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mudanca trabalho da DicionriodePsicossociologia 20170815121027

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MUDANÇA Jacques Rhéaume
A noção de mudança é fortemente polissérni-
ca, tal como comprova a utilização muito fre-
quente, ou mesmo banalizada, do termo na lin-
guagem corrente e as suas múltiplas referências
em todas as disciplinas das ciências humanas e
sociais. Os dicionários indicam toda a variedade
de significados ligados a esta noção e aos termos
que lhe estão associados. É interessante notar
que o termo «mudança» (changement), em fran-
cês, tem por origem primeira o termo que pro-
vém do baixo latim, cambiare, que quer dizer:
trocar, substituir uma coisa por outra. A inte-
racção e a troca encontram-se assim no cerne da
mudança. Por abstracção e generalização, a mu-
dança designa também a passagem de um esta-
do a outro. Isso conduz a uma definição sim-
ples da mudança psicológica ou social: uma
mudança é a passagem do estado x, definido
num tempo t, para um estado Xl' num tempo tI'
em que X e XI podem representar um ser huma-
no ou um meio social que, depois da «mudan-
ça», se torna simultaneamente outra coisa e o
mesmo. Uma pessoa mudou, mas é ainda a
mesma pessoa. Um grupo, ou organização, ou
sociedade mudaram, mas são ainda o mesmo
grupo, a mesma organização, a mesma socieda-
de. Senão, haverá mais do que mudança: have-
rá desaparecimento e emergência de uma outra
realidade, morte ou criação. A aposta identitá-
ria, pessoal ou social, encontra-se, neste contex-
to, no cerne da noção de mudança. Evoquemos
também aqui toda a gama ou os cambiantes
possíveis quanto à extensão ou à profundidade
das mudanças sugeridas por termos como des-
locação, movimento, alteração, ajustamento,
modificação, evolução, desenvolvimento, refor-
ma, transformação, mutação, revolução, ruptu-
ra, metamorfose.
A noção de mudança na história das ideias,
por exemplo, em filosofia, é indissociável da po-
laridade estabelecida entre a permanência (estru-
tura)" e a mudança (duração). Este debate fun-
dador faz-nos remontar aos filósofos pré-socráti-
cos, em particular à oposição entre Heraclito,
para quem a mudança é a essência do Ser sempre
em movimento e em conflito entre as figuras dos
elementos materiais, o fogo em especial, e Par-
138
ménides, para quem o Ser é permanência sob a
aparência das mudanças. Esta oposição radica,
atravessa as teorias da mudança. Encontra-se fi
cerne da mudança dialéctica" do pensamenro
alemão do século XIX (de Hegel a Marx), Encon-
tra-se igualmente na dialéctica existencialista e
fenomenológica (Sartre, Merleau-Ponty). Mas.
mais globalmente, atravessa as relações entre es-
trutura e subjectividade", sistema e experiência,
E estes debates vão ser retomados, de outra for-
ma, nas diversas teorias da mudança elaboradas
em ciências humanas e sociais, e em especial eu:
psicossociologia. Cinco tradições de pensamemo
vão marcar o campo psicossociológico:
- a dinâmica da mudança;
- a abordagem sistémica;
- a mudança planificada, the planning of
change;
- o desenvolvimento (pessoal, organizacional
ou social);
- a mudança e o inconsciente.
Abordagens da mudança
Pioneiro da psicossociologia, o psicólogo ame-
ricano de origem alemã, Kurt Lewin, desenvol-
ve uma concepção da mudança caracterizada
pela preocupação de fundar uma teoria científi-
ca das relações entre pessoas e sociedade, à ima-
gem das ciências da natureza: a física e a mate-
mática. A teoria do campo psicológico é, com
efeito, definida nos mesmos termos de um cam-
po de forças, de vectores, de intensidade e de
equilíbrio que evocam constantemente um
campo energético no sentido da física. Metáfo-
ra do psicológico e do social, o campo é forma-
lizado na concepção de uma matemática descri-
tiva que é a topologia de espaços materiais e
simbólicos de proximidade, de fronteiras, de
barreiras, de canais. A dinâmica da mudança.
pessoal, de grupo ou social, é assim definida
como uma série de estados sucessivos quase
estacionários do campo social que constitui
uma totalidade actual das relações entre pessoas.
