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TAL 354 – Tecnologia de Alimentos Aula 2 – Inspeção e qualidade do leite Profa. Solimar Gonçalves Machado CAPÍTULO 2 – Inspeção e Qualidade do Leite Profa. Solimar Gonçalves Machado 1. Introdução O leite é um produto com alto valor nutritivo importante para o crescimento e manutenção da saúde humana. Devido à sua riqueza de nutrientes, esta matéria-prima se torna um importante substrato para o crescimento de micro-organismos que podem ser desejáveis para a tecnologia aplicada ou indesejáveis como exemplo os patógenos. Para que o leite possa exercer sua função nutricional e tecnológica adequadamente, é necessário que suas características microbiológicas e sensoriais sejam preservadas. No processo de obtenção do leite, a ordenha é uma das etapas de maior vulnerabilidade, considerando as possibilidades de ocorrência de contaminações de natureza física, química e biológica. No Brasil, a obtenção de leite ainda é, em muitas propriedades rurais, realizada sem condições higiênico-sanitárias adequadas o que resulta em altas contagens microbianas no leite cru, situação que representa risco à saúde pública e perdas econômicas consideráveis para os produtores e para as indústrias. Os principais problemas observados no que se refere à produção de leite no Brasil incluem a baixa eficiência produtiva e de qualidade de matéria-prima, com consequente perda de competitividade. A má qualidade do leite cru está relacionada a fatores como deficiência no manejo do gado leiteiro, higiene na ordenha, alto índice de mastite, manutenção e desinfecção inadequadas dos equipamentos, refrigeração ineficiente ou inexistente durante o transporte e o armazenamento do leite e mão-de-obra desqualificada. Diante da situação alarmante em que se encontra a obtenção de leite no Brasil, os órgãos fiscalizadores têm dado atenção especial a este setor no sentido de atualizar as normas já existentes e criam novas diretrizes. 2. Legislação Segundo a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) e a International Dairy Federation (IDF), os fatores relacionados à qualidade de leite podem ser controlados se medidas como Boas Práticas Agropecuárias (BPA) e Boas Práticas na Pecuária de Leite (BPPL) forem aplicadas nas propriedades rurais. As BPA aplicadas à pecuária de leite podem ser agrupadas em seis pilares bem definidos: saúde animal, higiene da ordenha, nutrição animal, bem-estar animal, meio ambiente e gestão socioeconômica. Além dessas diretrizes reconhecidas internacionalmente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) tem implementado legislações como a Instrução Normativa n° 62 de 29 de dezembro de 2011 que estabelece os padrões de qualidade de leite cru para processamento, a forma de produção e a identidade e qualidade de leite pasteurizado tipo A e comum no Brasil. Baseado na legislação vigente, o leite deve ser ordenhado utilizando as Boas Práticas de Ordenha que estabelecem os cuidados que devem ser tomados em relação à saúde animal, ao ambiente de ordenha, aos TAL 354 – Tecnologia de Alimentos Aula 2 – Inspeção e qualidade do leite Profa. Solimar Gonçalves Machado colaboradores (ordenhadores), aos equipamentos e utensílios e ao procedimento de ordenha propriamente dito. Na tentativa de garantir a qualidade do leite cru coletado nas propriedades rurais, a IN n°62 estabelece as propriedades sensoriais do leite como sendo um líquido branco opalescente homogêneo com sabor e odor característicos, isento de neutralizantes da acidez, reconstituintes de densidade e de sabores e odores estranhos. Os parâmetros físico-químicos do leite cru refrigerado também são estabelecidos pela IN n° 62, mas em 29 de março de 2017 foi publicada o novo Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) que estabelece os parâmetros em concordância com a norma complementar. Os requisitos e seus limites serão discutidos no item 4. 