata 48 Levedura 34 Algas azul-esverdeadas �20 Fonte: Ayala, F.J. & Kiger, J.A., Jr., Modern Genetics (2nd ed.), p. 9, Benjamin/ Cummings (1984). Voet_01.indd 19Voet_01.indd 19 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 20 Donald Voet / Judith G. Voet a. As células somáticas dividem-se por mitose O processo de divisão das células somáticas, conhecido como mitose (Fig. 1.19), é precedido pela duplicação dos cromos- somos para formar uma célula 4N. Durante a divisão celular, cada cromossomo se liga pelo centrômero ao fuso mitótico, de forma que os membros de cada par duplicado se posicio- nam na placa equatorial da célula. Eles são então puxados pela ação do fuso para os polos opostos da célula em divisão, gerando células-filhas diploides que possuem o mesmo nú- mero 2N de cromossomos da célula parental. b. As células germinativas são formadas por meiose O processo de formação das células germinativas, conhecido como meiose (Fig. 1.20), requer duas divisões celulares su- cessivas. Antes da primeira divisão meiótica, cada cromosso- mo é replicado, mas as cromátides-irmãs permanecem unidas pelos centrômeros. Os pares homólogos dos cromossomos duplicados posicionam-se no plano equatorial da célula em uma forma semelhante a um zíper, o que permite uma troca entre partes correspondentes dos cromossomos homólogos em um processo conhecido como recombinação. O fuso en- tão conduz os membros de cada par homólogo para os polos opostos da célula, de modo que, depois da primeira divisão meiótica, cada célula-filha contém um número 2N de cro- mossomos. Na segunda divisão meiótica, as cromátides-ir- mãs separam-se para formar os cromossomos e deslocam-se para os polos opostos da célula, gerando um total de quatro células haploides conhecidas como gametas. A fertilização consiste na fusão de um gameta masculino (espermatozoi- de) com um gameta feminino (óvulo), gerando uma célula diploide conhecida como zigoto que recebeu N cromossomos de cada um de seus pais. B. A herança mendeliana As leis básicas da herança foram enunciadas em 1866 por Gregor Mendel. Elas foram elucidadas por meio da análise de uma série de cruzamentos genéticos entre linhagens puras (que produzem uma progênie que possui as mesmas caracte- rísticas dos pais) de ervilhas, Pisum sativum, que diferem em determinadas características bem-definidas, como forma da semente (lisa versus rugosa), cor da semente (amarela versus verde) ou cor da flor (púrpura versus branca). Mendel desco- briu que o cruzamento entre pais (P) que diferem em uma úni- ca característica, por exemplo, forma da semente, produz uma progênie (F1; primeira geração) em que todos os indivíduos possuem a característica de um dos pais, neste caso, sementes lisas (Fig. 1.21). A característica que aparece na F1 é dita do- minante, enquanto a característica alternativa é chamada de recessiva. Na F2, ou seja, a progênie da F1, três quartos têm a característica dominante e um quarto, a característica recessi- va. Aquelas ervilhas com a característica recessiva fornecem uma linhagem pura, isto é, o autocruzamento da progênie F2 recessiva resulta em uma progênie (F3) que também possui a característica recessiva. Aquelas que exibem a característica dominante de F2, contudo, pertencem a duas categorias: um terço delas fornece linhagens puras, enquanto as demais for- nece uma progênie com a mesma relação dos membros da F2, ou seja, 3:1 de característica dominante para recessiva. Mendel justificou suas observações com a hipótese que os vários pares de características contrastantes resultam de Mitose Interfase (2N) Replicação do DNA Prófase (4N) Metáfase (4N) Anáfase (4N) Telófase Citocinese quase completa. As células resultantes são 2N Divisão celular As cromátides tornam-se visíveis Os cromossomos se alinham ao fuso Cada cromátide se move para polos opostos Começa a divisão celular (citocinese) Os cromossomos não são visíveis como estruturas distintas FIGURA 1.19 Mitose, a forma mais usada