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343 Cap. 34 ANALGÉSICOS OPIÓIDES A principal utilidade clínica dos opióides Ø o controle da dor. Agonistas opióides, como a morfina, induzem profunda analgesia sem alte- rar as outras modalidades sensoriais como o tato ou a percepçªo tØrmica, por exemplo. Estas dro- gas sªo particularmente œteis no tratamento de dores viscerais difusas, dores associadas ao cân- cer e na analgesia prØ e pós-cirœrgica. Dores neu- ropÆticas, entretanto, costumam ser resistentes aos opióides, ao passo que dores inflamatórias ou dores somÆticas de localizaçªo bem definida sªo mais adequadamente tratadas com analgØ- sicos nªo-esteroidais ou com uma associaçªo de um analgØsico nªo esteroidal e um opióide (pa- racetamol e dextropropoxifeno, por exemplo). A atividade de um agonista opióide estÆ for- temente vinculada a requisitos estruturais e es- tereoquímicos da sua molØcula, comprovando sua atuaçªo atravØs de receptores farmacológi- cos. Existem trŒs tipos bem definidos de recep- tores opióides: m (mu), d (delta) e k (kapa). A ativaçªo destes receptores desencadeia uma cas- cata de eventos que resultam em diversos efeitos biológicos tais como: analgesia, bradicardia, de- pressªo de reflexos flexores, depressªo respirató- ria, diurese, euforia ou disforia, hipotermia, miose, modulaçªo de processos endócrinos e do sistema imune, reduçªo do peristaltismo intesti- nal e sedaçªo. As drogas opióides podem ser classificadas como agonistas opóides (morfina), antagonis- AnalgØsicos Opióides tas (naloxona) e drogas de funçªo mista (nalor- fina, pentazocina) que podem ser agonistas em um dado tipo de receptor e antagonista ou ago- nista parcial em outro receptor (Tabela 34.1). Podemos generalizar que a ativaçªo do re- ceptor µ causa analgesia espinal e supra-espi- nal, depressªo respiratória, miose, reduçªo do trânsito gastrointestinal e euforia. A ativaçªo de receptores k , por sua vez, causa analgesia pre- dominantemente espinal que Ø acompanhada de disforia, ao invØs de euforia; este receptor estÆ associado tambØm à analgesia opióide perifØri- ca. Os agonistas k causam pouca depressªo res- piratória e miose, quando comparados aos agonistas m . O desenvolvimento de agonistas d seletivos Ø relativamente recente, de forma que as conseqüŒncias clínicas de sua ativaçªo ainda nªo estªo claras. Em animais, o receptor d estÆ associado à analgesia espinal (Tabela 34.2). Todos os receptores opiódes pertencem à su- perfamília de receptores com sete domínios transmembrana acoplados a uma proteína G heterotrimØrica, que pode ser Gi, G0 ou Gq, con- forme o tipo e a localizaçªo do receptor envolvi- do. Na realidade, as diferenças entre as respostas evocadas nos vÆrios tecidos ou por receptores diversos de um mesmo tecido refletem, na mai- oria dos casos, variaçıes da expressªo da prote- ína G ou de seus efetores, muito mais do que diferenças inerentes às propriedades dos recep- tores envolvidos. Maria Salete de Abreu Castro 344 Cap. 34 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA A ativaçªo de receptores opióides m, k e d em diferentes tipos celulares estÆ associada pri- mariamente a trŒs eventos bÆsicos: reduçªo dos níveis de AMPc, aumento da corrente retifica- dora de K+ e supressªo de correntes de Ca2+ voltagem-dependentes. REDU˙ˆO DOS N˝VEIS DE AMPc Agonistas opióides reduzem os níveis de AMPc atravØs da inibiçªo da adenilil ciclase (AC). Como este processo depende de Na+ e GTP e Ø sensível à toxina pertussis, deve de- correr da ativaçªo da subunidade a da proteína Gi. Em algumas regiıes do SNC, como no hi- pocampo, o receptor opióide do tipo k 1 estÆ acoplado à proteína G0. Nesta circunstância, as subunidades bg parecem ser as responsÆveis pela inibiçªo da AC. Como conseqüŒncia da redu- çªo dos níveis de AMPc, a PKA nªo serÆ ativa- da, reduzindo a fosforilaçªo de vÆrias proteínas. A liberaçªo de