3. Contaminações Interna e Externa O leite produzido pelas células epiteliais das glândulas mamárias de animais saudáveis é considerado estéril quando no interior do úbere. No entanto, se o animal está acometido por alguma doença, o leite pode ser contaminado internamente. O caso mais comum de contaminação interna ocorre em animais têm mastite, doença que se caracteriza pela inflamação das glândulas mamárias cujos principais agentes causadores são Staphylococcus aureus, Streptococcus agalactiae e Mycoplasma bovis. Para evitar este tipo de contaminação, as fazendas leiteiras devem estabelecer um programa efetivo de manejo sanitário do rebanho com adoção de medidas de detecção precoce de doenças para evitar a disseminação entre os animais e garantir a segurança do leite produzido. Dentre estas medidas, destacam-se alguns testes rápidos que devem ser feitos rotineiramente para detecção de mastite. O teste da caneca de fundo preto deve ser feito antes de cada ordenha com o objetivo de detectar mastite clínica (mastite sintomática). O teste consiste em analisar os três primeiros jatos de cada teto utilizando um utensílio telado e escuro para observar cuidadosamente se há alguma alteração no leite, como grumos ou pus, e se há presença de sangue ou coloração alterada. Leucócitos (células de defesa) se depositam no canal da teta quando o animal apresenta mastite clínica formando grumos detectados no teste. No caso da detecção da mastite subclínica evidenciada pelo aumento no número de células somáticas (CCS), o teste mais utilizado chama-se California Mastitis Test (CMT). Este teste baseia-se na reação de um detergente (alquil-aril-sulfonato de sódio) que atua sobre as células presentes no leite rompendo suas membranas e liberando o material celular. A liberação do conteúdo celular provoca o aumento da viscosidade da mistura o que caracteriza a reação que é interpretada por meio de escores: negativo, trações, +, ++ e +++. Além desses testes que são realizados na sala de ordenha, ainda são exames laboratoriais para contagem de células somáticas e isolamento do agente infeccioso. TAL 354 – Tecnologia de Alimentos Aula 2 – Inspeção e qualidade do leite Profa. Solimar Gonçalves Machado Para garantir a qualidade do leite obtido, os produtores ainda têm que controlar a contaminação externa que pode ser variada. As fontes de contaminação externa incluem a contaminação do úbere do animal, a contaminação da sala de ordenha, dos utensílios e equipamentos, do ordenhador além dos cuidados durante o armazenamento e transporte do produto até o estabelecimento beneficiador. Antes de iniciar o processo de ordenha, deve ser realizada a higiene dos tetos do animal que consiste em lavagem com água potável e correntes dos tetos que apresentarem um grau de sujidades elevado. Caso não seja necessária a lavagem, deve ser realizado o procedimento de desinfecção dos tetos por imersão em solução contendo um agente germicida por 20 a 30 segundos seguido da secagem completa com papel toalha descartável. Este procedimento é conhecido como pré-dipping. A realização do pré-dipping permite reduzir em até 50 % a ocorrência das infecções das glândulas mamárias. Após a aplicação da solução de pré-dipping, a ordenha é realizada seguindo as boas práticas. Ao término da ordenha outro procedimento de desinfecção chamado de pós-dipping é realizado. A execução de ambos os procedimentos é idêntica com a exceção da solução utilizada que apresenta diferenças na sua composição como apresentado na tabela 1. As soluções podem ser a base de iodo, clorexidina ou cloro sendo que a concentração na solução de pós-dipping desses germicidas é sempre mais elevada. Além disso, no pós-dipping é feita a inclusão de glicerina para hidratação dos tetos. Tabela 1 – Composição das soluções de pré-dipping e pós-dipping. Pré-dipping Pós-dipping Iodo 0,25 % 0,5 % Clorexidina 0,25 a 0,50 % 0,5 a 1,0 % Hipoclorito de Sódio 0,2 % 0,3 a 0,5 % Glicerina Não Sim Os equipamentos e utensílios utilizados na ordenha também são fonte de contaminação, por isso, devem ser higienizados seguindo protocolos adequados que envolvem etapas de enxágue, limpeza com detergentes ácidos e alcalinos e sanitização. A ordenhadeira mecânica merece um destaque já que o processo de higienização é feito em sistema fechado a partir