de divisão celular nos eucariotos. A mitose dá origem a duas células-filhas, cada uma contendo o mesmo número de cromossomos da célula parental. Voet_01.indd 20Voet_01.indd 20 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 21 um fator (agora chamado gene) que tem formas alternativas (alelos). Cada planta contém um par de genes para uma ca- racterística em particular, um herdado do pai e outro da mãe. Os alelos para a forma da semente são simbolizados com a letra R para as sementes lisas e r para as rugosas (os símbolos dos genes em geral são grafados em itálico). As plantas puras com sementes lisas e rugosas têm, respectivamente, genóti- pos RR e rr (composição genética) e são ambas homozigotas para a forma da semente. As plantas com o genótipo Rr são heterozigotas para a forma da semente e têm o fenótipo de semente lisa (aparência ou caractere), porque R é dominante sobre r. Os dois alelos nãose combinam nem se misturam na planta e são transmitidos independentemente, pelos gametas, para a progênie (Fig. 1.22). Mendel descobriu também que características diferentes são herdadas independentemente. Por exemplo, o cruzamen- to de ervilhas com sementes lisas e amarelas (RRYY) com ervilhas com sementes rugosas e verdes (rryy) resulta em uma progênie F1 (RrYy) que tem sementes lisas amarelas (sementes amarelas são dominantes sobre sementes ver- des). O fenótipo da F2 aparece na proporção de 9 amarelas lisas, 3 verdes lisas, 3 amarelas rugosas, 1 verde rugosa. Esse resultado indica que não existe tendência para os genes de Meiose Interfase (2N) Replicação do DNA Prófase intermediária I (4N) Par de cromossomos homólogos; a duplicação não é visível Os cromossomos homólogos alinham-se ao longo do fuso Anáfase I (2N) Anáfase II (2N) Telófase II Citocinese quase completa Os gametas resultantes são N Divisão celular II Metáfase II (2N) Divisão celular I Cromossomos com cromátides-irmãs movem-se para polos opostos A duplicação já é visível Prófase tardia I (4N) Metáfase I (4N) FIGURA 1.20 Meiose, processo que leva à formação dos game- tas (células sexuais). Na meiose, ocorrem duas divisões celulares consecutivas, originando quatro células-filhas, cada uma conten- do a metade do número de cromossomos da célula parental. � � � � com sementes rugosas14com sementes lisas 3 4 Sementes rugosas Sementes lisas Geração F1 (todas as sementes lisas) Geração F2 Geração P FIGURA 1.21 Cruzamentos genéticos. O cruzamento de uma planta de ervilha de sementes lisas com uma de sementes rugo- sas gera uma progênie F1 na qual todas as sementes são lisas. O cruzamento de indivíduos da F1 dá origem a uma geração F2, na qual três quartos possuem sementes lisas e um quarto tem sementes rugosas. Voet_01.indd 21Voet_01.indd 21 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 22 Donald Voet / Judith G. Voet algum dos pais de se agrupar (Fig. 1.23). Posteriormente foi mostrado, no entanto, que somente os genes que estão em cromossomos diferentes possuem essa independência. A dominância de uma característica sobre outra é um fenômeno comum, mas não universal. Por exemplo, o cru- zamento de uma variedade pura vermelha da boca-de-leão Antirrhinum com uma variedade pura branca resulta em uma progênie F1 cor-de-rosa. A progênie F2 tem flores vermelhas, cor-de-rosa e brancas na proporção de 1:2:1, porque os ho- mozigotos para a cor vermelha (AA) possuem mais pigmento do que os heterozigotos (Aa; Fig. 1.24). A característica ver- melha e a branca são, por isso, denominadas codominantes. No caso de codominância, o fenótipo revela o genótipo. Um dado gene pode ter alelos múltiplos. Um exemplo bem conhecido é o do sistema de grupo sanguíneo ABO (Seção 12.3E). Uma pessoa pode ter o tipo A, B, AB ou tipo O, dependendo de quais antígenos, A, B, ambos ou nenhum, existem nas suas hemácias. Os antígenos A e B são determi- nados pelos alelos codominantes IA e IB respectivamente, e o tipo O é homozigoto para o alelo recessivo i. C. Teoria cromossômica