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MUDANÇA Jacques Rhéaume A noção de mudança é fortemente polissérni- ca, tal como comprova a utilização muito fre- quente, ou mesmo banalizada, do termo na lin- guagem corrente e as suas múltiplas referências em todas as disciplinas das ciências humanas e sociais. Os dicionários indicam toda a variedade de significados ligados a esta noção e aos termos que lhe estão associados. É interessante notar que o termo «mudança» (changement), em fran- cês, tem por origem primeira o termo que pro- vém do baixo latim, cambiare, que quer dizer: trocar, substituir uma coisa por outra. A inte- racção e a troca encontram-se assim no cerne da mudança. Por abstracção e generalização, a mu- dança designa também a passagem de um esta- do a outro. Isso conduz a uma definição sim- ples da mudança psicológica ou social: uma mudança é a passagem do estado x, definido num tempo t, para um estado Xl' num tempo tI' em que X e XI podem representar um ser huma- no ou um meio social que, depois da «mudan- ça», se torna simultaneamente outra coisa e o mesmo. Uma pessoa mudou, mas é ainda a mesma pessoa. Um grupo, ou organização, ou sociedade mudaram, mas são ainda o mesmo grupo, a mesma organização, a mesma socieda- de. Senão, haverá mais do que mudança: have- rá desaparecimento e emergência de uma outra realidade, morte ou criação. A aposta identitá- ria, pessoal ou social, encontra-se, neste contex- to, no cerne da noção de mudança. Evoquemos também aqui toda a gama ou os cambiantes possíveis quanto à extensão ou à profundidade das mudanças sugeridas por termos como des- locação, movimento, alteração, ajustamento, modificação, evolução, desenvolvimento, refor- ma, transformação, mutação, revolução, ruptu- ra, metamorfose. A noção de mudança na história das ideias, por exemplo, em filosofia, é indissociável da po- laridade estabelecida entre a permanência (estru- tura)" e a mudança (duração). Este debate fun- dador faz-nos remontar aos filósofos pré-socráti- cos, em particular à oposição entre Heraclito, para quem a mudança é a essência do Ser sempre em movimento e em conflito entre as figuras dos elementos materiais, o fogo em especial, e Par- 138 ménides, para quem o Ser é permanência sob a aparência das mudanças. Esta oposição radica, atravessa as teorias da mudança. Encontra-se fi cerne da mudança dialéctica" do pensamenro alemão do século XIX (de Hegel a Marx), Encon- tra-se igualmente na dialéctica existencialista e fenomenológica (Sartre, Merleau-Ponty). Mas. mais globalmente, atravessa as relações entre es- trutura e subjectividade", sistema e experiência, E estes debates vão ser retomados, de outra for- ma, nas diversas teorias da mudança elaboradas em ciências humanas e sociais, e em especial eu: psicossociologia. Cinco tradições de pensamemo vão marcar o campo psicossociológico: - a dinâmica da mudança; - a abordagem sistémica; - a mudança planificada, the planning of change; - o desenvolvimento (pessoal, organizacional ou social); - a mudança e o inconsciente. Abordagens da mudança Pioneiro da psicossociologia, o psicólogo ame- ricano de origem alemã, Kurt Lewin, desenvol- ve uma concepção da mudança caracterizada pela preocupação de fundar uma teoria científi- ca das relações entre pessoas e sociedade, à ima- gem das ciências da natureza: a física e a mate- mática. A teoria do campo psicológico é, com efeito, definida nos mesmos termos de um cam- po de forças, de vectores, de intensidade e de equilíbrio que evocam constantemente um campo energético no sentido da física. Metáfo- ra do psicológico e do social, o campo é forma- lizado na concepção de uma matemática descri- tiva que é a topologia de espaços materiais e simbólicos de proximidade, de fronteiras, de barreiras, de canais. A dinâmica da mudança. pessoal, de grupo ou social, é assim definida como uma série de estados sucessivos quase estacionários do campo social que constitui uma totalidade actual das relações entre pessoas. . Os asteriscos remetem para as definições no fim do