. Os asteriscos remetem para as definições no fim do artigo.
sociedade e ambiente material. Esta totalidade
mais ou menos estável evolui um pouco ao
zaodo das relações forma/fundo tal como são
_efinidas pelos defensores da Gestalt", ou teóri-
oos da forma, que tinham marcado o início dos
trabalhos de Lewin na Alemanha. A mudança é
;:escrita como um processo iterativo que com-
preende três fases: descristalização, deslocação e
zristalizaçâo. Esta concepção dinâmica da mu-
aança será sobretudo conhecida através de tra-
oalhos sobre a dinâmica de grupos restritos.
Esta primeira visão da mudança será rapida-
zaente substituída e ampliada pela concepção
- émica que se irá impor na década de 1950.
~ sistema, individual, grupal, social é esta rota-
de de elementos interdependentes que se
- rma em interacção com um ambiente com-
_ o e outros sistemas. Estes sistemas mantêm-
-se ou mudam de acordo com processos com-
=: os de regulação, desde as regulações mais
- ples, mecânicas, como o comando termostá-
::Xo, a regulações mais complexas do ser vivo,
znmo a autopoiese (auto-referência e autoprodu-
::20 do sistema). Mas, em todos os casos, trata-se
pre de uma estruturação dinâmica de ele-
tos em interacção e que formam um todo.
7sra teorização da mudança, em psicossociolo-
- conduz na sua aplicação a traçar primeiro
retrato, o mais completo possível, da situa-
::m de partida vivenciada por uma pessoa ou
~po de pessoas, no seu contexto actual: moti-
> - es, recursos, objectivos, alianças, oposições
~ resistências à mudança pretendida. Em segui-
são identificados os factores ou as «forças»
eptíveis de facilitar a descristalização do
=po psicológico e social, permitindo formar
_rojecto de agir ou intervir nestes factores; por
o processo termina pela avaliação do novo
=do do campo ou do sistema assim mudado.
Outra concepção de mudança sustentada
~ente pelos defensores de uma abordagem
. iana é a da mudança planificada. Inte-
F2Ddo vários elementos da abordagem sistérni-
::<. ou da dinâmica da mudança, baseia-se, não
te, numa tradição de pensamento com-
:::.cramente diferente, com origens bem ameri-
zzaas, que é a filosofia pragmática social. A rnu-
ça planificada é a mudança definida como
tante de um plano, de uma vontade e de
intervenção de chegar a um novo estado
zesejado, individual, de grupo ou organizacio-
Mas esta mudança intencional produz-se
termo de um processo racional, que é o da
lução de problemas. O filósofo educador,
MUDANÇA
John Dewey*, concebia assim a teoria da mu-
dança como a réplica operacional, na vida quo-
tidiana e no senso comum, do raciocínio cientí-
fico experimental: coloca-se uma questão de in-
vestigação, forma-se uma hipótese, cria-se um
plano de experimentação, obtêm-se resultados
que são avaliados em função dos objectivos de
mudança desejados. Na acção quotidiana, o
sentimento de um mal-estar ou de uma necessi-
dade de mudar uma situação leva os actores so-
ciais a identificar os obstáculos ou os problemas
a resolver, a fixar objectivos e um plano de ac-
ção, a traduzir em estratégias* e em tácticas" esta
acção para obter os resultados desejados.
A avaliação deste estado final é susceptível de
relançar o processo de mudança se persistirem
afastamentos entre o desejado e o actual. Esta
concepção do «planeamento da mudança»
(planning o/ change) está bem representada em
duas séries de trabalhos, americanas e canadia-
nas: as de Bennis, Benne e Chin (1961,1984) e
as de Tessier e Tellier (1990-1993).