neurotransmissores e a ativaçªo de canais de cÆtions ativados por hiperpolari- zaçªo sªo exemplos de processos que estarªo comprometidos pela reduçªo da fosforilaçªo protØica. A verificaçªo de que agonistas opióides pro- movem uma atividade GTPÆsica foi associada inicialmente ao processo de inibiçªo da adenilil ciclase via estimulaçªo da proteína Gi. Toda- via, verificou-se que a atividade GTPÆsica era pronunciada tambØm no estriatum, onde nªo sªo detectadas alteraçıes nos níveis de AMPc. Esta dissociaçªo forneceu uma primeira evidŒn- cia de que os receptores opióides podem estar acoplados a mœltiplos sistemas efetores. REGULA˙ˆO DE CANAIS IÔNICOS A ativaçªo de receptores opióides acoplados à proteína Gi leva à abertura de canais de K+, estimulando uma corrente retificadora de K+ para dentro da cØlula e aumentando a concen- Tabela 34.1 Principais Efeitos Farmacológicos Induzidos pela Ativaçªo dos Diferentes Tipos e Subtipos de Receptores Opióides Efeito Farmacológico Receptor Analgesia espinal m 2 d 2 k 1 Analgesia supraespinal m 1 d 1, d 2 k 3 Aumento da secreçªo Hormônio do Crescimento m Prolactina m 1 Depressªo respiratória m 2 d Diurese k 1 Euforia m 1 Inibiçªo da liberaçªo Acetilcolina m 1 d Dopamina m 2 Miose m k Psicotomimesis k Reduçªo peristaltismo GI m 2 k Sedaçªo m k Tabela 34.2 Efeito e seletividade de drogas opióides Droga Tipo de Receptor m d k Morfina +++ + Metadona +++ Etorfina +++ +++ +++ Levorfanol +++ +++ Fentanil +++ Butorfanol AP ? +++ Buprenorfina AP ? Nalbufina ++ Naloxona Naltrexona Nalorfina +++ Pentazocina AP ++ Sufentanil +++ + + (+) agonista; (-) antagonista; (AP) agonista parcial; (?) dados nªo disponíveis 345 Cap. 34 ANALGÉSICOS OPIÓIDES traçªo intracelular deste íon. O receptor µ estÆ associado tambØm à ativaçªo direta da corrente IKACh, atravØs das subunidades bg da proteína Gi. O estímulo da proteína G por agonistas opi- óides leva diretamente à inibiçªo de canais de Ca2+ voltagem-dependentes (tipos N, P e Q), tanto em neurônios do nœcleo do trato solitÆrio (NTS) quanto em neurônios da raiz dorsal da medula, com conseqüente reduçªo do Ca2+ in- tracelular. A reduçªo do Ca2+ intracelular estÆ relacionada tambØm aos efeitos observados após a interaçªo de agonistas com receptores opiói- des perifØricos (do trato gastrointestinal). AlØm disto, receptores m e d inibem o canal de Ca2+ sensível a dihidropiridina. Embora a maioria dos efeitos dos opiói- des esteja associada a uma reduçªo do Ca2+ in- tracelular, a subunidades bg das proteínas Gi/ G0 podem ativar diretamente a PLC b , gerando trifosfato de inositol (IP3) a partir do fosfatidil- inositol. O IP3 promove a liberaçªo de Ca2+ do retículo endoplasmÆtico, causando um aumento localizado e transitório do Ca2+ citosólico. MECANISMOS ENVOLVIDOS NA ANALGESIA OPIÓIDE A ativaçªo de um receptor opióide causa analgesia atravØs de dois mecanismos bÆsicos: reduçªo da liberaçªo de neurotransmissores e reduçªo da excitabilidade neuronal (Fig. 34.1). A ativaçªo direta de correntes de K+ e o blo- queio de canais de Ca2+ operados por voltagem (tipos N, P, Q e R) hiperpolarizam a cØlula, contri- buindo para a reduçªo da excitabilidade neuronal em tratos como o espinotalâmico e em neurônios da raiz dorsal da medula, responsÆveis pela afe- rŒncia dos impulsos nociceptivos atØ o SNC. A queda na liberaçªo de neurotransmissores deriva da diminuiçªo dos níveis de AMPc e do Ca2+ intracelular, podendo levar tanto a uma re- duçªo da descarga do neurônio pós-sinÆptico, quando o neurotransmissor envolvido for excita- tório (taquicinina A, substância P etc.), quanto a uma exacerbaçªo da freqüŒncia de descarga neu- ronal, se ocorrer em locais onde o trato neuronal estiver sujeito à modulaçªo por interneurônios inibitórios (GABAØrgicos, glutamatØrgicos). Este œltimo mecanismo Ø especialmente im- portante nosneurônios localizados na substância cinzenta periaquedutal (SCPA). Neste