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RESUMO CASO DA SRa. EMMY VON N. A Sra. Emmy Von N. (EVN) tinha 40 anos de idade, quando foi tratada por Freud pela primeira vez. O período atribuído ao inicio do tratamento é o de maio de 1889, apesar de se supor que, cronologicamente, o primeiro tratamento da Sra. Emmy tenha realmente ocorrido em 1888. A Sra. Emmy era de uma família originária da Alemanha Central, mas duas gerações da família viviam nas províncias bálticas da Rússia. Ela era a 13ª de 14 filhos, sendo que apenas 4 deles sobreviveram. A Sra. Emmy recebeu educação cuidadosa, sob a disciplina de uma mãe excessivamente rígida, enérgica e severa. Casou-se aos 23 anos com um homem rico, um grande industrial, que era muito mais velho. O casamento teve duração curta, mas ela teve duas filhas dessa união. O marido morreu de derrame cerebral, após o nascimento da sua segunda filha. Ela conta que o primeiro ataque cardíaco do marido foi durante um passeio dos dois e que ele chegou a perder os sentidos, mas logo o recuperou. Logo após o nascimento da segunda filha, o marido caiu morto durante o café da manhã. Os médicos tentaram ressuscitá-lo nos aposentos ao lado, mas em vão, fato que a marcou, pois ela pode ouvir todo o movimento gerado no seu atendimento. Por ocasião da morte do marido, os seus familiares a culpavam e junto a um jornalista faziam com que fossem colocados boatos que colocavam nela toda a culpa da sua morte. O bebe ficou doente durante 6 meses e ela também ficara doente, de cama, com muita febre. Ela reclamava e odiava a criança após a morte do marido, e a culpava de não o ter ajudado e cuidado mais dele, uma vez que tinha necessidade de estar com o bebê. Ela reclamava do bebê, que gritava o tempo todo e não dormia. Nessa época a criança desenvolveu paralisia na perna esquerda, com poucas possibilidades de recuperação, de acordo com os médicos que o assistiam. A criança tivera visões aos 4 anos, aprendeu a andar e a falar tardiamente, sendo julgada idiota. A criança teve encefalite e mielite, de acordo com o relatório médico. A filha mais velha tinha o mesmo nome da mãe e era tratada pelo Dr. N. devido a complicações menstruais. A filha já havia tido, como a mãe, cãibras no pescoço e ligeiros estados histéricos e sofrera de dores ao andar, devido a uma retroversão do útero. As filhas da Sra. Emmy, na época do tratamento, tinham 16 e 14 anos, e ela confessa que desde a época da morte do marido, quatorze anos antes, ela vivera constantemente doente, com graus variados de gravidade. Há quatro anos ela melhorou muito com a realização de massagens combinadas a banhos elétricos, mas todos os outros tratamentos foram infrutíferos. Apesar de tudo, ela viajou muito e manteve vivo o interesse por muitas coisas. Ela morava no Báltico, perto de uma grande cidade, em uma vila que recebeu como herança após a morte do marido. Ela teve recaída há alguns meses, apresentava quadro de depressão e insônia e estava atormentada por dores. Ela foi até uma estação balneária austríaca na tentativa de obter melhora e, nas ultimas esteve em Viena, e estava sob os cuidados de um médico de boa reputação. A Sra. Emmy começou a ser acompanhada por Freud no dia 1º de maio, sendo que ele aconselhou que ela fosse se restabelecer em uma “Casa de Saúde” e que não ficasse na companhia das filhas, que eram acompanhadas por governantas. Ela aceitou a recomendação sem objeções. Entretanto, não lhe foi proibido ver as filhas, ler, ou cuidar da correspondência. Freud descreveu que a paciente apresentava a expressão tensa e penosa, pálpebras cerradas e olhos baixos, com testa franzida e dobras nosolabiais acentuadas. A paciente apresentava dificuldade esporádica de fala, com interrupção espásticas, com gagueira. Mantinha os dedos entrelaçados, apresentava movimentos convulsivos semelhantes a tiques, que envolviam o rosto e os músculos do