Uma terceira tradição de pensamento, muito
influente nas concepções psicossociológicas da
mudança, é a do desenvolvimento: desenvolvi-
mento de grupos, desenvolvimento organizacio-
nal, desenvolvimento pessoal (ou crescimento
pessoal). No domínio da psicologia, o conceito
de desenvolvimento está muitas vezes associado
a autores pioneiros como Gordon Allport e Carl
Rogers. O desenvolvimento, talcomo a ideia de
crescimento, são noções próximas da metáfora
biológica do ser vivo e do organismo. Tal como
a estrutura do organismo inspirou numerosos
sistemistas, também a passagem progressiva, por
fases, do germe originário ao organismo adulto
é fonte de inspiração dos teóricos do desenvol-
vimento. Pressupõe-se sempre um estado in-
completo, inacabado, virtual de um todo orgâ-
nico, vivo, que em seguida cresce, solta as velas
e se actualiza plenamente em toda a sua maturi-
dade. Isso vem modificar ou mitigar o sentido
mais radical associado à ideia de uma mudança
que pode ser definida como ruptura, desorgani-
zação, transformação estrutural de um estado
para outro. O desenvolvimento é antes a conti-
nuidade e o progresso, a mudança definida por
uma série de fases de crescimento. Realizar-se,
actualizar-se plena ou optimamente, são as pa-
lavras-chave. O desenvolvimento pode implicar
conflitos, rupturas, tal como passagens ou crises
para uma maior maturação integrativa.
A quarta tradição de pensamento associada a
uma psicossociologia da mudança é a da mudança
139
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA
institucional, que se baseia em referências múl-
tiplas ao pensamento crítico, no sentido
sociológico do termo, bem representada pelas
diversas tradições marxistas ou pós-marxistas.
A crítica social pode ser caracterizada pela in-
trodução da centralidade das relações de poder
na prática dos grupos, das organizações, das ins-
tituições. A análise institucional de um René
Lourau ou de um Georges Lapassade, ou ainda
a sociopsicanálise de Gérard Mendel, são exem-
plos dessa abordagem crítica, que será definida
na maioria dos casos criticando outras teorias da
mudança psicossociológica, qualificando-as
como adaptadoras, manipuladoras, reproduto-
ras da ordem estabelecida. Serão, assim, ataca-
das a mudança planificada, a prática dos grupos
de crescimento, o desenvolvimento organizacio-
nal. Na verdade, estas críticas serão integradas
em muitos trabalhos psicossociológicos, permi-
tindo uma reactualização dos valores em jogo
em termos de poder e da mudança institucional
presente. Por exemplo, o projecro da democra-
cia social de Kurt Lewin era chamado a colocar
em cheque qualquer tentação totalitária de go-
verno; de igual forma, a abordagem «não direc-
tiva- de Rogers consistia, no empreendimento
de mudança, em deslocar o centro de poder
mais para o que necessita de ajuda do que para
o que a presta, mais para o grupo do que para o
organizador. São estes verdadeiramente os ele-
mentos essenciais de uma concepção psicosso-
ciológica da mudança.
Podemos também identificar uma quinta tra-
dição como contribuição original para uma
abordagem psicossociológica da mudança. Ela
exprime-se, por excelência, na crítica psicológi-
ca da mudança fundada na teoria psicanalítica
do grupo ou do laço social colectivo, pondo em
relevo a importância decisiva do inconsciente e
do Imaginário como fomes ou obstáculos à mu-
dança. Os trabalhos pioneiros do Instituto Ta-
vistock, com teóricos e clínicos como W Bion,
e trabalhos franceses como os de D. Anzieu ou
R. Kaes irão operar uma redeíinição das bases
psicológicas da mudança. É assim, por exemplo,
que Anzieu falará da «ilusão grupal» como do
ponto cego de muitas práticas da «dinâmica de
grupos». Não é sem dúvida um acaso que a
abordagem crítica psicanalítica tenha sido de-
senvolvida principalmente nas correntes de pen-
samento europeias, em especial em França e na
Grã-Bretanha. Com efeito, a psicanálise e as
suas muitas variantes ocuparam um lugar im-
portante nas culturas europeias. As culturas nor-
140---
te-americanas fizeram, pelo contrário, maior
apelo à sociologia de inspiração funcionalista e
às psicologias behavioristas (cornportamentalis-
tas) ou humanistas.
Como qualquer tentativa de classificação, esta
identificação de cinco tradições de pensamento
e de práticas bem distintas - dinâmica da mu-
dança, mudança planificada, desenvolvimento,
mudança crítica - pode parecer bastante sumá-
ria relativamente ao exame mais pormenorizado
de autores ou de trabalhos sobre a mudança.