artigo. sociedade e ambiente material. Esta totalidade mais ou menos estável evolui um pouco ao zaodo das relações forma/fundo tal como são _efinidas pelos defensores da Gestalt", ou teóri- oos da forma, que tinham marcado o início dos trabalhos de Lewin na Alemanha. A mudança é ;:escrita como um processo iterativo que com- preende três fases: descristalização, deslocação e zristalizaçâo. Esta concepção dinâmica da mu- aança será sobretudo conhecida através de tra- oalhos sobre a dinâmica de grupos restritos. Esta primeira visão da mudança será rapida- zaente substituída e ampliada pela concepção - émica que se irá impor na década de 1950. ~ sistema, individual, grupal, social é esta rota- de de elementos interdependentes que se - rma em interacção com um ambiente com- _ o e outros sistemas. Estes sistemas mantêm- -se ou mudam de acordo com processos com- =: os de regulação, desde as regulações mais - ples, mecânicas, como o comando termostá- ::Xo, a regulações mais complexas do ser vivo, znmo a autopoiese (auto-referência e autoprodu- ::20 do sistema). Mas, em todos os casos, trata-se pre de uma estruturação dinâmica de ele- tos em interacção e que formam um todo. 7sra teorização da mudança, em psicossociolo- - conduz na sua aplicação a traçar primeiro retrato, o mais completo possível, da situa- ::m de partida vivenciada por uma pessoa ou ~po de pessoas, no seu contexto actual: moti- > - es, recursos, objectivos, alianças, oposições ~ resistências à mudança pretendida. Em segui- são identificados os factores ou as «forças» eptíveis de facilitar a descristalização do =po psicológico e social, permitindo formar _rojecto de agir ou intervir nestes factores; por o processo termina pela avaliação do novo =do do campo ou do sistema assim mudado. Outra concepção de mudança sustentada ~ente pelos defensores de uma abordagem . iana é a da mudança planificada. Inte- F2Ddo vários elementos da abordagem sistérni- ::<. ou da dinâmica da mudança, baseia-se, não te, numa tradição de pensamento com- :::.cramente diferente, com origens bem ameri- zzaas, que é a filosofia pragmática social. A rnu- ça planificada é a mudança definida como tante de um plano, de uma vontade e de intervenção de chegar a um novo estado zesejado, individual, de grupo ou organizacio- Mas esta mudança intencional produz-se termo de um processo racional, que é o da lução de problemas. O filósofo educador, MUDANÇA John Dewey*, concebia assim a teoria da mu- dança como a réplica operacional, na vida quo- tidiana e no senso comum, do raciocínio cientí- fico experimental: coloca-se uma questão de in- vestigação, forma-se uma hipótese, cria-se um plano de experimentação, obtêm-se resultados que são avaliados em função dos objectivos de mudança desejados. Na acção quotidiana, o sentimento de um mal-estar ou de uma necessi- dade de mudar uma situação leva os actores so- ciais a identificar os obstáculos ou os problemas a resolver, a fixar objectivos e um plano de ac- ção, a traduzir em estratégias* e em tácticas" esta acção para obter os resultados desejados. A avaliação deste estado final é susceptível de relançar o processo de mudança se persistirem afastamentos entre o desejado e o actual. Esta concepção do «planeamento da mudança» (planning o/ change) está bem representada em duas séries de trabalhos, americanas e canadia- nas: as de Bennis, Benne e Chin (1961,1984) e as de Tessier e Tellier (1990-1993). Uma terceira tradição de pensamento, muito influente nas concepções psicossociológicas da mudança, é a do desenvolvimento: desenvolvi- mento de grupos, desenvolvimento organizacio- nal, desenvolvimento pessoal (ou crescimento pessoal). No domínio da psicologia, o conceito de desenvolvimento está muitas vezes associado a autores pioneiros como Gordon Allport e Carl Rogers. O desenvolvimento, talcomo a ideia de crescimento, são noções próximas da metáfora biológica do ser vivo e do organismo. Tal como a estrutura do organismo inspirou numerosos sistemistas, também a passagem progressiva, por fases, do germe originário ao