pescoço. Ela interrompia periodicamente as suas observações e fazia uma espécie de estalido com a boca. Ela se entortava toda, inclusive os dedos e exclamava palavras com voz alterada, carregadas de angustia, tais como “Fique quieto”, “Não diga nada” e “Não me toque”. Todas essas alterações desapareciam subitamente, da mesma maneira que começavam. Freud utilizou o tratamento à base de banhos quentes, massagens duas vezes ao dia e sugestão hipnótica. Freud faz um resumo do acompanhamento de 2 a 18 de maio, quando pelo método de sugestão de hipnose, ele conseguiu saber algumas informações sobre a paciente. Cumpre ressaltar que pela utilização desse método, Freud conseguiu induzir a melhora de alguns sintomas e temores apresentados pela paciente, que em alguns momentos do acompanhamento se manifestou pedindo a ele que a deixasse concluir as suas narrativas, antes de fazer quaisquer observações. Freud já havia se dado conta de que deveria controlar as interrupções, mesmo antes das observações realizadas pela paciente. Desta forma, as principais observações descritas sobre o comportamento da Sra. Emmy serão citadas a seguir, onde serão ressaltados fatos relacionados as primeiras três semanas de tratamento. 1) A paciente se assustava constantemente com a entrada de pessoas nos aposentos e Freud pediu as enfermeiras e médicos internos que sempre batessem fortemente na porta dos aposentos antes de entrar, de forma a avisar a chegada; 2) A paciente apresentava sensação de frio e dores na perna esquerda, a partir das costas, na altura da crista ilíaca; 3) A paciente contava histórias aterradoras sobre animais e certa vez, ao ler o jornal, contou que lera a história de um aprendiz que amarrou um menino e que depois colocou um rato branco em sua boca. Ela evocou que o Dr. K. enviou uma caixa cheia de ratos para Tiflis, sendo que ela estremeceu somente em pensar o horror que seria abrir a caixa, ver um rato morto entre eles. Ela se torcia e retorcia e estremecia em pensar nesta possibilidade. Freud tentou confirmar a história no jornal e não a encontrou no jornal e atribuiu este fato a um delírio introduzido por ela enquanto lia. Ela teve câimbras no pescoço. Nesse período, sob hipnose, ela contou que quando tinha 5 anos os irmãos e irmãs costumavam atirar animais mortos nela, período em ela teve o primeiro desmaio e espasmo. Nessa época, a tia dela falou que era uma vergonha ela ter os ataques e que por isso ela parou de tê-los. Ela conta que se assustou novamente aos sete anos, quando viu a sua irmã no caixão; aos oito anos quando o irmão a aterrorizava ao se envolver em lençóis e fingir que era um fantasma; aos nove anos, quando viu a tia em um caixão e viu o queixo dela cair. Ela contava as histórias e assumia expressões de medo e horror e ficava ofegante. Ela tinha todas as histórias organizadas cronologicamente e dizia que vivia pensando nelas, por isso as tinha tão organizadas ao contá-las; 4) A paciente apresentou dores gástricas. As dores vieram de uma visita longa das filhas, que recebera nos jardins da “Casa de Saúde”. Freud recomendou um tempo menor de visita para as filhas; 5) A paciente conta que a gagueira sugira há cinco anos, quando estivera a cabeceira da filha mais nova, quando esteve muito doente e desejava ficar extremamente quieta. Outra lembrança foi quando viu uma prima ser levada para um asilo de loucos. Em outra época tivera uma empregada, cuja antiga patroa havia sido internada por um período longo e que contava historias aterradoras de como os pacientes eram tratados. Ela tinha pavor dos hospícios e de como as pessoas eram neles tratados. Na ocasião era amplamente divulgado o internamento do príncipe L. 6) Outras lembranças: aos 15anos, encontrara a mãe estendida no chão após um derrame cerebral; a mãe viveu mais 4 anos, mas aos 19 anos ao chegar a casa encontrou a mãe morta, com o rosto contorcido. Também aos 15 