Convém introduzir gradações e variações que
mostram bem a proximidade, ou mesmo coinci-
dências, entre estas diversas concepções da mu-
dança. Mas o exame destas variações permitir-
-nos-á mostrar alguns núcleos irredutíveis de
sentidos que implicam a necessidade de repensar
hoje o lugar e o sentido da mudança como pers-
pectiva essencial do projecto psicossociológico.
Um primeiro cruzamento, muito frequente no
pensamento norte-americano, é o da visão da
mudança como «dinâmica da mudança planifi-
cada». A mudança intencional e pragmática cen-
trada na resolução de problemas sociais e organi-
zacionais (mudança planificada) é aqui assimila-
da à concepção teórica das modificações ou
transformações de um campo ou de um sistema
social dado. Esta aproximação apeia-se numa
tensão entre os elementos mais estruturais" e glo-
bais de um sistema e na irrupção do actor-sujei-
to social portador de projectos e de intenções. A
intervenção roma-se então uma prática actuante
e transformadora dos sistemas, e também comi-
da pelos constrangimentos e regras sistémicos..
Um outro cruzamento, muito presente tam-
bém no pensamento norte-americano, está im-
plícito na noção de «desenvolvimento organiza-
cional», que representa então uma variante da
ideia da dinâmica de uma mudança planifica-
da, com o contributo particular de uma COD-
cepção histórica ou evolutiva da organização.
passando de um estádio mais ou menos incom-
pleto, potencial, para um estado mais acabado e
mais realizado. A versão mais individual desta
concepção do desenvolvimento repousa assim
numa visão mais naturalista e menos volunta-
rista: a pessoa humana, diria Carl Rogers, tende
de forma inata para se realizar completamente.
trata-se de uma tendência «organísmica». É in-
teressante sublinhar esta designação, utilizada
mais especificamente em França na década de
1960, do Grupo de Evolução para falar do gru-
po de formação (training graup) resultante da
teoria da dinâmica de grupos, ou ainda do gru-
po diagnóstico para evocar o mesmo tipo ~
grupo. No primeiro caso, encontramos a ideia
de um desenvolvimento do grupo para um está-
dio de maturidade. No outro, pelo contrário, é
antes questão de uma fase de tomada de cons-
ciência da situação como passagem obrigatória
para uma fase de acção reflectida, próxima, por
. o, da mudança intencional.
Convém chamar a atenção para o conjunto
de trabalhos que, tanto na Europa como na
América do Norte, especialmente no Quebe-
• e, vão tentar integrações parciais destas diver-
sas tradições teóricas e críticas sobre a mudança.
ideias de «mudança complexa», «abordagem
ãaléctica» da mudança, «sistemas sociomentais»
~ -abordagem clínica» são outras tantas noções
!DI que se tentaram aproximações entre diversos
zontributos teóricos da mudança. Estes autores
_ icossociólogos vão sustentar conjuntamente
_ mos de vista tão diferentes, quanto aos seus
- damentos teóricos, como a abordagem exis-
cia! e fenomenológica, a sociologia crítica e a
álise. E os desenvolvimentos teóricos pro-
_ os acompanham a afirmação igualmente
zara de uma metodologia de intervenção com-
que é susceptível de permitir uma tal dia-
..e:::ricaem domínios tão diferentes como a inter-
çã o ou a consulta organizacional, a interven-
- comunitária ou em meio aberto, a formação
_ ~upo restrito, a abordagem biográfica, e até
rerapia, A abordagem clínica em ciências hu-
ou sociais (sociologia clínica) representa
bom exemplo destes avanços metodológicos
zeéricos que permitem redefinir uma psicos-
. logia da mudança, na qual as exigências da
- podem ser ligadas a uma perspectiva críti-
:::emancipadora.
a de algumas proposições
is sobre a mudança
:::Dnvém desvelar um certo número de caracte-
essenciais que se encontram em diversas
ções psicossociológicasda mudança que
os de esboçar. Apresentamos e comenta-
sumariamente as sete características seguintes:
-lnculo teórico e prático. O primeiro postu-
da perspectiva psicossociológica da mu-
• é que a teoria e a pesquisa em ciências hu-
e sociais constituem um motor essencial
•-o e da prática social. Que inversamente,
volvimento da teoria se apeia no da prá-
social.
action research (pesquisa-acção) de Lewin
. recentes trabalhos em psicossociologia,
MUDANÇA
a preocupação com a mudança continua a ser
central: como tornar o conhecimento e a pes-
quisa mais pertinentes e mais úteis à prática so-
cial. Quer seja na perspectiva pragmática de re-
solver os problemas sociais ou na abordagem
crítica dirigida a pôr em causa a instituição do-
minante ou as desigualdades sociais, os saberes
das ciências humanas e sociais são interpelados.