organismo adulto é fonte de inspiração dos teóricos do desenvol- vimento. Pressupõe-se sempre um estado in- completo, inacabado, virtual de um todo orgâ- nico, vivo, que em seguida cresce, solta as velas e se actualiza plenamente em toda a sua maturi- dade. Isso vem modificar ou mitigar o sentido mais radical associado à ideia de uma mudança que pode ser definida como ruptura, desorgani- zação, transformação estrutural de um estado para outro. O desenvolvimento é antes a conti- nuidade e o progresso, a mudança definida por uma série de fases de crescimento. Realizar-se, actualizar-se plena ou optimamente, são as pa- lavras-chave. O desenvolvimento pode implicar conflitos, rupturas, tal como passagens ou crises para uma maior maturação integrativa. A quarta tradição de pensamento associada a uma psicossociologia da mudança é a da mudança 139 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA institucional, que se baseia em referências múl- tiplas ao pensamento crítico, no sentido sociológico do termo, bem representada pelas diversas tradições marxistas ou pós-marxistas. A crítica social pode ser caracterizada pela in- trodução da centralidade das relações de poder na prática dos grupos, das organizações, das ins- tituições. A análise institucional de um René Lourau ou de um Georges Lapassade, ou ainda a sociopsicanálise de Gérard Mendel, são exem- plos dessa abordagem crítica, que será definida na maioria dos casos criticando outras teorias da mudança psicossociológica, qualificando-as como adaptadoras, manipuladoras, reproduto- ras da ordem estabelecida. Serão, assim, ataca- das a mudança planificada, a prática dos grupos de crescimento, o desenvolvimento organizacio- nal. Na verdade, estas críticas serão integradas em muitos trabalhos psicossociológicos, permi- tindo uma reactualização dos valores em jogo em termos de poder e da mudança institucional presente. Por exemplo, o projecro da democra- cia social de Kurt Lewin era chamado a colocar em cheque qualquer tentação totalitária de go- verno; de igual forma, a abordagem «não direc- tiva- de Rogers consistia, no empreendimento de mudança, em deslocar o centro de poder mais para o que necessita de ajuda do que para o que a presta, mais para o grupo do que para o organizador. São estes verdadeiramente os ele- mentos essenciais de uma concepção psicosso- ciológica da mudança. Podemos também identificar uma quinta tra- dição como contribuição original para uma abordagem psicossociológica da mudança. Ela exprime-se, por excelência, na crítica psicológi- ca da mudança fundada na teoria psicanalítica do grupo ou do laço social colectivo, pondo em relevo a importância decisiva do inconsciente e do Imaginário como fomes ou obstáculos à mu- dança. Os trabalhos pioneiros do Instituto Ta- vistock, com teóricos e clínicos como W Bion, e trabalhos franceses como os de D. Anzieu ou R. Kaes irão operar uma redeíinição das bases psicológicas da mudança. É assim, por exemplo, que Anzieu falará da «ilusão grupal» como do ponto cego de muitas práticas da «dinâmica de grupos». Não é sem dúvida um acaso que a abordagem crítica psicanalítica tenha sido de- senvolvida principalmente nas correntes de pen- samento europeias, em especial em França e na Grã-Bretanha. Com efeito, a psicanálise e as suas muitas variantes ocuparam um lugar im- portante nas culturas europeias. As culturas nor- 140--- te-americanas fizeram, pelo contrário, maior apelo à sociologia de inspiração funcionalista e às psicologias behavioristas (cornportamentalis- tas) ou humanistas. Como qualquer tentativa de classificação, esta identificação de cinco tradições de pensamento e de práticas bem distintas - dinâmica da mu- dança, mudança planificada, desenvolvimento, mudança crítica - pode parecer bastante sumá- ria relativamente ao exame mais pormenorizado de autores ou de trabalhos sobre a mudança. Convém introduzir gradações e variações que mostram bem a proximidade, ou mesmo coinci- dências, entre estas diversas concepções da mu- dança. Mas o exame destas variações