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Saúde Ocupacional Evolução Histórica (Parte 1)

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SAÚDE OCUPACIONAL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA
INTRODUÇÃO:
 
A construção da história se dá através da relação do homem-sujeito e organizações-trabalho. É por meio do trabalho, que pode ser definido como a aplicação de um esforço qualquer na realização de uma tarefa, que o homem transforma a natureza em função de suas necessidades materiais e espirituais e é mediante o aperfeiçoamento da produção que cria novas necessidades, bem como a capacidade de satisfazê-las, determinando modificações nas estruturas políticas, econômicas e sociais e em suas manifestações.
O êxito de qualquer atividade empresarial é diretamente proporcional ao fato de se manter a sua peça fundamental - o trabalhador - em condições ótimas de saúde. As atividades laborativas nasceram com o próprio homem. Pela sua capacidade de raciocínio e pelo seu instinto, o homem conseguiu, através da história, criar uma tecnologia que possibilitou sua existência no planeta. 
Mas assim como a do próprio trabalho, a origem das doenças e acidentes laborais se relaciona com as primeiras atividades do homem voltadas à sua sobrevivência: a caça e a coleta. Os primitivos ancestrais do homem passavam por toda forma de penúria para conseguirem seu sustento. As caçadas eram atividades perigosas e extremamente arriscadas, com risco tanto ao apanhar e matar uma presa quanto de serem, eles próprios, devorados. As coletas também exigiam, não raro, habilidade para escalar em árvores de grande porte, sem qualquer proteção.
Desde a “Idade da Pedra”, os seres humanos já fabricavam e utilizavam instrumentos para facilitar a execução de seus trabalhos. Eram manuseados instrumentos cortantes ou pérfuro-cortantes, o que confirma as habilidades intelectuais dos homens primitivos. Mas, ao mesmo tempo, além do próprio ambiente, tais instrumentos eram causas de diversos acidentes, assim como até hoje os instrumentos e os ambientes podem ser causadores de doenças e acidentes laborais.
 
