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Aula 1 A Invencao da Modernidade

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Aula 1: A Invenção da Modernidade
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1. IdeNtificar as diferentes abordagens historiográficas acerca da concepção de Idade Moderna; 
2. reconhecer a abordagem tradicional e seus argumentos fundadores;
3. avaliar os conceitos chave para a compreensão de modernidade. 
Quando falamos em História Moderna, a primeira questão que nos chama a atenção é, mas afinal o que é moderno? No nosso dia a dia, muitas vezes nos referimos ao conceito de moderno ao fazermos menção a um filme, uma roupa ou um livro. 
Em História, a modernidade possui muitos sentidos, que foram mudando ao longo do tempo e da interpretação que os historiadores fazem desse termo. Para começar a entender esse conceito, temos que nos remeter à periodização clássica em História. Vamos lá!
Classicamente, a história está dividida em períodos, ou eras. Cada um desses períodos tem como marco inicial e final algum evento que os historiadores da época consideraram transformador. 
Idade antiga
Da Invenção da escrita até a queda do Império Romano do ocidente, no século V d.C.
Idade média
Da queda do Império Romano do ocidente até a tomada de Constantinopla em 1453.
Idade moderna
Da Tomada de Constantinopla até a Revolução Francesa, em 1789
Idade Contemporânea – da revolução Francesa até nossos dias. 
É claro que esta periodização possui muitos problemas, não é? Não podemos comparar o homem de nossos dias àquele da Revolução Francesa. Também não podemos dizer que o homem moderno rompeu completamente com o homem medieval. Além disso, essa periodização foi feita a partir do ponto de vista dos historiadores europeus. Assim, acaba considerando eventos que são importantes, sobretudo, para a Europa. Entretanto, durante décadas, foi esse modo de pensar que lançou as bases do pensamento histórico que, agora, questionamos. 
O que podemos concluir? Que estas eras se basearam naquilo que era considerado como uma grande ruptura. É por isso que quando falamos de Idade Moderna, pensamos imediatamente em grandes transformações. É claro que ocorreram grandes transformações, mas elas não aconteceram de repente, nem de uma hora para outra. Como todo processo histórico, a mudança foi lenta. É por isso que podemos dizer que existe muito de medieval no homem moderno.
Vamos voltar um pouco no tempo, até o final da Idade Média, para podermos perceber essa transição entre medieval e moderno.
No século XIV, a Idade Média vive sua grande crise. Um dos grandes responsáveis foi a peste negra, que dizimou boa parte da população europeia. A peste, que atingiu boa parte do campesinato, provocou um enorme ciclo de fome e miséria na Europa, levando a grandes motins e a uma enorme fuga do campo. 
As áreas em verde cobrem a pequena parte da Europa onde a peste não provocou uma enorme mortandade. O que deve ser enfatizado é a maneira como ela atingiu boa parte do continente e a imensa devastação demográfica que provocou. 
A igreja buscava culpados espirituais, e todo aquele que não era cristão foi duramente perseguido, como ocorreu com os judeus. 
Durante a Idade Média, os burgos abrigavam, sobretudo, artesãos e pequenos comerciantes. 
O CRESCIMENTO URBANO
Com o renascimento urbano, estes burgos cresceram, consolidando as cidades. Seus habitantes eram chamados de burgueses e daí a denominação desta nova classe social, associada aos comerciantes. 
O CRESCIMENTO DAS CIDADES
Com o crescimento das cidades, o comércio se desenvolveu e o trabalho passou a ser organizado em corporações de ofício ou guildas.  Com o fortalecimento dessas instituições, nasciam novas formas administrativas. Algumas cidades se organizam em repúblicas ou comunas, e isso faz com que os burgueses possam concentrar em suas mãos poderes políticos e administrativos e, consequentemente, consolidar seu negócio.
RIQUEZA DURANTE A IDADE MEDIA
Se a terra era o indício de poder e riqueza durante a Idade Média, na Idade Moderna o comércio e os metais preciosos adquirem esta função. Reside aí uma das maiores “transformações” deste período: o significado de riqueza e prosperidade. A partir dessa noção,  novas políticas foram empreendidas e o comércio foi o motor dessas mudanças.
Mas, vejam só...estamos falando de RENASCIMENTO e não de SURGIMENTO.
O que isso quer dizer?
Apesar do centro da vida medieval estar concentrado nos feudos  e, portanto, nos campos, as cidades jamais desapareceram. Durante a Idade Média elas perderam sua relevância  político-social, mas nunca deixaram de existir. Por isso, quando chegamos ao século XV, estamos falando de renascimento urbano. Isso quer dizer que as cidades readquirem importância e passam a ser importantes nos centros comerciais e políticos.
Com a crise agrícola, o feudo, principal unidade produtiva da Idade Média, começou a ruir.
 
Na França, ocorreram as jacqueries, levantes camponeses contra a situação que se agravava cada vez mais. Se lembrarmos que boa parte da estrutura feudal se baseava na relação senhor e servo, essas revoltas indicam o esgarçamento desta relação e o surgimento progressivo de uma nova ordem social, na qual os senhores feudais veriam seus poderes diminuídos. 
