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UFRJ – CLA – Faculdade de Letras – DLF – Prof. Gean Damulakis (Elementos prosódicos – sílaba, acento e pé métrico) 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Letras e Artes – Faculdade de Letras Departamento de Linguística e Filologia Professor: Gean Damulakis Disciplina: Linguística II Período: 2014.1 Elementos prosódicos – sílaba, acento e pé métrico (aula de 13/05/2014) Vimos que a fonologia, não lidando diretamente com elementos portadores de significados – embora aqueles sejam relevantes para a distinção destes –, atua na pronunciação de elementos significativos, advindos da morfossintaxe. Foram dadas algumas concepções distintas para o fonema. Além de fonemas, há unidades menores que estes, como os traços distintivos, e alguns podem ser maiores, como a sílaba e o pé métrico, por exemplo. As unidades morfossintáticas e as fonológicas não são isomórficas: não há como fazer um mapeamento de um para um entre elementos morfossintáticos e elementos fonológicos, ocorrendo a isomorfia apenas acidentalmente. Assim, em pintor, temos dois morfemas pint+or 1 , mas o primeiro morfema se separa em duas sílabas: pin.tor; já em pré-sal, os dois morfemas estão cada qual em uma sílaba. A palavra paraíso se separa em quatro sílabas, que se agrupam em dois pés métricos, assim divididos (pa.a)(i.z)2, embora sua divisão morfológica seja /pa.ai.z+/. Para este curso, optamos por resumir os princípios universais que regem essas unidades, deixando algumas sugestões de leitura para que os alunos se aprofundem no assunto. No que ficou conhecido como Fonologia Linear, o segmento era visto como uma matriz de traços distintivos, que não apresentavam níveis hierárquicos. Entre esses traços, postulava-se a existência de [silábico], que seria positivo para o núcleo da sílaba, e [acentuado], que indicaria a proeminência acentual. Os valores relacionais de acento e de silabicidade levaram os teóricos a eliminar esses traços. 1. A sílaba A sílaba pode ser vista como uma unidade fonológica constituída de um onset (ou ataque), seguida de um núcleo (ou pico) e uma coda (ou declive). Esses dois últimos constituintes formam a rima. Esquematicamente, temos (usa-se a letra grega sigma ‘σ’ para indicar a categoria sílaba): Uma sílaba completa seria, então, do tipo ONC. Desses elementos, apenas o núcleo é obrigatório. Sem este elemento não há sílaba. Podemos encontrar, portanto, sílabas desprovidas de onset e sílabas 1 O símbolo ‘+’ delimita o limite entre elementos morfológicos. 2 Os diacríticos ‘’ e ‘’ indicam, respectivamente, os acentos primário e secundário. O ponto ‘.’ indica o limite de sílaba. Em algumas publicações, usam-se os símbolos ‘´’ e ‘`’ nas respectivas vogais com a mesma finalidade: (pà.a)(í.z). UFRJ – CLA – Faculdade de Letras – DLF – Prof. Gean Damulakis (Elementos prosódicos – sílaba, acento e pé métrico) 2 desprovidas de coda. O padrão mais comumente encontrável nas línguas do mundo é ON, ou seja onset seguido de núcleo. Isso significa que há línguas que não apresentam sílabas (O)NC, mas não há aquela que repila ON(C). No português, o onset e a coda podem ser ramificados. Alguns defendem que o núcleo pode ser ramificado no inglês. Essa ramificação é bastante restringida nessas línguas, não sendo admitidos quaisquer elementos. No onset do português, por exemplo, está proibida uma sequência como [st], permitida no inglês ou no holandês, por exemplo. Forma muito comum de tratar a sílaba seria através do que chamamos de ‘camada CV’, postulada como estrutura intermediária entre os segmentos e a sílaba. Para preencher essa camada, duas características dos segmentos são avaliadas: a) a representação de sua duração, e b) sua designação de silabicidade, ou seja, se pode ocupar o pico da sílaba ou, alternativamente, o onset ou a coda. 1.2 Teoria CV versus Teoria Moraica Há duas propostas que dão conta da intermediação entre os segmentos e a sílaba: a teoria CV (McCarthy, 1979) e a teoria moraica (Hayes, 