1 – A ANTIGUIDADE:
As referências relativas à saúde, acidente, doença e trabalho, embora de forma muito restrita, existem desde tempos bem remotos, durante as civilizações egípcia, grega e romana. A escassez de maiores informações se deve ao fato de que na Antiguidade os trabalhos mais pesados, bem como aqueles que envolviam riscos, eram feitos pelos escravos.
O trabalho era considerado uma atividade vil, destinado às camadas mais baixas da sociedade, portanto carentes de proteção. Os escravos poderiam ser mortos ou mutilados por seus amos e, assim, quase não se pode falar de qualquer tipo de proteção devida em razão de infortúnio resultante do trabalho nessa época. Alguns escritos mostram como eram comuns as deformações físicas, as enfermidades e muitas outras seqüelas oriundas dos abusos praticados pelos empregadores no tocante aos seus trabalhadores. 
A quase totalidade dos trabalhos nos tempos antigos era desenvolvida manualmente - uma prática encontrada em muitos trabalhos dos dias atuais. Em seus escritos, Hipócrates (460-375 a.C.), o Pai da Medicina, relatou a existência de moléstias entre mineiros e metalúrgicos, mas não havia qualquer menção ao ambiente de trabalho e à atividade em si mesma. Plínio, o Velho, naturalista e escritor latino, também descreveu diversas moléstias do pulmão entre mineiros e envenenamento advindo do manuseio de compostos de enxofre e zinco. Descreveu, com grande impressão, o aspecto dos trabalhadores que ficavam expostos ao chumbo, mercúrio e poeiras e relatou que os escravos, por iniciativa própria, colocavam à frente do rosto panos ou membranas de bexiga de carneiro, como se fossem máscaras, objetivando diminuir a ação das poeiras minerais.
No entanto, os historiadores apontam que foi Lucrécio, um século antes do início da Era Cristã, quem inicialmente marcou a preocupação pela patologia do trabalho, com observações relativas aos trabalhadores do interior das minas. 
2 – A IDADE MODERNA:
Durante a Idade Moderna surgiram novas investigações relacionadas aos sinistros e doenças do trabalho. Em 1556, Georgius Agrícola publicava o livro "De Re Metallica", onde foram estudados diversos problemas relacionados à extração de minerais argentíferos e auríferos e à fundição da prata e do ouro. Esta obra discute os acidentes do trabalho e as doenças mais comuns entre os mineiros. 
Em 1697 surge a primeira monografia sobre as relações entre trabalho e doença, de autoria de Paracelso: "Von Der Birgsucht Und Anderen Heiten". São numerosas as citações nesta obra relacionando os métodos de trabalho e substâncias manuseadas com as doenças. 
Em 1700 foi publicado, na Itália, um livro que iria ter notável repercussão em todo o mundo. Tratava-se da obra "De Morbis Artificum Diatriba" de autoria do médico Bernardino Ramazzini que, devido à mesma, é considerado o "Pai da Medicina do Trabalho". Nessa importante obra, verdadeiro monumento da saúde ocupacional, são descritas cerca de 100 profissões diversas e os riscos específicos de cada uma. Um fato importante é que muitas dessas descrições são baseadas nas próprias observações clínicas do autor, que nunca se esquecia de perguntar ao seu paciente: "Qual a sua ocupação?”.
Devido à escassez de mão-de-obra qualificada para a produção artesanal, o gênio inventivo do ser humano encontrou na mecanização a solução do problema. Partindo da atividade predatória, evoluiu para a agricultura e pastoreio, alcançou a fase do artesanato e atingiu a era industrial.
3 – A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL:
Na medida em que se deu a evolução dos processos de produção aumentaram os riscos de doenças e acidentes do trabalho. Todavia, foi a partir da Revolução Industrial que se verificou sua intensificação, a partir do grande aumento da exposição dos seres humanos aos riscos do trabalho. 
Entre 1760 e 1830, ocorreu na Inglaterra a Revolução Industrial, marco inicial da moderna industrialização, que teve a sua origem com o aparecimento da primeira máquina de fiar. Até o advento das primeiras máquinas de fiação e tecelagem, o artesão fora dono dos seus meios de produção. O custo elevado das máquinas não mais permitiu ao próprio artífice possuí-las. Desta maneira, os capitalistas, antevendo as possibilidades econômicas dos altos níveis de produção, decidiram adquiri-las e empregar pessoas para fazê-las funcionar. Surgiram, assim, as primeiras fábricas de tecidos e, com elas, novas noções de capital e trabalho.
Com a Revolução Industrial, o aldeão começou a agrupar-se nas cidades. A introdução da máquina a vapor mudou integralmente o quadro industrial. A indústria veio para as grandes cidades, onde era abundante a mão-de-obra. Porém, sempre com o objetivo de aumentar os lucros, o empresário industrial pagava o menor salário possível, enquanto explorava ao máximo a capacidade de trabalho dos operários. Em diversas indústrias a jornada de trabalho ultrapassava 15 horas diárias.
Os salários eram tão reduzidos que mal davam para pagar a alimentação de uma única pessoa. Para sobreviver, o operário era obrigado a trabalhar nas fábricas com toda a sua família, inclusive mulheres e crianças pequenas. Além de tudo isso, as fábricas tinham péssimas instalações, o que prejudicava em muito a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Condições totalmente inóspitas de calor, ventilação e umidade eram encontradas, pois as "modernas" fábricas nada mais eram do que galpões improvisados. As máquinas primitivas ofereciam toda a sorte de riscos e as consequências tornaram-se tão críticas que começou a haver clamores, inclusive de órgãos governamentais, exigindo um mínimo de condições humanas para o trabalho.
A improvisação das fábricas e a mão de obra reunida sem quaisquer restrições quanto ao estado de saúde, desenvolvimento físico, sexo e mesmo idade, passaram a ser uma constante. Nos últimos momentos do século XVIII, o parque industrial da Inglaterra passou por uma série de transformações que, se de um lado proporcionaram melhoriasalarial dos trabalhadores, de outro lado, causaram problemas ocupacionais bastante sérios: o trabalho em máquinas sem proteção, o trabalho executado em ambientes fechados (onde a ventilação era precária e o ruído atingia limites altíssimos) e a inexistência de limites de horas de trabalho trouxeram como consequência elevados índices de acidentes e de moléstias profissionais.
Na Inglaterra, França e Alemanha a Revolução Industrial causou um verdadeiro massacre a inocentes e os que sobreviveram foram arrastados para um mundo de calor, gases, poeiras e outras condições adversas nas fábricas e minas. Esses fatos logo se colocaram em evidência pelos altos índices de morbimortalidade entre os trabalhadores e especialmente entre as crianças.
A sofisticação das máquinas, objetivando um produto final mais perfeito e em maior quantidade, ocasionou o crescimento das taxas de acidentes e, também, da gravidade desses acidentes. Nessa época, a causa prevencionista ganhou um grande adepto, o romancista inglês Charles Dickens que, através de críticas violentas, procurava a todo custo condenar o tratamento impróprio que as crianças recebiam nas indústrias britânicas.
Pouco a pouco, a legislação foi se modificando até chegar à teoria do risco social: a doença e o acidente do trabalho são riscos inerentes à atividade profissional exercida em benefício de toda a comunidade, devendo esta, por conseguinte, amparar as vítimas.
No Brasil, podemos fixar por volta de 1930 a nossa Revolução Industrial e, embora já tivéssemos a experiência de outros países, atravessamos os mesmos percalços, ainda que em menor escala, o que fez com que em 1970 se falasse que o Brasil era o campeão mundial de acidentes do trabalho. Embora o assunto fosse pintado com cores muito sombrias, a situação que enfrentávamos era, de fato, lamentável. Ao mesmo tempo, pudemos vislumbrar um futuro mais promissor, que só foi possível pelo esforço conjunto de todos: trabalhadores, empresários, técnicos e governo.

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