permitir- -nos-á mostrar alguns núcleos irredutíveis de sentidos que implicam a necessidade de repensar hoje o lugar e o sentido da mudança como pers- pectiva essencial do projecto psicossociológico. Um primeiro cruzamento, muito frequente no pensamento norte-americano, é o da visão da mudança como «dinâmica da mudança planifi- cada». A mudança intencional e pragmática cen- trada na resolução de problemas sociais e organi- zacionais (mudança planificada) é aqui assimila- da à concepção teórica das modificações ou transformações de um campo ou de um sistema social dado. Esta aproximação apeia-se numa tensão entre os elementos mais estruturais" e glo- bais de um sistema e na irrupção do actor-sujei- to social portador de projectos e de intenções. A intervenção roma-se então uma prática actuante e transformadora dos sistemas, e também comi- da pelos constrangimentos e regras sistémicos.. Um outro cruzamento, muito presente tam- bém no pensamento norte-americano, está im- plícito na noção de «desenvolvimento organiza- cional», que representa então uma variante da ideia da dinâmica de uma mudança planifica- da, com o contributo particular de uma COD- cepção histórica ou evolutiva da organização. passando de um estádio mais ou menos incom- pleto, potencial, para um estado mais acabado e mais realizado. A versão mais individual desta concepção do desenvolvimento repousa assim numa visão mais naturalista e menos volunta- rista: a pessoa humana, diria Carl Rogers, tende de forma inata para se realizar completamente. trata-se de uma tendência «organísmica». É in- teressante sublinhar esta designação, utilizada mais especificamente em França na década de 1960, do Grupo de Evolução para falar do gru- po de formação (training graup) resultante da teoria da dinâmica de grupos, ou ainda do gru- po diagnóstico para evocar o mesmo tipo ~ grupo. No primeiro caso, encontramos a ideia de um desenvolvimento do grupo para um está- dio de maturidade. No outro, pelo contrário, é antes questão de uma fase de tomada de cons- ciência da situação como passagem obrigatória para uma fase de acção reflectida, próxima, por . o, da mudança intencional. Convém chamar a atenção para o conjunto de trabalhos que, tanto na Europa como na América do Norte, especialmente no Quebe- • e, vão tentar integrações parciais destas diver- sas tradições teóricas e críticas sobre a mudança. ideias de «mudança complexa», «abordagem ãaléctica» da mudança, «sistemas sociomentais» ~ -abordagem clínica» são outras tantas noções !DI que se tentaram aproximações entre diversos zontributos teóricos da mudança. Estes autores _ icossociólogos vão sustentar conjuntamente _ mos de vista tão diferentes, quanto aos seus - damentos teóricos, como a abordagem exis- cia! e fenomenológica, a sociologia crítica e a álise. E os desenvolvimentos teóricos pro- _ os acompanham a afirmação igualmente zara de uma metodologia de intervenção com- que é susceptível de permitir uma tal dia- ..e:::ricaem domínios tão diferentes como a inter- çã o ou a consulta organizacional, a interven- - comunitária ou em meio aberto, a formação _ ~upo restrito, a abordagem biográfica, e até rerapia, A abordagem clínica em ciências hu- ou sociais (sociologia clínica) representa bom exemplo destes avanços metodológicos zeéricos que permitem redefinir uma psicos- . logia da mudança, na qual as exigências da - podem ser ligadas a uma perspectiva críti- :::emancipadora. a de algumas proposições is sobre a mudança :::Dnvém desvelar um certo número de caracte- essenciais que se encontram em diversas ções psicossociológicasda mudança que os de esboçar. Apresentamos e comenta- sumariamente as sete características seguintes: -lnculo teórico e prático. O primeiro postu- da perspectiva psicossociológica da mu- • é que a teoria e a pesquisa em ciências hu- e sociais constituem um motor essencial •-o e da prática social. Que inversamente, volvimento da teoria se apeia no da prá- social. action research (pesquisa-acção) de Lewin . recentes trabalhos em psicossociologia, MUDANÇA a