Somamos a isso as crises dinásticas, a disputa por territórios e o movimento cruzadista, que começara no século XI, além do quadro da crise que pôs fim à Idade Média.
Se durante o período medieval, o centro socioeconômico estava no campo, isso começa a mudar com o renascimento urbano. Não é à toa que as cidades serão o coração sociopolítico da Idade Moderna.
Vamos falar agora de uma questão super importante quando nos referimos à ideia de transição de um mundo medieval para o moderno: a economia.
ECONOMIA AGRÁRIA
Sem dúvida, existem várias áreas em que podemos observar a mudança da mentalidade medieval para a moderna, mas poucas delas são tão evidentes como as mudanças econômicas operadas nesta época. Durante a Idade Média, a terra gerava a riqueza, a economia era agrária e todas as relações sociais se desenvolviam a partir desse princípio.
CIRCULAÇÃO DE MOEDA
Na Idade Moderna, a circulação de moeda ganha importância e são necessários metais preciosos para cunhá-las, o que vai ser um dos motores das grandes navegações, que veremos mais adiante. Isso quer dizer que não existia moeda na Idade Média?
TROCA AGRÍCOLA
De jeito nenhum! Assim como as cidades, as moedas nunca desapareceram. Entretanto, cada feudo tinha sua própria unidade monetária e grande parte da economia se desenvolvia a partir da troca do excedente agrícola.  Agora que temos a mudança do eixo econômico do campo para a cidade, a moeda readquire sua importância, mas... qual moeda? Se cada feudo tinha uma moeda, qual deveria ser adotada? 
MOEDA ÚNICA
A unificação da moeda é um dos pontos fundamentais para compreendermos a centralização dos estados nacionais. Para que uma única moeda seja utilizada como padrão, é necessário que exista um poder central que a determine. Como na Idade Média este poder não existia, tampouco poderia haver uma moeda única,  a unidade monetária é mais uma das características que distinguem uma era da outra. O que queremos demonstrar com isso é que, na verdade, não há uma ruptura súbita de valores e modelos sociais, mas uma transformação lenta e progressiva. Todos os fatores, políticos, sociais e econômicos estão interligados neste momento de transição.
O grande questionamento que fazemos com relação a este momento da Idade Moderna é o que leva, então, a este período ser agora chamado de moderno.
1 - Temos que atentar exatamente para estas descontinuidades. A mudança do eixo econômico do campo para a cidade, a perda de poder dos senhores feudais, o renascimento urbano, a proeminência da burguesia, a circulação monetária, todos esses fatores vão formar a Idade Moderna e o “novo homem” que surge com ela.
2 - Ao estudarmos história, muitas vezes perdemos a dimensão humana destes fenômenos. É como se os fatos simplesmente sesucedessem, sem nos darmos conta de que há indivíduos por trás deles.  Isso é algo que devemos ter em mente o tempo inteiro, que a história é feita por pessoas como nós, cada um fruto de seu próprio tempo.
3 - Por isso, quando começamos a falar sobre as grandes periodizações, começamos também a questioná-las. Mesmo que tomemos os grandes marcos históricos como ponto de partida, eles não são absolutos. O historiador italiano Beneddeto Croce se referia a esta periodização como importantes para a memória, mas não temos que ficar amarrados a ela.
4 - Os marcos históricos não devem servir para engessar o pensamento, e sim como ponto de partida para novas interpretações da história.  Nesse sentido, é enorme a contribuição da Escola dos Annales para questionar as grandes linhas de pensamento histórico. 
5 - Os Annales vão revolucionar a historiografia à medida que consideram os indivíduos envolvidos no processo histórico. Nasce aí a chamada história das mentalidades, e é sobre ela que discutiremos agora para entender a mentalidade do homem moderno.
Fernand Braudel, em sua obra principal, O Mediterrâneo, vai dividir o tempo histórico em três grandes períodos, que podemos dispor, superficialmente, da seguinte maneira:
É claro que esta concepção já sofreu inúmeras revisões e constatações, mas o que queremos apreender dela é de que forma os indivíduos estão inseridos nestes fenômenos.
Se estamos falando de modernidade, temos que considerar a mentalidade do homem moderno. As mudanças de que falamos ate agora estão amparadas numa mudança na maneira de ver o mundo. Se as estruturas políticas e econômicas podem levar séculos para mudar, com as mentalidades não poderia ser diferente. Entretanto, há uma peculiaridade: mesmo se transformando, as mentalidades guardam resquícios de outras eras. 
Podemos perceber esses resquícios mesmo nos dias de hoje, em nossos pequenos hábitos e costumes. É comum aos católicos fazerem o sinal da cruz ao passarem diante de uma igreja, um costume medieval. Em diversas festas e manifestações culturais, reproduzimos práticas ancestrais como nas festas religiosas ou em manifestações populares como o carnaval. Mesmo que tenhamos perdido as referências originais, de onde surgiram essas comemorações, elas fazem parte da nossa mentalidade.