anos ela levantou uma pedra e um sapo estava embaixo dela, o que a fez perder a fala durante horas. Ao contar estas lembranças zombou de Breuer e disse que estava bem melhor, fato que a fez se sentir culpada, sentimento que foi posteriormente atenuado por Freud; 7) Contou a história de um primo que não era bom da cabeça e que os pais mandaram tirados todos os dentes de uma só vez. Certa vez, vira o retrato de indígena e se assustara, imaginando se o mesmo ganhasse vida; também vira um camundongo enorme que lhe passou de repente sobre a mão no jardim e que sumiu em seguida, pois ela via ratos nas arvores. Nessa ocasião Freud contou-lhe sobre o bispo Hatto que, de acordo com a lenda, foi devorado pelos ratos; também via morcegos no guarda-roupa; também relatou que recebeu verta vez recebeu uma linda almofada de alfinetes e que na manhã seguinte, quando foi usá-la, uma porção de vermezinhos saiu da almofada. Neste ponto Freud interroga, alucinação? Fato real? 8) Falou da expressão “fique quieto” que sempre repetia e que era relacionada a pensamentos assustadores e que temia que eles fossem interrompidos em seu curso, pois tudo ficaria confuso e as coisas ficariam piores; a expressão “não me toque” era relacionada ao irmão que ficara doente e que ela cuidara e que ele se agarrava a ela; também certa feita um conhecido que havia enlouquecido de súbito e que lhe agarrara o braço em sua casa; outro episódio, aos 28 anos, quando sua filha estava doente e se agarrava a ela com força quase a sufocando; contou também a história de que estava passeando de carruagem com as filhas e que um raio havia caído em cima de uma arvore bem na frente dos cavalos; ela ligou este fato também ao inicio da gagueira. A última perturbação importante foi o fato de ter ouvido um interno perguntando a um senhor no jardim se ele se sentia capaz de enfrentar a cirurgia e isto acorreu na frente da sua esposa. Ela ficou se perguntando se aquela noite não seria a ultima do pobre homem. 9) Freud conseguia tirar muitos desses sentimentos aterrorizantes com a hipnose e com ela conseguia induzir a melhoria de alguns sintomas. Certa vez a menstruação da Sra. Emmy vinha quinzenalmente e que ele disse que começaria a vir com 28 dias e assim aconteceu. O estado da paciente melhorou e após um tratamento que durou sete semana, Freud permitiu a sua volta para a casa no Báltico. Depois desse período Dr. Breuer recebeu notícias da paciente cerca de sete meses depois. Ela havia piorado como resultado de um choque psíquico. A filha mais velha, que havia sido tratada por Dr. N. na última visita da Sra. Emmy a Viena, voltou a apresentar problemas de saúde. Nessa ocasião, a filha foi tratada por um ginecologista da cidade vizinha, mas o tratamento recomendado não funcionou deixando-a com uma forte doença nervosa. Freud atribui esse fato a mudança posterior de caráter da Sra. Emmy, que de dócil passou a ter auto-recriminações violentas, desfazendo todos os efeitos do seu tratamento. Ela tentou o tratamento com outro médico, mas falhou na transferência. Um ano após o seu primeiro tratamento com Freud, ela volta a Viena e se entregou aos seus cuidados. Freud achou que ela estava melhor e que a sua principal queixa era os estados de confusão que ela experimentava e aos quais ela mesma denominava “tempestades na cabeça”. Por ocasião de uma dessas tempestades, ela manteve as feições transtornadas e todo o corpo em agitação permanente e pressionava a testa com as mãos e chamava, em tons de suplica e desânimo, o seu nome, que era também o da filha. Além disso, sofria de insônia e chorava por horas a fio. Sentia-se triste, sempre as 5 horas, horário em que visitava a filha internada na “Casa de Saúde”. À primeira tentativa de ser hipnotizada teve um ataque e lembranças associadas a hipnoses anteriores. Também relatou a história de um garçom do hotel em que estava hospedada que havia se