preocupação com a mudança continua a ser central: como tornar o conhecimento e a pes- quisa mais pertinentes e mais úteis à prática so- cial. Quer seja na perspectiva pragmática de re- solver os problemas sociais ou na abordagem crítica dirigida a pôr em causa a instituição do- minante ou as desigualdades sociais, os saberes das ciências humanas e sociais são interpelados. Inversamente, a prática social torna-se uma re- ferência primeira para questionar a adequação da pesquisa e o desenvolvimento das teorias em ciências humanas e sociais. A validação dos sa- beres resulta de um confronto com a prática so- cial. Esta posição afasta-se da construção exclu- siva em laboratório experimental ou da especu- lação teórica. A psicossociologia apeia-se, de certo modo, na práxil' social, numa prática re- flexiva, numa teoria praticada. Isto em nada in- firma a autonomia relativa do momento de ela- boração teórica. Mas esse momento inscreve-se no processo global de uma prática teorizada, fonte de mudança social. • Necessária complexidade multidisciplinar. Qualquer perspectiva psicossociológica da mu- dança repousa simultaneamente numa concep- ção psicológica da mudança individual ou pes- soal e numa concepção da mudança social. A referência a diversas disciplinas e pelo me- nos aos contributos da psicologia e da sociologia é uma constante dos trabalhos sobre a mudança psicossociológica. Quer seja a perspectiva da mudança de atitude ou de valores das pessoas «agentes de mudança» no caso dos lewinianos, o desenvolvimento óptimo da pessoa na concep- ção existencial-humanista" dos rogerianos, ou a elaboração simbólica ao encontro do incons- ciente no caso dos psicanalistas, a mudança pes- soal situa-se no cerne da perspectiva psicosso- ciológica. Mas esta mudança é inseparável das mudanças sociais, no grupo, na organização, na sociedade. Mudança sistémica, movimento so- cial ou reprodução social, a acção individual inscreve-se no quadro mais amplo da acção so- cial. E muitas outras disciplinas são então im- plicadas na análise da mudança: antropologia, ciências políticas, história, etc. Em todos os ca- sos, a questão central é a de desenvolver as bases psicológicas e sociológicas de uma teoria do su- jeito e de uma teoria da acção social. • Historicidade e democracia. Uma concepção psicossociológica da mudança estende-se por um horizonte social, cultural e político, em que cada um e todos são convidados a realizar acti- vamente uma democracia participativa. 141 DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA O apelo a diferentes saberes disciplinares, a uma psicossociologia da mudança não pode economizar no empenhamento. Todos os pio- neiros, como Lewin, e a grande maioria dos psi- cossociólogos contemporâneos partilham esta orientação ética de trabalhar para a emancipa- ção do sujeito humano e do grupo social, outra formulação para fundar uma democracia de participação, de solidariedade, de igualdade. O trabalho psicossociológico é o de fazer crescer uma consciência mais crítica, uma compreensão e um domínio acrescido da sua situação pessoal e social. E isto perante o reconhecimento de re- lações sociais desiguais, do risco sempre presen- te da tentação totalitária, da convicção de tornar os indivíduos e os colectivos mais «sujeitos» da sua história. As formas concretas deste ernpe- nhamento podem variar e estar em oposição. Quer seja o modelo americano da democracia valorizado pelos lewinianos ou a utopia auto- gestionária dos institucionalistas, com toda a gama de posições intermédias, as condições de um viver em conjunto mais democrático estão na base de uma concepção psicossociológica da mudança. E estas condições variam de acordo com os contextos societários e os períodos his- tóricos considerados. A utopia autogestionária, por exemplo, assume hoje a forma, sem dúvida mais modesta, de uma democracia de participa- ção tornada um verdadeiro desafio em contex- tos culturais, especialmente na América do Nor- te, marcados pelo individualismo e pelo pensa- mento neo liberal. • Estruturas