Inversamente, a prática social torna-se uma re-
ferência primeira para questionar a adequação
da pesquisa e o desenvolvimento das teorias em
ciências humanas e sociais. A validação dos sa-
beres resulta de um confronto com a prática so-
cial. Esta posição afasta-se da construção exclu-
siva em laboratório experimental ou da especu-
lação teórica. A psicossociologia apeia-se, de
certo modo, na práxil' social, numa prática re-
flexiva, numa teoria praticada. Isto em nada in-
firma a autonomia relativa do momento de ela-
boração teórica. Mas esse momento inscreve-se
no processo global de uma prática teorizada,
fonte de mudança social.
• Necessária complexidade multidisciplinar.
Qualquer perspectiva psicossociológica da mu-
dança repousa simultaneamente numa concep-
ção psicológica da mudança individual ou pes-
soal e numa concepção da mudança social.
A referência a diversas disciplinas e pelo me-
nos aos contributos da psicologia e da sociologia
é uma constante dos trabalhos sobre a mudança
psicossociológica. Quer seja a perspectiva da
mudança de atitude ou de valores das pessoas
«agentes de mudança» no caso dos lewinianos, o
desenvolvimento óptimo da pessoa na concep-
ção existencial-humanista" dos rogerianos, ou a
elaboração simbólica ao encontro do incons-
ciente no caso dos psicanalistas, a mudança pes-
soal situa-se no cerne da perspectiva psicosso-
ciológica. Mas esta mudança é inseparável das
mudanças sociais, no grupo, na organização, na
sociedade. Mudança sistémica, movimento so-
cial ou reprodução social, a acção individual
inscreve-se no quadro mais amplo da acção so-
cial. E muitas outras disciplinas são então im-
plicadas na análise da mudança: antropologia,
ciências políticas, história, etc. Em todos os ca-
sos, a questão central é a de desenvolver as bases
psicológicas e sociológicas de uma teoria do su-
jeito e de uma teoria da acção social.
• Historicidade e democracia. Uma concepção
psicossociológica da mudança estende-se por
um horizonte social, cultural e político, em que
cada um e todos são convidados a realizar acti-
vamente uma democracia participativa.
141
DICIONÁRIO DE PSICOSSOCIOLOGIA
O apelo a diferentes saberes disciplinares, a
uma psicossociologia da mudança não pode
economizar no empenhamento. Todos os pio-
neiros, como Lewin, e a grande maioria dos psi-
cossociólogos contemporâneos partilham esta
orientação ética de trabalhar para a emancipa-
ção do sujeito humano e do grupo social, outra
formulação para fundar uma democracia de
participação, de solidariedade, de igualdade. O
trabalho psicossociológico é o de fazer crescer
uma consciência mais crítica, uma compreensão
e um domínio acrescido da sua situação pessoal
e social. E isto perante o reconhecimento de re-
lações sociais desiguais, do risco sempre presen-
te da tentação totalitária, da convicção de tornar
os indivíduos e os colectivos mais «sujeitos» da
sua história. As formas concretas deste ernpe-
nhamento podem variar e estar em oposição.
Quer seja o modelo americano da democracia
valorizado pelos lewinianos ou a utopia auto-
gestionária dos institucionalistas, com toda a
gama de posições intermédias, as condições de
um viver em conjunto mais democrático estão
na base de uma concepção psicossociológica da
mudança. E estas condições variam de acordo
com os contextos societários e os períodos his-
tóricos considerados. A utopia autogestionária,
por exemplo, assume hoje a forma, sem dúvida
mais modesta, de uma democracia de participa-
ção tornada um verdadeiro desafio em contex-
tos culturais, especialmente na América do Nor-
te, marcados pelo individualismo e pelo pensa-
mento neo liberal.