da circulação de soluções apropriadas em temperatura e tempo adequados. Independentemente do tipo de utensílio e equipamento utilizados e a higienização é realizada manualmente ou em sistema fechado, o processo deve envolver ação mecânica e ação química utilizando as temperaturas e tempos de contato adequados em cada etapa. Além disso, é importante ressaltar que os equipamentos devem passar por programas de manutenção periódica evitando o aumento do tempo de ordenha e formação de biofilme. Em relação ao manipulador que desempenha a função de ordenha (ordenhador) é exigido que apresente atestado de saúde, bons hábitos de higiene, uniforme apropriado para a atividade e que seja treinado para desempenhar sua função de acordo com as boas práticas de ordenha. TAL 354 – Tecnologia de Alimentos Aula 2 – Inspeção e qualidade do leite Profa. Solimar Gonçalves Machado Em relação às condições de higiene para obtenção do leite destinado ao processamento em estabelecimento industriais, a IN n° 62 estabelece que devem ser seguidos os preceitos contidos no item 3 (“Dos Princípios Gerais Higiênico-Sanitários das Matérias-Primas para Alimentos Elaborados/ Industrializados”) do Regulamento Técnico sobre as Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Elaboradores/ Industrializadores de Alimentos aprovado pela Portaria nº 368, de 4 de setembro de 1997. Caso as exigências estabelecidas nas legislações citadas não sejam cumpridas, o RIISPOA estabelece o responsável por assumir as consequências e as multas a serem pagas. Os valores destes tributos foram alterados após a aprovação do novo RIISPOA. Seguindo todos os cuidados apresentados até aqui, é possível obter leite com qualidade. No entanto, o produto ainda pode ser contaminado em etapas seguintes como o armazenamento e o transporte. O armazenamento e o transporte de leite cru são contemplados na IN n°62 (2011) que estabelece que o leite, produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas, deve ser imediatamente resfriado após a ordenha com temperatura máxima de 7 °C quando armazenado em tanques de imersão e 4 °C se utilizados tanques de expansão. Esta temperatura de armazenamento do leite cru inibe o crescimento de bactérias mesófilas que podem metabolizar a lactose do leite com consequente produção de ácido lático o que compromete a qualidade do produto. Além disso, a IN n°62 estabelece que o prazo máximo de armazenamento do leite cru refrigerado nas propriedades rurais é de 48 h. O transporte também deve ser realizado sob refrigeração (temperatura máxima de 10 °C) em caminhões isotérmicos. Embora estas informações estejam muito claras na legislação supracitadas ainda não existe fiscalização eficiente para coibir e punir este tipo de atitude. Os parâmetros de tempo e temperatura permitidos por lei para armazenamento do leite cru na indústria antes do processamento varia muito entre os países produtores de leite já que são adequados para a realidade de cada região. A legislação brasileira exige que o leite seja armazenado no estabelecimento processador em temperaturas inferiores a 10 °C apesar de não contemplar o tempo máximo de armazenamento da matéria-prima na indústria. 4. Análises Laboratoriais Conforme descrito no item 2, o leite cru deve obedecer alguns parâmetros descritos na IN n° 62. Para verificar a adequação da matéria-prima às exigências da legislação, é realizado um conjunto de análises para controle diário da qualidade de leite cru refrigerado no ambiente industrial antes de iniciar o processamento. A legislação exige que essas análises sejam realizadas para cada amostra de leite cru oriunda de cada compartimento do tanque recebida pelo estabelecimento beneficiador. Somado às análises dos teores mínimos de gordura, sólidos não-gordurosos, sólidos totais, acidez titulável, densidade relativa a 15 °C e índice crioscópico ainda deve-se efetuar a aferição da temperatura do leite recebido, realizar o teste de alizarol na concentração mínima de 72 % (v/v) e pesquisa de neutralizantes, reconstituintes da densidade, agentes inibidores do crescimento microbiano e/ou outras substâncias