intermédias e mediação. A mu- dança é estudada e favorecida principalmente nas unidades sociais intermédias entre as socie- dades ou os grandes conjuntos macrossociais e o universo individual. O grupo restrito, a organi- zação formal, a vida associativa, representam lo- cais privilegiados portadores de mudança social e individual. Estas formas organizadas são en- tendidas como componentes-chave do funcio- namento democrático da vida social. A dinâmica dos grupos (incluindo o sistema familiar), o desenvolvimento organizacional ou comunitário são exemplos-tipo do quadro de acção da psicossociologia. Isto baseia-se na ideia de que estas estruturas sociais intermédias re- presentam locais de estudo ou de mudança nos quais as relações pessoa-sociedade são mais fácil e directamente observáveis do que, por exem- plo, no contexto da terapia individual ou no das grandes estruturas políticas ou societárias. Porém, existe mais do que uma exigência meto do lógica. F<tas estruturas sociais são meios de acção que se encontram na base da construção da socieca- de e da produção dos indivíduos como sui - O funcionamento das grandes instituições ciais, como o desenvolvimento dos indiví realiza-se pela mediação destes meios in dios de acção. • Uma teoria da intervenção e da com É uma característica central da história da cossociologia ter desenvolvido uma con _.- específica da intervenção. E, com efeito, a sequência das dimensões precedentes: ligar ria e prática, pessoa e sociedade, num COIllf misso concreto para uma democratização - práticas sociais implica uma teoria corr dente da intervenção. Mudança planificada, desenvolvimento 0--: nizacional ou comunitário, análise instiruci o processo de intervenção coloca face a face - - vestigadores-intervenientes que recebem . designações: analistas, consultores, conselheir facilitadores, agentes de mudança. Estes p - - tos executam-se segundo diversas fases-tipo: ~ lise do pedido, estabelecimento de um con diagnóstico dos problemas, definição de obi vos e de um plano de acção, experimen .- avaliação. A participação de todos os actores -- volvidos numa intervenção, convidados a pz.-- lhar a análise de situação, a planificação e a rea- lização de uma mudança, faz parte das r_~ habituais de intervenção psicossociológica. E cessário acrescentar-lhe uma reflexão constarze- mente retomada sobre o estatuto e a abordas dos «intervenientes». Animador democ ~ (Lewin), «monitor- ou «facilitador- cen no cliente, ou não directivo (Rogers), an (Anzieu), «rnaiêuticos» (jean Maisonneuve), - outras tantas posturas e modos de intervençâ que testemunham esta preocupação constante favorecer a expressão e a participação, mas bém o empenhamento e a análise crítica. • Pensamento crítico.A questão do poder relações sociais é o tema que, por excelên - permite definir o alcance e os limites da abo gem psicossociológica da mudança. Na medida em que o processo psicossoci gico se mantém ancorado numa intenção - mudança para uma maior democracia e - emancipação dos actores sociais, ele é indissoca- vel de uma perspectiva crítica. A reflexão cá-- sobre as apostas do poder na intervenção e cepção psicossociológicas das mudanças s - foi frequentemente ocasião de confronto as correntes psicossociológicas europeias, funC:é. das na sociologia crítica ou na psicanálise, e as América, fundadasnuma sociologia funcio . e numa psicologia humanista ou behaviorista. Mas, em todos os casos, coloca-se a questão do poder: poder dos pesquisadores-intervenientes relativamente aos grupos que expressam o pedi- do; estrutura de poder dos quadros sociais da acção: alcance das mudanças e da intervenção. Além disso, nos debates críticos sobre o alcance da mudança psicossociológica reconhece-se cla- ramente que as mudanças que podem ser pro- duzidas nos grupos ou nas organizações se apeiam em mudanças individuais e societárias que sustentam a acção social destas instituições intermédias. Se é verdade que estes meios de ac- çâo servem de mediação privilegiada para a construção de sujeitos-actores