local, a ati- vaçªo de receptores opióides acoplados a uma proteína Gi correlaciona-se com a ativaçªo da PLA2. O Æcido araquidônico assim produzido Ø metabolizado pela via da 12’-lipoxigenase para um intermediÆrio ainda nªo estabelecido, capaz de ativar canais de K+ sensíveis à voltagem (tipo sen- sível a dendrotoxina). Como os neurônios des- cendentes da SCPA sªo tonicamente inibidos por interneurônios GABAØrgicos e o aumento do K+ intracelular reduz a liberaçªo espontânea de GABA, ocorre a retirada da inibiçªo GABAØrgi- ca, levando à ativaçªo de vias descendentes inibi- tórias que modulam o processo de percepçªo dolorosa. Este mecanismo explica tambØm o sinergis- mo que existe entre os analgØsicos opióides e os analgØsicos antiinflamatórios nªo-esteroidais: ao inibirem a ciclooxigenase, estas drogas aumen- tariam a oferta de substrato para a via da 12- lipoxigenase (Fig. 34.2). Fig. 34.1 Mecanismos envolvidos na analgesia opiói- de. 1) O estímulo da proteína G acoplada ao receptor opi- óide pode levar à ativaçªo direta de correntes de K+ e ao bloqueio de canais de Ca2+ operados por voltagem (tipos N, P, Q e R). Estes eventos hiperpolarizam a cØlula, contribuindo para a reduçªo da excitabilidade neuronal em locais como o trato espinotalâmico e em neurônios da raiz dorsal da medu- la, responsÆveis pela aferŒncia dos impulsos nociceptivos atØ o SNC. 2) A queda na liberaçªo de neurotransmissores deri- va da diminuiçªo dos níveis de AMPc e do Ca2+ intracelular, podendo levar tanto a uma reduçªo da descarga do neurô- nio pós-sinÆptico que conduz o estímulo nociceptivo quanto a uma exacerbaçªo da freqüŒncia de descarga de neurôni- os modulatórios controlados tonicamente por interneurônios inibitórios. ATIVAÇÃO DO RECEPTOR OPIÓIDE ADENILIL CICLASE Gi/G0 AMPc K+ K+ Ca2+ Ca2+ + EXCITABILIDADE NEURONAL LIBERAÇÃO DE NEUROTRANSMISSORES ATIVAÇÃO DO RECEPTOR OPIÓIDE ADENILIL CICLASE Gi/G0 AMPc K+ K+ Ca2+ Ca2+ + EXCITABILIDADE NEURONAL LIBERAÇÃO DE NEUROTRANSMISSORES 346 Cap. 34 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA A interferŒncia com a liberaçªo de GABA parece estar envolvida na manifestaçªo da sín- drome de abstinŒncia: a retirada abrupta de medicamentos opióides causa um aumento re- bote na atividade da adenililciclase, com con- seqüente elevaçªo dos níveis de AMPc que, via estímulo da PKA, aumenta a liberaçªo de GABA no nœcleo accumbens. A exacerbaçªo dos efei- tos GABAØrgicos seria um dos mecanismos res- ponsÆveis pelo aparecimento de alguns dos sinais e sintomas da síndrome de abstinŒncia (cólicas abdominais, vômito, ansiedade e dis- foria, sedaçªo, aumento da temperatura cor- poral etc.). Os opióides ligam-se a receptores situados em vÆrios nœcleos e tratos do sistema nervo- so central e tambØm, perifericamente, a re- ceptores situados nas fibras sensoriais e nociceptores perifØricos. Estes receptores opi- óides perifØricos sªo dotados de características similares às de seus congŒneres do SNC, sen- do responsÆveis pelos efeitos antinociceptivos perifØricos de anÆlogos metilados de opióides (que nªo cruzam a barreira hematoencefÆlica). Nesta circunstância, o efeito analgØsico se faz atravØs da atenuaçªo da excitabilidade do noci- ceptor perifØrico e do neurônio aferente primÆ- rio que, alØm de ter menor velocidade de descarga, passa a liberar menor quantidade de neurotransmissores excitatórios (e.g., Substân- cia P) no corno dorsal da medula. TambØm aqui os opióides agem atravØs do aumento das cor- rentes de K+, reduçªo das correntes de Ca2+ e da inibiçªo da AC, via proteína G. ATENUA˙ˆO DA RESPOSTA A AGONISTAS OPIÓIDES A atenuaçªo dos sinais gerados pela ativa- çªo de um receptor opióide Ø freqüentemente observada após a administraçªo de doses repe- tidas de agonistas m ou d e, em grau muito me- nor, à de agonistas k . Este fenômeno estÆ majoritariamente associado a uma dessensibili- zaçªo tanto da cØlula como um todo