1985). Pela primeira proposta teórica, os segmentos são incorporados à sílaba através de uma estrutura CV, onde C seria a posição de consoante e V a posição de vogal, conforme o esquema abaixo 3 : Outra maneira de representar a estrutura interna da sílaba é através de moras. A mora é tida como uma unidade de peso silábico. Dessa forma, apenas os elementos da rima são dotados dessa unidade. Assim o onset se liga diretamente à silaba. As línguas que têm vogais longas, esses segmentos recebem duas moras (como em b, a seguir). Em outras línguas, a coda silábica pode receber uma mora, situação na qual as sílabas travadas receberão duas moras (compare d e c). Sílabas trimoraicas (ou superpesadas) costumam ser evitadas nas línguas do mundo. Esquematicamente: 3 Vogais longas e ditongos podem ser representados como uma sequência de VV vinculadas à mesma sílaba (σ). UFRJ – CLA – Faculdade de Letras – DLF – Prof. Gean Damulakis (Elementos prosódicos – sílaba, acento e pé métrico) 3 Para expressar sua duração, as consoantes geminadas devem contar peso. Dessa forma, esses segmentos, em ambiente intervocálico, esses segmentos não contam mora no onset, mas o fazem na coda. Vale ressaltar que, nesse caso, esses elementos são considerados ambissilábicos. Veja o exemplo de par mínimo do italiano para duração consonantal, formado pelos itens fato ‘destino’ (em a) e fatto ‘fato’ (em b). 1.3 Constituintes silábicos: propriedades Como dito acima, o núcleo é o único constituinte obrigatório em uma sílaba. Em uma palavra portuguesa como há [a], existe apenas o núcleo silábico, não existindo onset nem coda. O padrão silábico mais recorrente translinguisticamente, porém, é o CV, ou seja, sílaba constituída de onset e núcleo. Isso significa que há uma assimetria no que se refere aos constituintes da sílaba: o onset é mais frequente que a coda. Há várias línguas do mundo em cujas sílabas o onset é obrigatório, entre as quais estão línguas muito distantes geneticamente, como o alemão, o havaiano e o japonês. A ampla maioria das línguas do mundo não faz exigência da existência de coda, embora muitas delas proíbam esse constituinte. Dessa forma, podemos dizer que existe uma tendência (universal) nas línguas de exigir onset e de proibir a coda. Outra assimetria verificada nesses constituintes é que muito frequentemente todos os segmentos consonantais de dada língua costumam figurar na posição de onset; o inverso ocorre com a coda: muito comumente, apenas um subconjunto dos segmentos de uma língua costuma figurar em coda silábica. Além disso, no onset contrastes costumam ser mantidos, ao passo que na coda é comum ocorrer a neutralização 4 . A complexidade nesses constituintes também costuma ser muito restrita nas línguas do mundo, e costuma ser limitada por vários fatores, alguns dos quais vistos a seguir. 1.4 Formando a sílaba Dois princípios gerais são importantes para o nosso curso: Princípio de maximização do onset: ‘forme o onset com o número máximo de elementos até onde ele possa legitimamente; apenas depois disso, forme a coda’. De acordo com o primeiro princípio, o onset tem prioridade sobre a coda em sua formação. Isso garante, para uma sequência como [kata], que ela seja silabada como [ka.ta], mas não [kat.a] ou [k.at.a], por exemplo. 4 Sendo assim, podemos dizer que segmentos proibidos na coda estão mais propensos a figurarem em oposições constantes, ao passo que aqueles presentespermitidos na coda costumam figurar em oposições neutralizáveis. V breve V longa Coda não-moraica Coda moraica UFRJ – CLA – Faculdade de Letras – DLF – Prof. Gean Damulakis (Elementos prosódicos – sílaba, acento e pé métrico) 4 Princípio do sequenciamento de sonoridade: ‘a sílaba deve crescer em sonoridade em direção ao núcleo e decrescer em direção às margens’. Segundo esse princípio, em um onset de uma sílaba, os segmentos devem se suceder com sonoridade crescente até o pico silábico, local onde haverá maior nível de sonoridade; a partir daí, em direção à coda, a sonoridade deve decrescer. Para