• Estruturas intermédias e mediação. A mu-
dança é estudada e favorecida principalmente
nas unidades sociais intermédias entre as socie-
dades ou os grandes conjuntos macrossociais e o
universo individual. O grupo restrito, a organi-
zação formal, a vida associativa, representam lo-
cais privilegiados portadores de mudança social
e individual. Estas formas organizadas são en-
tendidas como componentes-chave do funcio-
namento democrático da vida social.
A dinâmica dos grupos (incluindo o sistema
familiar), o desenvolvimento organizacional ou
comunitário são exemplos-tipo do quadro de
acção da psicossociologia. Isto baseia-se na ideia
de que estas estruturas sociais intermédias re-
presentam locais de estudo ou de mudança nos
quais as relações pessoa-sociedade são mais fácil
e directamente observáveis do que, por exem-
plo, no contexto da terapia individual ou no das
grandes estruturas políticas ou societárias. Porém,
existe mais do que uma exigência meto do lógica.
F<tas estruturas sociais são meios de acção que
se encontram na base da construção da socieca-
de e da produção dos indivíduos como sui -
O funcionamento das grandes instituições
ciais, como o desenvolvimento dos indiví
realiza-se pela mediação destes meios in
dios de acção.
• Uma teoria da intervenção e da com
É uma característica central da história da
cossociologia ter desenvolvido uma con _.-
específica da intervenção. E, com efeito, a
sequência das dimensões precedentes: ligar
ria e prática, pessoa e sociedade, num COIllf
misso concreto para uma democratização -
práticas sociais implica uma teoria corr
dente da intervenção.
Mudança planificada, desenvolvimento 0--:
nizacional ou comunitário, análise instiruci
o processo de intervenção coloca face a face - -
vestigadores-intervenientes que recebem .
designações: analistas, consultores, conselheir
facilitadores, agentes de mudança. Estes p - -
tos executam-se segundo diversas fases-tipo: ~
lise do pedido, estabelecimento de um con
diagnóstico dos problemas, definição de obi
vos e de um plano de acção, experimen .-
avaliação. A participação de todos os actores --
volvidos numa intervenção, convidados a pz.--
lhar a análise de situação, a planificação e a rea-
lização de uma mudança, faz parte das r_~
habituais de intervenção psicossociológica. E
cessário acrescentar-lhe uma reflexão constarze-
mente retomada sobre o estatuto e a abordas
dos «intervenientes». Animador democ ~
(Lewin), «monitor- ou «facilitador- cen
no cliente, ou não directivo (Rogers), an
(Anzieu), «rnaiêuticos» (jean Maisonneuve), -
outras tantas posturas e modos de intervençâ
que testemunham esta preocupação constante
favorecer a expressão e a participação, mas
bém o empenhamento e a análise crítica.
• Pensamento crítico.A questão do poder
relações sociais é o tema que, por excelên -
permite definir o alcance e os limites da abo
gem psicossociológica da mudança.
Na medida em que o processo psicossoci
gico se mantém ancorado numa intenção -
mudança para uma maior democracia e -
emancipação dos actores sociais, ele é indissoca-
vel de uma perspectiva crítica. A reflexão cá--
sobre as apostas do poder na intervenção e
cepção psicossociológicas das mudanças s -
foi frequentemente ocasião de confronto
as correntes psicossociológicas europeias, funC:é.
das na sociologia crítica ou na psicanálise, e as
América, fundadasnuma sociologia funcio .
e numa psicologia humanista ou behaviorista.
Mas, em todos os casos, coloca-se a questão do
poder: poder dos pesquisadores-intervenientes
relativamente aos grupos que expressam o pedi-
do; estrutura de poder dos quadros sociais da
acção: alcance das mudanças e da intervenção.
Além disso, nos debates críticos sobre o alcance
da mudança psicossociológica reconhece-se cla-
ramente que as mudanças que podem ser pro-
duzidas nos grupos ou nas organizações se
apeiam em mudanças individuais e societárias
que sustentam a acção social destas instituições
intermédias. Se é verdade que estes meios de ac-
çâo servem de mediação privilegiada para a
construção de sujeitos-actores sociais, se é ver-
::kde que o projecto psicossociológico consiste
em trabalhar a articulação do psíquico e do so-
cial, é também verdade que as mudanças nestes
locais intermédios são largamente dependentes
za qualidade da mudança do indivíduo e do
:;uadro social das mudanças sociais, que apelam
ci. outras abordagens da mudança.