quanto dos receptores envolvidos. AlØm da dessensibiliza- çªo, ocorre tambØm uma alteraçªo do nœmero de receptores da superfície celular, atravØs da internalizaçªo, da reduçªo de sua síntese e/ou aumento de sua degradaçªo (down regulation dos receptores opióides). Observaçıes in vitro demonstraram que quando se adiciona morfina a uma cultura de neurônios, ocorre uma queda inicial dos níveis de AMPc pelo bloqueio da AC. Se as cØlulas per- manecem expostas à morfina, os níveis de AMPc aumentam paralelamente à dessensibilizaçªo dos receptores. Destes experimentos deriva a pro- posiçªo de que o tratamento prolongado com agonistas opióides reduz a afinidade dos ligantes por seus receptores específicos e provoca o desa- coplamento entre o receptor e a proteína G. Se os neurônios sªo expostos cronicamente a ago- nistas m ou d observa-se uma reduçªo gradati- va da capacidade destes agonistas ativarem a corrente retificadora de K+. Nesta circunstân- cia, a ativaçªo da corrente de K+ por drogas nªo- opióides (como a somatostatina) tambØm estÆ prejudicada, indicando que ocorre uma dessen- sibilizaçªo da cØlula como um todo, aliada à des- sensibilizaçªo específica do receptor opióide. Agonistas m de alta afinidade (etorfina) causam uma rÆpida internalizaçªo de recepto- res in vitro e in vivo. Este processo de internali- Tabela 34.3 Local e Vias Envolvidas na Analgesia Induzida pela Morfina e Similares Locais da Açªo AnalgØsica de Drogas Opióides PAG (Subs. Cinzenta Periaquedutal) NMR (Nœcleo Magno da Rafe) Substância Gelatinosa do Corno Dorsal da Medula Nociceptores PerifØricos Neurônio Aferente PrimÆrio Vias Ascendentes da Dor Bloqueadas Pelos Opióides Trato Espinotalâmica Trato Espinorreticular Algumas fibras do Funículo Dorsolateral Vias Descendentes Inibitória Desbloqueadas/ Ativadas Pelos Opióides Trato Espinocortical Trato Rafe-Espinal Analgesia Opióide PerifØrica 1) Reduçªo da Excitabilidade Neurônio aferente primÆrio Nociceptor 2) Reduçªo da Liberaçªo de Neurotransmissores SinÆpse do neurônio primÆrio no corno dorsal da medula 347 Cap. 34 ANALGÉSICOS OPIÓIDES zaçªo Ø homólogo. Em outras palavras, recep- tores µ sªo internalizados em resposta a ligantes m e nªo a ligantes k ou d e vice-versa. A fosfori- laçªo de resíduos de aminoÆcidos do domínio citoplasmÆtico C-terminal Ø importante para a internalizaçªo dos receptores opióides, uma vez que o processo Ø impedido tanto por inibidores específicos da serina/treonina quinase quanto pela deleçªo ou troca de resíduos de serina ou de treonina desta regiªo. A exposiçªo prolongada a agonistas opióides leva a uma perda de receptores da superfície ce- lular que nªo pode ser completamente explicada pela simples internalizaçªo dos mesmos. O me- canismo mais provÆvel desta down regulation Ø uma reduçªo da síntese de receptores. Coerente- mente, a morfina causa reduçªo do mRNA para o receptor m no hipotÆlamo, sem afetar os níveis mRNA que codificam receptores nªo opióides. TambØm aqui estÆ envolvida a fosforilaçªo pro- tØica, uma vez que inibidores das quinases de re- ceptores acoplados à proteína G (GRKs) ou a mutaçªo da treonina 353 da regiªo C-terminal impedem a down regulation de receptores d . AlØm disto, existem evidŒncias de que os receptores opióides acoplados à proteína Gi sªo mais sensí- Fig. 34.2 Na ausŒncia de ligantes opióides, os neurônios descendentes do Nœcleo Magno da Rafe (NMR) estªo tonica- mente inibidos por interneurônios GABAØrgicos, impedindo a ativaçªo de vias descendentes inibitórias (A). A ativaçªo do receptor opióide tem como conseqüŒncia a reduçªo da liberaçªo espontânea de GABA, levando à ativaçªo de vias descen- dentes inibitórias e modulando o processo de percepçªodolorosa (B). No terminal prØ-sinÆptico do interneurônio GABAØr- gico, a ativaçªo de receptores opióides acoplados a uma proteína Gi correlaciona-se com a ativaçªo da PLA2. O Æcido araquidônico assim produzido Ø metabolizado pela via da 12’-lipoxigenase para um intermediÆrio ainda nªo estabelecido, capaz de ativar canais de K+ sensíveis à voltagem (tipo sensível a dendrotoxina). O aumento do K+ intracelular reduz a liberaçªo espontânea de GABA (C). Este mecanismo explica tambØm o sinergismo que existe entre os analgØsicos opióides e os analgØsicos antiinflamatórios nªo-esteroidais: ao inibirem a ciclooxigenase, estas drogas aumentariam a oferta de substrato para a via da 12-lipoxigenase (D). 