TAL 354 – Tecnologia de Alimentos Aula 2 – Inspeção e qualidade do leite Profa. Solimar Gonçalves Machado que se façam necessárias. Os resultados das análises devem estar de acordo com os limites apresentados na tabela 2. Tabela 2 – Requisitos físico-químicos e seus respectivos limites exigidos pela IN n° 62 (2011) em consonância com o RIISPOA (2017). Requisito Limite Acidez titulável 0,14 a 0,18 g ácido lático/100 mL Índice Crioscópico -0,530 a -0,555 °H (-0,512 a -0,536 °C) Densidade Relativa a 15 °C 0,128 a 0,134 g/mL Teor de Gordura Mínimo de 3 g/100 mL Teor de Proteína Mínimo de 2,9 g/100 mL Teor de Lactose Mínimo de 4,3 g/100 mL Sólidos Totais Mínimo de 11,4 % Sólidos Não-gordurosos Mínimo de 8,4 % Além das análises diárias exigidas pela IN n°62, o novo RIISPOA, que entrou em vigor em 2017, estabelece ainda que mensalmente devem ser coletadas amostras do leite cru de cada propriedade rural, sob responsabilidade do primeiro estabelecimento que receber o leite dos produtores, para envio para análises laboratoriais para atendimento ao programa nacional de melhoria da qualidade do leite (PNMQL). Essas análises incluem contagem de células somáticas (CCS), contagem bacteriana total (CBT), composição centesimal, detecção de resíduos veterinários e outras pesquisas que se fizerem necessárias. A periodicidade dessas últimas análises para atendimento ao PNMQL está prevista na IN n° 62. As análises devem ser realizadas mensalmente e a média geométrica de 3 meses deve estar dentro dos limites estabelecidos. Vale ressaltar que os limites para resíduos de antibióticos e outros inibidores estão previstos no Programa Nacional de Controle de Resíduos e que o leite cru deve estar ausente de outras substâncias consideradas fraudulentas como os agentes neutralizantes de acidez e os agentes reconstituintes de densidade e de índice crioscópico. A legislação brasileira vigente, além de estabelecer parâmetros físico-químicos, de contagem microbiológica e de células somáticas, estabelece as condições higiênico-sanitárias gerais para a obtenção de leite cru. Os parâmetros microbiológicos são diferenciados quando se consideram as diferentes regiões do país. Quando a IN n° 62 foi publicada, o prazo para atingir a contagem máxima de bactérias totais de 3,0 x 105 UFC/mL de leite e a contagem de células somáticas de 5,0 x 105 células/mL era o ano de 2014 para as regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste e 2015 para as regiões Norte e Nordeste. Porém, diante da realidade nacional, o prazo para adequação à legislação foi prorrogado para 2018 nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste e para 2019 nas regiões Norte e Nordeste. Além dessa prorrogação, os limites foram alterados para 1,0 x 105 UFC/mL para contagem bacteriana total e 4,0 x 105 células/mL para contagem de células somáticas. As metodologias utilizadas para análise do leite estão descritas com detalhes em inúmeras publicações disponíveis, principalmente no livro “Manual para Inspeção da Qualidade do Leite” escrito por Vânia Maria Tronco. TAL 354 – Tecnologia de Alimentos Aula 2 – Inspeção e qualidade do leite Profa. Solimar Gonçalves Machado 5. Exercícios de Fixação 1) Quais as principais legislações brasileiras vigentes na área de inspeção e qualidade do leite? Cite as normas e descreva sua importância para a melhoria de qualidade do leite no Brasil. 2) Discuta sobre as fontes de contaminação interna e externa do leite cru. Quais cuidados devem ser tomados para evita-las. 3) No momento da recepção do leite cru oriundo das propriedades rurais a indústria deve tomar alguma providência? Cite e descreva as atividades que devem ser realizadas. 4) A indústria deve fazer uma série de análises laboratoriais para assegurar a qualidade físico-química e microbiológica do leite. Escolha uma das análises diárias realizadas pelo estabelecimento beneficiador e descreva como a análise é realizada e interpretada. 5) No seu ponto de vista, quais os desafios encontrados atualmente na sua região para a melhoria da qualidade do leite?
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