sociais, se é ver- ::kde que o projecto psicossociológico consiste em trabalhar a articulação do psíquico e do so- cial, é também verdade que as mudanças nestes locais intermédios são largamente dependentes za qualidade da mudança do indivíduo e do :;uadro social das mudanças sociais, que apelam ci. outras abordagens da mudança. • Inconsciente e liberdade. A questão do in- zonsciente atravessa a reflexão sobre a mudança, como a da liberdade dos sujeitos. Os contributos da psicanálise, desenvolvidos ~cipalmente na Europa, permitiram que se lrasse a colocar em causa toda a abordagem zemasiado voluntarista ou racionalista da mu- zança, introduzindo a parte irredutível das for- inconscientes na determinação da conduta =ana. Por outro lado, os trabalhos humanis- dos psicossociólogosnorte-americanos, em es- ial, sublinham o carácter igualmente irredutí- da liberdade humana e do projecto como fon- de mudança intencional, voluntária ou não. ~ esta dialéctica das determinações e da liberda- que representa melhor, possivelmente, a aven- da mudança numa perspectiva psicossocio- _oca.Esta dialéctica funda-se neste paradoxo - eiro no qual se diz que o homem nunca é ente determinado nem totalmente livre. nições Dewey (John): filósofo americano, 1859- -2. Autor representativo da corrente prag- . ta americana, com W James, G. H. Mead aos. Esta corrente exerceu uma influência al no desenvolvimento da psicossociologia e-amencana. ialêctica: designa qualquer forma de rnu- > fundada na oposição de contrários. Este iro representa uma visão maior da mudan- em particular a partir dos desenvolvimentos MUDANÇA da filosofia alemã do século XIX (dialéctica his- tórica hegeliana: tese-antítese-síntese, e depois marxista) e do existencialismo (dialéctica para- doxal das relações sujeito-mundo em M. Mer- leau-Ponry, por exemplo). Max Pages, em psi- cossociologia, utiliza esta noção em conjunto com a de complexidade para designar as formas múltiplas de oposição ou de conflito que estão na origem da mudança pessoal e social. Estratégia: termo de origem militar, que de- signa o plano de conjunto das operações a reali- zar até à obtenção da finalidade ou do objectivo geral. Estrutura: conjunto organizado de relações entre elementos interdependentes. A estrutura representa o pólo de regularidade e de estabili- dade das entidades humanas e sociais. Gesta/t: termo alemão que significa «forma». Concepção teórica inovadora de psicólogos da percepção (W Kõhler, K. Koffka e M. Werthei- mer) que exerceram uma influência directa em K. Lewin. O jogo dialéctico do fundo e da for- ma para explicar a formação das percepções iria conhecer uma extensão importante aplicada ao campo social e à personalidade. Recordemos, neste primeiro caso, a terapia gestaltista desen- volvida por F. Perls. Humanista: designa aqui a corrente de pen- samento em psicologia que se apoia geralmente nos contributos filosóficos fenomenológicos e existenciais, centrada no sujeito existencial, na importância da percepção subjectiva das situa- ções sociais. Autores como C. Rogers, A. Mas- low, G. Allport e J. Bugental são representativos deste movimento, que teve uma influência mui- to importante no desenvolvimento da psicosso- ciologia. Práxis: designa a acção teorizada ou cons- ciente do sujeito sócio-histórico. No pensamen- to marxista, designa a acção consciente de clas- se. Por extensão, designa qualquer forma de prá- tica social dos actores orientada para a mudan- ça social e opõe-se à noção mais redutora de prática técnica ou instrumental. Subjectividade: qualidade ou maneira de ser de um sujeito (cf artigo sujeito) humano. A sub- jectividade evoca o pólo de liberdade criadora na vida humana e social e é frequentemente co- locada em oposição à regularidade formal da es- trutura. Táctica: termo complementar do termo es- tratégia (ver), numa relação da parte com o todo. Designa um subconjunro de actividades que visam um objectivo intermédio. Um con- junto de tácticas forma a estratégia. 143
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