• Inconsciente e liberdade. A questão do in-
zonsciente atravessa a reflexão sobre a mudança,
como a da liberdade dos sujeitos.
Os contributos da psicanálise, desenvolvidos
~cipalmente na Europa, permitiram que se
lrasse a colocar em causa toda a abordagem
zemasiado voluntarista ou racionalista da mu-
zança, introduzindo a parte irredutível das for-
inconscientes na determinação da conduta
=ana. Por outro lado, os trabalhos humanis-
dos psicossociólogosnorte-americanos, em es-
ial, sublinham o carácter igualmente irredutí-
da liberdade humana e do projecto como fon-
de mudança intencional, voluntária ou não.
~ esta dialéctica das determinações e da liberda-
que representa melhor, possivelmente, a aven-
da mudança numa perspectiva psicossocio-
_oca.Esta dialéctica funda-se neste paradoxo
- eiro no qual se diz que o homem nunca é
ente determinado nem totalmente livre.
nições
Dewey (John): filósofo americano, 1859-
-2. Autor representativo da corrente prag-
. ta americana, com W James, G. H. Mead
aos. Esta corrente exerceu uma influência
al no desenvolvimento da psicossociologia
e-amencana.
ialêctica: designa qualquer forma de rnu-
> fundada na oposição de contrários. Este
iro representa uma visão maior da mudan-
em particular a partir dos desenvolvimentos
MUDANÇA
da filosofia alemã do século XIX (dialéctica his-
tórica hegeliana: tese-antítese-síntese, e depois
marxista) e do existencialismo (dialéctica para-
doxal das relações sujeito-mundo em M. Mer-
leau-Ponry, por exemplo). Max Pages, em psi-
cossociologia, utiliza esta noção em conjunto
com a de complexidade para designar as formas
múltiplas de oposição ou de conflito que estão
na origem da mudança pessoal e social.
Estratégia: termo de origem militar, que de-
signa o plano de conjunto das operações a reali-
zar até à obtenção da finalidade ou do objectivo
geral.
Estrutura: conjunto organizado de relações
entre elementos interdependentes. A estrutura
representa o pólo de regularidade e de estabili-
dade das entidades humanas e sociais.
Gesta/t: termo alemão que significa «forma».
Concepção teórica inovadora de psicólogos da
percepção (W Kõhler, K. Koffka e M. Werthei-
mer) que exerceram uma influência directa em
K. Lewin. O jogo dialéctico do fundo e da for-
ma para explicar a formação das percepções iria
conhecer uma extensão importante aplicada ao
campo social e à personalidade. Recordemos,
neste primeiro caso, a terapia gestaltista desen-
volvida por F. Perls.
Humanista: designa aqui a corrente de pen-
samento em psicologia que se apoia geralmente
nos contributos filosóficos fenomenológicos e
existenciais, centrada no sujeito existencial, na
importância da percepção subjectiva das situa-
ções sociais. Autores como C. Rogers, A. Mas-
low, G. Allport e J. Bugental são representativos
deste movimento, que teve uma influência mui-
to importante no desenvolvimento da psicosso-
ciologia.
Práxis: designa a acção teorizada ou cons-
ciente do sujeito sócio-histórico. No pensamen-
to marxista, designa a acção consciente de clas-
se. Por extensão, designa qualquer forma de prá-
tica social dos actores orientada para a mudan-
ça social e opõe-se à noção mais redutora de
prática técnica ou instrumental.
Subjectividade: qualidade ou maneira de ser
de um sujeito (cf artigo sujeito) humano. A sub-
jectividade evoca o pólo de liberdade criadora
na vida humana e social e é frequentemente co-
locada em oposição à regularidade formal da es-
trutura.
Táctica: termo complementar do termo es-
tratégia (ver), numa relação da parte com o
todo. Designa um subconjunro de actividades
que visam um objectivo intermédio. Um con-
junto de tácticas forma a estratégia.
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