esse princípio, consideremos a seguinte escala de sonoridade: 0. Oclusivas < 1. Fricativas < 2. Nasais < 3. Líquidas < 4. Glides < 5. Vogais. Observe o perfil de sonoridade da sílaba [plas] como na palavra plástico, do português: 2. Pé métrico. Acento O acento pode ser entendido como uma proeminência relativa de uma sílaba em comparação a outra. Essa proeminência se manifesta foneticamente através de indicadores como duração e intensidade. Fonologicamente, o acento tem sido considerado como uma posição estrutural no pé métrico, constituinte fonológico intermediário entre a sílaba e a palavra, o que descarta a necessidade de postular o traço distintivo referente a ele. O pé métrico é constituído por uma sílaba fraca (dominada; abreviada por w, de weak, ing.) e uma sílaba forte (dominante; abreviada por s, de strong, ing., id.), sendo esta chamada correntemente de núcleo (ou cabeça) do pé. Em uma palavra com mais de um pé, um deles é mais proeminente e portará, em seu núcleo, o acento primário. O pé métrico dominado será o portador do acento secundário. Retomando nosso exemplo, (pa.a)(i.z), vemos aqui dois pés métricos: (pa.a) e (i.z). O pé (i.z) é o mais proeminente e porta, em seu núcleo ([i]), o acento primário (indicado por ‘’). O pé métrico dominado, (pa.a), é portador do acento secundário (indicado por ‘’)5. Duas tendências universais tratadas aqui serão: 1) binarismo do pé e 2) evitação de choque acentual (stress clash). Em relação à primeira tendência, pode-se dizer que pés métricos tendem a ser binários, ou seja, tendem a conter duas sílabas 6 . Pés que não se enquadrem nessa categoria serão considerados pés degenerados. Assim, em uma palavra como (ile)(gali)(dade), temos três pés binários, ao passo que em (le)(gali)(dade), temos dois pés binários e um pé, o primeiro, degenerado. Em relação à segunda tendência, verifica-se, nas línguas do mundo, que uma reatribuição de acento primário, decorrente de processo morfológico, por exemplo, pode fazer que acentos se desloquem para evitar a colisão. Assim: (ka)(f) + (zio) resulta em (kaf)(zio); (ka)(u)+(ejro) resulta em (kau)(ejro). 5 Em alguns casos, utiliza-se o acento (gráfico) agudo (´) para indicar o acento primário, e o acento grave (`) para o secundário: [pà.ra.í.zo], [kàfezío]. Em alguns casos, adoto essa forma, conjugada com a ortografia convencional. 6 Esse binarismo também pode ser expresso por moras, mas desconsideremos essa questão neste curso. UFRJ – CLA – Faculdade de Letras – DLF – Prof. Gean Damulakis (Elementos prosódicos – sílaba, acento e pé métrico) 5 Os tipos de pés mais frequentes nas línguas do mundo são os troqueus (com núcleo à esquerda) e os iambos (com núcleo à direita). Troqueus podem ser silábicos ou moraicos, ou seja, podem contar sílabas ou unidades de peso silábico. Sobre o português, afirma Collischonn (1994: 44): “Nas palavras em que o número de sílabas pretônicas é par, o padrão é sempre este: a primeira sílaba é acentuada e cada segunda sílaba à direita desta. Nas palavras em que o número de sílabas pretônicas é ímpar, observamos dois padrões possíveis: (a) a segunda sílaba é acentuada e cada segunda sílaba à direita desta; ou (b) a primeira sílaba é acentuada e o acento seguinte somente cai sobre a terceira sílaba à direita desta”. Por esse padrão, podemos citar os seguintes casos como exemplos: 1) àto.nìci.dáde; 2) (a) razòabìlidáde; (b) ràzoabìlidáde. 3. Referências BISOL, Leda (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. COLLISCHONN, Gisela. Acento secudário em português. Fonologia – Análises não-lineares. BISOL, L. (Org.) Letras de Hoje. Volume 29. Número 4. PUC-RS. Porto Alegre, 1994. GUSSENHOVEN, C. & JACOBS, H. Understanding Phonology. Londres: Hodder Arnold, 2005. McCARTHY, John. On stress and syllabification. Linguistic Inquiry. Cambridge, Mass, v. 10, n. 3, p. 443-466, 1979. HAYES, Bruce. Iambic and Trochaic rhythm in stress rules. Berkeley Linguistics Society 13: 249-49, 1985.
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