escondido em seu quarto de dormi, fato ao qual Freud atribuiu a um fator erótico. Ao final da sua estadia, Freud achou que ele estava bem melhor, e ao final da sua estada a visitou e viu ela estava jogando comida embrulhada em papel alumínio no jardim. Freud constatou que ela não estava comendo toda a sua comida, igual ao seu pai, que também tinha o hábito de comer pouco. Outro aspecto é o que só suportava beber líquidos espessos, como café chocolate ou leite e que ela achava que beber água comum ou mineral, lhe perturbava a digestão. Sinais, aos quais ele atribuiu a uma escolha neurótica. Freud lhe persuadiu a comer melhor, fato que foi obedecido. Ela também contou que o irmão doente passava sobre o prato de comida para usar a escarradeira e isto fez com que ela tivesse náuseas. Depois dessa época, Freud reviu a Sra. Emmy em uma visita a sua propriedade, época em que a filha mais velha entrou em fase de desenvolvimento anormal e tornou-se desobediente e até violenta para com a mãe. Freud não gostou do estado da filha e viu que havia hereditariedade neuropática na família. Com relação a Sra. Emmy, ela estava mais gorda, mais saudável e tinha sinais visíveis de melhora, mas formulou queixas sobre lacunas de memória. Após a visita, que foi em maio de 1890, ele teve poucas notícias da Sra. Emmy. No verão de 1893, Freud recebeu um bilhete dela, pedindo-lhe permissão para ser hipnotizada por outro médio, permissão que lhe foi concedida. Após esse período de análise, Freud voltou a ter notícias dela vinte e cinco anos depois, ao ser abordado pela filha mais velha, quando buscava obter laudo mental da mãe relativo a época do seu tratamento, com a finalidade de mover um processo judicial juntamente com a irmã contra a Sra Emmy Von, que resistia e liberar qualquer tipo de ajuda econômica para elas. Segundo Freud, o caráter brando das alucinações e delírios experimentados pela Sra. Emmy parecia intacto, a modificação de sua personalidade e de seu acervo de lembranças, quando se encontrava em estado de sonambulismo artificial, a anestesia em sua perna dolorida, sua nevralgia ovariana, certos dados revelados em sua anamnese, não admitem dúvida quanto à natureza histérica da paciente. Seus sintomas psíquicos, em que havia pouca conversão, podem ser divididos em alterações de humor (angústia, depressão, melancolia), fobias e abulias (inibições da vontade). Essas fobias e abulias eram na sua maioria, de origem traumática e algumas delas correspondiam às fobias primárias dos seres humanos e, especialmente, dos neuropatas, manifestado, principalmente, pelo seu medo de animais e vermes. Essa fobia era sustentada de um lado pelo horror primário e instintivo que as pessoas sadias têm à loucura e por outro, pelo medo sentido por todos os neuróticos, de que viesse a enlouquecer. Era uma personalidade com grave hereditariedade neuropática. Assim como as cãibras, acontecimentos aflitivos ou qualquer coisa que a fizesse recordar com intensidade qualquer de seus traumas, levavam-na a um estado de delírio. Nesses estados, havia uma limitação da consciência e uma compulsão a associar, semelhante a que predomina nos sonhos; as alucinações e ilusões eram facilitadas até o mais alto grau e faziam-se inferências tolas ou mesmo disparatadas. Estado comparado ao da alienação alucinatória. Poderia ser encarado como uma situação de “confusão alucinatória”. A análise desses estados delirantes não foi realizada de forma completa, em virtude da rapidez com que sua condição melhorou tornandoseus delírios diferenciados da vida normal. O referido caso clínico também fora examinado por Freud em linhas gerais em seu artigo sobre “Um Caso de Cura pelo Hipnotismo” (1892-1893), e realizou uma alusão ao mesmo na primeira de suas cinco lições (1910). Resumo elaborado por Soraia Mendes e Marilda de Souza Gonçalves Formação em Psicanálise Círculo Psicanalítico da Bahia Turma P