Assim, embora o homem moderno tenha mudado sua maneira de ver o mundo, ainda havia nele elementos do medievo. Nada exemplifica tão bem o que estamos falando quanto o papel da igreja católica e as transformações que ela sofreu durante a Idade Moderna.
Em um mundo sem estado, como é o mundo medieval, a Igreja cumpria um duplo papel, político e religioso. Além da questão espiritual, a igreja constituía a única identidade entre os diversos reinos, que se identificavam, portanto, católicos.  
Durante a Idade Moderna, e a mudança intelectual que nela ocorre, o papel da Igreja continua sendo fundamental, quer como exemplo, quer como contraponto. Ou seja, mesmo quando é posta em discussão, ela ainda é um paradigma.
O que isso quer dizer? Quer dizer que grande parte das mudanças nas mentalidades operadas, na Idade Moderna teve como pano de fundo a questão religiosa.  Saiba mais sobre isso, clicando no PDF.
Além disso, a nova organização social das cidades teve papel fundamental na mudança das mentalidades. Nessa mudança, podemos dizer que a burguesia foi, sem dúvida, um de seus principais agentes.
Mas, afinal, como podemos definir burguesia?
Este é um termo que falamos o tempo todo, mas raramente nos detemos para entendê-lo, não é?
Primeiro, burguesia é um conceito. E como conceito, sua definição tem várias interpretações. 
Devemos considerar a ideia de burguesia de acordo com cada período que o utilizamos. 
IDADE MÉDIA 
Durante a Idade Média, burguês é o habitante do burgo.
ALTA IDADE MÉDIA
Na Idade Moderna, esse termo vai se referir não só ao habitante da cidade, mas também à classe mercantil. Ao se consolidar, ao longo da Idade Moderna, a burguesia se torna uma camada intermediária entre a classe trabalhadora e a nobreza. Embora não tenham títulos de nobreza, os burgueses serão os detentores de vasta riqueza, acumulada através do comércio. Este é o conceito que utilizamos, quando estudamos este período.
BAIXA IDADE MÉDIA
Com a Revolução Francesa e o fim da Idade Moderna, muitos historiadores irão se deter no conceito de burguesia, definido conforme o utilizaremos quando falarmos de era contemporânea, o burguês como dono dos meios de produção. 
Na modernidade, os burgueses irão agir como agentes transformadores, e sua atuação é fundamental para compreendermos o período. Do ponto de vista político, é a aliança entre o rei e a burguesia que permite a formação e consolidação dos estados nacionais. Do ponto de vista econômico, irão investir nas grandes navegações e no projeto colonial, mudando definitivamente a Europa. Já do ponto de vista social, financiam o renascimento e apoiam a reforma, construindo uma nova mentalidade. 
O Casal Rnolfini, do pintor flamengo Jan van Eyck, é um dos melhores retratos do momento de transição da burguesia. Pintado em 1434, a pintura mostra um casal burguês e é utilizada como documento iconográfico para entendermos a ascensão da burguesia enquanto classe social. 
NOBREZA
Os interesses mercantis logo irão se aliar aos desejos da nobreza, e a aliança rei-burguesia irá inaugurar uma nova era na política, à medida que centraliza o estado nas mãos de um único soberano. Ainda não estamos falando de absolutismo, pois este só ocorre quando o estado já está centralizado, mas nas origens do que chamamos de estado-nação. Este é outro conceito que ouvimos e repetimos, mas que pouco estudamos. Qual o conceito de estado?
POVO
Assim como vimos antes, quando falamos de burguesia, estado é um conceito múltiplo. Ele tem inúmeras definições e estas se alteram não somente de acordo com o tempo histórico estudado, mas também de acordo com os saberes disciplinares. Ou seja, a sociologia tem uma acepção de estado diferente da história, diferente da política, diferente da filosofia, e assim por diante. 
REI
Em história, temos que localizar o conceito de acordo com o tempo que estudamos. O que estamos falando aqui é sobre a formação de um estado centralizado, ou seja, sobre a concentração de poderes nas mãos de um único indivíduo, no caso, o rei. Por que devemos fazer essa distinção? Porque se dissermos que o estado começou na era moderna, estaremos afirmando que ele não existiu na Idade Média, o que não é verdade. Existiam diversos estados, governados por senhores feudais. O que não existia era a centralização. Ou seja, havia um estado mas não havia uma nação. É isso mesmo... estado e nação não são sinônimos. Clique no PDF e saiba mais sobre este assunto!
Esses homens e mulheres que construíram a história mudaram o seu tempo e são frutos dele, assim como nós somos frutos de nosso tempo. É importante aqui quebrarmos um pouco a visão eurocêntrica de mundo e entendermos que a Idade Moderna está ocorrendo na Europa, mas não somente nela, e que as mudanças que serão vividas nesta época ecoam por séculos. 
Nessa aula você:�
Reconheceu alguns dos principais conceitos para a compreensão da Idade Moderna; 
compreendeu que existem abordagens e sentidos diferentes para a modernidade; 
identificou os elementos de transição entre o medievo e a modernidade. �

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