da herança A teoria da herança de Mendel foi praticamente ignorada por seus contemporâneos. Em parte porque, para analisar os dados, ele usou a teoria das probabilidades, um assunto estranho para a maioria dos biólogos da época. No entan- to, a principal razão para que sua teoria tenha sido ignorada é porque ela estava adiante do seu tempo: o conhecimento contemporâneo da anatomia e da fisiologia não fornecia dados suficientes para a sua compreensão. Por exemplo, a mitose e a meiose ainda não tinham sido descobertas. Não obstante, depois que o trabalho de Mendel foi redescober- to em 1900, ficou claro que os seus princípios explicavam a herança dos animais assim como a das plantas. Em 1903, como resultado da constatação que cromossomos e genes se comportam de forma semelhante, Walter Sutton formulou a teoria cromossômica da herança, na qual ele supunha que os genes eram fragmentos dos cromossomos. A primeira característica a ter sua localização cromossô- mica determinada foi a do sexo. Na maioria dos eucariotos, as células das fêmeas possuem duas cópias do cromossomo X(XX), enquanto as células dos machos possuem uma cópia do X e um cromossomo Y, morfologicamente diferente (XY; � RR14 r12 r 1 2 R12 R 1 2 Rr12 sementes lisas 3 4 Gametas Gametas Geração F1 Geração F2 RR R r Rr Rr Todas lisas (Rr) rr Geração P � � rr14 sementes rugosas Lisa (RR) Rugosa (rr) 1 4� Gametas FIGURA 1.22 Genótipos e fenótipos. Em um cruzamento entre ervilhas de sementes lisas e ervilhas de sementes rugo- sas, a geração F1 apresenta o fenótipo liso porque o genótipo liso é dominante sobre o genótipo rugoso. Na geração F2,, três quartos têm sementes lisas e um quarto tem sementes rugosas, porque os genes para esses alelos são transmitidos independen- temente por gametas haploides. �Gametas Gametas Geração F1 Geração F1 RY ry Geração P Amarela lisa RR YY Amarela lisa Rr Yy Verde rugosa rr yy (RR YY)116 (Rr YY) 2 16� � (RR Yy)216 9 16(Rr Yy) 4 16 sementes amarelas e lisas� � (RR yy)116 3 16(Rr yy) 2 16 sementes verdes e lisas� � (rr YY)116 3 16(rr Yy) 2 16 sementes amarelas e rugosas� � 1 16(rr yy) 1 16 sementes verdes e rugosas� Gametas RR YY Rr YY Rr YY rr YY RR yy Rr yy Rr yy rr yy RR Yy Rr Yy Rr Yy rr Yy RR Yy Rr Yy Rr Yy rr Yy RY14 RY 1 4 rY14 Ry14 ry14 rY14 Ry14 ry14 FIGURA 1.23 Agrupamento independente. Os genes para as sementes de ervilha do tipo liso (R) versus rugoso (r) e ama- relo (Y) versus verde (y) se agrupam independentemente. A geração F2 consiste em nove genótipos abrangendo os quatro fenótipos possíveis. Voet_01.indd 22Voet_01.indd 22 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 23 Fig. 1.25). Portanto, o óvulo deve ter somente um cromosso- mo X, enquanto o espermatozoide pode ter um X ou um Y (Fig. 1.25). A fertilização por um espermatozoide portando um X resulta em zigoto fêmea, e a fertilização por um es- permatozoide portando um Y, resulta em zigoto macho. Isso explica a relação 1:1 de machos para fêmeas, observada na maioria das espécies. Os cromossomos X e Y são denomina- dos cromossomos sexuais, e os demais são conhecidos como autossômicos. a. A mosca-das-frutas é o modelo genético favorito O ritmo das pesquisas genéticas foi bastante acelerado depois que Thomas Hunt Morgan começou a utilizar a mosca-das- -frutas Drosophila melanogaster como modelo experimental. Esse pequeno e prolífico inseto (Fig. 1.26), que frequente- mente é visto pairando sobre frutas maduras no verão e no outono, é facilmente mantido no laboratório, produzindo uma nova geração a cada 14 dias. Utilizando a Drosophila, os resultados dos cruzamentos genéticos podem ser determi- nados 25 vezes mais rapidamente do que com as ervilhas. A Drosophila é atualmente o organismo superior melhor carac- terizado geneticamente. A primeira linhagem mutante de Drosophila conhecida tem olhos brancos em vez dos olhos vermelhos do tipo sel- vagem (que ocorre na natureza). Por meio de cruzamentos � AA14 a12 a 1 2 A12 A 1 2 vermelha14 Gametas Gametas Geração F1 Geração F2 AA A a Aa Aa Todas cor-de-rosa (Aa) aa Geração P Vermelha (AA) Branca (aa) � Aa12 cor-de-rosa 1 2� aa14 branca 1 4� Gametas FIGURA 1.24 Codominância. No cruzamento de boca-de-leão com flores vermelhas (AA) e com flores brancas (aa), a geração F1 tem flores cor-de-rosa (Aa), o que demonstra que os alelos A e a são codominantes. As flores da F2 são vermelhas, cor-de-rosa e brancas na proporção 1:2:1. 