348 Cap. 34 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA veis à down regulation, uma vez que a toxina pertussis limita a magnitude do processo. Os agonistas k produzem muito pouca des- sensibilizaçªo, nªo tendo sido demonstrado o pro- cesso de internalizaçªo rÆpida para estes receptores. A down regulation deste tipo de re- ceptor Ø tardia e discreta. Estas constataçıes po- dem estar relacionadas com a menor tolerância e menor potencial de abuso observado com este tipo de opióide. A dessensibilizaçªo, a internalizaçªo e a down regulation de receptores opióides sªo essenciais para a adaptaçªo celular e formam as bases dos fenômenos de tolerância e dependŒncia. Uma das principais limitaçıes ao uso de anal- gØsicos opióides estÆ relacionada à tolerância di- ferenciada aos vÆrios efeitos dos opióides. A miose e a constipaçªo intestinal sªo exemplo de efeitos que quase nªo sofrem reduçªo com o uso crôni- co. Por outro lado, a magnitude do efeito analgØ- sico dos opióides Ø bastante influenciada pelo desenvolvimento da tolerância. Precauçıes devem ser tomadas para que o incremento da dose, vi- sando à manutençªo do nível da analgesia, nªo produza depressªo respiratória, uma vez que a tolerância a esta œltima desenvolve-se mais lenta- mente. Deve ser salientado, entretanto, que a tolerân- cia e a dependŒncia fisiológica sªo eventos inco- muns durante um tratamento de curto prazo (analgesia pós-operatória, por exemplo) em paci- entes que nªo tenham história anterior de abuso de drogas. AlØm disto, em pacientes com dor crô- nica severa (como pacientes terminais de câncer, por exemplo) o aumento da dose de morfina rara- mente acontece de maneira voluntÆria, estando muito mais associada ao aumento progressivo da intensidade da dor que ao desenvolvimento de to- lerância ou ao abuso da droga. Os opióides, com atividade agonista parcial em receptores m (buprenorfina ou butorfanol, por exemplo), possuem efeito analgØsico mÆximo in- ferior ao de um agonista total (morfina ou meta- dona, por exemplo). Isto significa que o aumento escalonado da dose nªo causarÆ necessariamente aumentos adicionais da analgesia e da depres- sªo respiratória. AlØm disto, os agonistas par- ciais podem desencadear os sinais e sintomas da crise de abstinŒncia, se administrados a um pa- ciente em uso crônico de morfina (ou de outro agonista total). O conhecimento inadequado ou incompleto da farmacologia dos opióides resulta, freqüente- mente, em precauçıes exageradas e restriçıes na dosagem destas drogas, infligindo ao paciente um controle inefetivo da dor. Os progressos recentes no campo da biolo- gia molecular vŒm contribuindo para uma me- lhor compreensªo destes fenômenos. O avanço neste campo deve levar à compreensªo dos me- canismos subjacentes, à especificidade da açªo opióide e ao desenvolvimento da tolerância e de- pendŒncia, propiciando o desenvolvimento de drogas opióides onde o efeito terapŒutico possa ser dissociado de efeitos colaterais e que possu- am menor potencial de tolerância, abuso e/ou dependŒncia. BIBLIOGRAFIA 1. Clapham DE, Neer EJ. Ann. Rev Pharmacol. Toxicol. 37:167-203, 1997. 2. Goodman and Gilmans. The Pharmacologycal Basis of Therapeutics, 9a ed. Chap. 23, p. 521-556. 3. Harrison C, Smart D, Lambert DG. Br. J. Anaesth. 81:20-28, 1998. 4. Jordan B, Devi LA. Br. J. Anaesth, 81:12-19, 1998. 5. 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