1 2 XYX X Geração P PaiMãe X X Óvulo Espermatozoide X Y � (XX) (XY) (XY) (XX) X X X Y 1 2 1 2 1 2 1 2 (XX) � 1 2 (XY) Gametas Progênie FIGURA 1.25 Segregação independente. A segregação inde- pendente dos cromossomos sexuais, X e Y, resulta na propor- ção 1:1 de fêmeas e de machos. FIGURA 1.26 A mosca-das-frutas Drosophila melanogaster. O macho (à esquerda) e a fêmea (à direita) estão representados em seus tamanhos relativos; seu tamanho real é de �2 mm de comprimento e pesam �1 mg. Voet_01.indd 23Voet_01.indd 23 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 24 Donald Voet / Judith G. Voet A B A B a b A B A b a b a b A B A B A b a b a b a B a B Células diploides Duplicação de cada cromossomo para formar duas cromátides Pareamento das cromátides homólogas, seguido da recombinação do par de cromátides Primeira divisão meiótica 4 Células haploides Segunda divisão meiótica Centrômero Cromátides A B a b a B A b (a) (b) FIGURA 1.27 Recombinação. (a) Micrografia eletrônica, juntamente com um desenho interpretativo, de dois pares de cromáti- des homólogas durante a meiose no gafanhoto Chorthippus parallelus. As cromátides não irmãs (cores diferentes) podem recom- binar em qualquer um dos pontos onde se cruzam. (Cortesia de Bernard John, The Australian National University, Austrália.) (b) Desenho esquemático da recombinação dos pares de genes alelos (A, B) e (a, b) durante a permutação. um homozigoto para a outra. Se as duas características são não alélicas, a progênie terá o fenótipo selvagem, porque um dos cromossomos homólogos supre a função selvagem que o outro não possui; isto é, eles se complementam. Por exem- plo, o cruzamento de uma Drosophila homozigota para uma genéticos entre a linhagem de olhos brancos e o tipo selva- gem, Morgan mostrou que a distribuição do gene para olho branco (wh) se assemelha à do cromossomo X. Isso indica que o gene wh está localizado no cromossomo X e que o cro- mossomo Y não o possui. Diz-se, portanto, que esse gene é ligado ao sexo. b. Os mapas genéticos podem ser construídos a partir de uma análise das velocidades de recombinação Nos anos subsequentes, foi determinada a localização cro- mossômica de muitos genes da Drosophila. Os genes que estão no mesmo cromossomo não segregam independente- mente. No entanto, quaisquer pares de tais genes ligados recombinam (trocam posições relativas com seus alelos no cromossomo homólogo) com uma frequência característica. Foi observado que a base citológica desse fenômeno ocor- re no início da meiose, quando os cromossomos homólogos duplicados se dispõem em paralelo (metáfase I; Fig. 1.20). As cromátides homólogas trocam segmentos equivalentes por recombinação (Fig. 1.27). A localização cromossômi- ca do ponto de recombinação varia, ao acaso, de evento para evento. Consequentemente, a frequência de recom- binação de um par de genes ligados varia diretamente com a sua separação física ao longo do cromossomo. Morgan e Alfred Sturtevant utilizaram esse fenômeno para mapear (localizar) as posições relativas dos genes nos quatro cro- mossomos da Drosophila. Esses estudos demonstraram que os cromossomos são estruturas lineares e não ramificadas. Sabe-se agora que tais mapas genéticos (Fig. 1.28) são pa- ralelos à sequência correspondente de bases do DNA nos cromossomos. c. Os genes não alélicos se complementam Um teste de complementação pode determinar se duas ca- racterísticas recessivas que afetam funções similares são ou não alélicas (diferentes formas do mesmo gene). Nesse teste, um homozigoto para uma das características é cruzado com Voet_01.indd 24Voet_01.indd 24 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 Bioquímica 25 mutação de cor de olho conhecida como púrpura (pr) com uma homozigota para outra mutação de cor de olho conheci- da como castanho (bw) gera uma progênie com cor de olho selvagem, demonstrando, assim, que esses dois genes não são alelos (Fig. 1.29a). Em contraste, no cruzamento de uma fêmea de Drosophila homozigota para o alelo branco de cor de olho ligado ao sexo (wh) com um macho que possui o alelo café de cor de olho também ligado ao sexo (cf), a progênie fêmea não apresenta a cor de olho do tipo selvagem (Fig. 1.29b). Os genes wh e cf, portanto, devem ser alelos. d. Os genes comandam a expressão de proteínas A questão de como os genes controlam as características dos organismos levou algum tempo para ser respondida. Archibald Garrod foi o primeiro a sugerir uma conexão es- pecífica entre genes e enzimas. Os indivíduos com alcapto- nuria produzem urina que escurece em contato com o ar, Unidades Símbolo de mapa do gene 0Aristas longas Asas longas 13 31 Pernas longas 5 tarsos 48,5 Corpo cinza Olhos vermelhos Asas longas 54,5 67 Asas retas 75,5 99,2 Olhos vermelhos 104 Olhos castanhos Asas em arcoAsas retas Asas curvas Asas vestigiais Olhos púrpura Corpo preto Pernas curtas 4 tarsos Asas curtas Sem aristas (aristas curtas) Tipo selvagem Mutante al dp d b pr vg c a bw FIGURA 1.28 Segmento do mapa genético do cromossomo 2 de Drosophila. As posições dos genes são dadas em unidades de mapa. Dois genes separados por uma unidade de mapa m recombinam com uma frequência de m%. Características não alélicas recessivas X (a) pr bw� pr � bw� bw bw pr� pr� pr bw� bwpr� Olho púrpura Olho castanho Olho vermelho (tipo selvagem) Características alélicas recessivas(b) wh X X wh X Y cf Fêmea com olho branco Macho com olho cor café Cor do olho diferente do tipo selvagem � X X wh cf Pais Progênie Pais Progênie FIGURA 1.29 O teste de complementação indica se duas ca- racterísticas recessivas são alélicas. São mostrados dois exem- plos em Drosophila. (a) O cruzamento de um homozigoto para cor de olho púrpura (pr) com um homozigoto para cor de olho castanho (bw) gera uma progênie com cor de olho tipo selva- gem. Isso indica que pr e bw não são alelos. O índice “�” indica o alelo tipo selvagem. (b) No cruzamento de uma fêmea homo- zigota para o gene wh, cor de olho branco, ligado ao sexo, com um macho que possui o gene cf de cor de olho café também ligado ao sexo, a progênie feminina não tem a cor de olho tipo selvagem. Portanto, os genes wh e cf devem ser alelos. Voet_01.indd 25Voet_01.indd 25 19/03/13 15:1419/03/13 15:14 26 Donald Voet / Judith G. Voet como consequência da oxidação do ácido homogentísico ex- cretado (Seção 16.3Ab). Em 1902, Garrod mostrou que essa doença metabólica benigna (seu único efeito adverso é artri- te na idade avançada) resulta de uma característica recessi- va herdada com padrão mendeliano. Ele demonstrou ainda que os alcaptonúricos são incapazes de metabolizar o ácido homogentísico da alimentação e, por isso, concluiu que eles não possuem uma enzima que metaboliza essa substância. Garrod descreveu a alcaptonuria e várias outras doenças humanas herdadas, estudadas por ele, como erros inatos do metabolismo. No início de 1940, George Beadle e Edward Tatum mos- traram, em uma série de investigações que marcou o início da genética bioquímica, que existe uma correspondência de um para um entre uma mutação e a falta de uma enzima espe- cífica. O tipo selvagem do fungo Neurospora cresce em um “meio mínimo”, em que glicose e NH3 são as únicas fontes de carbono e nitrogênio. Determinadas variedades mutantes de Neurospora, geradas por meio de irradiação com raios X, contudo, requerem uma substância adicional para crescerem. Beadle e Tatum demonstraram, em vários casos, que os mu- tantes não possuem uma enzima que participa da biossíntese
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